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quinta-feira, 15 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18418: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (49): O "Senhor Badalhoco" foi à Escola

Guiné 63/74 - P6696: Tabanca Grande (227): José Ferreira da Silva, ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913 (Guiné, 1967/69)


1. Em mensagem do dia 1 de Março de 2018, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos mais uma memória boa da sua guerra, desta vez uma incursão na Escola Básica da Bandeira para recriar o seu "Bife à Dunane".


MEMÓRIAS BOAS DA MINHA GUERRA

49 - O “Senhor Badalhoco” foi à Escola

- “Avô” Zé, tem de ir à Escola. – dizia-me o meu genro Abel, há uns dias.
- Fazer o quê? Sou “burro velho” e já não aprendo mais nada.
- Não. É para ir contar uma das suas histórias boas da guerra lá, na “Escola da Bandeira”, está a decorrer um programa de “Leitura em Família” e já descobriram que o “Bô-Zé” é escritor. Escolha a história mais adequada para a nossa família não ficar mal.

A verdade é que me esforcei, esforcei… a rever, de entre as 86 histórias já publicadas, qual seria adequada. Certo é que, atendendo ao público a que se destinava, eu me sentia muitíssimo… limitado.

- Só se for o “Bife à Dunane”, porque não estou a ver-me a contar as outras histórias. E mesmo essa… tem que levar uma volta.
- Não se preocupe, “Bô Zé”. Vai correr tudo bem.

E foi desta maneira que o dia 27 de Fevereiro de 2018, também vai ficar ligado às “Memórias boas da minha guerra”. E estou ciente de que este singelo acontecimento é merecedor de ficar registado na memória colectiva da Guerra do Ultramar…

FOI ASSIM:

No dia anterior gastei a tarde no Porto a tentar “apanhar” o Magalhães Ribeiro, para que me emprestasse alguns “adereços guerreiros” para eu criar na Escola um ambiente adequado à minha intervenção. Mas, mal experimentei o “dólmen” XL, verifiquei que seria difícil apertar os botões. Pensei que tirando mais duas camisolas poderia “emagrecer” o suficiente para o vestir. Todavia, à cautela, ainda em viagem, informei a minha mulher telefonicamente de que eu ia aproveitar para fazer uma caminhada e que ela deveria preparar um jantar frugal, bem como o almoço do dia seguinte, uma vez que eu teria que perder um bocadinho de barriga, para caber dentro da roupa militar emprestada.

Coberto pelo meu tradicional chapéu de abas largas (que, já em cena, trocaria por uma boina militar) e encoberto por uma avantajada casaca (que cobria o tal dólmen), apresentei-me na “Escola da Bandeira”, acompanhado pela minha mulher. Ali, tive a prestimosa colaboração profissional do Pai-Bel e da Professora Lara Lima.


Quando me apresentei fardado (de camuflado e boina) dentro da sala de aula, dei dois passos em frente e me apresentei à Professora (incluindo continência e “batedura” de tacões), foi o delírio dos seus alunos. Pedi-lhe então licença, para ler uma das histórias das “Memórias boas da minha guerra”, o que ela aceitou com satisfação.

Tive cuidado na aproximação ao assunto da guerra, que não foi referido na descrição e caracterização do ambiente militar em que a história decorre.
Por isso, avancei para a questão do “Bife à Dunane” sob o ponto de vista da “logística” que implicava a sua confecção, bem como da exigência profissional que seria compatível. E quando descrevi a figura do cozinheiro Madeirense, também conhecido como Senhor Badalhoco, foi um fartote de gargalhadas. A partir daqui, tivemos que dar algum tempo para ”recuperar o auditório”, no sentido de tentar controlar a risota, que era contínua.

O maior problema foi a sensibilidade de alguns alunos que insistiam em saber o que acontecera aos pintainhos que caíam na improvisada frigideira. Outros manifestavam-se muito mais interessados em ouvir as frases que eu pronunciava com sotaque madeirense, tentando imitar o cozinheiro.
Se não estivéssemos limitados pelo tempo, ainda agora lá estaríamos a responder aos mais entusiasmados.


Foi uma tarde inesquecível! Certamente que todas as crianças presentes falarão durante muitos anos desta sua experiência. E eu, que pouco tempo mais vou andar por aqui, não esquecerei jamais os momentos invulgares e belos que vivi.


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Nota:
Não poderia deixar de referir que, em determinado momento, me senti bastante comovido quando:
- A Mafalda se lamentou que o seu avô morrera na guerra e
- A Leonor contou que a sua avó, durante dois anos, só recebeu uma carta do avô, que não voltou da guerra.

JFSilva da Cart 1689
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18313: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (48): Clube de Cabuca

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18313: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (48): Clube de Cabuca



1. Em mensagem do dia 3 de Fevereiro de 2018, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos mais uma memória boa da sua guerra, desta vez não dele propriamente dita mas do Ricardo Figueiredo, ex-Fur Mil da 2.ª CART/BART 6523.


MEMÓRIAS BOAS DA MINHA GUERRA

48 - Clube de Cabuca
 
Sempre que eu e o camarada Ricardo Figueiredo comentamos as “Memórias boas da minha guerra”, ele fala da sua vivência no “Clube de Cabuca “(73/74), onde tudo de bom acontecia, com sério destaque para o caso da Rádio “No Tera”.

Agora, que tive conhecimento desse período admirável, vejo-me na agradável obrigação de registar este pequeno contributo para a História Colectiva da Guerra do Ultramar.

A todos os obreiros daquele louvável trabalho, presto a minha singela e devida Homenagem!

Os militares da 2.ª CART/BART 6523, logo que instalados em Cabuca, destacaram-se pelo seu espírito de camaradagem e solidariedade.



No “Clube de Cabuca”, os seus esforçados associados  assumiram a criação do Jornal, da Biblioteca, da “Tele-Escola” e de muitas actividades de desporto e recreio. Todavia, foi a criação da rádio “No Tera” que teve mais impacto junto dos militares da 2.ª CART.  “Os Abutres”.

