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sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6848: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (6): 1966, o ano das prov(oc)ações


Continuação da publicação das memórias de Cadogo Pai (*)... O documento, de 26 páginas, que me chegou às mãos, tem por título: Memória de Carlos Domingos Gomes, Combatente da Liberdade da Pátria: Registos da História da Mobilização e Luta da Libertação Nacional. Recordar Guiledje, Simposium Internacional, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008.

II Parte > Excertos (pp. 8-11)

14. Numa sessão da Câmara Municipal, o Major Matos Guerra que era o Presidente anunciou-nos que ia destruir, com uma bulldozer nova encomendada, e por ordem do Sr. Governador Arnaldo Schultz, o bairro do Cupelom, suspeito de ser um ninho de terroristas.

Repliquei, pedindo-lhe para nos informar onde é que a população iria ser alojada. Respondeu que não sabia. Dei-lhe como exemplo o bairro de Alvalade, em Lisboa, onde se cosntruiu o bairro, primeiro, para depois se desalojar as pessoas.

Foi uma discussão que durou, foi suspensa para o jantar e depois retomada até de madrugada. Nós, a vereação, coesa, recusámos a proposta de decisão, que ficou suspensa. Isto pode ler-se na acta da Câmara Municipal.


A seguir, houve uma nova provocação, sempre para estudo das minhas reacções. O secretário da Câmara Municipal, António Barbosa, natural de Cabo Verde, telefonou-me a dizer que havia uma proposta para mandar uma delegação da Câmara Municipal de Bissau a Lisboa, para representar a Guiné, a exemplo das outras províncias, numa manifestação de apoio ao Professor Salazar por ter decidido desencadear a guerra contra as províncias colonizadas.

Pediram-me para ir assinar a proposta. Perguntei de quem era a decisão. Respondeu-me que fora decidido pelo Governador e o Sr. Presidente da Câmara. Respondi que, por mim, eram eles que deviam assinar. Insistiu e eu respondi para dizer ao Sr. Governador e ao Sr. Presidente da Câmara que eu recusava-me a assinar a proposta. Passou o telefone ao Presidente da Câmara que me confirmou o pedido. Dei-lhe a mesma resposta, negativa, com pedido de para a transmitir ao Sr. Governador.

16. Aconteceu esta cena de manhã. Desligaram o telefone de imediato. Telefonei ao Sr. Benjamim Correia, a dar-lhe conhecimento do ocorrido. Combinámos recusar assinar. O Dr. Armandino Pereira não tinha telefone em casa. Desloquei-me de carro para o avisar. Combinámos recusar assinar a proposta.

17. À tarde, recebemos uma convocatória para uma reunuião na Câmara após o jantar. Eu e o sr. Benjamaim Correia comparecemos, mas o Dr. Armando Pereira desculpou-se, dizendo que estava incomodado, pelo que não poderia deslocar-se à Câmara, de noite.

18. No dia seguinte, quinta-feira, era o dia normal das sessões de Câmara, o Presidente da Câmara veio ao nosso encontro, à porta, com uma amabilidade fora do habitual. Cumprimentou cada um e, ao dirigirmo-nos para os nossos lugares, convidou-nos para um encontro no seu Gabinete, com o Dr. Manuel Marques Palmeirim, que fora mandado pelo Sr. Governador Arnaldo Schulz para ter uma reunião com os vereadores.

19. Fui o primeiro a entrar. Convidou-me a ficar na cadeira mesma à sua frente e, depois de cada um ocupar o lugar que lhe fora oferecido, disparou:
- Senhores Vereadores, parece que se estabeleceu na Câmara uma confusão, para se atender o pedido do Sr. Governador, de se mandar uma delegação da Câmara a Lisboa para tomar parte numa manifestação em apoio ao Professor Salazar.

Respondi, pedindo desculpas, para dizer que não havia confusão nenhuma. Apontei para o livro que tinha aberto à minha frente, a Reforma Administrativa Ultramarina (RAU), que diz que é a Câmara que decide e delibera, não é o Sr. Governador que desencadeia a iniciativa. Respondeu-me:
- Tem razão o Sr. Carlos Gomes.


20. Fez-me três perguntas. A primeira foi a seguinte:  Sendo a Câmara que iria reunir para tomar a decisão, qual seria a minha opinião.

Respondi-lhe que, por mim, se fosse a Câmara a decidir teria que indicar o Presidennte, a quem compete a representação da Câmara.

Fez-me a segunda pergunta:
- E se o Presidente não puder ir ?

Respondi que, por mim, nesse caso seria o Sr. Vice Presidente, Dr. Armando Pereira, no caso de aceitar a missão.

Fez-me a terceira pergunta:
- E se o Dr. Armando Pereira não puder ir ?

Respondi-lhe que teríamos que decidir por escrutínio secreto… Mas se a escolha recaísse na minha pessoa, recusaria aceitar a missão.

21. O Sr. Governador teve que ser ele a decidir, mandando o Sr. Presidente da Câmara representar a Guiné.

22. A partir dessas provocações, nunca mais tive vida sossegads, sucederam-se prisões e mortes (Durante Vieira e outros)… A minha construção continuou a evoluir, mas com desassossego.

 [ Revisão / fixação de texto/ excertos / digitalizações / título: L.G.] 

