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terça-feira, 17 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15375: Inquérito 'on line' (17): Um maioria relativa (n=13) admite que se fazia batota com as causas das nossas baixas (combate, acidente ou doença)... Num total de 25 respostas, há 10 que respondem não saber ou ter opinião... O prazo termina 5ª feira, 19, ao meio dia.

I. A questão, pertinente e oportuna, foi levantada pelo António Duarte, a propósito das baixas do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (*)...


[Manuela Castelo, viúva de um oficial pilav, morto em combate: julgamos tratar-se do cap pilav Fernando José dos Santos Castelo, piloto de heli AL III, morto em Moçambique, em 7 de Março de 1974. Foto da rodagem do filme "Quem vai à guerra", de Marta Pessoa, Portugal, 2011. Cortesia da realizadora. Vd. poste P8288].


Na CCAÇ 12, por exemplo, também se chegou a usar o truque de "mascarar" erros ou desastres nossos para "limpar" a honra da caserna ou escamotear a responsabilidade de graduados... O primeiro morto que teve a CCAÇ 12, "em combate", foi o sold Iero Jaló, no decurso da Op Pato Rufia, em 8/9/1969... No relatório da operação, lê-se em síntese o seguinte:

(...) quando o Dest A [, CCAÇ 12,] tinha iniciava a progressão en linha em direção ao acampamento IN, foi alvejado por duas rajadas de pistola-metralhadora que deram o sinal de alarme, começando as NT a ser batidas imeditamente por fogo de lança-rockets e armas automáticas a que reagiram prontamente. Foi nessa altura que um dilagrama, ao ser descavilhado, rebentou à boca da arma, por deficiência da alavanca de segurança, tendo atingido o prisioneiro Malan Mané (...) e o Soldado Iero Jaló (...) que o conduzia e que teve morte quase instantânea. Entretanto já tinham sido feridos o 1º Cabo Mateus (...) com um tiro no joelho e dois picadores da milícia [do Xime]. (...)

Técnica e legalmente, esta baixa foi "em combate". Mas a  causa (material) da morte do Iero Jaló (e dos ferimentos graves no prisioneiro Malan Mané) foi o nosso dilagrama e não o fogo IN... E o que o relatório não diz é que, quem empunhava o dilagrama, não era o seu habitual apontador, mas um graduado...

Prafraseando o ditado popular, "erros de médico e calceteiro, a terra os cobre"... Neste caso, com a ajuda do cronista que fez a história da CCAÇ 12...

Achamos que, em geral, não manipulávamos os números das baixas... Das "nossas" baixas... Era preciso ter lata de mais para esconder mortos e feridos... Já quanto ao número das baixas infligidas ao IN (guerrilheiros e elementos pop), aí podia haver alguma fanfarronice e arbitrariedade... Havia a distinção entre baixas (mortos e feridos) "confirmadas" e "estimadas"... Exageravam-se os "indícios"...

O PAIGC, por seu turno, também usava e abusava dos números... Em qualquer guerra, todos os comandantes querem ficar bem na fotografia... O capitão quer chegar a major, o major a tenente coronel, o tenente coronel a coronel... E havia milicianos também a fazer "batota", quando se substituíam ao capitão...

Já na contabilidade dos feridos (graves ou ligeiros), podia também haver alguma "batota"... A apreciação da gravidade podia ser sujetiva, não havendo a maior parte das vezes um médico ali ao lado. De um modo geral, um ferido grave tinha de ser evacuado para o HM 241, em Bissau. De heli, evacuação Ypsilon...

Por outro lado ainda, havia a tropa de primeira e a de segunda (classe)... Um milícia nosso ou do PAIGC não era a mesma coisa para efeitos de contabilidade final... Ou um assalariado civil, utilizado pelas NT (carregadores, guias, etc.).

Mas o problema, nalguns relatórios de operações e histórias de unidades, são as causas das baixas: casos de presumível suicídio e homicídio eram sempre tratados como "acidentes com arma de fogo"... Era preciso salvar a honra (e o moral) da tropa...

A doença, por seu turno, não tem nada a ver com a guerra... A doença é sempre "por causas naturais"... Tal como o acidente, que tende a ser  visto de maneira redutora: "falha técnica" ou "erro humano"...

Julgamos que os critérios eram ambíguos nos outros casos: o que era um morto ou ferido em combate ?... E os desaparecidos ? E os "retidos" pelo IN ?

Percebe-se que a questão levantada pelo António Duarte, e já aqui debatida por alguns camaradas, dá "pano para mangas"... Mas temos que ser cautelosos: nada de generalizações abusivas... Como em tudo, houve casos e casos...

