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quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23790: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte VIII: 1º Curso de Comandos do CTIG e imposição dos crachás em outubro de 1964... Grupo Fantasmas, do alferes 'comando' Maurício Saraiva



Guiné > Brá > Outubro de 1964 > Imposição dos crachás aos primeiros grupos de comandos do CTIG. O 
1º Curso de Comandos da Guiné decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964. E dele fez parte o Amadu Bailo Djaló, e mais sete guineenses, entre eles o Marcelino da Mata e o Tomás Camará.



Guiné > Brá >  Outubro de 1964 > Brigadeiro Sá Carneiro, Comandante Militar, na imposição dos crachás.

 

Guiné > Bissau > Grupo Comandos Fantasmas na apresentação ao Governador Arnaldo Schulz, em Outubro de 1964. Eu, soldado Amadu Djaló, sou o terceiro da esquerda para a direita, rodeado pelo furriel Artur Pires à minha direita e pelo soldado Carreira à esquerda. Ao fundo, os 1ºs cabos Braima Seidi e Tomás Camará, da direita para a esquerda.



Guiné > Bissau > Outubro de 1964 > O Grupo de Comandos Fantasmas frente ao Palácio do Governador.




Guiné > Bissau > Outubro de 1964 > No final da cerimónia da guarda de honra ao Palácio. O Amadu Djaló  é o penúltimo do grupo em primeiro plano.




Guiné > Bissau > Outubro de 1964 > O grupo em Brá de saída para uma operação. Tomás Camará de braço esquerdo aberto, atrás do condutor da Mercedes.



Guiné > Brá > O aquartelamento de Brá, em 1964, ainda em acabamentos.


Fotos inseridos no livro, sem indicação de autor. (Os direitos fotográficos devem ser atribuídos ao Virgínio Briote e ao Amadu Djaló; a última, pelo menos, deve ser atribuída ao Mário Dias).


1. Continuamos a reproduzir excertos das memórias do Amadu Djaló, que a morte infelizmente já nos levou, há 7 anos,  em 2015, ainda antes de completar os 75 de idade. 

A fonte continua a ser o ser livro "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp.), de que o Virgínio Briote nos disponibilizou o manuscrito em formato digital. A edição, que teve o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar, está há muito esgotada. E muitos dos novos leitores do nosso blogue nunca tiveram a oportunidade de ler o livro, nem muito menos o privilégio de conhecer o autor, em vida.


O nosso coeditor jubilado, Virgínio Briote (ex-alf mil, CCAV 489 / BCAV 490, Cuntima, jan-mai 1965, e cmdt do Grupo de Comandos Diabólicos, set 1965 / set 1966) fez generosa e demoradamente as funções de "copydesk" (editor literário) do livro do Amadu Djaló, ajudando a reescrever o livro, a partir dos seus rascunhos.

 Temos vindo a introduzir pequenas correcções,  toponímicas e outras, ao texto  impresso, a ter em conta numa eventual (se bem que pouco provável) 2ª  edição. 

Recorde-se, aqui o último poste:  o sold cond auto Amadú Djaló (1940-2015) está a completar um ano em Farim, como soldado condutor autorrodas da 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), em meados de 1964. Acaba de ser transferido, a seu pedido, para a CCS/QG, em Bissau. E vai alistar-se nos comandos do CTIG, coptado pelo alferes mil Maurício Saraica. De abril Mantemos a ortografia original.  
  


Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense,  Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



Comandos do Saraiva, o que é isso?

(pp. 81-89 )

por Amadu Bailo Djaló



Ser “rebenta-minas” causa desgaste, ao fim de dezenas de colunas estava cansado. Cerca de um ano depois de ter chegado a Farim, pedi transferência para a CCS do QG. 

Pouco tempo decorrido tive conhecimento que o pedido tinha sido deferido e fiquei a aguardar que chegasse o meu substituto. Duas semanas depois, ou nem tanto, veio num Dakota um meu antigo colega do CICA/BAC, o Bubacar Culubale, nome por quem ninguém o chamava, mas sim “Tabaquinha” [1]

Em junho [de 1964], eu e mais dois soldados atiradores fomos transferidos para a CCS do QG. Viemos de avião para Bissalanca e, depois da apresentação, fomos para o parque das viaturas, à procura de companheiros. Como não vi nem o Tomás Camará nem o Adulai Djaló, perguntei por eles.

 –  Eles agora são Comandos do Saraiva!

–  O que é isso de Comandos do Saraiva?

–   São grupos de assalto e não fazem mais nenhum serviço!

–  Onde posso encontrá-los?

Quando dei por mim, estava frente a frente com o tal alferes Saraiva, num gabinete que ele tinha arranjado ali na CCS. Fiquei com boa impressão, pareceu-me boa pessoa. Um contacto inicial simpático e que, com o tempo,  se tornou numa grande amizade. E foi ele que, sabendo da minha experiência de condução e do contacto com a guerrilha, me dirigiu o convite para fazer o curso de Comandos.

Aceitei, sem saber o que me reservava o futuro, mas contente por ter a oportunidade de proceder a uma mudança na minha vida. Da mudança que vinha a caminho não imaginava nada.

Nos Comandos era preciso aprender técnicas novas para ganhar mais confiança e para isso era necessário frequentar o curso.

Brá tinha algumas instalações prontas e o Batalhão [de Caçadores] 512, acabado de chegar de Mansoa, encontrava-se lá aquartelado.

O tenente Jaime Cardoso [2], que pertencia aos Comandos de Angola, era o responsável pela instrução. Os instruendos eram os alferes Maurício Saraiva, o Pombo dos Santos e o Justino Godinho. Dos sargentos lembro-me do Vassalo Miranda, do Artur, do Morais e do Teixeira. 

Guineenses eram os 1ºs cabos Braima Seide, Marcelino da Mata, Mamasaliu Bari, Tomás Camará e os soldados Mamadu Alfa Bari, Adulai Djaló, eu, Amadu Bailo Djaló e o Samba Djau. Este último, que foi um dos primeiros militares condecorados por feitos em combate na Guiné, no Inchugué, não acabou a 1ª parte do curso porque foi eliminado por falta de capacidade física. 

Ao todo éramos oito negros a participarem no 1º curso de quadros para os Comandos do CTIG [3].

Ainda antes da chegada do tenente Jaime Cardoso, costumávamos sair para os arredores de Brá. Uma manhã, quando chegámos ao quartel, vimos num quadro afixado que a sobrevivência era sempre possível. Chamei a atenção do Tomás Camará para o que estava escrito. O Tomás perguntou ao furriel Artur Pires se o que estava escrito no quadro,  também fazia parte do programa do curso. O furriel respondeu que a sobrevivência era uma parte muito importante na vida de um Comando.

– Agora vamos sair sem ração de combate. Só podemos levar cigarros, sal, anzóis e limão. Mais nada –  disse o alferes Saraiva. 

– Posso levar dinheiro ? – perguntou um. 

– Não  – respondeu o alferes –  Os macacos têm dinheiro para comprar fruta aos camponeses ?  -   perguntou    nos - Desenrasquem-se para não serem presos.

–  E se formos presos ? –  voltou o mesmo a perguntar.

– Se vocês apanharem um macaco a roubar na vossa lavra ou na vossa horta, o que é que lhe fazem  ? –   perguntou o alferes.

–    Matamo-lo –  respondeu outro.

–  Se roubarem,  não se deixem aprisionar. Se algum de vocês se deixar prender,  é castigado.

À frente de duas viaturas, antes de embarcarmos, fomos apalpados e revistados. Não podíamos levar nada que se comesse, nem dinheiro. Dirigimo-nos para as imediações de Prábis e apeámo-nos junto ao rio. Entrámos na mata, andámos toda a manhã até cerca das 15h00, quando vimos à nossa frente uma grande horta, vedada a toda a volta com arame. Demos a volta, vimos que tinha duas entradas, uma pela frente e outra pelas traseiras. Sentámo-nos em círculo, à volta do alferes, que ficou de pé. Depois de olhar para nós, chamou o Marcelino da Mata e depois por mim.

–    Vocês os dois têm que nos arranjar comida, qualquer coisa que se coma.

A nossa missão era um pouco difícil, a horta estava bem vigiada, certamente, por guardas. Se eles deixassem os macacos ou alguém, como nós, entrar na horta para roubar, se nos safarmos, eles vão ver os ordenados descontados no final do mês.

Entrámos cuidadosamente e fomos andando até que vimos bananeiras, quase a meio da horta, e, à nossa esquerda, um campo de ananases. Fomos ver se a sorte estava connosco e se protegia os audazes. Separámo-nos, cada um foi para o seu quarteirão. Arranquei dois ananases grandes e encontrei o Marcelino também abraçado a dois. Eram muito grandes, não podíamos sair dali com mais e decidimos regressar. Antes de chegarmos ao trilho que nos tinha levado, vimos um guarda a dirigir-se a nós. E agora? Agora, vamos escondê-los ali naqueles arbustos. Para disfarçar pusemo-nos a cavar num pequeno baga-baga, a tentar fazer um forno para assar os inhames que trazíamos nos bolsos e que tínhamos cavado na mata.

O guarda chegou junto de nós, cumprimentou-nos, e perguntou o que estávamos nós ali a fazer. 

