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domingo, 8 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P413: Caminhos entrecruzados: Ana Mafalda, Cantacunda...

Guiné > N/M Ana Mafalda >

Foi neste "luxuoso paquete" que companhias como a CART 1690 (Geba, 1967/69), do A. Marques Lopes, ou a CART 2339 (Mansambo, 1968/69), do Carlos Marques dos Santos, partiram de Lisboa com destino à Guiné ...

Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2000)

Texto do Carlos Marques dos Santos

Bravo, Marques Lopes:

Afinal os nossos percursos entrecruzaram-se. Tu antes, eu depois. À tua descrição poderia só acrescentar: Faço minhas as tuas palavras e, concerteza, vivências:

(i) Ana Mafalda e vómitos de 5 dias (1);

(ii) Cantacunda e fome de 15 dias, depois de terem levado alguns, não poucos, dos nossos (2);



Guiné > Zona Leste > Subsector de Geba > Cantacunda
1968 > As precárias condições em que se vivia no destacamento

© A. Marques Lopes (2005)

Carne de macaco era o que nos restava para comer se não nos tivessem rendido. O "meu" pelotão esteve lá.

Nos buracos, que eram os dormitórios, tinhamos que dormir com os "ponchos" para não apanharmos água da chuva. As botas, quando acordávmos, boiavam nesses abrigos. Fomos para lá, em coluna, ao som de Delila, a famosa canção do britânico Tom Jones, [muito popular na época]. Surreal!
Um abraço.
Marques dos Santos
Coimbra
_________

Notas de L.G.

(1) vd post do A. Marques Lopes, de 28 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967)

(2) Vd. posts de A.Marques Lopes, de 18d e Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXI: "O ataque e assalto do IN ao destacamento de Cantacunda (1968)"

Guiné > Zona Leste > Subsector de Geba > Cantacunda > Um balneário improvisado pelo pessoal da CART 1690, aqui destacado...

Na noite de 10 para 11 de Abril de 1968, o destacamento foi surpreendido por um ataque do PAIGG, seguido de assalto, de que resultaram 1 morto e 11 prisioneiros, levados mais tarde para Conacri...

© A. Marques Lopes (2005)

terça-feira, 28 de junho de 2005

Guiné 63/74 - P87: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967) (Marques Lopes)

Texto do Marques Lopes (ex-alferes miliciano da CART 1690, Geba, 1967):

Falam muito no Niassa e no Uíge, por razões óbvias. Mas já ouviram falar no Ana Mafalda? Se calhar, não.
 

Pois o Ana Mafalda é (ou era, porque já foi abatido) este barquito que aqui vos mostro:

Tinha 103 metros de comprimento e 14 metros de largura, em linguagem de pescador de canoa em água doce, e tinha uma velocidade máxima de 13,5 nós, isto é, em linguagem de velho motorista de fim-de-semana, dava no máximo 25km por hora.

Tinha 16 alojamentos em primeira classe, 24 em segunda e 12 em terceira. Tinha 47 tripulantes (estou muito agradecido a um deles, um que me vendeu a máquina fotográfica com a qual tirei as fotografias que vocês conhecem). Alguns dos modernos "cacilheiros" que atravessam o rio Tejo não serão tão "grandes", mas aproximam-se.

Pois é verdade, meus amigos, foi neste transatlântico que a CART 1690 [Geba, 1967/69] largou do cais de Alcântara até à Guiné. Era a única unidade que lá ia, porque não cabia mesmo mais ninguém, penso eu.

Como alguns meses antes de embarcarmos nos tinham dito que íamos para Timor, ficámos satisfeitos por decidirem mandar-nos para a Guiné, pois pensámos que seria terrível ir num barco daqueles até à Oceânia...

Os alferes, sargentos e furriéis foram distribuídos pelos beliches dos "camarotes" de segunda e terceira classe. Em primeira classe ficou o capitão da companhia, o comandante do navio, o imediato, o oficial das máquinas, certamente, e uns mangas que se penduraram em nós à boleia, que eu não sei quem eram nem procurei saber.

O Zé Soldado, sempre o mais fodido nestas situações, foi para o porão onde estavam montados uns beliches de ferro com umas enxergas em cima, e onde casa de banho não havia.

Largámos às 12h00 do dia 8 de Abril de 1967. Foi uma bela viagem, como devem calcular, com os baldes dos dejectos do porão a serem despejados borda fora de manhã e ao fim da tarde (ao menos haja regras). Mas os "despejos" começaram logo à saída da barra do Tejo. Eu, pessoalmente, nunca tinha chamado tantas vezes pelo Gregório.

Mas deixem-me contar o que aconteceu antes do embarque. No dia 3 de Abril houve a cerimónia de despedida, assim lhe chamaram, no RAC (Regimento de Artilharia de Costa) de Oeiras, que era onde estávamos à espera de embarque. Houve missa na parada celebrada pelo padre Nazário, perdão, o senhor Major-Capelão Nazário, que, ainda por cima tinha sido meu "superior" quando eu fiz a instrução primária nas Oficinas de S. José, em Lisboa!

Não fui à missa nem ouvi o sermão que ele fez, e que me disseram que foi uma bela dissertação sobre o amor à pátria e a defesa do património nacional. Mas tive que o gramar mais tarde, porque ele, um dia, apareceu em Geba para ver como estava a guerra.
- Nós por cá todos bem, é claro, disse-lhe eu.

O homem é (ou era, não sei se já morreu) este:

© A. Marques Lopes (2005)

Depois, no dia 8 de Abril, então, seguimos de comboio especial para a gare marítima. Fizemos um belíssimo e aprumadíssimo desfile, com a nossa mascote Morena à frente (vai a fotografia com ela a falar com um macaco; coitada, não vem na lista, mas estava em Sare Banda, aquando do ataque, e foi morta durante ele; morreu em combate também; era uma cadela muito porreira) perante um representante de Sua Ex.ª o Ministro do Exército.

As senhoras do Movimento Nacional Feminino deram muitos santinhos, calendários e bolachas a todos. O representante de Sua Ex.ª o Ministro do Exército ainda fez uma prelecção aos sargentos e oficiais dentro do navio. Aos soldados não deu trela. E lá embarcámos com as lágrimas dos familiares presentes.

Às 16h00 do dia 15 de Abril de 1967 o Ana Mafalda chegou ao porto de Bissau. A 16 de Abril a companhia passou directamente do navio para LDGs e seguiu pelo Geba acima até Bambadinca.

Foi engraçado e giro, como devem calcular, para o pessoal que ia enfiado, ouvir os fuzileiros que nos levaram ir dizendo, em cada curva ou ponto mais apertado do rio:
- Olhem que aqui costuma haver ataques!...

© A. Marques Lopes (2005)

Dormimos em Bambadinca, em tendas, ao pé do rio, porque não havia instalações. Foi o primeiro combate com a mosquitada.

A 17 de Abril seguimos de Bambadinca para Geba em coluna auto. E fomos render a CCAÇ 1426, do Belmiro Vaqueiro [vd. post desta semana, de 26 de Junho de 2005 > Guiné LXXXII: CCAÇ 1426 (Geba, 1965/67), presente!].

A brincar, a brincar, é o começo da nossa estória.

Marques Lopes