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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9407: Notas de leitura (327): Bordo de Ataque - Memórias de Uma Caderneta de Voo e um Contributo para a História, de José Krus Abecasis - II Volume (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Janeiro de 2012:

Queridos amigos,
É de todos sabido como são raros os testemunhos dos oficiais da Força Aérea, no curso da guerra. Krus Abecasis, para minha surpresa, tem páginas de grande devoção à sua missão, combateu de dia e de noite, não ilude o grande número de tensões que viveu com outros camaradas, incluindo as forças paraquedistas. É incrível como estas centenas de páginas não aparecerem na bibliografia geral, ele que combateu nas três frentes. Quiçá por razões ideológicas, a narrativa perde por vezes a fluidez com enxertados, na cronologia, da situação internacional, faz perder o ritmo e implica a releitura. Há aqui páginas que constarão, estou seguro, nas antologias sobre a guerra, quando chegar a hora de alguém as publicar.

Um abraço do
Mário


Bordo de ataque: memórias de um oficial general da Força Aérea (2)*

Beja Santos

O Major-General José Krus Abecasis, recentemente falecido, publicou em meados dos anos 80 as suas memórias, cerca de 900 páginas em dois volumes, de um indesmentível interesse (Bordo de ataque, memórias de uma caderneta de voo e um contributo para a história, Coimbra Editora, 1985). Krus Abecasis teve funções relevantes como Comandante da Zona Aérea de Cabo-Verde e Guiné, foi piloto em operações decisivas, bateu-se pela melhoria do equipamento e pelas operações coordenadas. Não esconde a sua amargura e deceção face às outras armas, nomeadamente o Exército.

No apontamento anterior, foram referidas as suas memórias quanto a uma operação de bombardeamento da Ilha do Como, depois de se ter apurado que as forças do PAIGC estavam a criar uma situação preocupante às guarnições de Cachil, Cacine e Cameconde. A operação, a nível da Força Aérea, terá sido um sucesso, faltou-lhe a componente ocupação, que nunca veio a ocorrer. Depois de uma operação de bombardeamento ao Cantanhez, para destruir as peças antiaéreas, cumpria aos paraquedistas confirmarem os resultados. Foi o Capitão Tinoco de Faria quem comandou essa operação. Este capitão tinha-se revelado um chefe de invulgar envergadura, na operação “Relâmpago” coube-lhe o salvamento de um helicóptero acidentado na área de Jabadá, que ele executou com brilho. Foi ele que veio confirmar a operação resgate através da operação “Mercúrio”. Tinoco de Faria iria ser morto em combate na operação “Grifo” que comandou no corredor de Guileje. Krus Abecasis reconstitui todos esses lances dramáticos em que ”apesar da perda de sangue Tinoco de Faria reagiu com ânimo e gravemente atingido no tronco, ficou incapacitado. Vergado pelo sofrimento, recebe os primeiros-socorros do enfermeiro e diz aos seus homens que não se preocupem com ele e continuem o combate. Que transmitam a sua mulher que o seu último pensamento foi para ela”. Krus Abecasis propõe para militar tão exemplar a distinção da Torre e Espada a que não foi atendido.

Refletindo sobre o teatro de operações da Guiné em meados de 1966, refere os progressos do PAIGC a Oeste, Leste e Sul. Por essa altura, a guerrilha agravou-se na área Bula-Teixeira Pinto e Teixeira Pinto-Cacheu. Chegaram aviões Fiat que, com os Alouette III imprimiram um novo ritmo de apoio e fogo nas operações. Em Agosto, a guerrilha acentuou-se no Leste, à volta de Madina do Boé e de Bel, Krus Abecasis a tripular um Dakota, comandou a operação “Ribalta” para castigar severamente as forças do PAIGC na região, o que teve bons resultados conjunturais. Voltou a situação crítica em torno do Quitafine, Cacine e Cameconde voltaram a ser muito atacadas e a resposta foi a operação “Estoque”.