–  Um forno para assar estes inhames –  respondi. 

Quando estávamos a acabar de falar, ouvimos um disparo de G3, para o ar, feito pelo alferes, como tinha sido combinado. Respondi com outro. Vimos o guarda a seguir as nossas pegadas, até ao local onde tínhamos arrancado os ananases. Voltou para junto de nós, apressado.

–  Foram vocês que tiraram ananases dali ?   –  perguntou –  Segui as pegadas das vossas botas, vocês foram os únicos militares que entraram aqui, foram vocês que tiraram os ananases!

–  Anda muita tropa aqui. Perdemo-los deles durante a noite, as pegadas podem ser deles –  respondi.

–  Não, ninguém entrou aqui desde ontem –  respondeu.

Ouvimos outro tiro do alferes e nós voltámos a responder com outro, para o ar. O alferes tinha avisado o pessoal que se repetíssemos o tiro do mesmo local não era bom sinal. Pouco tempo depois vimos o grupo a chegar. O guarda não saía da nossa beira, com os olhos bem abertos.

–  É o senhor que é o chefe deles –   perguntou o guarda ao alferes, apesar de ninguém trazer divisas ou galões.

–    Sim, sou eu  –    respondeu o alferes Saraiva.

–     Estes dois soldados roubaram ananases. Ninguém entrou cá a não ser eles.

–  Foram vocês ?   –  perguntou o alferes, virado para nós.

Neste momento ouvimos barulho de macacos, vindo do lado das bananeiras. Que se tivéssemos sido nós, ele pagava, disse o alferes ao guarda. Como nós negámos,  não pagava. O guarda não podia perder mais tempo, os macacos estavam à volta das bananeiras e correu para lá. E nós, corremos para os arbustos, tirámos os ananases e arrancámos dali em marcha forçada, com o guarda na nossa direcção, em passo largo. Nessa altura, ouvimos o alferes gritar passo corrida.

Assim é fácil viver como os macacos, sem dinheiro, sem lavrar, sem ração de combate. É muito importante o combatente saber viver na mata, sem levar nada para comer. O que os macacos comem, nós podemos comer.

–  Atenção –  continuou o alferes   –,   roubar é contra os princípios dos Comandos. Só podemos proceder assim quando estivermos na mata em operações. Nessa altura temos que utilizar todos os meios para sobreviver. Nas cidades ou nas tabancas, se um Comando for apanhado a roubar é corrido e castigado com a prisão. 

Foi assim que o alferes terminou a nossa primeira lição de sobrevivência no mato.

Enquanto decorria a instrução, em agosto fizemos um assalto ao acampamento de Talicó, a norte da mata do Oio. Nesta operação participou também o major Correia Dinis, que era o comandante do Centro de Instrução de Comandos em Brá.

Andámos toda a noite e quando eram cerca de 6h00 da manhã encontrámo-nos com um pequeno grupo da guerrilha que ia fazer sentinelas de dia, em postos avançados do acampamento. Nem deu tempo para nos emboscarmos, tivemos que abrir fogo. Um dos guerrilheiros foi logo abatido, e os outros conseguiram escapar pelo mato, sem terem sido atingidos. Apanhámos a arma do morto, entrámos no acampamento e chegámos-lhe fogo, embora a gente soubesse que isso não lhes ia trazer grande prejuízo, pois armavam barracas noutro lado, nem precisavam de comprar nada.

Retirámos rapidamente da zona, uma vez que estávamos detectados e saímos em direcção a Cutia, onde fomos depois recolhidos e transportados em viaturas para Bissau.

A Brá estavam a chegar, todos os dias, praças europeus, vindos de várias companhias e que se tinham oferecido como voluntários. Nesta ocasião apresentou-se também um militar guineense, o António Kássimo, que era manjaco. 

O curso arrancou em grande velocidade e durou até outubro[4]. Enquanto decorria, fizemos treino operacional e houve elementos que iam sendo eliminados. O Samba Djau, Sambadora como lhe chamavam, foi um dos que não acabou o curso. Era muito corajoso e um bom companheiro mas não tinha capacidade física para os Comandos.

Numa noite, a instrução tinha acabado por volta da uma hora da madrugada. Como era costume largámos as armas e os equipamentos e tomámos os lugares na viatura que nos ia levar a nossas casas. Quando chegou a casa, a mulher de Sambadora perguntou-lhe se ele tinha levado a arma para casa.

–  Não, por que perguntas?

–  É porque trazes as cartucheiras na cintura.

–  É pá, oitenta balas, cantil de um litro, e não dei por este peso todo –  admirou-se o Samba.[5]

 A nossa primeira saída, depois de terminado o curso, foi para o Oio, para uma zona entre Mansabá e Farim. Tínhamos saído de Brá em viaturas até Mansabá, onde ficámos algum tempo a aguardar [6]. Depois, prosseguimos em coluna auto até uma tabanca abandonada. Apeámo-nos já com a noite entrada, pusemo-nos a caminho e andámos a noite toda. O guia perdia-se, ou dizia que estava perdido. Até que, já de dia, demos com um caminho bem pisado e fomos seguindo nele até que ouvimos barulho de pilar. O alferes Saraiva disse que eles não sabiam que nós andávamos por ali e começámos a andar com todo o cuidado, como tínhamos treinado no curso.

Eu, que ia com o guia à minha frente, continuei a observar pegadas bem frescas, de poucos minutos antes. Chamei o alferes à frente, para ele ver, e continuámos a progredir silenciosamente, em passo fantasma. O cabo Cruz, um europeu, disse-me:

   Amadu, se tiveres medo, deixa-me passar para a frente!

Mas quem deu a resposta, foi o alferes:

– Isso não é assim. O Amadu não nos vai meter numa emboscada. Isto tem que ir com muita calma.

Eu nem respondi, porque o meu pensamento estava noutro lado. O primeiro homem do grupo tem grande responsabilidade. Tem que ver para a frente, para os lados, até para as árvores, e tem que ver bem o caminho que está a pisar. Todos os vestígios têm que ser bem observados. Foi esta a instrução que recebemos no curso, e estes ensinamentos deviam agora ser seguidos. É como o código da estrada, se violarmos as regras, esse esquecimento pode custar-nos muito caro. Na guerra, ignorar as regras paga-se com a vida ou vidas.

Estávamos a andar com todas as precauções quando o silêncio foi quebrado por duas rajadas de pistola-metralhadora, vindas do lado direito do carreiro. Respondi com dois ou três tiros da minha G-3 e arrancámos directos ao acampamento. Demos com casas de mato, sem ninguém lá dentro, nem nada que se aproveitasse e abandonámos o acampamento a correr, para o mesmo lado por onde tínhamos entrado.

Em marcha forçada dirigimo-nos para a estrada que ligava Farim a Mansabá. Entretanto, o alferes ia dando indicações, pelo rádio, sobre o local para onde nos estávamos a dirigir, a fim da coluna nos recolher. Chegados à estrada, ficámos a aguardar até ouvirmos o barulho das viaturas. Mal chegaram arrancámos a grande velocidade e o alferes lembrou-se de disparar uma rajada para o ar, para manter o pessoal alerta.

Mais valia não o ter feito, porque um companheiro que ia atrás, saltou logo da viatura e caiu mal. Pareceu-nos, na altura, que estava paralisado. Trouxemo-lo com muitos cuidados até Mansabá, daqui foi evacuado de helicóptero para o hospital militar de Bissau e, mais tarde, soubemos que foi transportado para Lisboa. Nunca mais regressou à Guiné [7].

De Mansabá regressámos a Bissau. Esta foi a 1ª operação do Grupo Fantasmas.

 _________

Notas do autor Amadu Dajló e/ou do editor literário Virgínio Briote

[1] Muitos anos mais tarde, já depois da independência, tive a infeliz notícia de que também ele tinha sido fuzilado, acusado de envolvimento no golpe de Malan Sanhá.

[2] Nota do editor: em 3 de Agosto de 1964 o CIC / Brá, sob o comando do major de inf comando Correia Diniz, deu início às actividades, com a Escola de Quadros, para dar instrução ao 1º Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964. 

Deste curso saíram os três primeiros grupos de Comandos, que desenvolveram a actividade na Guiné até julho de 1965: Camaleões, Fantasmas e Panteras. Para o curso de quadros,  o CIC de Angola enviou vários instrutores, entre os quais o tenente mil comando Jaime Abreu Cardoso. Estes elementos participaram nas primeiras acções com os grupos acima referidos.

[3] Comando Territorial Independente da Guiné.

[4] Nota do editor: até 17 Outubro de 1964

[5] Samba Jau não continuou nos Comandos, mas foi sempre um grande amigo de todos. Depois do 25 de Abril saiu da Guiné e foi para Dacar, onde vivia ainda há pouco tempo

[6] Nota do editor: deve tratar-se da Op Confiança, realizada entre 25 de Outubro e 4 de Novembro de 1964 no Oio, conjuntamente com os Grupos de Comandos Camaleões e Panteras na área atribuída ao BCav 705, tendo por objectivo a reabertura do itinerário entre Mansabá e Farim.