Extracto de um texto publicado no Jornal “ O Abutre” 


“Parece-me mentira mas é pura verdade. 
Eu que ando nestas andanças desde 1961 e tendo cumprido duas comissões em Moçambique e uma em Angola, sempre estive no mato integrado em Companhias Operacionais, nunca encontrei um punhado de bons rapazes que em vez de pensarem em si próprios, pensam antes de mais nada nos outros, que, por motivos vários, não tiveram a felicidade de poderem ir mais além na sua cultura. Pois graças a esse punhado de rapazes, que arregaçaram as mangas e sem olharem a sacrifícios de toda a ordem, especialmente pelo isolamento em que vivemos, esses rapazes, dizia eu, já puseram a funcionar aulas para a 4ª Classe e Ciclo Preparatório, uma Biblioteca onde já temos um número de livros muito engraçado e onde todos nós podemos requisitá-los para melhor passarmos os nossos momentos de ócio e iremos ter um Jornal diário do Porto, Jornal de Notícias (não esquecer que 60% do pessoal é nortenho), e três vezes por semana o Jornal A Bola. Montaram um Posto Emissor Interno, que quando só podemos estar nos respectivos abrigos nos proporciona umas horas de boa música, um Campeonato de Futebol inter-Pelotões e ainda o nosso jornal “O Abutre”.

Foi só isto que este punhado de rapazes já fizeram, e segundo parece ainda não querem parar por aqui….”

Adelino A. Monteiro
1.º Sarg. Art.

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Rádio “No Tera” 

GoodMorning Vietnam!

Quem não se lembra deste filme de sucesso, parodiando peripécias da guerra dos americanos em terras do Vietnam? Para nós, os ex-combatentes, este filme sobre a guerra despertou-nos, desde logo, alguma e evidente curiosidade.


Foi o grande actor Robin Williams quem deu vida a esta intervenção permanente junto dos militares, através de uma estação de rádio instalada em Saigão. Embora o filme tenha sido realizado em 1987, o seu enredo diz respeito ao período de intervenção militar entre 65 e 67. 

O que ninguém se lembra é que, quase na mesma altura, na Guiné e, também, em teatro de guerra, se viveram grandes momentos de paródia guerreira, relatados na Rádio “No Tera”.



O seu grande dinamizador foi o despromovido Carlos Boto, que, condenado disciplinarmente, cumpria a sua 3ª comissão de serviço.

Foi ele quem pediu ao Cap. Vaz o aparelho de rádio RACAL que, devidamente afinado, passou a transmitir em onda curta 25 M, nas bandas dos 12.900 e 13.700 KHZ/s. Transmitia ainda em 31 M na banda dos 9.200, na onda marítima e na onda média.

A rádio era liderada por Carlos Boto (Produção, Direcção e Montagem), e contava com a colaboração de Zé Lopes (Discografia),Toni Fernandes (Sonoplastia), Arménio Ribeiro (Exteriores) e Victor Machado (Locução).



- Ráaadiiiooo… “No Tera”!!! … Boa Tarde… Cabuca! – gritava repetidamente o locutor de serviço, logo após a entrada do sucesso musical - Pop Corn (https://www.youtube.com/watch?v=mBDgfBunNyc). E anunciava:
- Já de seguida: - Múuusicaaa na picadaaa - programa de discos pedidos.
- Mais logo, depois do noticiário das 21,00, teremos: - Resenha desportiva
- E a partir das 22.00: - Concurso surpresa.


Repórteres da Rádio "No Tera" entrevistam o Furriel Quim Fonseca, responsável pela habitual celebração/transmissão da Missa Dominical em crioulo

A Rádio “No Tera” era um orgulho para todos os Cabucanos, incluindo os seus verdadeiros indígenas. Toda a gente acompanhava a Rádio e nela colaborava dentro das suas possibilidades.

A rádio PIFAS, sediada em Bissau, que cobria todo o espaço militar guineense, chegou a fazer referências de elogio ao bom desempenho da Rádio “No Tera”.

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Concurso polémico

Durante uns dias, a rádio anunciou o “Concurso Mama Firme”. Esperava-se, desta forma, classificar e premiar as medidas peitorais das mulheres Cabucanas. Diga-se de passagem que a tropa se esforçou imenso para que as suas conhecidas, especialmente as suas lavadeiras, ali viessem expor o seu porte. O Carlos Boto, que fora o promotor da ideia, esteve quase a levar um enxerto de porrada do corpulento milícia Jeremias, devido às insistências junto de sua mulher.

Quem também não gostou da ideia, foi o Chefe de Tabanca Mamadu, que lembrou os radialistas de que às mulheres de Cabuca estava vedada a participação em concursos de beleza. E justificou:
- Poderíamos premiar a beleza interior porque somos nós que a fazemos e não a beleza exterior, porque essa é um produto de Deus.

Decepcionados pelo fracasso, os promotores da iniciativa, reunidos de emergência, resolveram considerar a informação do Chefe de Tabanca e alterar para um “Concurso de …Piças”.

Naquele dia, a emissão da rádio abriu excepcionalmente às 15H00, por forma a poder publicitar massivamente a forçada alteração do concurso anunciado.

Foi no refeitório, por volta das 17,30, que se iniciou o evento. Para começar, ninguém queria mexer em piça alheia. Teve que ser o Oficial Dia, António Barbosa, a assumir a função de Juiz Árbitro, Decididamente, sacou a faca de mato e traçou sobre a mesa uma linha para servir de medida limite para admissão ao concurso. E avisou:
- Quem não chegar ao traço, fica logo de fora e quem o ultrapassar mais, ganhará uma garrafa de whisky.

Não levou muito tempo a que aparecessem alguns a “experimentar” a medida. Porém, não satisfeitos, voltavam para trás, e exercitavam-se a “tocar ao bicho”, na esperança de que ele crescesse de forma satisfatória. Aliás, ninguém abdicou de se exercitar ali…descaradamente. Numa das mesas viam-se o Matosinhos, o Carvalho e o Maia em acção, ao mesmo tempo que olhavam afincadamente para a mesma revista… erótica.