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6843: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (5): Júlio Pereira, preso, torturado e morto na prisão pela PIDE, suspeito de estar por detrás dos graves acontecimentos de Farim, em 1/11/1965

Continuação da publicação das memórias de Cadogo Pai (*)... O documento, de 26 páginas, que me chegou às mãos, tem por título: Memória de Carlos Domingos Gomes, Combatente da Liberdade da Pátria: Registos da História da Mobilização e Luta da Libertação Nacional. Recordar Guiledje, Simposium Internacional, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008.

II Parte > Excertos (pp. 5-8)

Instalado em Bissau, a partir de Novembro de 1960, com o desenvolvimento da minha vida empresarial, os contactos alargaram-se. Festas conjuntas em casa do amigo João Vaz [, alfaiate,], ou na minha, a acolhermos os estudantes vindos de férias, e a envolvermos os amigos – além do João Vaz, Elisée Turpin, Pedro Pinto Pereira, Júlio Pereira, Duarte Vieira e o Dr. Maurício Dias (de visita frequente a Bissau).

Estes contactos foram avolumando suspeitas, porque a repressão colonial era tal que tudo, para eles, era motivo de suspeitas.

7. Não descuidávamos o apoio aos que partiam para a luta. Lembro-me de Armando Faria, Dr. Venâncio, Fidelis Cabral de Almada, Hugo Borges, etc. Organizávamos quotizações para um jantar, bailes, caso do Dr. Fidelis, até uma ajuda pecuniária. Foi ali que descobri a acção do Dr. Severino Gomes de Pina. Era secretário da Câmara [e advogado].

Na recolha de contribuições para um jantar, Elisée Turpin aconselhou-me a irmos pedir ao Dr. Pina. Fomos à Câmara. Estava a falar com o funcionário europeu, de nome Ventura, pai do conhecido Abel Ventura. Não hesitámos, dirigímo-nos a ele e pedimos a sua contribuição. De modo contrariado, ripostou-nos o Dr. Severino Gomes de Pina, com a recusa, o que me deixou contrariado. Mas no mesmo dia e noite, procurou-nos para pedir desculpas e para a dar a contribuição. O Elisée recebeu mas eu mantive-me zangado, afastei-me deles.

9. Em 1964, requeri terreno onde se encontram as minhas actuais instalações e iniciei as obras. Então o número de contactos aumentou. Concentrávamo-nos frente às minhas obras, com o perigo a aumentar passamos a organizar jantares e mais festas. O grupo engrossou, com Júlio Pereira (que vinha de Farim), Armando Lobo de Pina, Domingos Maria Deybs, João Vaz, Elisée Turpin, Pedro Pinto Ferreira, Duarte Vieira, Aguinaldo Paquete, eu, Carlos Domingos Gomes, etc.

Estes encontros organizavam-se sempre que o Júlio Pereira vinha de Farim para nos trazer as notícias da evolução da luta, que já estava muito avançada. Tudo estava sob perigo, sob vigilância da PIDE.

10. Havia muita dificuldade da população em se abastecer de arroz. Organizei o apoio de abastecimento em arroz, e praticamente em tudo o que era alimentação. As pessoas passaram a vir dormir ao pé das minhas instalações. Destaco nesse empreendimento o apoio de Cipriano Correia Dias, que era alto funcionário da Economia e responsável da distribuição das requisições. Protegeu-me sempre a iniciativa, que reforçava com os que conseguiam requisições e não conseguiam fundos para o levantamento de arroz. Vendiam-se as requisições a troco de algum lucro.

"Depressa a fama da distribuiçãio de arroz galgou notícia por todo o país e eram centenas as pessoas que vinham dormir para serem as primeiras a ser atendidas.

11. Como uma bomba soou-nos a notícia da prisão de Júlio Pereira em Farim, na sequência de uma granda atirada a um ajuntamenmto numa festa de tambor em Farim (**). Foi sovado que nem um animal e obrigado numa cela a lutar com um companheiro até à morte.

12. Eu era vereador da Câmara Municipal  de Bissau, com o velho companheiro Benjamim Correio, Dr. Armando Pereira e Lauride Bela. Ninguém me fazia acreditar que seria preso, dada a forma isolada como actuava durante a distribuição de arroz. Atendia tudo e todos, até às pessoas que desmaiavam oferecia arroz, punha no meu carro e levava-as a suas casas, mas sempre de cara amarada (sic), porque sabia que a minha actividade estava sendo vigiada.



(Continua)


[ Revisão / fixação de texto/ excertos / digitalizações / título: L.G.]

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

30 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6807: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (1): Encarregado de uma empresa francesa, em Bissau e depois Bolama (1946-1951)



(...) Em 1946, aos 17 anos (nasceu portanto em 1929), o autor era “paquete de escritório da família Barbosa, junto do Grande Hotel”. Ganhava 120 escudos de salário mensal. Essa família Barbosa incluía Antoninho Barbosa e César Barbosa, tios do Caló Capé.

Achando que não era lugar de (ou com) futuro, candidatou-se a (e ganhou) o lugar de auxiliar de escriturário numa firma francesa, SCOA – Sociedade Comercial do Oeste Africano (proprietária do edifício onde está hoje a Pensão Berta), com várias lojas pela Guiné (Bissau, Bolama, Bissorã…). (...)