[7] Em 2005, num almoço em Marinhais, soube que o Barbedo, que era como se chamava, andava em cadeira de rodas

_________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 12 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23777: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte VII: Em Farim, com o BCAV 490, do ten-cor Fernando Cavaleiro, até meados de 1964... Abatises e emboscadas no itinerário Farim-Jumbembem-Cuntima

sábado, 22 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23730: "Despojos de Guerra" (Série documental de 4 episódios, SIC, 2022): Comentários - Parte IV: 3.º Episódio, "O Corredor da Morte"...Valeu pela prestação dos nossos "camarigos" Giselda e Miguel Pessoa (Carlos Vinhal / Luís Graça / Hélder Sousa / Morais Silva / Joaquim Mexia Alves / Manuel Resende / António J. Pereira da Costa / Joaquim Costa / Jorge Ferreira)

 

Sic Notícias > Primeiro Jornal > Grande Reportagem > "Despojos de Guerra", 3.º Episódio: O Corredor da Morte (31' ) > 20 de outubro de 2022 > Miguel Pessoa e Giselda Antunes: fotogramas do "trailer" (2' 37'') (Com a devida vénia...) 


1. Seleção de comentários dos nossos leitores (*)

(i) Carlos Vinhal:


"Neste episódio, Giselda revela os processos de salvamento e conta como era recolher soldados feridos em territórios controlados pelas forças inimigas."

Esta expressão não será da autoria da nossa querida Enfermeira Paraquedista Giselda. Uma coisa era um "território" onde o conflito acontecia, outra seria um "território controlado" pelas forças inimigas.

Estas séries documentais são feitas para consumo do grande público, aquele que não esteve "lá", portanto nelas cabe tudo, incluindo imagens que não têm nada a ver com o que "lá" se passou.

Este episódio foi o que mais me interessou particularmente porque nele intervieram duas pessoas que muito prezo e que viveram a guerra nas suas vertentes mais duras. A Giselda porque viu e lidou de perto com o sofrimento e a morte de camaradas combatentes, e o Miguel, ele próprio uma vítima de armas poderosas, numa altura em que a guerra assumia um ponto de não retorno.

Uma coisa ficou por dizer é que o Miguel Pessoa voltou a voar nos céus da Guiné apesar do grande susto que apanhou em Março de 1973, quando o seu Fiat foi derrubado.

Muito obrigado a ambos porque muito lhes devemos enquanto infantes.

21 de outubro de 2022 às 15:15

(ii) Luís Graça:

Carlos, estamos de acordo: há sempre "questões terminológicas" nestes trabalhos de jornalistas que são "leigos" nestas matérias, eles e elas: é uma geração que nem sequer fez a tropa, muito menos pôs os pés na Guiné do nosso tempo... Ainda bem para eles, que são muito mais novos do que nós...

Confesso que dou de barato estes erros ou imprecisões... Mas nós temos a obrigação de pugnar pelo rigor... De qualquer modo, é preciso perceber que o estilo destes programas de "grande reportagem", para mais em televisão, não admitem demasiadas legendas, notas de rodapé e muto menos "explicadores" em voz "off record"... Isto não é uma aula ou uma conferência..., é um programa de televisão.

Se entares em pormenores "demasiado técnicos" (como o uso do napalm, que foi explicitamente falado pelo Miguel, e que precisava de ser "conteztualizado"; ou o funcionamento do míssil Strela), estás feito: o programa não capta a atenção do telespectador... Não te esqueças que estamos em "horário nobre", em competição com outras estações, e a Sic Motícias não é a RTP 2 ou o Canal História...

De qualquer modo, fizeste bem em lembrar que o nosso Miguel Pessoa teve que "voltar para o castigo", depois de recuperação no "resort" do Hospital Militar Principal, em Lisboa... É ele que que nos conta na sua apresentação à Tabanca c Grande, no já longínquo ano de 2009 (ainda escrevíamos todos Strella com dois ll):

(...) "Cumpri a comissão na Guiné no período de 18NOV72 a 14AGO74, com um intervalo passado em Lisboa (entre 7ABR73 e início de AGO73) para recuperar das mazelas sofridas quando da minha ejecção de Fiat G91, depois de atingido por um SAM-7 Strella durante um apoio de fogo ao aquartelamento do Guileje." (...)

21 de outubro de 2022 às 16:08

(iii) Hélder Sousa:

Pois sim senhor, um conjunto de circunstâncias favoráveis permitiram-me ver este episódio.

E, é verdade, também reparei em imprecisões, imagens de outros locais que não a Guiné, expressões menos acertadas ou carecendo de explicação mas, e há sempre um "mas", posso dizer que gostei bastante.

E gostei, logo à cabeça, pela serenidade dos depoimentos dos nossos camaradas e amigos, sem alardes de heroísmo, sem fanfarronices, sem vitimização. Tudo com sobriedade e até, em alguns momentos, com a revelação de situações dramáticas referidas como se "não fosse nada".

Gostei também porque, embora de forma abreviada, ficaram alguns tópicos para que, quem quiser, possa aprofundar e conhecer melhor aqueles tempos, aqueles locais, aquelas situações.

O proverbial humor do Miguel está bem retratado na forma brincalhona como se dirige à Enfermeira Giselda sobre a "temperatura da água" aquando do seu (dela) resgate da DO. A forma com a Giselda relatou o "embate" com a triste realidade com a "dar a mão" ao moribundo é realmente cativante.

Também poderia ser motivo para mais e melhores explicações a advertência/conselho que o Sr. Tenente-Coronel Brito deu ao Miguel de que não estava ali para medalhas mas para ajudar aqueles 40 mil que "lá em baixo" precisavam de ajuda.

Por fim, devo dizer que o "saldo" do episódio é positivo e que deixa margem para continuidade.

21 de outubro de 2022 às 16:56

(iv) Morais Silva:

Independentemente das imprecisões ou erros, o importante foi que a Sofia Pinto Coelho deu à luz um impressivo retrato do sofrimento de muitos e da abnegação, coragem e solidariedade de muitos outros.

Das enfermeiras páras guardo a imagem de prontidão e cuidado com que recolheram os meus feridos e os conduziram para lugar seguro no HM 241 considerado no mato como passaporte para a sobrevivência.

Com os pilotaços, só tenho dívidas, tantas foram as vezes que me apoiaram, eficazmente e sem delongas, quer em evacuações quer em apoio de fogos.

Para a minha camarada Giselda vai um abraço de muita estima e reconhecimento do, agora velho, capitão de Gadamael 1970-72. Para o Miguel Pessoa, meu contemporâneo na AM que não na Guiné, vai um grande abraço e o desejo de muita saúde.

Gostei de vê-los e rever a história incrível de que são protagonistas.

21 de outubro de 2022 às 18:14

(v) Joaquim Mexia Alves:

Valeu pela grande, sincera e emotiva prestação da Giselda e do Miguel, queridos amigos. O resto teve o enviesamento habitual com a profusão de imagens de Amílcar Cabral a contar mentiras e imagens de bombardeamento de napalm em sítios que não são a Guiné e a velha conversa dos territórios libertados e da supremacia aérea

Parabéns à Giselda e ao Miguel pelo seu contributo cheio de sensatez, bom senso, e verdadeiro

21 de outubro de 2022 às 20:25

(vi) Manuel Resende:

Comento só para dar um abraço ao Miguel e Giselda. Gostei muito de vos ver e ouvir. Andava ansioso pelo dia 20.

Não sabia que voltaste a voar para ir ver onde estava a Giselda, no acidente. Pelo menos percebi isso.

Já sabia a tua estória, do Marcelino da Mata a dizer "sou eu, o Marcelino", contado pelo próprio Marcelino, e igual com a tua versão.

Continuação de boa saúde para ambos e a ver se em Janeiro nos encontramos. Abraços,  Miguel e Giselda

21 de outubro de 2022 às 23:54


(vii) António J. Pereira da Costa:

Foi um mau programa de TV e, por ele poderemos avaliar os outros que, se calhar não conhecemos tão bem por se terem passados noutros TO...

Faço coro com o Mexia Alves: "Valeu pela grande, sincera e emotiva prestação da Giselda e do Miguel, queridos amigos".

Estou farto das imprecisões e de tudo do resto de que o Helder Valério fala (imagens de outros locais que não a Guiné, expressões erradas ou carecendo de explicação).

Como se diz às vezes "se não sabes jogar à bola porque não vais aprender? Mas não é assim! Estes "programas" mal feitos não são inocentes...

Enfim é a TV que temos. Que se escuda num trailleur demasiado longo e com numa ficha técnica final que nunca mais acaba. Ainda não entendi porque é que os noticiários têm que durar mais de hora...

Não se esqueçam que são estes "programas" que ainda por cima chegam atrasados vários anos, que vão ficar em arquivo e que futuramente farão fé, perante as "novas gerações eventualmente interessadas".

Já foi aqui perguntado: "O que querem os ex-combatentes?" Várias vezes a resposta foi "Respeito!" Programas construídos assim, passados mais de um ano depois de gravados, não são uma prova de respeito. Não sou adepto de que vale mais assim do que nada. E ficar agradecido - como os pobrezinhos - também não fico.

22 de outubro de 2022 às 11:26

(viii) Joaquim Costa:

Para quem não esteve lá,  “come” tudo como se fosse real e passado na Guiné, nomeadamente a injeção do piloto Pessoa.