Quem não se desenrascava era o Zé Faroleiro, cuja fama e porte de machão eram bem conhecidos. Por mais festas que fizesse ao animal, não conseguia despertá-lo.
- Ó filhos da puta! Badalhocos!!!– gritou o Vagomestre, surgindo dos lados da cozinha. E acrescentou:
- Não tendes vergonha de sujar a mesa onde comeis, com pintelhos e pingos??? Francamente!!!

O concurso ficou pontualmente suspenso, precisamente quando havia algumas dúvidas quanto ao vencedor. Furioso, o Vagomestre chamou o básico Pequenitaites, ajudante da cozinha:
- Ó Faxina, vem cá. Traz um pano húmido e limpa esta mesa.

Quando este se aproximou, tomou conhecimento das medidas que apontavam para o possível vencedor. De repente, exclamou:
- Se é assim, eu podia ganhar!

A gargalhada foi geral. Mas o básico aproximou-se e, um tanto envergonhadamente, abriu a braguilha, sacou o marmanjo e, meio encoberto pelo pano da limpeza, pousou-o sobre a mesa.

Como o Pequenitaites parecia que não atingia a medida maior, logo alguns intervenientes (os mais avantajados) tentaram afastá-lo. Porém, o básico subiu para um pequeno tijolo de barro para poder chegar com os testículos ao tampo da mesa e poder competir em condições de igualdade.
- Ei pá!!! Foda-se!!! Mas que grande piça!!! – exclamaram abismados, os presentes.

Todas as outras murcharam e… ficaram desclassificadas.

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Notas:

1 - A Rádio “No Tera” veio a ser suspensa por ordem do Capitão Vaz. Quando esteve programada a visita de Spínola a Cabuca, a Rádio “No Tera”, além de anunciar essa deslocação do Governador-Geral da Guiné, incentivava os militares a limparem as instalações e a esmerarem-se na sua apresentação. Ora, como é de calcular, esta incúria foi manifestamente prejudicial em termos de segurança e bastante comprometedora junto das Forças Inimigas.

2 – Doze anos depois do regresso, o Ricardo Figueiredo teve a oportunidade de saber da boca do Pequenitaites que o tamanho do seu pénis só lhe trouxera dissabores. Confessou-lhe que as namoradas se assustavam e que a mulher que mais amara trocou-o por um lingrinhas que era conhecido por “Pilinha de Gato”.
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18251: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (47): O Zé Manel de Mampatá - Poeta da Régua (2)

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18251: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (47): O Zé Manel de Mampatá - Poeta da Régua (2)

Paisagem duriense, Património da Humanidade


1. Em mensagem do dia 10 de Janeiro de 2018, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos um trabalho que consideramos uma homenagem ao outro nosso camarada Zé Manel - "O poeta da Régua", um transmontano dos quatro costados que na região duriense desbrava o xisto donde extrai o seu famoso Pedro Milanos.
Aqui deixamos a segunda parte desta Memória Boa do Zé Ferreira.


MEMÓRIAS BOAS DA MINHA GUERRA

47 - Zé Manel de Mampatá – Poeta da Régua (2)


A razão de um nome… 
Porquê Pedro Milanos?

Por José Manuel Lopes 

PEDRO MILANOS é o anagrama de ARMINDO LOPES, o autor do poema que estava nos contra rótulos. (Ambos os nomes têm as mesmas letras, só que por ordem diferente).
Por trás de um nome está sempre uma história e esta é a de um homem que viveu sempre apaixonado pela sua região. No fim da década cinquenta, passava na tv um programa sobre as 7 maravilhas do mundo… 
Com cerca de 8 anos a grandeza de tais obras me deixaram encantado, particularmente as Pirâmides do Egipto e perguntei a meu pai: 
- Qual das sete maravilhas é a de Portugal? 
- Nenhuma. 
- Pois, nós somos um País muito pobre! 
- Achas!? Anda daí comigo. 

Subimos ao mirante da casa, abriu a janela e disse. 
- Que vês rapaz? 
- Vejo montes. 
- E nos montes o que é que há? 
- Vinhas. 
- E as vinhas são feitas de quê? 
-Videiras e folhas. 
- E essas videiras estão onde? 
- Na terra. 
- E a terra como está segura? 
- Bem!?...não sei como. 
- Pelos muros de pedra meu filho. Consegues contar todos os que vês? 
- Não, eles são tantos. 
- Agora imagina, quantos não haverá pelo Douro fora… Todos juntos, são uma obra muito maior que as Pirâmides do Egipto. Passam é despercebidos. 

E foram passando, até que um dia em 2001, dez anos depois da morte de meu pai, recebo a notícia pela TV de que o Douro, as suas vinhas e os seus muros, passavam a ser Património da Humanidade. 
Como ele teria adorado ter tido conhecimento disso! 

Decidi dar o nome de Pedro Milanos ao primeiro vinho feito pelo meu filho Vasco, que é enólogo e neto de Armindo Lopes.

Um brinde de camaradas ex-Combatentes da Guiné, com Reserva Pedro Milanos, na Tabanca de Matosinhos. 

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 (Outros poemas do Zé Manel) 

Heróis que a história não narra 

Por José Manuel Lopes

“Quinze dias após a nossa chegada à Guiné estávamos em Bolama a fazer o treino operacional (IAO) que duraria cerca de um mês, após o que partiríamos para o Sul da Guiné, Mampatá Forreá que seria o nosso lar nos próximos 2 anos. 
Naquele dia, fazia-se fogo real com o dilagrama e foram escolhidos os soldados para utilizar esse tipo de arma. O Instrutor do Batalão, onde fomos anexados pontualmente, que era o Alferes Figueiredo, estava a ensinar o instruendo,o Soldado António Mata da minha Companhia. 
Após o Mata ter retirado a cavilha da granada defensiva, a alavanca desta saltou imediatamente, pois a anilha de segurança tinha caído e ninguém se apercebeu disso. Instintivamente o Alferes deitou as mãos à granada que menos de 4 segundos depois lhe rebentou nas mãos. Ambos foram atingidos em cheio tendo morte imediata. Os seus corpos receberam a grande maioria dos estilhaços e protegeram todos que à volta assistiam ao lançamento do dilagrama. Houve alguns atingidos por um ou outro estilhaço, mas sem gravidade. 
O Mata era casado. A mulher quando se despediu dele já estava grávida. Meses depois nasceu uma menina que nunca conheceu o Pai, nem por foto, pois a mãe casou novamente pouco tempo depois.