2 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6815: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (2): A elite guineense nos anos 50

(...) Na pág. 5, Parte I, o autor refere o nome de diversas personalidades que, ainda antes da chegada de Amílcar Cabral, foram influentes na vida pública, social, cívica e cultural, da cidade de Bissau, devendo ser tidas em conta no estudo da génese do nacionalismo guineense... Entre esses nomes (vd. recorte acima, ponto 13), o autor cita os dos pais do nosso amigo Pepito, o Dr. Artur Augusto Silva [, 1912-1983, ] "advogado, defensor dos arguidos políticos", e a Dra. Clara Schwarz da Silva, "esposa do Dr. Artur Silva, mãe dos estudantes", professora do Liceu Honório Barreto, e hoje membro da nossa Tabanca Grande, com a notável idade de... 95 anos, feitos em Fevereiro passado! (...)

5 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6828: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (3): Estabelecido por conta própria em 1955

(...) "17. Foi a fase em que surgiu Amílcar Cabral, [em 1952, o qual ] jogou um papel importante, inteligente, em que organizou a sociedade, fazendo serenar os ânimos [exaltados devidos às ] rivalidades, e levando os adeptos a uma camaradagem que se impunha, e a um convívio em paz. E unidos, no sentido de organizar o combate ao único inimigo da Pátria, o nefasto colonialismo. (...)"

8 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6836: Memórias de Um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (4): Casado em 1956, vereador em 1957, em Bolama, regressa a Bissau em Novembro de 1960, como convicto nacionalista

(...) "1. Casei-me a 8 de Setembro de 1956, viajei para Dakar, a 12 de Setembro de 1956, de ambulância, de Lulula para Zinguinchor. Era condutor um amigo e colega de infância José Bapote, que ainda vive. De Zinguinchor segui para Dakar, onde passei um mês na companhia da esposa e do Djack, Jacinto Gomes, meu sobrinho que eduquei desde os dois anos e meio, após a morte da mãe.(...)

(**) Vd. postes de:

4 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5211: Efemérides (32): 1 de Novembro de 1965 – Relatório Oficial da Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)

3 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5203: Efemérides (26): 1 de Novembro de 1965 - Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)

(...) No passado dia 1 completaram-se 44 anos, sobre um ataque que me marcou profundamente. Tenho duas fotos de uma das sobreviventes e lembrei-me de enviar para serem publicadas no blogue.

Tudo aconteceu em Farim, resultante do rebentamento de um engenho explosivo, em pleno batuque na tabanca do Bairro da Morcunda.

Eram 21h30, quando um elemento da milícia lançou um fornilho (uma granada embebida em pregos, lâminas e bocados de ferros), para o meio do pessoal presente.

27 mortos e 70 feridos graves, uma deles era uma senhora que podem ver nas fotos e que, nessa altura, era ainda uma criança de 10 anos. Chama-se Cáti, mora actualmente em Farim e, em Março de 2008, fui encontrá-la numa festa na Missão Católica em homenagem a um grupo de turistas “tugas”, que por ali passaram 2 dias. (...)

18 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2060: Bibliografia de uma guerra (14) : o testemunho de Pedro Pinto Pereira. Memórias do Colonialismo e da Guerra (Dalila C. Mateus)/vb

domingo, 8 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6836: Memórias de Um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (4): Casado em 1956, vereador em 1957, em Bolama, regressa a Bissau em Novembro de 1960, como convicto nacionalista


Continuação da publicação das memórias de Cadogo Pai (*)... O documento, de 26 páginas, que me chegou às mãos, tem por título: Memória de Carlos Domingos Gomes, Combatente da Liberdade da Pátria: Registos da História da Mobilização e Luta da Libertação Nacional. Recordar Guiledje, Simposium Internacional, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008.

II Parte > Excertos (pp. 1-5)

"1. Casei-me a 8 de Setembro de 1956, viajei para Dakar, a 12 de Setembro de 1956, de ambulância, de Lulula para Zinguinchor. Era condutor um amigo e colega de infância José Bapote, que ainda vive. 

De Zinguinchor segui para Dakar, onde passei um mês na companhia da esposa e do Djack, Jacinto Gomes, meu sobrinho que eduquei desde os dois anos e meio, após a morte da mãe.

"2. A primeira reunião que decidiu a fundação do PAIGC, realizou-se na Rua Severino Gomes de Pina, a 19 de Setembro de 1956, com as presenças de Amílcar Cabral, Luís Cabral, Aristides Pereira, Fernando Fortes, Inácio Júlio Semedo e Elisée Turpin.

“O documento elaborado é de oito artigos. O Art 3º diz que o Partido trabalha no sentido de unir todos os africanos, de todas as etnias e de todas as camadas sociais. Consta da primeira edição do Jornal Nô Pintcha, artigo esse que mandei publicar. Citei o artigo mencionado para esclarecer que tinha ligações com o PAIGC, quando Luís Cabral tentou impedir a minha candidatura às primeiras eleições legislativas realizadas em Bissau, após a independência.

“Esta declaração provocou o interesse do Dr. Vasco Cabral, que não me largou até o fornecer e ao camarada Nino Vieira. Refiro-me ao texto completo que me foi fornecido após o meu regresso de Dakar em 1956.

"3. Após o meu casamento, em 1957 fui eleito vereador da Câmara Municipal de Bolama, palco dos meus primeiros confrontos com o poder colonial, que marcaram bem a minha vida de luta e experiência.