Para os ex-combatentes é uma fraude. Como já alguém disse: Merecíamos mais respeito.
Ou melhor, o Pessoa e a Giselda mereciam mais respeito.

Acredito que a reportagem acaba por dar uma imagem aproximada do que foi o "annus horribilis"  de 1973, aproveitando imagens reais mas descontextualizadas. Tivessem o cuidado de visitar o nosso blogue e tudo seria mais real… e mais barato.

Quanto ao facto de dar voz, também, ao outro lado, não obstante sabermos como funciona a propaganda na guerra, ouvir só um lado, não seria sério, nem honesto… nem democrático. Ninguém é detentor de toda a verdade. Já nos basta as Coreias, Chinas, Rússias, etc.

Ficam as excelentes prestações dos nossos Maiores: Giselda e Pessoa. Contudo sou da opinião que é melhor isto que nada
 
22 de outubro de 2022 às 12:13

(ix) Jorge Ferreira:

(membro da Tabanca da Linha e da Tabanca Grande, ex-al mil, 3ª CCAÇ, Nova Lamego, Buruntuma e Blama, 1961/63):

(comemtário no Facebook da Tabanaca Grander)

Magnifico contributo para as actuais gerações se aperceberem do que foram as vicissitudes dos "então" jovens de 60/70.

Faço minha a frase "estas séries documentais são feitas para consumo do grande público".

Grato aos depoimentos dos Camaradas Giselda/Miguel Pessoa.
22 de outubro de 2022 às 12:48
__________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 21 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23727: "Despojos de Guerra" (Série documental de 4 episódios, SIC, 2022): Comentários - Parte III: 3.º Episódio, "O Corredor da Morte" ou.... "Uma história de amor improvável em tempos de guerra" (protagonizada por Miguel Pessoa e Giselda Antunes)

domingo, 18 de setembro de 2022

Guné 61/74 - P23625: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (12): A Op Ametista Real: o batalhão de comandos em Cumbamori, no Senegal, 19 de maio de 1973 (Amadu Bailo Djaló, alf graduado 'comando', 1940-2015)

Guiné > Brá > 1973 > Cerimónia das promoções dos comandos africanos (pág. 257 da edição em livro)

Guiné > Brá > 1973 > Foto nº 108 > O general Spínola a dirigir-se ao Batalhão de Comandos da Guiné, em Brá. À direita, os majores Almeida Bruno e Raul Folques e atrás, por baixo do emblema dos Comandos, o tenente graduado 'comando' Zacarias Saiegh, de camisa mais clara. Fotos retiradas, com a devida vénia, do livro de Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, pág. 256)

Batalhão de Comandos da Guiné (Brá, 1972/74): guião
 

A Op Ametista Real,  19 de maio de 1973

por Amadu Bailo Djaló (2010, pp. 248-260) (*)

Em homenagem à  memória do nosso camarada Amadu Djaló (nascido em Bafatá, em 1940 e falecido em Lisboa, no Hospital Militar, em 2015, com 74 anos), e com a devida vénia aos seus herdeiros, à Associação de Comandos (que oportunamente, ainda em vida do autor, editou o livro, entretanto há muito esgotado), e com um especial agradecimento ao Virgínio Briote que, na qualidade de "copydesk" e grande amigo do autor, e coeditor jubilado do nosso blogue,  nos facultou o "manuscrito" (em formato pdf), vamos reproduzir aqui o excerto, sem a totalidade das respectivas fotos, relativo à Op Ametista Real, Cumbamori, Senegal, 19 de maio de 1973 (correspondente às pp. 248-260 da edição em livro).  

Este é um valioso (e raro) testemunho, escrito na primeira pessoa do singular sobre uma operação arriscada e temerária, realizada em solo estrangeiro, contra a base do PAIGC em Cumbamori, e que permitiu aliviar a pressão militar sobre Guidaje. Nove militares do Batalhão de Comandos da Guiné morreram na Op Ametista Real. O Amadu Djaló até então 2º sargento graduado 'comando', será depois promovido a alferes, e irá fromar, com o tenente graduado 'comando' Jamanca a CCAÇ 21.


(...) 51. O Batalhão de Comandos[1] em Cumbamori, Senegal

Embarcámos em Bissau, ao início da tarde de 18 de maio de 1973, numa lancha de desembarque, e navegámos durante a tarde e a noite toda até Ganturé[2].

Quando desembarcámos, já passava do meio da tarde, encontrámos soldados conhecidos. Estávamo-nos ainda a cumprimentar, ouvimos um companheiro gritar alto “atenção, ataque!”

Ouvimos as saídas de morteiros 120. Não falando nos estilhaços, só os rebentamentos desorientavam. Cada um procurou um local para se abrigar, mas a flagelação[3] não durou mais de cinco minutos. Para nós, foi um sinal do PAIGC. Acalmámo-nos e rimo-nos um bocado, enquanto comíamos da comida que nos trouxeram.

Mantivemo-nos em Bigene até aproximadamente às 22h00, que tinha sido a hora destinada para nos prepararmos para a saída. Mais ou menos, uma hora depois, começámos a andar rumo ao objectivo para cumprir a missão de atacar e destruir os locais que estavam a servir de base às flagelações a Guidaje[4] e a toda aquela zona, Bigene, Barro, Binta.

O agrupamento onde ia o comandante Almeida Bruno[5] seguia à frente, em direcção à zona de fronteira com o Senegal. Foi uma noite toda a andar, até atingirmos uma estrada alcatroada, paralela à fronteira, de Koldá a Ziguinchor, entre Tanafo e Samine, mais próximo deste. Portanto, bem dentro do Senegal[6].

A certa altura foi-nos ordenado um alto e ali nos mantivemos. Tínhamos sido avisados que a aviação vinha a caminho. Neste intervalo ia a passar uma viatura das obras que andava a carregar material para a estrada.

Como tínhamos recebido ordens para não deixarmos passar nenhuma viatura[7], o Alferes Tomás Camará mandou-a parar. O condutor não quis obedecer ao sinal de stop, mas como viu muitos militares armados parou mesmo. O Major Almeida Bruno abeirou-se dele e disse-lhe que “hoje não há trabalho. Vai avisar o PAIGC de que estamos aqui à espera deles”. Mas o condutor não deve ter ido ter com o PAIGC, arrancou a correr na direcção de Samine.

Nós continuávamos a aguardar a entrada da aviação, que não devia demorar. E poucos minutos depois começámos a ouvir os ruídos dos aviões e, nessa altura, levantámo-nos para nos prepararmos para os ataques aos objectivos, que eram diferentes para cada companhia.

Por volta das 07h00, mais ou menos, começámos a ouvir os rebentamentos das bombas dos aviões, uns atrás dos outros. A seguir, avançámos, formados em bigrupos e lançámo-nos ao ataque.

Lembro-me de ter entrado numa clareira e, depois mais nada, desmaiei. Soube mais tarde que tinha sido atacado na cabeça por um enxame de abelhas. Tiraram-me dali, não sei de onde nem para onde. Dei por mim deitado no chão, a ouvir uma voz, era o capitão Folques a dizer tratem o homem, e eu a pensar no que teria acontecido. Não me lembrava de nada do que se passou, nem me lembrava do local onde estava, nem o que estava ali a fazer. Sentia dores e não via nada, só ouvia as vozes. Minutos depois, recuperei a memória e já me lembrava do que me tinha acontecido na saída e do ataque de abelhas. E eu, a falar para mim, estou deitado no chão, devo estar a morrer.

Perguntei qualquer coisa mas ninguém deu resposta. Levantei-me a custo, comecei a ver, sentia dores na cabeça, na cara, nas mãos. Então, não estou a morrer! Mais animado, procurei a minha arma e as cartucheiras, era um soldado radiotelegrafista do meu grupo que tinha o meu material. Tinha trazido arma, levava a minha arma, assim estava mais tranquilo, tão tranquilo que me preparei para avançar.

Alguns homens de um dos nossos bigrupos, que caminhava na nossa retaguarda, quando nos viram, não estiveram com cerimónias, atiraram-se para o chão e abriram fogo sobre nós. Fizemos o mesmo, respondemos e durante cerca de um minuto o fogo intensificou-se. Não sei porquê, parámos o fogo, os dois lados ao mesmo tempo. Começámos a ouvir gritos “Comandos, Comandos”[8]. Restabelecido o contacto procurámos saber dos feridos. Eles não tinham nenhum e nós também não, por sorte.

Juntámo-nos e continuámos o avanço para o local onde se deveria encontrar o comandante Bruno. Quando chegámos, instalámo-nos e ficámos a aguardar ordens. Havia grupos que ainda não tinham regressado ao local.

Neste espaço de tempo, foi recebida uma mensagem de um grupo a pedir apoio. Tinha sofrido baixas e pedia auxílio para os tirar daquele local. Já íamos a sair e nova mensagem chegou a dizer que já não precisavam. Que o grupo do Marcelino estava a trazer os feridos e os mortos para o local onde estávamos. Entretanto, começámos a preparar as macas para facilitar o transporte. Sabíamos que a retirada ia ser feita na direcção de Guidaje. Não demoraram muito.

Um dos feridos estava a contar-me como tinha sido atingido quando chegou o 1º cabo José Có, que tinha sido meu instrutor na recruta em Bolama.

− Amadu, onde é que estamos?

− Aqui é o Senegal − respondi.