Os problemas de indisciplina sucederam-se, Krus Abecasis teve graves desentendimentos com as forças paraquedistas, a este nível. Como a situação do Sul exigia cada vez mais a intervenção das forças especiais, aprontou-se uma operação tida como muito intimidatória, a operação “Samurai” com bombardeamentos e atuação dos paraquedistas, o ponto de arranque seria Cufar. O oficial general escreve um texto demolidor acerca do comportamento dos oficiais da CCAÇ 763, em Novembro de 1966. A operação terá tido os seus resultados, com destruições, inimigos abatidos e neutralização das posições inimigas. Sempre crítico e exigente, ele escreve: “Se o inimigo fora duramente atingido, não restava dúvida que o seu corpo de batalha continuava intacto. Contrariamente ao que esperávamos, recolheu-se à área central, fazendo-se acompanhar das populações, que dominava. Os nossos grupos de combate encontraram o vácuo à sua frente, com exceção do contato na Ilha da Caiar”. O caminho estava aberto para exploração do sucesso, mas não houve operações de ocupação. Krus Abecasis ainda preparou a operação “Valquíria” para voltar a atacar o Cantanhez já que o inimigo se mostrava cada vez mais agressivo na navegação no rio Cumbijã, o que deixava Bedanda numa situação crítica de abastecimento, que envolveu vinte cinco missões aéreas incluindo bombardeamentos noturnos. E volta a escrever: “Tive ocasião de admirar a coragem com que os artilheiros das peças antiaéreas nos faziam frente, mantendo-se nas suas posições e disparando continuamente, quando os envolvíamos em metralha, indiferentes ao risco que corriam. Terminada a missão, fiquei a meditar, se entre combatentes portugueses poderíamos encontrar tal valentia. Acabei por me resignar com uma disposição nostálgica: afastar estes pensamentos para não cair no desespero que a realidade quotidiana da comissão na Guiné impunha inexoravelmente. O inimigo batia-se e morria no seu posto, fazendo-nos frente com bravura invejável e desconhecida da generalidade dos militares portugueses. Qual seria o futuro desta guerra, em que tal desequilíbrio psicológico dos combatentes era chocantemente em favor do inimigo”.

Sumariando o que se passou em 1966, o autor considera que operações como “Resgate”, “Estoque”, “Samurai” e “Valquíria” tinham contribuído para travar a progressão do PAIGC, houvera muitas baixas na Ilha do Como, mas estavam cada vez mais poderosos no Quitafine. Krus Abecasis ainda tentou preparar a operação “Apocalipse” para voltar a bombardear o Quitafine, a nível da reunião do Comando-Chefe houve opiniões desfavoráveis alegando-se que a importância do objetivo não compensava as perdas previsíveis. É por essa época, desiludido e contrariado, que Krus Abecasis suspira por ver o fim da sua comissão. Em Janeiro de 1967, regressa a Lisboa. Irá ser condecorado com a Medalha de Valor Militar com Palma, Arnaldo Schulz redigiu um louvor onde apreciava a obra por ele realizada: “Soubera ser um disciplinador e impulsionador do emprego dos meios aéreos”, “agia pelo exemplo, voava quer de dia quer de noite, por vezes em situações de risco manifesto” prestara serviços considerados relevantes e distintíssimos. Já como comandante da Base Aérea n.º 6, no Montijo, Krus Abecasis escreve a Schulz: “… Lamento sinceramente não ter-lhe conseguido ser de maior utilidade. Espero que lhe tenha sido manifesta a minha vontade constante de estruturar uma Força Aérea com um valor combativo próprio… Talvez eu tenha originado mal-entendidos de pessoas menos informadas quanto às minhas intenções… Maior teria sido a motivação se o ambiente geral refletisse aquele valor e grandeza que ansiosamente quis descortinar, mas sempre em vão. Talvez por isso nem sempre consegui dissimular a minha discordância de generosas apreciações feitas na presença de V.Exª”.

As memórias de Krus Abecasis sobre a Guiné não ficam por aqui. Voltará a visitar a Zona Aérea de Cabo-Verde e Guiné em 1969, então comandada por Diogo Neto. O que viu chocou-o; no tempo de Schulz os assuntos eram expostos pelos Comandantes dos três ramos das Forças Armadas, agora eram jovens oficiais que dialogavam descontraidamente com Spínola, apagando o papel dos oficiais dos três ramos das Forças Armadas; agora, Spínola decidia majestaticamente com os oficiais da sua corte e as críticas aos comandantes em voz alta tornara-se um lugar-comum durante as reuniões.