“Foi onde comecei a interessar-me pela interpretação da leis, por que a luta era árdua, de confrontos de interesse do município e dos colonialistas. Era secretário Abeilard Vieira, presidente Camilo Monte Negro (administrador), Olívio Pinto Pereira, funcionário administrativo, testemunho válido das lutas travadas que as actas assinalam.

"4. Não completei o mandato, porque começou a repressão colonial, após a fundação do PAIGC a 19/9/1956 e os acontecimentos de 3 de Agosto de 1959 no Cais do Pinjiguiti. Tive que viajar para Portugal em Junho de 1960, porque corria enorme risco de ser preso. As actividades atrás citadas – visitas de excursões de rapazes de Bissau a Bolama – geraram uma situação que abalou totalmente a confiança que levou os Portugueses a convidar-me para a Câmara Municipal de Bolama como vereador.

"5. Regressei de férias em Novembro de 1960, directamente para me instalar em Bissau, dadas as notícias que recebia das prisões e mortes de presos em Tite.

“Depois de me instalar em Bissau, transferi os stocks de Bolama para Bissau, a seguir às operações de Fulacunda, Junqueira, cessando a minha actividade em Bolama e zonas de Tite, porque eram perigosas.

"6. Antes de partir de férias, os meus contactos eram muito notórios. Aos fins de tarde, reuníamo-nos habitualmente na marginal, mesmo em frente aos Armazéns da Alfândega e o chamado Porto das Canoas, eu, Carlos Domigos Gomes, com os amigos Aristides Pereira, Alcebias Tolentino, Adelino Gomes, Barcelos de Lima e Alfredo Fortes, nomes já mencionados na primeira parte deste trabalho.

Aristides Pereira deixou Bolama, a pretexto de concorrer a um concurso nos Estados Unidos, afinal [seguiu] para as fileiras do PAIGC. (…).


Estas ligações eram tidas como suspeitas. No livro do Aristides Pereira, Guiné-Bissau e Cabo Verde,uma luta, um partido, dois países, na página nº 79, ele refere a nossa amizade e faz uma observação em relação à minha pessoa como nacionalista convicto, já na altura, no decurso dos nossos contactos.

“Voltei a encontrar o camarada Aristides Pereira em Madina do Boé. Foi na altura do 1º Aniversário da nossa Independência Nacional. Conduzi uma delegação de Bissau até Gabú. Era comandante da zona o sr. Honório Chantre que nos recebeu à chegada a Gabú. Após se inteirar da nossa intenção de irmos assistir às comemorações do 1º Aniversário da nossa Independência, mandou-nos procurar alojamento e aguardar a resposta à comunicação que ia mandar para a base.

“No dia seguinte, logo pela manhã, mandou-me chamar a mima e aos companheiros a fim de dar a resposta prometida. Da autorização recebida, só eu podia entrar para a base, escolhendo uma pessoa para me acompanhar. A delegação era composta por 14 nacionais e um português, de nome António Augusto Esteves, ex-comerciante bem conhecido, já falecido, radicado há dezenas de anos na Guiné-Bissau. Posso testemunhar a sua dedicação, bem coberta a causa da Independência (como o testemunham os bens implantados).

Foi ele então a pessoa escolhida para me acompanhar. Foi deslocado um helicóptero da base de Madina Boé a Gabu para nos transportar. A minha escolha causou mal estar na caravana que teve de regressar a Bissau.

A chegada à base que acolheu a manifestação, fomos recebidos pelo então Comissário do Comércio, o camarada Armando Ramos, que a seguir às manifestações, recebeu ordens para nos conduzir a uma sessão especial, onde encontrámos, reunido, todo o elenco dirigente do Partido, entre eles com a toda a surpresa o camarada Aristides Pereira que me acolheu de braços abertos, com uma abertura desconhecida no seu semblante, sempre fechado. Disparou-me a seguinte pergunta:
- E as nossas conversas em Bolama ?

Respondi comovido, só descobri os fundamentos dos nossos encontros após a sua partida dita para os Estados Unidos.

Fecho solenemente este episódio com uma declaração: nunca mais esqueci o abraço deste encontro, para testemunhar que os efeitos de Aristides Pereira, em prol dos trabalhos de mobilização, merecem muito mais do que o silêncio do seu n ome que nos tem chegado. Aproveito esta oportunidade para agradecer a menção do meu nome no seu livro atrás citado.

[ Revisão / fixação de texto/ excertos / digitalizações / título: L.G.]

(Continua)

________________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

30 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6807: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (1): Encarregado de uma empresa francesa, em Bissau e depois Bolama (1946-1951)

2 de Agosto de 2010 > 
Guiné 63/74 - P6815: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (2): A elite guineense nos anos 50


5 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6828: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (3): Estabelecido por conta própria em 1955

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6828: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (3): Estabelecido por conta própria em 1955



Continuação da publicação das memórias de Cadogo Pai (*)... O documento, de 26 páginas, tem por título: Memória de Carlos Domingos Gomes, Combatente da Liberdade da Pátria: Registos da História da Mobilização e Luta da Libertação Nacional. Recordar Guiledje, Simposium Internacional, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008.