− Então, vou-me embora. Estive ali à frente, ouvi muitos barulhos, de gente a falar e a gritar alto, barulho de gente a cortar ramos das árvores para fazer macas, olha, era tanto barulho que parecia o mercado de Bandim.

Só voltei a ver o José Có em Guidaje. Saí do local onde estavam quatro ou cinco feridos e o corpo de um soldado, para verificar o andamento dos trabalhos das macas e, momentos depois começaram os rebentamentos.

Foi um inferno. Ao primeiro estouro ninguém pensou em mais nada senão em escapar dali. Eu corri para a frente, com sete ou oito soldados, armados de bazucas e RPG, para respondermos ao fogo. Todos dispararam uma vez, outros duas vezes, depois saíram dos locais, porque a posição deles estava denunciada quando fizeram fogo. Sabíamos isso da instrução.

Fiquei muito satisfeito com eles, porque foi com os disparos que fizeram que travámos a contra-ofensiva do PAIGC e dos páras senegaleses[9].

O tenente Jamanca estava à minha esquerda, sentado, com as pernas estendidas, encostado a uma pequena árvore, parecia exausto.

− Então, o que é que se está a passar? − perguntei.

− Amadu, anda cá! Mata-me, não deixes o PAIGC levar-me! Mata-me, Amadu, mata-me!

− Tu não ficas, levámos-te de qualquer forma. Não ficas aqui! Descansa um pouco, Jamanca!


Durante esta conversa vi o Alferes Melna, de pé, com dois soldados, um deitado, de frente para eles.

 −  Melna, de quem é esse corpo?

− É o Alferes, o Mama Samba Baldé!

Fui para a beira deles. O Melna apontou para uma árvore e perguntou-me se eu sabia de quem era o corpo que estava lá. Não, não sabia, respondi.

− É o corpo do José Vieira[10].

Ouvi o Jamanca chamar-me:

 − Vai chamar Demba[11].

Dirigi-me para um grupo de soldados e perguntei pelo Demba.

  −  Já retiraram todos, só estamos nós aqui −  respondeu alguém.

Quando transmiti ao Jamanca o que tinha ouvido, ele não queria acreditar. Depois, levantou-se e foi ver com os seus olhos. Não viu nenhum dos seus oficiais e abanou a cabeça.

No local estávamos 31 militares, três capitães europeus e vinte e oito comandos africanos: um tenente, um alferes, não sei quantos sargentos e praças. Os capitães eram o Folques, o Matos Gomes e o Ramos, que era paaquedista.

O grupo ainda ficou mais reduzido, pouco depois. Quando tentava recuperar o corpo do Alferes Mama Samba, o Melna[12] foi atingido gravemente nas pernas com estilhaços de uma roquetada e os ossos ficaram a ver-se.

O guarda-costas do alferes estava atrás do Melna, mas só o alferes e outro soldado apanharam com os estilhaços. Depois de atingido, o Melna tirou a carteira onde levava o mapa e a bússola do pescoço e pousou a Kalash. Quando estava a tentar ver o estado em que tinha as pernas, toda aquela zona foi varrida por uma série de rajadas.

Tentámos ir lá, arrancá-los, tirá-los dali, uma, duas, três vezes. Não conseguimos. Na terceira tentativa o capitão Folques foi também atingido numa perna, uma bala perfurou-a de um lado a outro. Demos tudo por tudo, mas não conseguimos chegar lá. A força deles era maior, naquele local.

De todo o pessoal que partiu, quatrocentos e noventa e tal militares com dois guias de Bigene, estávamos ali vinte e nove, porque um dos soldados do Melna também tinha sido atingido gravemente. Conseguimos abandonar o local, comigo em último lugar, a olhar para trás, de vez em quando, com a imagem do Melna, que ainda hoje está na minha cabeça. Ele olhava para nós e voltava a cara para o lado de onde faziam fogo contra nós. E ainda consegui ouvir um grito, pareceu-me de contentamento.

Estavam a apanhar o Melna, pensei. "Apanharam Melna", gritava eu alto. Uma dor cá dentro, no coração, é o que ainda hoje sinto quando me vem à memória a imagem dele, a olhar para nós e para o outro lado, o do inimigo.

Mas para trás ficaram mais três ou quatro feridos que o grupo do Marcelino tinha trazido para aquele local. Não sei quem era o comandante deles, só sei que também lá ficaram.

Continuámos a retirar em direcção à nossa fronteira. Não podíamos forçar muito, porque o Jamanca só podia andar com o apoio de alguém e o capitão Folques, com a perna ferida, também tinha muita dificuldade em andar e estávamos ainda longe de Guidage.

Pedimos apoio à aviação, mas recusaram. Disseram que estavam a voar muito alto, que era difícil localizarem-nos. Quando ouvi a resposta do ar, perguntei ao meu soldado, que transportava o morteiro, se ele tinha ainda alguma granada de fumos de morteiro, para a aviação ver onde nós estávamos. O capitão Folques transmitiu para os aviões que íamos lançar uma granada de fumos. Tomei conta do morteiro e fui eu que disparei, para sinalizar o local a partir do qual os aviões já podiam bombardear.

Uma grande bola de fumo, branca, já tinham visto dos aviões, ouvimo-los dizer. A partir deste momento, o Capitão Folques[13] disse "a sueste do fumo, a sul, a sudoeste e a oeste, arrasar tudo, tudo!" ‘

Vimos bem a potência do bombardeamento e sentimo-la também, enquanto continuávamos a retirar lentamente. Do ar, perguntaram se estávamos a ser seguidos, nós respondemos que não. Então, “Pentágono”[14] disse que estavam a ver uma grande coluna na estrada e que iam destruí-la. A partir desta comunicação, não ouvimos nem mais um tiro atrás de nós. E atrás de nós, já não havia mais ninguém nosso.

Essa granada de fumo ajudou-nos muito, talvez tenha sido a nossa salvação. Não me lembro do nome do soldado que acarretou o cunhete de granadas de fumo, mas lembro-me de ele me responder que eram granadas de morteiro de fumo, quando lhe perguntei "granada de quê?"

Esta conversa aconteceu, depois do grupo estar pronto para a saída. Leva uma ou duas, respondi sem muita certeza. Nunca tinha levado granadas dessas de morteiro, de fumo só usávamos granadas de mão, mas como era uma operação fora do território nacional, talvez viesse a ser útil. Quem adivinhava?

Chegámos junto do arame farpado do aquartelamento de Guidage, entre as 18 e as 19h00[15], mortos de sede e de fome. Em Guidaje não havia nada para comer. Nem medicamentos[16].

Fomos avisados de que partíamos no dia seguinte, às 07h00[17], a corta-mato na direcção da estrada Farim a Binta. O programa era sair de Guidaje, em marcha forçada, a corta-mato, pela estrada de Farim a Binta. Ia ser uma grande volta para quem quisesse ir, ninguém era transportado.

Quem cair, caiu. Seja quem for, fica no local. Se não vai aguentar, então é melhor não arriscar. Quem quiser ficar em Guidaje tem que saber que não há comida. E outra coisa mais, para quem quiser ficar aqui: não sabemos quando sairá de cá, nem em que meios o fará, porque a estrada está como um campo de milho, só que não tem milho, tem minas. Já muitas vidas ficaram nesta estrada, a picá-la. E de avião, também não sabemos quando vai haver, porque já foram abatidos 3 ou 4 nesta área! Então, quem quiser ficar, pode ficar, mas têm que ter muita paciência até quando houver possibilidade de os retirar. 

Foram estas as palavras que todos ouviram. O aviso correu depressa, à volta de todo o arame farpado e ficou a noite para cada um pensar na sua vida.

Logo de manhã, ainda antes das 06h00, começámos os preparativos. Viu-se logo quem queria arriscar, quem estava decidido. Agora, não era hora de falar, se ia ou não ia.

Chegada a hora, partimos, decididos, não me lembro de olhar para trás, na direcção da estrada entre Farim e Binta.

O objectivo da etapa era Binta. A certa altura o calor começou a apertar e ainda era de manhã. As baixas começaram a surgir, sem ataques armados, alguns afrouxaram a marcha, um ou outro caiu. Era para aí meio-dia quando o major Almeida Bruno mandou fazer um alto para o pessoal descansar um pouco. Trinta minutos, mais ou menos, depois, recomeçámos a marcha. Falar do calor que fazia, não adianta. Toda a gente da Guiné sabe como é. A marcha forçada estava a ser difícil para alguns colegas, até o guia se foi abaixo.

A partir de um dado momento, o comandante 
[Almeida] Bruno e eu fomos para a frente, eu a abrir a coluna, o nosso major em segundo, o segundo guia era o terceiro homem, sempre a andar sem parar, com a estrada ainda longe. Quando chegámos com o pôr-do-sol[18] ao local que queríamos atingir, ouvi o comandante pedir pelo rádio, na ponte, os cavalos[19] para nos virem buscar.

Quando chegou a primeira viatura, pensei que íamos embarcar. O major disse “Amadu, vamos andando”, chegou a segunda disse o mesmo. Nessa altura, eu disse para mim, “se eu sabia, ficava para trás”. Cada viatura que chegava, o nosso comandante mandava passar para trás de nós, sempre a dizer “Amadu, vamos andando”. Eu estava muito cansado, mesmo muito.