Trinta anos passados, fomos à procura daquela jovem emigrante em Paris. Tal como o vínhamos fazendo com outros camaradas mortos, colocando no túmulo uma placa com um poema dos meus, queríamos fazer uma homenagem ao António Mata, sepultado em Pinhel. 
Fomos lá no verão, quando a mãe estava cá de férias. Porém, a filha ficara em Paris e sem qualquer interesse em vir a Portugal. E contacto telefónico com ela, a partir de Pinhel, ela manifestou-se sensibilizada com a nossa atitude mas confessou que não possuía qualquer ligação com o seu pai, de quem nem foto conhecia. 
Viemos a saber que o padrasto não permitiu nunca essa ligação. Manifestámos-lhe a nossa intenção na homenagem e prontificámo-nos a pagar-lhe a viagem, se necessário. 
Efectivamente, a filha do Mata acabou por aceder ao nosso desejo. Veio cá, assistiu à homenagem e viu colocarmos a placa de mármore, sobre a campa do seu pai, onde se destacava a sua foto de Combatente a encimar um poema. 
Sensibilizada com a nossa atitude, recebemos a sua emocionante mensagem: 
- “Nunca conheci meu pai, vosso camarada, mas hoje pelo menos, tive um pai em cada um devocês. Muito obrigado." 
Presentes nessa homenagem estiveram cerca de 12 elementos dos Unidos de Mampatá (Cart 6250).

Gostava de vos falar 
dos esquecidos 
dos heróis que a história 
não narra 
que as viúvas choraram 
mas já não recordam 
daqueles 
que nem tempo tiveram 
para ter filhos 
que os amassem 
descendentes 
que os lembrassem 
daqueles que nunca 
tiveram o dia do pai 
vítimas de guerras 
que não inventaram 
em tempo que já lá vai 
falar deles é prevenir 
se bem que de nada 
lhes valha 
de guerras que possam vir 
geradas pela ambição 
dos 
que nunca morrerão 
num campo de batalha."

Assistência aos feridos 
 
Puseste o pé em sítio errado

Por José Manuel Lopes

“Março de 1973. A construção da estrada alcatroada havia começado em Aldeia Formosa, 7 Km depois atravessava Mampatá e seguia na direcção da Fonte de Iroel, como uma gigantesca jibóia negra lá ia até Colibuia, seguindo paraNhacobá e um dia havia de chegar ao Cumbijã. Era como uma faca encravada nas zonas até ai controladas pelo PAIGC, atravessava o corredor de Uane, virava para Sul ao Cumbijã e facilitaria o controlo pelas nossas tropas de toda aquela área. 

A todo o custo o PAIGC tentava evitar a sua progressão e para tal plantavam minas por todo o lado a fim de destruir viaturas e máquinas de desaterro que trabalhavam na abertura da estrada. Logo ai o trabalho para detectar as minas era importantíssimo. 

Todos os dias se fazia a picagem até à frente dos trabalhos e depois fazia-se a segurança à engenharia e aos operadores das máquinas. O trabalho dos Furriéis de Minas e Armadilhas era importantíssimo e o Vilas Boas distinguiu-se nisso. Perdi a conta às minas que ele levantou. 

Um dia na rotina habitual os picadores da frente gritam:mina!. Todos param. O Albuquerque repete a mensagem (mina!) e dá um passo atrás. Pisou uma mina antipessoal.

Puseste o pé em sítio errado 
um som violento, o pó levantado 
escondeu por algum tempo 
o teu corpo violentado 
sem pensar em outras minas 
correram em teu socorro 
o sangue fugia do teu corpo 
e o "hélio" não chegava 
 tua cara, ainda de criança 
ficava cada vez mais pálida 
tudo num silêncio angustiado 
Apesar dos teus vinte anos a 
vida fugia-te em golfadas 
porquê tanto sangue derramado?”

Minas 

Parece inofensiva a maldita 

Por José Manuel Lopes

“Desde o início da construção da estrada que as picagens se tornaram um cenário diário e hoje mesmo me surpreendo, como só tivemos uma vítima nesse trabalho perigoso que se tornou numa rotina. Só um trabalho muito responsável e competente dos picadores e dos Furriéis de Minas e Armadilhas explica tudo isso. Grande Vilas Boas e Fernandes! 

"Estradas amarelas corpos 
cobertos de pó 
pica na mão à procura delas 
o polegar ferrado num pau 
tac,tac,tac,tac,tac,tac 
tacteando por sons diferentes 
o Fernandes com cara de mau 
espeta no solo 
o ferrão da pica 
tac,tac,tac,tac,tac,toc... 
o calafrio... 
depois o grito 
anunciando o perigo 
o grupo é mandado parar 
chega o Vilas à frente 
e todos manda afastar 
de joelhos no chão 
numa simulada carícia 
afasta a terra com a mão 
com gestos simples e perícia 
vai cavando devagar 
ei-la... está aqui 
parece inofensiva a maldita 
deita-lhe a mão e grita 
és minha, já te tenho 
tira-lhe o detonador 
e entre dentes diz... 
esta não 
esta não causará dor.”