Excertos da 1ª Parte, Pág. 7-9 


"17. Foi a fase em que surgiu Amílcar Cabral, [em 1952, o qual ] jogou um papel importante, inteligente, em que organizou a sociedade, fazendo serenar os ânimos [exaltados devidos às ] rivalidades, e levando os adeptos a uma camaradagem que se impunha, e a um convívio em paz. E unidos, no sentido de organizar o combate ao único inimigo da Pátria, o nefasto colonialismo.

“Amílcar organizou os contactos, restritos. Para defesa da confidencialidade necessária”: Elisée Turpin, Inácio Semedo, Fernando Fortes, Luís Cabral, Aristides Pereira, Epifânio Soto Amado, Júlio Almeida, guarda-redes da UDIB, etc.

"18. Os colonialistas, em vez de corrigirem, incentivaram mais os motivos das rivalidades e dos reparos dos guineenses: Liceus em Cabo-Verde, bons empregos, salários desiguais, etc.

"19. Vinha de Bolama, as reuniões eram no quarto de Elisée Turpin, [,em Bissau,] que ficava situado atrás do salão onde se pratica hoje o judo. Vinham conhecidos dele do Senegal e os encontros eram ali e também na messe do B.N. U. [, Banco Nacional Ultramarino,] com os cabo-verdianos, empregados do B.N.U. que passaram a dar uma contribuição válida, Lima Barber, Júlio Simas, Eanes, Cézar, Lomba Nascimento, etc., sendo os últimos de S. Tomé.

“Após as reuniões, o camarada Luís Cabral, invariavelmente, mantinha-s eno passeio do B.N.U,, a passear. Ao chegarmos à esquina da empresa francesa NOSOCO (hoje Henrique Rosa), o Elisée dizia-nos:
- Um momento, para eu dar uma fala ao Luís Cabral.  

"Mas nunca dizia o que ia tratar com ele"... 









Cópia da 1ª Parte, pág. 8 (em cima)... Transcrição da página 9 (a seguir):

"razão do meu constrangimento e propôs-me uma transferência para Paris, dada a confiança que ganhei em toda a organização, a exemplo de muitos colegas que foram transferidos na altura para Ziguincgor, Dakar, etc. 

"Avisou-me que o vento da Independência iniciada nos países vizinhos (Conakry, Senegal, etc.) chegaria à Guiné-Bissau e aconselhou-me que, se ficasse na Guiné, iria passar mal, como passei.

"Após esta reunião, decidi adiar a minha decisão, era altura da campanha, mas com o constrangimento a que éramos obrigados nas compras dos produtos, voltei à carga com a decisão. Foi assim que me estabeleci por conta própria a 5 de Setembro de 1955.

"Fim da 1ª Parte".

[ Revisão / fixação  de texto/ excertos / digitalizações / título: L.G.]

____________


Nota de L.G.:

 (*) Vd. postes anteriores da série:


2 de Agosto de 2010 > 
Guiné 63/74 - P6815: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (2): A elite guineense nos anos 50


quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6827: (Ex)citações (87): O direito de um velho colon a ter um ponto de vista um tanto reaccionário (António Rosinha)

1. Comentário de 29 de Julho último, assinado por António Rosinha [, foto à esquerda,  em Pombal, 2007, de L.G.], ao poste P6802:

 Beja Santos, esta tua capacidade e força para publicares e analisares tudo o que se escreve sobre a Guiné, enriquece imenso este blogue. Com a vantagem de deixar campo para cada leitor fazer a própria análise.

E, no caso deste livro, que não dá muitas novidades mais que outras leituras, é aquela dúvida se seria exactamente o PAIGC de Amílcar e Luís Cabral, que os guineenses queriam.

Atenção,  que eu assisti ao 14 de Novembro de 1980, em que Vasco Cabral (não era da família),também foi baleado à porta de casa por «uma bala perdida».

E o facto de alguns guineenses ficarem satisfeitos com a nova constituição, o povo em geral também não teve opinião. Porque aquilo não foi mais do que um tiro no próprio pé do PAIGC.

Será que a grande preocupação do povo seria mesmo uma nova "constituição"? É que aqueles que se diziam membros do PAIGC apregoavam que o golpe nos «bormelhos» foi justo, porque tanto a distribuição dos lugares bons, assim como a distribuição dos automóveis, tinha ido parar às «mãos erradas».

Era um bom motivo para um golpe de estado, visto do PAIGC;  do PAICV, nunca li grandes comentários.

Mário e Luís, o facto de eu ser um velho «colon»,  também tenho direito a analisar de um ponto de vista um tanto reaccionário.

Faço votos que a democracia imposta pelos FMI, ONU, Banco Mundial, e Igreja, e umas tantas ONG, substitua um dia a droga e a corrupção, e fixe os guineenses mais preparados na sua terra. Caso contrário, com o tempo desaparece a nossa velha Guiné.

2. Outro comentário (ao poste P6807) do camarada do nosso querido amigo António Rosinha, a quem desejamos saúde  e longa vida:

Luís Graça, deve ser interessantíssimo publicar na íntegra as memórias do Cadogo Pai, que provavelmente vai permitir, simultaneamente,  ficarmos com uma ideia sobre Cadogo Filho, 1º ministro e talvez o maior empresário guineense pós-independência.

Se o pai não seria histórico do PAIGC?

Podia não ser, mas Luís, nos anos 50,  todos os guineenses letrados, chamemos-lhe assim, (não indígenas), tipo Luís Cabral, da Casa Gouveia, dos Correios,  tipo Aristides, ou o Cadogo, de uma casa comercial, todos eram nacionalistas.