Quando voltou uma viatura sem ninguém ele disse que agora era a nossa vez, que já não havia ninguém para trás. Fomos dos últimos a entrar em Binta. Atrás de nós cerca de quarenta homens arrastavam-se ainda na estrada, foram chegando durante a noite. Alguns colegas nossos tinham voltado para trás para ajudar os atrasados. Aproximavam-se do portão e faziam sinal às sentinelas. Quando chegámos a Binta entrámos logo na LDG.

Na lancha soubemos o que tinha acontecido com dois soldados nossos, que tinham ficado em Bigene e não participaram na operação. Um, do grupo do Marcelino da Mata, não foi porque estava bêbado e o outro, dos Comandos, porque se queixava de fortes dores de cabeça.

O que aconteceu com eles? Quando a lancha se estava a deslocar de Ganturé para nos vir buscar a Binta, ninguém sabe como ou porquê, o soldado do Marcelino, o Abdul Raman disparou o lança-roquetes. O disparo atingiu-o e desapareceu na água[20]. O outro, o Malan Baldé, o das dores de cabeça, que ia ao lado, foi atingido por estilhaços nas duas vistas e ficou cego.

Com todo o pessoal embarcado, iniciámos a navegação de manhã[21]. Todos calados, pensando em nada. Quando chegámos ao Cacheu, horas depois, ainda estávamos em silêncio. Mandaram-nos saltar do barco e aproveitámos para nos abastecermos no mercado do Cacheu. Eu comprei um grande peixe. Depois, destino Bissau.

Chegámos à tarde. Com as viaturas ali, à nossa espera, foi um trabalho pequeno tomar os lugares e rolar para o quartel. Quando chegámos a Brá, fizemos o costume, entregámos as armas e os equipamentos. Disseram-nos para estarmos no quartel no dia seguinte, para conferirmos quem tinha ficado para trás, no território do Senegal, quem tinha sido ferido, quem tinha ficado no nosso território, no Ingoré, em Barro, em Binta, em Farim.

Os números dos desaparecidos não batiam certo[22], iam mudando. Depois do 25 de Abril ainda apareceu um soldado, Aba Coné, um balanta, que tinha sido ferido com o alferes Melna, com os estilhaços da mesma roquetada.

Três dias depois[23] de Cumbamori, o comandante deu-nos uma semana de descanso. No dia combinado, quando cheguei ao quartel a ordenança do comandante Bruno disse-me para eu estar no gabinete dele, às 10 horas.

 − Não sabes por que é que me mandou chamar?

Não sabia, mas disse que tinha mandado chamar mais oito homens e mostrou-me a lista. Eram todos meus amigos.

Chegada a hora, concentrámo-nos no gabinete do major Bruno, ansiosamente à espera, ninguém sabia de quê.

Era para nos comunicar que dois tenentes e seis alferes iam dirigir duas companhias. O tenente Jamanca ia ser o comandante de uma companhia de Fulas. E os alferes eram o Demba Chamo Seca, o Ali Sada Candé, o Braima Baldé[24] e eu, Amadu Bailo Djaló

Para a outra companhia iam três oficiais, o Tomás Camará, o Vicente Pedro da Silva e o João Uloma, o felupe. Dois furriéis, um dos quais o Hélder Pereira[25], da CCaç 18, com vários louvores, iam ser integrados na companhia do Tomás Camará.

Duas companhias comandadas por oficiais dos comandos africanos: a CCaç 20, comandada pelo Tenente Tomás Camará iria para Gadamael Porto. A CCaç 21, uma companhia quase só constituída por militares de etnia fula, comandada pelo Tenente Jamanca, iria ficar sediada em Bambadinca.

Três dias depois, embarcámos para Bolama e, passadas duas semanas, o General Spínola atribuiu aos quadros das duas companhias a Medalha de Lealdade e Mérito[26], em cobre. E poucos dias depois, fomos chamados a Bissau, para sermos graduados: o Tomás Camará em tenente e eu em alferes.

Depois de voltarmos a Bolama, esperava-me novo destino. Bambadinca [a CCAÇ 21]. (**)

[Seleção / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de edição deste poste: LG. ] 



Lisboa > 2009 > Da esquerda para a direita, o cor inf 'comando' ref Raul Folques e o ten general 'comando' ref Almeida Bruno (1935-2022)  (os dois primeiros comandantes do Batalhão de Comandos Africanos da Guiné, e ambos Torre e Espada) e o nooso saudoso grã-tabanqueiro Amadu Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015).

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do autor e do editor ("copydesk") Virgínio Briote:

[1] Nota do editor: designação oficial do que veio a ficar conhecido por Batalhão de Comandos Africanos. A unidade foi criada em 1 Abril 1973, tendo a sua organização sido aprovada pelo Ministro do Exército, em despacho de 21 Fevereiro 1973.

[2] Nota do editor: Ganturé, porto no rio Cacheu que servia Bigene onde se encontrava o comando do COP.

[3] Ataque de morteiros e foguetes, disparados do lado de lá da fronteira.

[4] Nota do editor: Guidaje estava praticamente isolada. A guarnição era composta por cerca de duas centenas de homens da CCaç19 e do PelArt24. Junto ao aquartelamento havia uma pequena tabanca. As entradas pelo sul estavam praticamente cortados, com as vias de acesso semeadas de minas.

A própria FAP estava limitada, uma vez que nos primeiros dias de Maio, um T-6 e dois Dornier 27 tinham sido abatidos por mísseis.

Calcula-se em cerca de seiscentos o número de homens que o PAIGC tinha na zona, comandados por Francisco Mendes “Chico Té” e Manuel dos Santos “Manecas”. O PAIGC abastecia-se a partir de uma base em Cumbamori, Senegal.

Segundo o relatório, na tarde de 19 de Maio de 1973, cerca de 450 homens do Batalhão de Comandos da Guiné, divididos em três agrupamentos (efectivos de uma companhia), embarcaram em lanchas da marinha e subiram o Cacheu até Bigene, onde desembarcaram ao final do dia. À meia-noite começaram a deslocar-se para Norte e entraram no Senegal por volta das seis da manha do dia 20.

[5] Nota do editor: a ordem de progressão era o Agrupamento “Bombox”, comandado pelo capitão Matos Gomes, o agrupamento “Centauro” pelo capitão Raul Folques e o agrupamento “Romeu” pelo capitão António Ramos e onde seguia o Major Almeida Bruno. Informação de “Guerra Colonial”, de Aniceto Afonso e C. Matos Gomes.

[6] Nota do editor: na chamada “Grand Route” do Casamance, que estava em construção. As NT tinham os objectivos marcados nas fotografias aéreas referenciados a sul desta estrada em construção.

[7] Nota do editor: passaram autocarros e viaturas da construção civil de uma empresa francesa. Ao agrupamento “Bombox”, quando começou o bombardeamento da aviação, surgiu, num Peugeaut 404, um engenheiro francês, que, de olhos arregalados, se viu rodeado de negros. O Capitão Matos Gomes mandou-o desaparecer. Estava iminente o ataque à base.

[8] Nota do editor: o agrupamento do Capitão Folques tinha ficado a sul da base enquanto o “Bombox” atacou a norte. Por volta do meio-dia o Major Almeida Bruno deu ordem ao “Bombox” para sair do local e mandou avançar o agrupamento “Centauro”, do Capitão Folques, para se intrometer entre o “Bombox” e o PAIGC, numa manobra de ruptura do contacto. Seguiu-se o combate e a confusão. Dois agrupamentos de Comandos Africanos, mais o PAIGC e mais forças do Exército do Senegal, praticamente com fardamento e armas idênticas, todos pretos excepto quatro brancos, engalfinhados aos tiros e quase à bofetada. Daí o grito Comandos para se orientarem. E, como a confusão já era pouca, surgiu o grupo do Marcelino da Mata, que veio aos apitos e aos gritos e a pegar fogo ao capim, onde as NT tinham juntado os foguetões capturados na base de Cumbamori, que, aquecidos pelo incêndio, seguiram como torpedos pela bolanha.

[9] O Exército do Senegal trouxe guerrilheiros do PAIGC em viaturas e apoiou-os contra nós, com canhões sem recuo e auto-metralhadoras. O comandante daquele sector senegalês, um Major chamado Djawara, contactou com o Major Bruno no posto de comando, que o nosso comandante tinha montado numa pequena vila senegalesa, e pediu-lhe para irmos combater para trezentos metros a Sul, onde ele dizia que passava a fronteira, ninguém sabia se passava se não. Já depois de 1974 tive conhecimento que o Presidente do Senegal, Shenghor, disse ao General Spínola em Paris que o tal major tinha sido abatido no decorrer dos combates.

[10] Soldado da 1ª CCmds. Um mês depois de ter acabado a comissão, solicitou a prorrogação. Esta era a 1ª saída depois de reintegrado.

[11] Demba Chamo Seca.

[12] Nota do editor: os corpos do Alferes Melna e os de outros Comandos, foram recuperados pelas NT e trazidos para Guidage, onde se encontram enterrados.

[13] Tínhamos no ar o Capitão Baptista da Silva, numa Dornier a fazer PCV.

[14] Indicativo da patrulha aérea.

[15] Nota do editor: de 19 Maio 1973.