São memórias assombradas de um oficial general que nunca encobre, do princípio ao fim, como se sentiu comprometido com a causa da defesa ultramarina, profere, em tom por vezes cáustico, críticas aceradas aos seus pares, não esconde nomes nem se acoite em acusações vagas e genéricas.

Não dá para entender como é que estas memórias nunca aparecem mencionadas na bibliografia geral da Guerra Colonial.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9389: Notas de leitura (325): Bordo de Ataque - Memórias de Uma Caderneta de Voo e um Contributo para a História, de José Krus Abecasis (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 25 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9400: Notas de leitura (326): Anticolonialismo e Descolonização, por Luís Filipe de Oliveira e Castro (José Manuel Matos Dinis)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9389: Notas de leitura (325): Bordo de Ataque - Memórias de Uma Caderneta de Voo e um Contributo para a História, de José Krus Abecasis (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Janeiro de 2012:

Queridos amigos,
Estou seguro que “Bordo de Ataque” vai aguçar a curiosidade de muita gente.
O General Abecasis faz um relato minucioso da sua presença na Guiné, impressiona pelo seu desassombro e cativa pelo acervo de informação que disponibiliza, é o olhar da Força Aérea a complementar os meios terrestres e navais. Reconhece logo em 1963 que a guerrilha estava muito bem organizada e dispunha de um líder de mentalidade superior. Não esconde quezílias entre as diferentes armas, considera que Schulz esteve à altura dos desafios e é fortemente crítico da conceção da guerra na retaguarda. Confesso que me surpreende como estas memórias não fazem parte da bibliografia principal da guerra da Guiné.

Um abraço do
Mário


Bordo de ataque: memórias de um oficial general da Força Aérea (1)

Beja Santos

São quase 900 páginas de memórias em dois volumes ("Bordo de ataque, memórias de uma caderneta de voo e um contributo para a história", Coimbra Editora, 1985). José Kruz Abecasis é nome proeminente da Força Aérea, onde deixou um incontornável contributo. A Guiné foi-lhe familiar, sobretudo na década de 60.

No seu primeiro volume de memórias, a Guiné em guerra aparece na página 370 no seguinte contexto: “Durante o período em que exerci as funções de adjunto do comandante da 1ª Região Aérea, o General Resende incumbiu-me de visitar a zona aérea de Cabo Verde e Guiné. Entre 4 e 21 de Agosto de 1963 desempenhei-me desta missão, com vista a uma avaliação objetiva da situação militar e da colaboração prestada pela Força Aérea às Unidades de superfície”. Reuniu com o Governador, Comandante Vasco Rodrigues, e com o Comandante-Chefe, Brigadeiro Louro de Sousa. Cedo inferiu que o inimigo na Guiné era aguerrido e instruído e que o teatro de operações em nada tinha de comum com o de Angola, de onde regressara poucos meses antes. Na altura, já havia aviões abatidos, o Sargento Lobato fora capturado, e o Capitão Rebelo Valente morrera em combate, no Morés. Escreve que as forças portuguesas contavam com um grave desaire a partir do momento em que a operação da ilha do Como não tivera os resultados esperados. Transcrevo: “Nas visitas efetuadas às Unidades aquarteladas em pontos mais excêntricos e vulneráveis à ação do inimigo, tais como Bedanda e Catió, no Sul, e S. Domingos, no Noroeste da província, colhia-se a iniludível certeza do baixo moral que prevalecia nas nossas tropas”.

Descreve os reduzidos meios existentes e os atritos entre o Comandante da Zona Aérea e o Comandante da Base Operacional. Finaliza este apontamento acerca da sua missão de inspeção dizendo: “Na Guiné o inimigo era determinado e dinâmico, ousado e confiante, não descurando uma eficaz ação política externa e um esquema de organização social que, nem por ser uma miragem, deixava de ter impacto ideológico. Entre as nossas forças armadas e tanto nos comandos superiores como no âmbito da própria Força Aérea respirava-se uma atmosfera de tensões e choque entre oficiais que se hostilizavam. A guerra da Guiné poderia tornar-se no problema mais difícil das campanhas do Ultramar Português”.

Um episódio passado em Março de 1964 na Guiné é a rememoração seguinte. Tinha morrido o Alferes Piloto-Aviador Madureira Nobre e o seu corpo fora trasladado para Matosinhos. No percurso transitou pela Base Aérea 5 a ambulância com a urna, para se reabastecer de combustível, ele veio a saber que não lhe tinham sido prestados honras militares e criticou o procedimento, dirigindo-se ao Comandante da 1ª Região Aérea, lamentando a ocorrência não se ter prestado a devida manifestação de pesar por um camarada morto em combate.