Cheira a emboscada

Por José Manuel Lopes

"Em fila indiana 
vai o grupo pela picada 
um silêncio pesado 
de natureza estranha 
deixa os sentidos alerta 
cheira... a emboscada 
aos primeiros tiros 
todos caem no chão 
há avisos e gritos 
e reina o palavrão 
responde-se de pronto 
com a arma na mão 
subitamente, de lá 
as armas se calam 
enquanto por cá 
elas ainda falam 
e eis que 
o silêncio volta 
e chega a segurança 
regressa a confiança 
olha-se em volta 
há um corpo caído 
que não grita nem mexe 
se adivinha razão 
engole-se em seco 
se desvia o olhar 
se esconde a emoção."

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Não pode haver melhor prenda 

Por José Manuel Lopes

 
Em dia de correio, o grupo de serviço ia levantá-lo à Aldeia Formosa. Uma secção montava-se num Unimog, lá ia em busca das boas novas, aproveitando para levar as cartas que os militares escreviam aos familiares e madrinhas de guerra. 

Eu raramente escrevia. A minha mãe queixou-se disso na primeira vez que vim de férias. Eu dizia-lhe que pouco havia para contar e que não se preocupasse, pois no nosso caso, a falta de notícias era a melhor das notícias, se algo corresse mal, a má nova chegava rápido. 
Havia um Furriel já casado que todos os dias escrevia à mulher e numerava as cartas. Quando após o almoço passava junto à tabanca dele, lá estava o Santos sentado a escrever. Eu perguntava: 
- Oh Santos quantos dias já levamos disto? 
Ele olhava para a parte superior da primeira folha da carta e dizia: 
-184, não falha. 

Quando o correio chegava, ele recebia 7,8,10 cartas, pois a mulher também lhe escrevia todos os dias, mas nós não recebíamos o correio com muita regularidade. 

Um dia foi a minha vez de ir buscar o correio a Aldeia Formosa e fiz uma maldade. Retirei do saco todas as cartas endereçadas ao Santos e guardei-as no bolso lateral das calças. 
Ainda hoje recordo o olhar angustiado daquele Furriel a assistir à distribuição do correio. Entretanto, eu já tinha passado pela tabanca dele e deixado 6 cartas em cima da cama. Depois, assisti ao caminhar pesaroso do Santos, da cantina até à sua tabanca. 

De seguida, ouve-se um grito de surpresa. Ele sai e diz: 
- AH SEU FILHO DUMA PUTA, ISSO NÃO SE FAZ!... NA PRÓXIMA, DOU-TE UM TIRO NOS CORNOS!"

"Um ruído vem do céu 
e há cabeças no ar é que 
é dia de correio 
há novas para chegar 
faz-se a distribuição 
com chamada frente ao bar 
para o Santos, nada veio! 
será que vai desmaiar? 
p'ró Zé Manel veio a Bola 
com notícias do Benfica 
p'ró Nelson uma encomenda 
e há quem lhe mande uma dica 
fazendo-se para a merenda 
sim, de correio foi o dia 
não pode haver melhor prenda 
é tempo de alegria 
retiram-se os felizardos 
procuram privacidade 
relêem a mesma carta 
até afogar a saudade." 

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Ao Santos de Leça 

 "Um dia nunca passava 
sem que escrevesse uma carta 
à mulher que tanto amava 
como se fosse promessa 
e todas elas numeradas 
como que a testemunharem 
a grande paixão do Leça"

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Nota do editor

Vd. poste anterior de 24 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18249: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (46): O Zé Manel de Mampatá - Poeta da Régua (1)

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18249: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (46): O Zé Manel de Mampatá - Poeta da Régua (1)


Quinta da Senhora da Graça (a cerca de 3km da cidade do Peso da Régua e 4km de Santa Marta de Penaguião, em pleno Douro Património da Humanidade). Desde 1994, aqui se produz o famoso vinho Pedro Milanos. Funciona também como uma excelente unidade de Turismo Rural.


1. Em mensagem do dia 10 de Janeiro de 2018, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos um trabalho que consideramos uma homenagem ao outro nosso camarada Zé Manel - "O poeta da Régua", um transmontano dos quatro costados que na região duriense desbrava o xisto donde extrai o seu famoso Pedro Milanos.

Aqui deixamos a primeira parte desta Memória Boa do Zé Ferreira.


MEMÓRIAS BOAS DA MINHA GUERRA

46 - Zé Manel de Mampatá – Poeta da Régua (1)

Tive o prazer de conhecer o Zé Manel numa patuscada, em casa do “Mano Novo” (António Carvalho), Presidente “vitalício” de Medas – Gondomar.

Este, havia-me convidado, depois de termos estado juntos, pela primeira vez, numa “lampreiada” em casa de seu “Mano Velho” (Manuel Carvalho).

Logo ali, verifiquei que o Zé Manel era um camarada bem conhecido dos demais e que gozava de grande simpatia. Além disso, era notória uma relação especial com o António Carvalho, fruto do “convívio forçado” de mais de 2 anos, na guerra da Guiné.


Com a minha aproximação aos convívios dos grupos de ex-combatentes, passei a encontrar amiúde o Zé Manel. Daí, ter passado a conhecer/observar o seu passado, os seus poemas e as suas histórias. 


Joaquim Peixoto e José Teixeira brincam com o Zé Manel na Tabanca de Matosinhos

Nasceu no Peso da Régua (Nov 1950), onde frequentou a Escola Primária e o Colégio da Régua até ao 5.º ano. Fez 6.º e 7.º ano no Liceu de Lamego e depois seguiu para o INEF, no Porto. Zangado com os chumbos que ali conseguira, foi a Lamego oferecer-se como voluntário, para o Serviço Militar.
Meio ano depois, foi chamado para as Caldas da Rainha, onde fez a recruta. Seguiu para Tavira, especializar-se em Armas Pesadas. Ainda foi prestar provas aos “Rangers”, mas não ficou lá. Lesionou-se…

Seguiu para Elvas, para dar recrutas. Ali, apanhou uma “porrada” e teve que ir para os Açores. Quatro dias depois de lá chegar, e já com 20 meses de tropa, recebeu notificação para se apresentar no RAP 2, em V. N. de Gaia.