[16] Guidaje estava cercada, não era reabastecida há algum tempo. Os feridos acumulavam-se num abrigo, com as feridas a gangrenarem. Cheirava a carne podre, a sangue coalhado e o ar parecia de um jazigo. Foi nesse abrigo que o nosso Capitão Folques e os outros Comandos feridos ficaram a aguardar as evacuações. Nem ligaduras havia.

[17] Nós tínhamos que sair rapidamente de Guidaje. Com os efectivos do Batalhão de Comandos, o número de militares deveria andar perto de seiscentos homens dentro do aquartelamento. O que podia ser um desastre para nós se a povoação fosse atacada, que era o que esperávamos. Não havia tempo para recuperar. O comandante decidiu seguir a corta-mato na direcção de Binta. Soubemos mais tarde que ainda pensou seguirmos directamente ao Cufeu, para atacarmos uma base de lançamento de Strella, localizada pela aviação. Segundo ouvi dizer parece ter sido a primeira ideia que lhe veio à cabeça e terá mesmo dado ordem para nos dirigirmos para Cufeu, mas nós já não andávamos, arrastávamo-nos. Ainda chegámos às proximidades do local, mas nós não estávamos em condições para o assalto. Finalmente, o comandante mandou seguir para Binta, até à estrada Farim – Binta – Barro. E foi aí, que fomos recolhidos em viaturas e transportados para a LDG, comandada por um 1º Tenente chamado Bilreiro.

[18] Nota do editor: de 20Mai73.

[19] Viaturas.

[20] Nota do editor: não há registo do óbito deste militar, sequer “desaparecido em acção” ou “corpo não recuperado.

[21] De 21 Maio 1973. Esperámos algumas horas em Binta. O Major Bruno e os Capitães Matos Gomes e António Ramos viajaram para Bissau, de helicóptero, para se reunirem com o General Spínola. Em Binta não havia comida para nos darem, foi a própria população que nos matou a fome.

[22] Nota do editor: os números oficiais apontam para nove mortos em combate, onze feridos graves e vinte e três ligeiros.

[23] Nota do editor: 4 Junho 1973.

[24] Braima Baldé pertencia à família real do Corubal. Era uma pessoa muito reservada. Incorporado em 1960, pertenceu à B.A.C. e esteve destacado no esquadrão de Bafatá. Por feitos em combate recebeu o prémio Governador da Guiné. Em 1969 para além dos africanos ex-Comandos foram convidados outros que se tinham destacado em combate. Braima fez o curso de quadros, em Brá, sob a orientação do Capitão Barbosa Henriques. Terminado o curso, como furriel graduado, esteve em Fá Mandinga, na formação da 1ª CCmds Africanos, de que o Capitão graduado João Bacar Djaló foi o nosso comandante. Era 1º sargento quando participou na operação “Ametista Real”, em Cumbamori, Senegal. Ao Braima calhou-lhe ir no agrupamento onde ia o Major Almeida Bruno. Foi muito falada, na altura, a história de que Braima Baldé pode ter salvado a vida do nosso comandante quando o Major Bruno, ao avistar um grupo de militares, tê-los-á chamado, pensando que eram militares nossos. Eram páras senegaleses. O Braima apercebeu-se, gritou-lhe que se abaixasse, e, segundos depois, começaram a ser alvejados com rajadas. No regresso, já em Guidaje, o major tirou os galões de um alferes europeu e colocou-os nos ombros do Braima Baldé. Quando se deu o 25 de Abril, o PAIGC começou por lhe atribuir um cargo numa secretaria em Bambadinca. Depois executou-o, em 1975, em dia e local que ninguém disse.

[25] Hoje Tenente-Coronel.

[26] Nota do editor: em Ordem de Serviço nº 34, de 23 de Agosto 1973, do CTIG, o Brigadeiro Comandante Militar louvou o Alferes Graduado Comando Amadu Bailo Djaló, da 1ª CCmds Africanos: “porque em todas as operações e acções em que tomou parte, se revelou sempre um combatente exemplar, muito valente, corajoso, determinado e de elevado espírito de sacrifício e abnegação. Militar de elevado espírito de missão, responsável e muito generoso é de inteira justiça realçar o seu excepcional comportamento na operação “Ametista Real”, onde comandou o seu grupo de combate com competência, serenidade, muita coragem, agressividade e estoicismo. Por tudo quanto se nota, é digno de ser apontada a sua conduta como de verdadeiro Comando, sendo-lhe conferido o presente louvor como público testemunho das suas extraordinárias qualidades de chefe militar e de combatente.”

[27] O pai do Alferes Carolino Barbosa era comerciante no sul da Guiné e tinha sido morto pelo PAIGC.

[28] Nota do editor: de 11 Julho a 11 Agosto 1973 e de 21 Novembro a 16 Dezembro 1973.
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Militres  do Batalhão de Comandos da Guiné mortos em Cumbamori, Senegal, durante o assalto à base IN, Operação Ametista Real’, 19 Maio 1973.

  • Anso Baldé, Soldado, 1ª CCmds; 
  • José Vieira, Soldado, 1ª CCmds; 
  • Pedro Melna, Alferes Graduado, 2ª CCmds;
  • Mama Samba Baldé, Alferes Graduado, 3ª CCmds:
  • Saliu Sané, Soldado, 3ª CCmds;
  • Becute Tungué, Soldado, 3ª CCmds;
  • Carlos Intchama, Soldado, 3ª CCmds;
  • Armando Beta Santa, Soldado, 3ª CCmds:
  • Mama Samba Embaló, Soldado, 3ª CCmds;
 Fonte: Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp. ) 
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4359: Tabanca Grande (143): Amadu Bailo Djaló, Alferes Comando Graduado, incorporado no Exército Português em 1962 (Virgínio Briote)

(**) Último poste da série > 14 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23525: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (11): "Se eu de ti me não lembrar, Jerusalém", poema de Luís Jales de Oliveira (ex-fur mil trms, CCAÇ 20, 1972/74)

Vd. também poste 18 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23364: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (5): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte IV: Op Ametista Real, de 17 a 21 mai73, destruição da base de Cumbamori, no Senegal

sexta-feira, 25 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23112: Bibliografia (49): Marcelino da Mata, o operacional valoroso, entre o mito e as investigações às três pancadas no livro "O Fenómeno Marcelino da Mata - O Herói, O Vilão e A História", de Nuno Gonçalves Poças; Casa das Letras, 2022 (Mário Beja Santos)


Publicamos um texto do nosso camarada Mário Beja Santos sobre o livro "O Fenómeno Marcelino da Mata - O Herói, O Vilão e A História", da autoria de Nuno Gonçalo Poças; Casa das Letras, 2022, desta vez não destinado ao nosso Blogue mas à comunicação social, já publicado em jornais.


Marcelino da Mata, o operacional valoroso, entre o mito e as investigações às três pancadas

Por Mário Beja Santos

É a narrativa mais recente sobre o mais condecorado militar português, intitula-se "O Fenómeno Marcelino da Mata, o Herói, o Vilão e a História", por Nuno Gonçalo Poças, Casa das Letras, 2022. Vindo na sequência de outras narrativas, e depois da controvérsia que acompanhou o desaparecimento do herói, era expectável uma investigação em contexto inovador, com questões pertinentes, abordagens facultadas por contemporâneos e camaradas operacionais do falecido herói, enfim, um trabalho que saísse da pura ruminação e do copy-paste. Nuno Poças promete e não cumpre. Diz ter como móbil do seu trabalho:

“Parti para este livro para tentar perceber quem era o homem por detrás do debate, e também para compreender quem nele teria mais razões. Mas rapidamente constatei que aquilo que era mesmo importante, na minha modesta e frágil opinião, não foi discutido. Marcelino tinha em si, no seu percurso, tudo aquilo que nos devia ter feito refletir e procurara acomodar todas as sensibilidades, num quadro de moderação e concórdia, relativamente a um passado recente que não deixa – ou não devia deixar – muita gente orgulhosa. Esse passado é por natureza controverso, na medida em que se trata, essencialmente, de dois períodos (guerra em ditadura e processo revolucionário) não devem ser olhados, em democracia, como se olha para um passado recente já construído em período democrático”.

E quando se despedir do leitor, o autor voltará à tónica de que é necessária uma perspetiva de apaziguamento e moderação, de que há muitas contradições e confrontos na historiografia da Guerra Colonial, é indispensável a busca do justo equilíbrio, ele diz que foi o que tentou fazer, concluindo que Marcelino carregava em si o peso das contradições de um passado comum a tantos portugueses ainda vivos. E finaliza com uma quase boutade: “Nestas contradições andará, como quase sempre, a verdade possível”.

O autor passa como cão por vinha vindimada em ouvir opinião ou comentários sobre as diferentes entrevistas dadas por Marcelino. Apresenta a Guiné de um modo grotesco, incorreto:

“O território da Guiné, descoberto pelos portugueses em 1446. Depois de povoado por meio de Cabo Verde, ocupado por holandeses, povoado por portugueses, abandonado, colonizado por ingleses, foi finalmente constituído como colónia portuguesa em 1879, depois da união de Bissau e Cacheu. Só em 1951 seria criada a Província Ultramarina da Guiné”. Brada aos céus!