Em Julho de 1965, Krus Abecasis partiu para a Guiné com as funções de Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné e de Comandante da Base Aérea 12. Comenta assim: “Tão grave quanto insensata decisão fora tomada pelo Estado-Maior da Força Aérea que assim procurava, de forma simplista, contornar dificuldades da vida de relação entre oficiais. Mais uma vez se nos deparava a triste sina nacional da incapacidade de análise de experiências passadas que tão caro tinham sido pagas pelo país”. Ficamos igualmente a saber que ele classifica como incompetentes os sucessivos Comandantes da Zona Aérea anteriores, sem qualquer passado de fileira ao nível de Esquadrilha, Esquadra ou Grupo Operacional, e que, ignorantes, eram nomeados para funções que não conseguiam exercer.

O segundo volume tem largas referências às funções que exerceu como Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, a partir de 1965. Faz uma descrição da presença do inimigo, porventura mal informado, dá ênfase às forças da FLING, na altura inoperantes, já não passava de um simples lóbi em Dakar. Refere detalhadamente o dispositivo das nossas forças, tanto os efetivos terrestres como os navais e os aéreos. Gostou da condução que Arnaldo Schulz imprimia ao relacionamento interarmas. Apercebendo-se de que a tropa paraquedista vivia em compartimentos tanque e alimentava ostensivo elitismo, tomou as medidas mais convenientes. Desdobra-se em referências às atividades da Força Aérea e só a este nível o seu levantamento é complementar ao escreveu Hélio Felgas para o Exército e Sanches de Baêna para os Fuzileiros. No início de 1965 passava ao topo das prioridades estancar as infiltrações inimigas sobre Mansoa e Nhacra; mas o Sul era a grande inquietação, havia necessidade de encontrar meios aéreos para travar a presença civil e militar do inimigo, daí a chegada de novos aviões, sobretudo helicópteros. O Major-General Abecasis guardou inúmeras recordações, uma delas é mais do que uma mera curiosidade. Um cientista e sacerdote francês, René de Naurois, famoso ornitólogo, apresentou-se na Guiné para completar um estudo das espécies de aves existentes na região, nomeadamente algumas que sabia existirem em ilhas arenosas dos Bijagós e na ilha do Como. O oficial levou o cientista num DO, baixou o nível de voo para cerca de um metro de água rumo à ilha do Como, esta aproximação rasante era a única proteção que tinham, as forças do PAIGC eram apanhadas de surpresa e não podiam pôr a funcionar as suas antiaéreas. E René de Naurois pôde confirmar a presença no Como dos Pelecanus Rufescens. As antiaéreas no Sul eram igualmente um armamento que se pretendia neutralizar, havia já aviões alvejados e temia-se o pior. Em Dezembro de 1965 foi preparada a Operação “Resgate” destinada a garantir a liberdade de ação nos céus da Guiné, pondo o Cantanhez a ferro e fogo. Durante três dias consecutivos foram largadas bombas, primeiro em Cafine e depois sobre toda a área Cafine-Santa Clara-Catesse. Madina do Boé permanentemente fustigada, os ataques a Bachile, destacamento português na ilha do Como, são outras referências quanto à intervenção da Força Aérea no referido período.

Com o intuito de se apurar os resultados práticos da Operação “Resgate”, foi desencadeada a Operação “Safari” que, no entender deste General, redundou numa vergonhosa debandada das nossas forças mal o Capitão Carvalho Araújo ter ficado gravemente ferido, depois de um comportamento galhardo e valente.