Quando foi gozar os 12 dias de licença antes do embarque, informou os pais de que estava mobilizado para a Guiné. Por essa altura, vivia-se na Régua um ambiente bastante pesado. Precisamente na Guiné, havia falecido o Valdemar, o “Quarenta”, que ficara sem uma perna e o José António encontrava-se prisioneiro. Eram três jovens bem conhecidos na Régua.

Uns anos antes, um vizinho havia escapado da tropa por intermédio de um médico de Viseu, quando da sua Inspecção Médica em Vila Real. Atestou-lhe uma doença rara. Consta-se que este favor foi sendo pago em cabritos, durante vários anos, até à morte do avô do rapaz. Diga-se de passagem, que este procedimento não é bem aceite entre os transmontanos. É que, normalmente, ele identificava uma atitude de medricas, de cobardia ou de falta de patriotismo.

Alguns dias depois, o Zé Manel apercebeu-se de que os seus pais tinham discutido. Coisa raríssima entre eles. Veio a saber que a mãe,  preocupada, havia procurado esses bons conhecimentos para salvar o filho de ir para a Guiné. E que tinha ido ter com um médico que a informara de que já era tarde para evitar a sua mobilização.
- Zé Manel, amanhã vamos a Lisboa. Vamos visitar a tua tia, para te despedires dela. Ela sempre te acarinhou, apesar de não teres querido ficar junto dela, logo de menino. És quase o filho que ela nunca teve.

Fizeram a viagem, quase sempre calados. O ambiente pesado em que se vivia não era nada favorável para conversas. Saídos do comboio em Santa Apolónia, seguiram de táxi com rumo a Alvalade, onde vivia a tia. Mas, quando o táxi parou no largo do Rato, o pai do Zé Manel informou-o:
- Vamos aqui entregar o envelope que o Doutor Marques deu à tua mãe. Ele disse que já era tarde para te desmobilizar mas que este General te pode arranjar um impedimento em Bissau, para não correres perigo.

Meio atordoado pela surpresa, o Zé Manel perguntou:
- Mas eu pedi-lhes alguma coisa?
- Ó rapaz, sabes bem que o teu pai é contra estas coisas de cunhas e de fugas aos deveres de cada um. Mas a tua mãe não sossegou sem me obrigar a isto. É verdade que queremos o melhor para ti… mas tu é que sabes o que queres.
- Ó pai, mostra cá isso. - disse o Zé Manel.

Estendeu a mão, agarrou no envelope da mão do pai e, sem o abrir, dobrou-o e meteu-o no bolso interior do casaco do pai.
- Olha, vamos embora e a mãe não precisa de saber nada disto.
- Meu filho, não imaginas a alegria que me estás a dar. - Aproximou-se, abraçou-o e beijou-o. Coisa de que o Zé Manel já não se lembrava.

Depois de visitarem a tia, voltaram para a estação de Santa Apolónia, mas, desta vez, no comboio, conversaram como nunca durante toda a viagem.

O avião que transportou a CART 6250, “Os Unidos”, chegou a Bissau ao meio da manhã de 27 de Junho de 1972. À espera do Zé Manel estava o seu amigo guineense Vasco, que com ele estudara na Régua e jogara futebol. Nessa altura estudava na Faculdade do Porto e se encontrava ali de férias.
Foi uma noitada “à maneira”. Já era alta madrugada quando o Vasco deixou o Zé Manel no Quartel dos Adidos, num estado bastante entorpecido. Sem cama, nem tino para a procurar, tirou o blusão para servir de travesseiro, descalçou-se e deitou-se no chão,vindo a rodar para debaixo de um beliche.
Quando acordou, a meio da manhã estava só, sem sacos da viagem, sem boina e sem sapatos. Mal apareceu na parada, ouviu gargalhadas e apupos ao “periquito” desorientado. Dirigiu-se então para o Oficial de Dia dessa unidade, perguntando pela sua CART 6250.
- Ó Furriel, você está fodido. A sua Companhia já está em Bolama e você ainda aqui. Venha comigo, vou arranjar-lhe uns sapatos e vamos ali à Força Aérea a ver se se arranja uma boleia.

Curioso foi que, quando lá chegou logo encontrou o Mesquita, Furriel da Força Aérea, seu vizinho reguense e ex-colega no clube de futebol, que o “meteu” num Dornier que ia levantar voo para Bolama, com a distribuição do correio.

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A CART 6250 fez o IAO em Bolama antes de seguir para Mampatá.


O amigo António Carvalho, bem conhecido por Dôtô Carvalho 

No IAO desenvolvido em Bolama, aconteceram duas mortes. A CART 6250 foi integrada, pontualmente, no Batalhão de Artilharia 6520, em que o seu Alferes Figueiredo, de Operações Especiais, chefiava a instrução de uso dos Dilagramas em combate. Naquele momento, era o soldado Mata, da CART 6250 que ia fazer fogo real com dilagrama. Tirou a cavilha da granada, mas como o anel de segurança se tinha soltado, a alavanca saltou logo.

O Alferes, apercebendo-se disso, num impulso de suicídio heróico, aproximou-se e agarrou a granada com as duas mãos, cobrindo a explosão e protegendo os outros militares presentes. Faleceram ambos.

Isto aconteceu no 13.º dia de Guiné. Terminara a sua missão o Soldado António Mata, de Pinhel, que estava emigrado em França. Saíra de lá recém-casado e com a mulher grávida, para cumprir o seu dever militar e de patriota.

Quando falávamos deste episódio, o Zé Manel confessou-me:
- Foi dos momentos mais difíceis e mais marcantes que vi na guerra. O Carvalho pediu para o ajudar a limpar os corpos despedaçados, a fim de os meter nos caixões. Ninguém o ajudou. Eu até me afastei porque nem a ele conseguia olhar. É que ele chorava copiosamente, enquanto ia fazendo o serviço sozinho e as suas lágrimas iam caindo sobre os corpos mutilados.