Apresenta-nos Marcelino e procura contextualizar em que meio, o que escreve é mais do que consabido, vem em todos os relatos anteriores, mesmo aquela névoa de quem da sua família foi assassinado pelo PAIGC, o pai, a mãe, a irmã ou a mulher. 

Como a diacronia não é a principal preocupação de Nuno Poças, logo sobre a vingança em quadro psicanalítico de Marcelino temos o comentário de Manuel dos Santos, o Manecas, comandante do PAIGC, dizendo, em 2015, que o Marcelino da Mata era uma vergonha para o exército português. Mas o autor dá como demonstrado que a vingança e o sentimento de pertença à comunidade portuguesa marcaram a atuação de Marcelino.

Nada de novo nos traz no seu relato sobre os primórdios da guerra da Guiné, daqui parte para a apresentação de Amílcar Cabral e a criação do PAIGC, também não há elementos novos e assim chegamos ao quadro de atuação de Marcelino, já ganhara notoriedade quando participa na Operação Tridente, assim chegamos a 1986 e Marcelino fará parte de um grupo que ganhou fama, Os Roncos, combate ao lado de um outro bravo, Cherno Sissé, este também altamente condecorado, e que teve uma triste sina em Portugal. É aqui que Nuno Poças traz um contraditório face a uma bravata de Marcelino que afirmava uma operação de libertação de prisioneiros da CCaç 1546, coisa que nunca aconteceu, bravata e pura mentira. E o autor observa:

“Parece evidente que se foram inventando episódios acerca de Marcelino da Mata, e existem testemunhos que afiançam que várias dessas invenções tinham origem no próprio, mas o certo é que, indiferente à mitomania, a lenda crescia durante a guerra à medida que as medalhas e os louvores se sucediam e confirmavam todas as qualidades militares de Marcelino. E o PAIGC, por sua vez, ganhava a Marcelino da Mata um receio e uma raiva crescentes”
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E, mais adiante: 

“Retratado como um herói pelo regime que o condecorava, era também visto como um sanguinário e criminoso de guerra pelo lado oposto, graças a episódios ocorridos no mato, factos de real selvajaria dos quais quem não conhece a guerra terá sempre uma distância inevitável”

Parece um comentário do Conselheiro Acácio.

Como a diacronia não é o forte de Nuno Poças, voltamos à Operação Tridente e passamos rapidamente para a Operação Mar Verde, e depois a Operação Ametista Real, também nada de novo, seguramente para justificar a presença e os atos de bravura de Marcelino. Nuno Poças vai repetir frases que se encontram em dezenas de livros sobre o período da governação Schulz, que tinha apostado exclusivamente numa estratégia militar de recuperação das áreas ocupadas pela guerrilha do PAIGC, mas sem produzir grandes resultados, que recebeu mais efetivos militares, aumentou os bombardeamentos e as operações por tropas helitransportadas; mas, coitado, chegara com a saúde fragilizada e uma visão burocratizada da guerrilha, acabou demitido (aqui não é o Marcelino a disparatar, é o autor). E chega Spínola, intensifica a africanização da guerra, etc. e tal, chega o 25 de abril, dias antes Marcelino acidentado é transferido para Lisboa, e aqui fica.

Anos depois, numa entrevista Marcelino virá dizer que só a tropa guineense chegava para controlar a Guiné. 

“Podia ter-se negociado com o PAIGC para formar um exército no qual eles se integrassem: porque nós éramos um exército formado e com largos anos de guerra, e eles era guerrilheiros sem formação militar e sem quadros – portanto, eles deviam integrar-se nesse exército e não nós no deles”

Fica bem claro neste comentário a visão irrealista de Marcelino da Mata face ao processo descolonizador, tal como ele aconteceu.

Nada se esclarece quanto às razões que levaram à detenção de Marcelino da Mata em 1975, foi espancado no RALIS, nunca aparece alguém, factualmente, a desmentir a ligação de Marcelino com spinolistas, o ELP, parece que foi o MRPP que o descobriu por ciência infusa, aproveita-se a oportunidade para novamente enxovalhar o nome de Leal de Almeida, comandante do RALIS, que teria aproveitado a oportunidade para exercer uma vingança pessoal sobre Marcelino. E depois vem a sua ligação às manifestações dos antigos comandos guineenses, em 1986, tudo é exposto sem nenhum contraditório, aliás está na moda, até em processos de doutoramento as calúnias andam impunemente à solta.

E depois o herói morre, e por muito que o autor diga que falar de Marcelino exige uma perspetiva de apaziguamento e moderação, há que reconhecer que é preciso ter muita desfaçatez para escrever esta narrativa completamente inútil.

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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18924: Bibliografia (48): "Portugal à Lei da Bala, Terrorismo e violência política no século XX", por António Luís Marinho e Mário Carneiro; Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2018 (Mário Beja Santos)

terça-feira, 8 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23059: Agenda Cultural (802): Edição do livro "O Fenómeno Marcelino da Mata, o Herói, o Vilão e a História", biografia escrita por Nuno Gonçalves Poças, Casa das Letras, 8 de Março de 2022


Em mensagem de ontem, 7 de Fevereiro, o nosso camarada Mário Beja Santos enviou-nos esta Informação à Imprensa com a notícia da edição, hoje mesmo, do livro "O Fenómeno Marcelino da Mata, o Herói, o Vilão e a História", biografia escrita por Nuno Gonçalves Poças.


INFORMAÇÃO À IMPRENSA

07.03.2022

A Casa das Letras edita amanhã, terça-feira, 8 de março, “O Fenómeno Marcelino da Mata, o Herói, o Vilão e a História”, biografia escrita pelo advogado Nuno Gonçalo Poças, autor de “Presos Por um Fio – Portugal e as FP 25 de Abril”, livro, cuja publicação em 2021, provocou um enorme debate na sociedade portuguesa em torno daquela organização terrorista.

A morte do tenente-coronel Marcelino da Mata em Fevereiro de 2021, com covid 19, agitou igualmente as águas dos extremismos à direita e à esquerda e desencadeou um feroz, mas inconsequente, discussão pública. 

“Este livro não é um manual de glorificação de Marcelino da Mata, nem pretende crucificá-lo ‘post mortem’”, escreve o autor no prólogo, sobre o fundador dos comandos, o militar mais condecorado da História portuguesa , a quem uns chamam “guerreiro mitológico, porta-voz de uma pátria que perdeu a glória”, e outros apelidam de “criminoso e traidor”, nunca acusado pelos crimes de guerra que cometeu.

“Marcelino foi uma personalidade controversa, sim, mas que encerra em si várias das grandes controvérsias por resolver da nossa História recente, tornando-se, por isso mesmo, politicamente relevante para o Portugal contemporâneo, no sentido em que se torna necessário, para arrumar definitivamente o passado, compreender que houve avanços e recuos, incoerências e desacertos em vários momentos políticos e em vários quadrantes ideológicos. O desafio é, pois, promover a pacificação política através da leitura de uma personalidade que, até à data, promoveu mais discórdia e radicalização. A tarefa será, quiçá, mal interpretada por todos aqueles que pretendem fazer da História uma batalha cultural. Se assim for, dá-la-ei por bem-sucedida.”

Este ensaio faz, por isso, uma apologia da moderação a partir da biografia de um polémico militar, tentando gerar um debate desapaixonada sobre assuntos da nossa história recente como a guerra, o período revolucionário, o fim do império colonial, o racismo, o nosso legado na África independente e a procura de respostas e dos consensos possíveis em temas tão sensíveis. Ao longo do livro, Nuno Gonçalo Poças faz um retrato da evolução dos movimentos independentistas na Guiné, da estratégia na Guerra Colonial, e dos seus protagonistas.

«Parece evidente que se foram inventando episódios acerca de Marcelino da Mata, e existem testemunhos que afiançam que várias dessas invenções tinham origem no próprio, mas o certo é que, indiferente à mitomania, a lenda crescia durante a guerra à medida que as medalhas e os louvores se sucediam e confirmavam todas as qualidades militares de Marcelino. 

E o PAIGC, por sua vez, ganhava a Marcelino da Mata um receio e uma raiva crescentes. Provavelmente, ambos os lados estariam a ser vítimas de algum tipo de exagero provocado, por um lado, pelo próprio regime que precisava de homens como Marcelino para fazer valer a sua posição política e, por outro lado, pela forma como o próprio Marcelino fez crescer a sua fama – não se coibindo de exagerar os feitos, acrescentando zeros às perdas inimigas, por exemplo. Os guerrilheiros achavam-no, pois, um sanguinário execrável, sentimento agravado por se tratar de um negro, guineense, que decidira combater, como tantos outros, embora ele com indiscutível sucesso, do lado da força colonizadora contra a independentista.»

O advogado Nuno Gonçalo Poças é autor do livro “Presos por um Fio – Portugal e as FP-25 de Abril ", editado pela Casa das Letras, em 2021, e que trouxe de novo para ordem do dia a organização. 

O livro teve 5 edições e foi um fenómeno de vendas no ano passado. Formado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, é revisor do Internacional Journal of Business Strategy and Automation, da IGI Global, revista científica norte-americana, onde publicou sobre Ética e Responsabilidade Social nas Decisões Judiciais. É colunista no jornal Observador, onde também escreve ensaios sobre políticas públicas e história contemporânea.