Tanto do PAIGC em Bissau, como do MPLA e outros de Angola, todos eram nacionalistas.  Antes de Março de 1961, não se preocupavam muito em esconder o que pensavam e até o manifestavam entre amigos e colegas metropolitanos.

O que confundia muitos, era essa ligação política ao comunismo, e veio a ver-se,  depois de Março de 1961, as ligações aos americanos através das missões evangelistas em Angola.

Daí haver milhares que, sendo nacionalistas, nunca aderirem aos movimentos. Daí  também se contarem pelos dedos os pouquíssimos dirigentes (letrados) do MPLA e do PAIGC.

É que,  quando lemos tudo o que há escrito sobre os movimentos, principalmente do PAIGC, que secou os outros em volta, são sempre um pequeno grupo.

No entanto todos eram nacionalistas, desde os que foram Cabos, Furriéis e Alferes do nosso exército,  lado a lado connosco, como os que foram colegas de trabalho.

O Cadogo, incompreensivelmente aos olhos de um tuga, tinha sucesso como empresário, em plena implantação do comunismo mais ortodoxo em Bissau de Luis Cabral.

Cumprimentos.
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Nota de L.G.:

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6815: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (2): A elite guineense, nos anos 50



Lisboa > c. 1947 > Subindo o Chiado, Artur Augusto da Silva e Clara Schwarz da Silva... Futuros pais do nosso muito querido Pepito (Carlos Schwarz da Silva).

Artur Silva,  nascido em Cabo Verde, em 1912, viveu os primeiros anos em Farim, na Guiné, e depois em Lisboa onde se licenciou em Direito e conheceu Clara (n. em Lisboa, em 1915). Teve uma vida intelectual intensa enquanto estudante, frequentando as tertúlias literárias da Baixa. Ainda conheceu Fernando Pessoa (que morreu em Novembro de 1935), e privou com intelectuais com o poeta António Botto, o romancista Ferreira de Castro, o músico Luís Freitas Branco, o pintor Eduardo Malta. Esteve de 1939 a 1941 em Angola, como secretário do Governador Geral; de regresso a Portugal exerceu advocacia em Lisboa, Alcobaça e Porto de Mós)..Em 1949, o casal partiria para a Guiné, onde o Artur foi, até 1966, advogado, notário e até substituto do Delegado do Procurador da República. Morreu em Bissau, em 1983.

Por sua vez, Clara Schwarz, de pais judeus (o pai polaco e a mãe russa), licença em letras, e diplomado em volino pelo Conservatório de Música de Lisboa, foi uma notável pedagoga, tendo sido professora, no Liceu Honófrio Barreto, em Bissau, de alguns dos futuros dirigentes e quadros do PAIGC. Membro do nosso blogue, faz em Fevereiro passado a bonita idade de... 95 anos!

Fotos: © Mikael Levin (com a devina vénia...)




Excerto do documento policopiado, "Memórias de Carlos Domingos Gomes"... (ª1 Parte, p.5).


Continuação da publicação das memórias de Cadogo Pai (*)... O documento, de 26 páginas, tem por título: Memória de Carlos Domingos Gomes, Combatente da Liberdade da Pátria: Registos da História da Mobilização e Luta da Libertação Nacional. Recordar Guiledje, Simposium Internacional, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008.

O texto, que foi entregue em Março de 2008, em Bissau, pelo próprio autor,está dividido em duas partes, com numeração autónoma: 1ª parte (9 pp.): Memórias de Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai, Galardoado com a Medalha de Combatente da Liberdade da Pátria: Registos da História da Luta de Libertação Nacional. Guiledje, Simpósium Internacional, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008; a II parte (17 pp): Simpósium Internacional, História da Mobilização da Luta da Libertação Nacional: Memórias de Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai.

No poste anterior, vamos encontrá-lo em Bolama, em1951, como encarregado de uma empresa francesa, a SCOA, a mesma onde trabalharia, até 1956, Elisée Turpin, um dos históricos do PAIGC. Em Bolama, convive de muito perto com Aristides Pereira, outro histórico do PAIGC.




Na pág. 5, Parte I, o autor refere o nome de diversas personalidades que, ainda antes da chegada de Amílcar Cabral, foram influentes na vida pública, social, cívica e cultural, da cidade de Bissau, devendo ser tidas em conta no estudo da génese do nacionalismo guineense... Entre esses nomes (vd. recorte acima, ponto 13), o autor cita os dos pais do nosso amigo Pepito, o Dr. Artur Augusto Silva [, 1912-1983, ] "advogado, defensor dos arguidos políticos", e a Dra. Clara Schwarz da Silva, "esposa do Dr. Artur Silva, mãe dos estudantes", professora do Liceu Honório Barreto, e hoje membro da nossa Tabanca Grande, com a notável idade de... 95 anos, feitos em Fevereiro passado!

O autor justifica a menção destes e doutros nomes influentes, nestes termos: "Antes de se falar do camarada Amílcar Cabral [, que regressa à Guiné, em 1952, vinte anos depois de ter partido para Cabo Verde, terra de seus pais], surgiu o movimento da Associação Recreativa, Cultural e Desportiva, que encobria motivos políticos. Daí que tem de se falar das seguintes, não do movimento, que desempenharam um papel importante na viragem histórica dos pacíficos filhos da Guiné-Bissau" (p. 5, 1ª parte)... Foram homens (e mulheres) que, nas suas diferentes actividades, públicas e profissionais, "souberam incutir discretamente nos guineenses [...] a voz da revolta"...