Arnaldo Schulz, no início de 1966 dá conta aos seus diretos colaboradores que a situação no Sul se tem vindo a agravar, escrevendo mesmo: “Se excetuarmos a região de Bolama, os Bijagós, a zona de Aldeia Formosa-Contabane, as áreas de irradiação imediata dos principais aquartelamentos – Tite, Empada, Buba, Bedanda, Catió, Cufar, Cabedú e a linha fronteiriça Gadamael-Cameconde, os grupos IN encontram-se um pouco por toda a parte”. Reconhecia-se não haver meios para afastar o inimigo do Cantanhez. Entretanto chegaram novos helicópteros Alouette III, mas não havia ilusões que os meios continuam a ser insuficientes. É neste contexto que o novo Comandante da Companhia de Paraquedistas, Capitão Tinoco de Faria, executou brilhantemente a Operação “Relâmpago”.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9376: Notas de leitura (324): Passadas, recordações de um aluno do Liceu Honório Barreto, de António Estácio (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8795: Notas de leitura (275): A Força Aérea na Guerra em África - Angola, Guiné e Moçambique, 1961 - 1974, por Luís Alves de Fraga (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Agosto de 2011:

Queridos amigos,
Tanto como me é dado saber, este trabalho do coronel Luís Alves de Fraga é o primeiro que abraça toda a actividade aeronáutica nos três teatros de operações. Permite uma leitura sugestiva e ter a percepção em sequência do historial da Força Aérea. Valerá talvez a pena procurar articular melhor este estudo com os pára-quedistas.

Tenho agora pela frente as quase 900 páginas de “Bordo de Ataque”, de José Krus Abecasis, porventura o melhor conjunto de memórias que permite exactamente iluminar algumas dimensões do trabalho do coronel Luís Alves de Fraga.

O abraço do
Mário


A Força Aérea na Guiné

Beja Santos

“A Força Aérea na Guerra em África – Angola, Guiné e Moçambique, 1961 – 1974”, por Luís Alves de Fraga, Prefácio, 2004, apresenta-se como o primeiro trabalho que abrange a actividade aeronáutica nos três teatros de operações africanos e tem a pretensão de proceder à descrição do esforço militar da Força Aérea no decurso da guerra. O coronel Luís Alves de Fraga dá-nos um quadro sumário dos antecedentes da aviação militar em África, como o nosso ingresso na Nato introduziu um fluxo renovador na Força Aérea como terceiro ramo das Forças Armadas. Foi graças a um novo conceito estratégico da NATO que Portugal foi dotado com elevado número de aviões de caça (175 em 14 esquadrilhas). Para os cérebros da NATO a aviação de caça era a prioridade e não a aviação naval. Depois, o autor traça uma resenha dos sinais de subversão em África e comenta a evolução das hostilidades militares na Guiné, nomeadamente chama a atenção para o enquadramento da Força Aérea segundo as directivas do Governador e Comandante-Chefe António de Spínola. Mais adiante, esmiúça o papel da Força Aérea nos três teatros de operações.

Centrado no teatro guineense, conta a história da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, integrada na 1ª Região Aérea. O Aeródromo-Base nº 2 foi inaugurado em 25 de Maio de 1961 (converter-se-á, anos depois, depois de obras de beneficiação, na Base Aérea nº 12). Comenta que os guerrilheiros do PAIGC desde cedo mostraram forte desejo de fazer frente à mobilidade e liberdade de deslocação da Força Aérea, atacando com um certo à-vontade as aeronaves, e refere concretamente as primeiras baixas: perda de um F-86F do Capitão Barros Valla, a perda de um T-6 do Sargento Lobato que colidiu com o Furriel Casal; sinistro em que morreu o Capitão Rebelo Valente que pilotava um T-6. A deslocação dos aviões F-86F para Bissau suscitou grande contestação do governo dos EUA visto tratarem-se de aeronaves atribuídas à NATO. E escreve: “O governo do Estado-novo foi habilidosamente argumentando, ao nível diplomático, de forma a fazer crer que qualquer empenhamento militar em África correspondia a um processo de contenção da expansão do comunismo internacional. Washington mostrou-se inamovível. Mesmo assim, os F-86F conseguiram-se manter na Guiné até 1964, data em que regressaram definitivamente a Portugal”.