Nesta parte da narrativa e após uma sentida pausa, o Zé Manel acrescentou:
- O Carvalho foi a pessoa que mais admirei durante a tropa. Não imaginas o trabalho dedicado que desenvolvia a curar e a apoiar as pessoas doentes e carenciadas. Ele queria atender toda a gente e não tinha medicamentos nem condições para isso. Então inventava. Partia os comprimidos e distribuía-os àqueles que não largavam a Enfermaria.
- Olha que aquela história que se conta sobre o facto de a sua equipa de enfermeiros, colarem o comprimido na testa com um adesivo, é verdadeira. Diziam que, assim, o comprimido fazia efeito durante uma semana…

Devido a essa carência, o Carvalho [ fur mil enfermeiro,] deslocava-se amiúde a outros quartéis e destacamentos para arranjar mais medicamentos.


O Zé Manel e o António Carvalho mantêm a sua grande amizade desde os tempos de Mampatá (1972-74).

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Os piores momentos de combate foram vividos nas emboscadas no percurso onde se estava a abrir a estrada de Aldeia Formosa para Nhacubá e Cumbijã. A zona era perigosa mas, segundo os camaradas que foram substituídos, se se evitasse o embate com IN, este também não chateava muito.


Despojos de guerra 

Por José Manuel Lopes 

“Após um contacto com o IN, regressámos a Colibuia e depois, de Berlietaté Mampatá, com muito material que o PAIGC abandonou no terreno. Fiquei surpreendido com a quantidade de material escolar que ficou espalhado pela picada.


Eu trouxe alguns livros e cadernos (que despertaram imenso a minha curiosidade), além de uma Kalash, uma pistola, um cantil e uma faca de mato. O Gomes, do pelotão de nativos é o 1.º da foto, depois o Amadu, que está carregado com roupa e umas botas que tirou a um guerrilheiro abatido. Do lado direito, um soldado com um ferimento na mão direita, já tratado pelos nossos competentes enfermeiros. 

Quando chamei a atenção do Amadu, que não devia ter tirado as botas ao guerrilheiro IN, o Amadu respondeu-me: 
- Oh Furriel, ele já não precisa mais delas e estas botas de couro são muito melhores do que aquelas que a tropa me deu. 

 Fiquei sem argumentos e limitei-me a encolher os ombros". 


A Fonte de Iroel era local de inspiração poética do Zé Manel 

Normalmente, o Zé Manel não se embebedava. Era muito solidário. Chegava a fazer serviços e operações no lugar de outros camaradas. Nos tempos mais livres, procurava ajudar o Furriel Simões no ensino escolar, convivia com os jovens no desporto e gostava muito de se envolver nos contactos com a população indígena.

Conta o amigo Carvalho que após uma Operação, em que foram mortos dois guerrilheiros do PAIGC, o Zé Manel teve uma crise emocional. Foi ter com ele à Enfermaria, abraçou-me a chorar, enquanto balbuciava:
- Já imaginaste o que os seus familiares vão sentir dentro de dias? É o mesmo que se passaria com os nossos. Meu Deus, para quê esta guerra!?
Já depois do 25 de Abril, o Zé Manel relacionou-se bem com a malta do PAIGC 

O Zé Manel regressou da Guiné em 28 de Agosto de 1974. Do Porto, seguiu de táxi para Esmoriz, onde os pais estavam de férias. Ali, esteve poucos dias. Queria ir para a Régua. Encontrou lá o avô, já com dificuldade de visão. Ele reconheceu o neto pela voz e pelo abraço que lhe deu.
- Calha bem, rapaz, és tu que ficas já com a minha melhor arma de caça. Toda a família a quer, mas eu quero que fique para ti.
- Desculpe, avô, mas não a posso aceitar. Fiz uma jura em como não pegaria em mais nenhuma arma. Só quero paz e recuperar a normalidade.
- Ó rapaz, estou a ver que a coisa foi mesmo má. Alegra-te, cumpriste o teu dever e já passou tudo. Dá cá mais um abraço.

Emocionado, o Zé Manel, lembrou-se de prometer:
- Avô, hei-de recuperar a Quinta da Senhora da Graça. Vou reconstruir a casa que ardeu (em 1952), custe o que custar. Vai ser esse o maior objectivo da minha vida.
- Deus te ajude,  rapaz. Não calculas a alegria que me dás.

O Zé Manel não imaginava o dinheiro que o pai amealhara com as suas transferências. Ainda pensou fazer como era hábito: comprar um carro. Pôs-se a pensar na oportunidade única de conhecer o Mundo, especialmente a Europa. Foi à estação da Régua e informou-se de um programa chamado InterRail Passes que lhe proporcionaria as viagens internacionais que desejava. Queria avançar já, mas a mãe chamou-o à atenção de que ele não passara o Natal em casa, nos últimos dois anos. Então, ele prometeu que só sairia depois do Natal.

Saiu da Régua em 28 de Dezembro de 74. Correu a Europa por onde lhe foi possível. Claro que não pode passar a cortina de ferro. Seis meses depois, encontrava-se na Suíça,  “teso como um carapau”, a pedir trabalho para ganhar para comer e para a viagem de regresso. E foi no Jardim Zoológico de Zurique que se desenrascou.

No regresso, parou em San Sebastian. Subiu ao Monte Igueldo, olhou para a Baía de la Concha e ficou fascinado ao ver três indivíduos de pé sobre umas pranchas de fibra e agarrados a uma vela, que deslizavam sobre as águas com grande destreza e velocidade, entre a praia e a Isla de Santa Clara. Foi o primeiro contacto com essa nova modalidade desportiva, o Windsurf. Abeirou-se deles e manifestou-lhes interesse em comprar uma das pranchas. Eram dois ingleses e um brasileiro. Funcionavam ali como instrutores de novos aderentes, acharam graça à pretensão do Zé Manel, a quem informaram ser preciso aprender primeiro.