Não sei exactamente a que associação Cadogo Pai se refere. Sabemos que, na 1ª metade da década de 1950, Amílcar Cabral  tinha redigido os estatutos de um clube recreativo, desportivo e cultural, aberto a todos os guineenses,, independentemenmte da sua condição . Ao que parece, os estatutos foram "chumbados" pelas as autoridades portugueses, sob o pretexto de que a maioria dos signatários não era portadora de bilhete de identidade. Em 1955, o governador Melo e Alvim obriga Cabral a deixar a Guiné, embora lhe permita voltar uma vez por ano, por razões familiares.

Cadogo Pai refere-s à importância que tiveram, no despertar da consciência nacionalista dos guineenses, os "torneios de futebol" que se realizavam nos países limítrofes (Senegal, Gânbia, Guiné-Conacri). "Apareciam médicos, advogados, jornalistas"... Os guineenses olhavam para a sua terra e apercebiam-se do atraso em que se vivia...

Foi no imediato após-guerra, sob o consulado de Sarmento Rodrigues, que Bissau conhece um certo progresso...Surgem "os primeiros agrupamentos sociais da elite guineense, o Club Cila, o Ciem [...], depois o agrupamento desportivo, recreativo e cutural"... Tudo isto "antes de Amílcar Cabral" (p. 6, 1ª Parte).

Apareceram também clubes de futebol como o Sport Lisboa e Benfica. "por iniciativa de alguns nomes conhecidos da sociedade portuguesa, Gama das Construções [Gama] Lda,  Pimenta do Cadastro, Casqueiro, etc." e o Sporting Club de Bissau, "sob a égide de Eugénio Paralta, irmão Zé Paralta, Chico Correia"... 

A UDIB já existia, diz-nos Cadogo Pai. No entanto, o desenvolvimento do futebol, "trouxe mais um bafo de rivalidades, olhando a situação dos jogadores cabo-verdianos , importados pelo Benfica, que, para os atrair,  os adeptos bem colocados, tinham que lhes oferecere bons empreegos. Bons rapazes, no fundo, Antero, os sinais [?] Tcheca, Marcelino Ferreira (Tchalino), etc." (1ª Parte, p. 6).

[ Revisão / fixação  de texto/ excertos / digitalizações / título: L.G.]

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Nota de L.G.:

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6807: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (1): Encarregado de uma empresa francesa, em Bissau e depois Bolama (1946-1951)









Conheci Carlos Domingos Gomes (nickname, Cadogo, Cadogo Pai ou Cadogo Velho), há mais de dois anos, em Bissau, no decurso do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008).

Estava ainda no poder o ‘Nino’ Veira. Era presidente do PAIGC Carlos Gomes Júnior (também conhecido na sua terra como Cadogo Júnior, ou apenas Cadogo), e que chegou a ser considerado como delfim do próprio ‘Nino’ Vieira até ao conflito de 1998.

Dez meses depois do Simpósio, o filho de Carlos Domingos Gomes, no final desse ano, seria indigitado para o cargo de Primeiro-Ministro, lugar que ainda hoje ocupa.

Carlos Gomes Júnior nasceu em Bolama em 1949. É filho de Carlos Domingos Gomes e de Maria Augusta. Sabemos que, antes de entrar na política, e chegar a dirigente máximo do PAIGC, o actual primeiro ministro foi um empresário e gestor de sucesso. Não participou na luta armada como combatente.

O Cadogo Pai, em contrapartida, reclama-se da condição de Combatente da Liberdade da Pátria, sem todavia nunca ter pertencido ao PAIGC, e muito menos combatido na guerrilha. Considera-se um nacionalista, embora tenha colaborado com o poder colonial, como autarca, o que lhe trouxe alguns alguns amargos de boca nos primeiros tempos, após a independência. Era amigo de Aristides Pereira. Em contrapartida, teve problemas com Luís Cabral que “tentou impedir a minha candidatura às primeiras eleições legislativas realizadas em Bissau, após a Independência” (1ª Parte, p. 2).

Hoje dou início à publicação da história de vida de Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai, a partir de um texto autobiográfico, policopiado, de que ele me ofereceu uma cópia em Bissau. Conheci-o por acaso, na sala de conferências do hotel onde estava a realizar-se o Simpósio. Na mesma altura conheci o Joseph Turpin (*), sobrinho do Élisee Turpin, esse sim um histórico do PAIGC (**).

Prometi, ao Cadogo Pai, publicar-lhe no nosso blogue as suas memórias, pelo menos alguns excertos ou um versão adaptada. Cumpro essa promessa ao fim de dois anos... Em Bissau, ele ofereceu-me um exemplar autografado. Deu-me inclusive o seu número de telefone de Bissau, onde reside. Daqui vão, para ele, os meus votos de boa saúde e longa vida.

O documento, de 26 páginas, tem por título: Memória de Carlos Domingos Gomes, Combatente da Liberdade da Pátria: Registos da História da Mobilização e Luta da Libertação Nacional. Recordar Guiledje, Simposium Internacional, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008.