De que aeronaves dispunha a Guiné no início da guerra? Para além do F-86F, havia T-6, DO-27, Austers, Alouette II e dois C-47. Observa o autor: “Com estes meios começou-se a dar apoio de fogo ao Exército, a efectuar transporte ligeiro e a fazer frente à guerrilha. Também actuaram sobre o território aviões P2V-5, partindo da ilha do Sal, para efeitos de bombardeamento nocturno. Os Alouette III só chegaram à Guiné no final de 1965. E explica porque é que a missão dos T-6 era essencialmente de apoio às tropas do Exército e às lanchas da Marinha, referindo a amplitude das marés que fazia com que as rias substituíssem as picadas e assegurassem o abastecimento dos aquartelamentos em muitos casos com mais facilidade por via fluvial de que por terra. Os T-6, principalmente nas rias do sul faziam escolta às lanchas como em certas zonas do Geba e do Cacheu. Escreve: “O apoio de fogo com T-6 fazia-se, pelo menos entre 1963 e 1965, usando as metralhadoras Browning com o calibre de 7,7mm, retiradas dos Spitfire e dos Hurricane; evitava-se a utilização de foguetes, por estar condicionado o seu consumo. Inicialmente, os guerrilheiros temiam o fogo de metralhadora mas com o passar do tempo teve de fazer-se a opção pelo uso de foguetes de fragmentação Sneb de 37mm”. O DO-27 era o meio aéreo mais comum para o transporte ligeiro e o PCA; os Auster acabaram por deixar de operar, após sucessivos acidentes; os C-47 estavam destinados ao transporte médio e pesado para longas distâncias.

Referindo-se a actividade antiaérea, o autor lembra que os guerrilheiros possuíam metralhadoras antiaéreas 14,4mm que chegavam a pôr em risco os próprios T-6, obrigando os pilotos a voar a 8 mil pés de altitude; logo em 1963 houve notícia da existência de metralhadoras 12,7mm montadas em tripés, responsáveis pelo abate de vários aparelhos. Em finais de 1965, desencadeou-se a operação “Resgate” que tinha por objectivo calar as armas antiaéreas existentes na península do Cantanhez. Foram lançadas 30 toneladas de bombas e a ofensiva antiaérea desapareceu do Cantanhez durante vários meses. Quando, na segunda metade de 1966, aumentou a resistência do PAIGC na península de Quitafine, atacando os aquartelamentos de Cacine e Cameconde, impedindo as guarnições de saírem, foi lançada a operação “Estoque” que empenhou consideráveis meios aéreos. Lançaram-se cerca de 800Kg de bombas e granadas sobre as armas antiaéreas logo nas primeiras horas e no balanço final concluiu-se que se haviam lançado 6800Kg de bombas e 50 granadas incendiárias. O Exército teve o caminho desimpedido, baixou significativamente a actividade antiaérea na Guiné. O ataque às baterias antiaéreas constituía uma missão perigosa, visto que o piloto tinha de aguentar a sua aeronave dirigida às bocas-de-fogo no solo. Krus Abecasis, em livros que mais tarde serão alvo de recensão, deixou um relato onde escreveu: “O inimigo batia-se e morria no seu posto. Fazendo-nos frente com bravura invejável e desconhecida da generalidade dos militares portugueses”. Todo este panorama mudou radicalmente em 20 de Março de 1973 com o aparecimento do míssil Strela, já estava a ser utilizado no Vietnam. Este míssil obrigava à existência de uma equipa de dois homens – um para carregar o tubo de lançamento e um apontador – e implicava sempre uma guarnição de segurança de outros 15 homens, havia ordens de nunca deixar as tropas portuguesas apanhar um míssil Strela.

O autor deixa-nos um relato condensado das operações aéreas na Guiné de 1966 até ao final da guerra. Um só exemplo, a operação “Valquíria”, em finais de Dezembro de 1966 destinada a desalojar os guerrilheiros que no rio Cumbijã procuravam destruir as lanchas que abasteciam Cufar. 6 toneladas de bombas levaram os guerrilheiros a abandonar as posições que punham em risco a navegação no Cumbijã. Luis Alves de Fraga detalha o cativeiro do Sargento Lobato, já largamente documentado no nosso blogue.

Por último, e de forma condensada, o autor descreve as tropas pára-quedistas e as suas operações em África. Na Guiné, durante toda a campanha, morreram 3 oficiais, 6 sargentos e 47 praças.

A guerra de África foi para os oficiais e sargentos do quadro permanente da Força Aérea o elemento agregador que fez nascer e individualizar este ramo das Forças Armadas. E segundo o autor gerou um espírito de corpo que tornou possível, no fim do conflito, não se ter verificado uma debandada geral dos efectivos permanentes em busca de outras fontes de rendimento.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8785: Notas de leitura (274): Hna Bijagó, de António Estácio (Mário Beja Santos)