Como costumavam deixar lá as pranchas, o Zé Manel aventurou-se a aprender sozinho, durante o início das manhãs, enquanto os instrutores não chegavam. Uns dias depois, verificou que as pranchas estavam à venda, porque os surfistas se iam embora. Afixaram lá o preço em Libras para cada uma. O Zé Manel ofereceu 500 Pesetas. Não tinha possibilidades para pagar mais, mas eles não lhe ligaram. Porém, venderam logo as primeiras, mas demoravam a vender a última. Como tinham que abalar, acabaram por entregar a prancha ao transmontano da Régua pelas tais 500 Pesetas. Despachou a prancha em Vitória e veio a recebê-la na Régua, onde já havia chegado em finais de Outubro de 1975.

Em pouco tempo, o Clube de Caça e Pesca da Régua tornou-se no clube mais activo do norte na promoção da Vela. A escola, sob a orientação e dinamismo do Zé Manel, chegou a funcionar com cerca de 80 entusiastas jovens velejadores.

Hoje, tal como prometera ao seu avô, e graças à grande colaboração de sua mulher Luísa e apoio técnico de seu filho, ocupa e explora a lindíssima Quinta da Senhora. da Graça, desde 1994, Ali se produz o famoso vinho Pedro Milanos. Funciona também como uma excelente unidade de Turismo Rural.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17840: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (45): Questões de sangue

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18055: Agenda cultural (616): No passado dia 2 de Dezembro foram apresentados no Salão Nobre da Junta de Freguesia de Fiães os I e II Volumes de "Memórias Boas da Minha Guerra" da autoria de José Ferreira


No passado sábado, dia 2 de Dezembro de 2017, no Salão Nobre da Junta de Freguesia de Fiães, foram apresentados os I e II Volumes de "Memórias Boas da Minha Guerra", da autoria de José Ferreira.

No acto estiveram presentes: Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, Presidente da Junta de Freguesia de Fiães, familiares, amigos e camaradas do autor.



Vistas do Salão Nobre


Momento em que o coordenador, Manuel Bastos, declara aberta a sessão. Constituição da Mesa. Da esquerda para a direita: Bernardino Ribeiro, amigo do José Ferreira; Filipe Cálix, Presidente do CDPAC; Valdemar Fontes, Presidente da Junta de Freguesia de Fiães; Dr. Emídio Sousa, Presidente da Câmara Municipal de Sta. Maria da Feira; Manuel Sá Bastos, membro do CDPAC e coordenador da sessão; Ten-General Manuel Maia, ex-Capitão, CMDT da CART 1689; Carlos Vinhal, editor deste Blogue e José Ferreira, autor das obras apresentadas.


Continuação da Mesa com: Jorge Pedro (Catió e Cabedú), Dionísio Cunha, Jorge Teixeira (Bando do Café Progresso) e Ricardo Figueiredo (Museu Vivo dos Combatentes)


O anfitrião, Valdemar Fontes, Presidente da Junta de Freguesia de Fiães dá as boas-vindas aos presentes


Intervenção do Presidente do CDPAC, Filipe Cálix


Intervenção do Co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, Carlos Vinhal


Momento da intervenção do senhor Ten-General Manuel Maia



O amigo de longa data, Bernardino Ribeiro, fala do autor, dos bons velhos tempos e dos livros apresentados


O Combatente da Guiné, Ricardo Figueiredo, fundador do Museu Vivo dos Combatentes, durante a sua intervenção, brilhante como é seu timbre.


O Combatente da 3.ª CComandos, Dionísio Cunha - protagonista da história “É Guerra, é Guerra (Será?)”. Pág -119 - I Volume - fala da guerra, da sua justeza e da sua condição de desertor, de que se orgulha muito, segundo diz. Preso na Metrópole, voltou à Guiné e à sua Unidade, tendo participado voluntariamente em perigosas operações até terminar a sua comissão de serviço.


O tempo ia passando e cerca das 18 horas o Presidente da Câmara, Dr. Emídio Sousa tinha forçosamente de se ausentar. Dirigiu algumas palavras de elogio e incentivo ao autor, a propósito deste dois volumes das sua memórias, pondo a autarquia ao dispor para outros acontecimentos culturais. Pediu desculpa e retirou-se antes de terminada a sessão.


O Combatente Jorge Pedro da CART 6521 fala da experiência de guerra


Jorge Teixeira, o Chefe dos "Bandalhos", deixa o seu testemunho de apreço ao autor e aos seus livros


O Jornalista Carlos Fontes fala do autor e dos caminhos cruzados no desporto e na vida particular com o autor.


O José Ferreira da Silva, com alma cheia por estar rodeado pela família, amigos e camaradas, e depois de ter ouvido tantos elogios ao seu comportamento como cidadão, dirigente desportivo e, agora, escritor de histórias, agradece a quem esteve presente nesta sessão de apresentação dos seus livros na sua terra natal, Fiães.


Seguiu-se a habitual sessão de autógrafos


Os familiares que puderam estar presentes em Fiães: nora, esposa, filho, filha e netas.


Alguns dos camaradas presentes: Ricardo Figueiredo, Jorge Teixeira, Vasco Ferreira, Jorge Pedro, o autor, Manuel Cibrão, Francisco Silva e Carlos Vinhal


Uma das mesas com uns miminhos que o Zé disponibilizou, com a ajuda das senhoras da família, às pessoas que o acompanharam nesta tarde em ficámos a saber que também o podemos tratar por Nicolau.
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Notas do editor

Vd. postes de:

23 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17896: Notas de leitura (1007): Memórias boas da minha guerra, volume II, por José Ferreira; Chiado Editora, 2017 (Mário Beja Santos)
e
22 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18003: Agenda cultural (611): O nosso camarada José Ferreira da Silva, autor dos Volumes I e II de "Memórias Boas da Minha Guerra", vai apresentar os seus livros na sua terra natal, Fiães, concelho de Santa Maria da Feira, no próximo dia 2 de Dezembro

Último poste da série de 5 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18048: Agenda cultural (615): Lisboa, Casa do Alentejo, hoje, 5 de dezembro, 19h00: apresentação do livro "Cantar no Alentejo" (organizado por Rosário Pestana e Luísa Tiago de Oliveira)... Atuação, no final, do Grupo Coral Cantadeiras de Essência Alentejana, de Almada