O texto está dividido em duas partes, com numeração autónoma: 1ª parte (9 pp.): Memórias de Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai, Galardoado com a Medalha de Combatente da Liberdade da Pátria: Registos da História da Luta de Libertação Nacional. Guiledje, Simpósium Internacional, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008; a II parte (17 pp): Simpósium Internacional, História da Mobilização da Luta da Libertação Nacional: Memórias de Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai.

Cada uma das partes está estruturada por parágrafos, numerados de 1 a 23 (1ª Parte, pp. 1-9) e de 1 38 (2ª Parte, pp. 1-17). O autor assina o documento, no final como “Administrador” e como “Membro do Conselho de Estado” (sic). Não parece haver uma clara separação temática ou uma sequência lógica e cronológica entre as duas partes.

Devo acrescentar que ele não fazia parte dos oradores do Simpósio Internacional de Guiledje. Estava lá, ao que julgo, apenas como participante ou convidado.

Este evento terá sido um bom pretexto para o autor escrever, eventualmente retocar e sobretudo divulgar as suas memórias, quer como cidadão quer como empresário, balizadas entre os anos de 1946 e 1974:

“1. O evento [, o Simpósio,] galvaniza todo o meu pensamento, para tentar arrumar elementos da minha vida política, participativa, na luta pelo desmantelamento do sistema colonial em África” (Parte I, p. 1).

Em 1946, aos 17 anos (nasceu portanto em 1929), o autor era “paquete de escritório da família Barbosa, junto do Grande Hotel”. Ganhava 120 escudos de salário mensal. Essa família Barbosa incluía Antoninho Barbosa e César Barbosa, tios do Caló Capé.

Achando que não era lugar de (ou com) futuro, candidatou-se a (e ganhou) o lugar de auxiliar de escriturário numa firma francesa, SCOA – Sociedade Comercial do Oeste Africano (proprietária do edifício onde está hoje a Pensão Berta), com várias lojas pela Guiné (Bissau, Bolama, Bissorã…).

Estamos em Agosto de 1946. A escrituração das receitas da loja era feita em francês, língua que ele não dominava, mas iria contar com a ajuda (inesperada) do empregado que fora substituir, nada menos que o José Costa, colega de escola, entretanto transferido para Bissorã. Ele próprio, Cadogo,  será transferido, meses depois, a 24 de Dezembro de 1946, para Bolama. Em Bissau ganhava 250 escudos. Em Bolama, passou a ganhar 300, “quantia exígua para tomar conta da minha vida” (1ª Parte, p. 3).

Fica em Bolama três anos. Em 26 de Dezembro de 1949 é convidado “para vir ocupar o posto de chefia da loja nº 2 em Bissau”, enquanto o José Costa, regressado de Bissorã, chefia a loja nº 1. Tinha 20 anos, “ainda era menor”, só fazendo os 21 em Maio de 1950. É em Bolama que nasce o seu filho, hoje 1º ministro, em 19 de Dezembro de 1949 (conforme consta da biografia oficiosa de Carlos Gomes, no sítio do PAIGC).

Volta a Bolama, em Março de 1951, como chefe operacional da mesma empresa, a Sociedade Comercial Oeste Africana (onde trabalhou como contabilista, de 1942 a 1956, Elisée Turpin, um dos fundadores do PAIGC).

“Foi em Bolama que conheci o camarada Aristides Pereira, muito reservado. Fizemo-nos amigos. Em quase todas as tardes , entre um greupo de amigos, encon trávamo-nos na marginal” (1ª Parte, p. 4). Além de Artistides Pereira, são citados os nomes de Alcebíades Tolentino, Barcelos de Lima, Adelino Gomes e Afredo Fortes. Falava-se de tudo, “mas sobre a política africana nada”

A seguir, o autor conta-nos como foi “parar à política”, isto é, como se tornou um nacionalista, próximo do PAIGC…

“Com a posição do importante posto de emprego, encarregado da operação da SCOA, casa comercial importante na concorrência, fui empurrado muito novo para a política e manutenção [sic]de uma personalidade rija em luta com os encarregados da Gouveia, Ultramarina, Pinto Grande, Ernesto Gonçalves de Carvalho, etc., Europeus. Cabo Verdiano era o falecido Carolino Barbosa” (1ª Parte, p. 4). O “nacionalismo” de Cadogo Pai remontaria a esta época (reconhecido pelo próprio Aristides Pereira, no seu livro, a p. 79).

Terá sido através do Elisée Turpin, seu colega em Bissau, que lhe chegavam a Bolama as notícias das primeiras “movimentações”, de “cariz político”, que surgiam em Bissau. “Pode fazer-se ideia de como foi fácil a minha mobilização em confrontação com as empresas europeias que tentavam espezinhar-me e discriminar-me no importantre posto do meu emprego”. Ou seja, europeus [, leia-se: portugueses,] e caboverdianos  possivelmente não viam com bons olhos que um filho da Guiné fosse encarregado numa empresa francesa…

(Continua)

[ Revisão / fixação  de texto/ excertos / digitalizações / título: L.G.]

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 27 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3246: Simpósio Internacional de Guileje: Joseph Turpin, um histórico do PAIGC, saúda António Lobato, ex-prisioneiro (Luís Graça)

(**) Vd. poste de 12 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXV: Antologia (24): Elisée Turpin, co-fundador do PAIGC (Élisée Turpin)