II. Há um camarada que só assina por Mendes, e que pode ter pertencido à FAP, que escreveu o seguinte comentário ao poste do António Duarte (*):

(...) Estava legislado que: "Morte em Combate" é a que ocorre por acção directa ou indirecta do inimigo. Vamos a exemplos concretos:

- acidente de viatura deslocando-se ou não para zona de operações: morte por acidente;

- morte ao manipular a arma individual: morte por acidente;

- morte ao montar uma mina: morte por acidente;

- morte ao levantar mina IN: morte em combate;

- afogamento no decurso ou não de uma operação: morte por acidente:

- morte provocada por fogo directo ou indirecto IN, independentemente do lugar onde se registou: morte em combate;

- morte provocada por fogo amigo reagindo a contacto IN: morte em combate (...)


Era bom  tentares saber qual era essa legislação, meu caro Mendes...


III. A resposta ao inquérito de opinião pode ser dada, pelos nossos camaradas, até 5ª feira, dia 19, até ao meio dia.. Podem responder, diretamente, no canto superior esquerdo do blogue, antes de irem ao almocinho da Tabanca da Linha, que é nesse dia... 

Esperamos que se tenham inscrito a tempo... os de Lisboa e arredores, incluindo o Juvenal Amado que agora vem mais vezes à capital: neste caso, para tratar e começar a falar do seu livro, a ser apresentado oficialmente em 23/1/2016 (tem por sugestívo título "A tropa vai fazer de ti um homem", e vai ser publicado pela Chiado Editora).

Um abraço fraterno para todos/as.

Os editores, Luís Graça e Carlos Vinhal


IV. Seleção de mais dois comentários ao poste P15355 (*):


(i) António J. Pereira da Costa:

(...) A História do BArt 38753, ao qual pertenci, está escrita com certa fantasia. Há várias imprecisões entre as quais a data da minha apresentação no Xime que surge dois meses depois de ser ter efectivado. Não será importante, mas dá uma ideia da "ligeireza" com que foi escrita. 

Não sei quem "escreveu" a História da Unidade, mas sei que, às vezes, não havia intenção de branquear nada, mas antes o querer despachar "aquele dever" chato e sem interesse. No fundo quem viesse atrás que fechasse a porta que nós embarcamos para a semana. No fundo, que importava se o tipo morreu em combate ou por acidente. Morreu e pronto. 

Lembro que a CArt 3494 teve um morto em combate e três por acidente no Rio Geba. Tenho ideia que ninguém morreu, por doença, mas que houve vários feridos ligeiros na emboscada na Ponta Coli, em abril de 72.

Morreu, além disso,  um milícia no Enxalé, em combate, durante um ataque com armas pesadas. (...)

(iii) José Marcelino Martins:

Sobre a guerra, a morte e as suas causas, muito há, ainda, para contar.Infelizmente.

V. INQUÉRITO DE OPINIÃO: 

“FAZIA-SE BATOTA COM AS CAUSAS DAS NOSSAS BAIXAS (COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA)"

1/2.Sempre ou quase sempre / Muitas vezes  > 9 (36,0%)

3. Algumas vezes  > 4 (16,0%)

4/5. Poucas vezes /5. Nunca ou raramente > 2 (8,0%)

6. Não sei / não tenho opinião  > 10 (40,0%)

Votos apurados: 25 

Encerramento: 5ª feira, dia 19, às 12h25

____________

Notas do editor:

(*) Vd, poste de 12  de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15355: Direito à indignação (13): "Estou a escrever este texto atabalhoado e a sentir raiva pela forma manipuladora da síntese das baixas do meu batalhão" (António Duarte, ex- fur mil, CART 3493 / BART 387 3, e CCAÇ 12, 
1971/74)

(...) Perguntas-me se o BART 3873 só teve, efetivamente, dois mortos em combate, sendo um deles milícia..... Esta "manipulação" dos números é curiosa. Efetivamente convinha apresentar um baixo número de mortos em combate. (...)

(...) da CART 3493, que inicialmente esteve em Mansambo e depois foi para Cobumba, situação que melhor conheço, por ser a minha primeira companhia, há quatro baixas. (...)  O alf António Jorge Abrantes, deslocado para as companhias africanas, foi nomeado comandante de um pelotão independente. Fruto de uma discussão com um soldado africano, foi "varrido" com uma rajada de G3. (...). Em outubro de 73, morrem em Cobumba dois elementos. Um soldado que não me recordo o nome e o furriel Francisco Galiano, de Évora, vítimas do rebentamento de uma mina anticarro, levantada de manhã e que por acidente rebentou na arrecadação. A versão oficial era que a mina teria dispositivos retardadores. Provavelmente treta. O rebentamento ocorreu porque alguém fez algo que não devia. 

Por último já em janeiro de 74, morre o furriel Manuel João Roque Trindade ,em Bissau, vítima de uma manobra pouca prudente com uma camioneta, por parte de um condutor. Estava a companhia nessa altura a fazer segurança nos arredores de Bissau. Curiosamente foi ele que levantou a mina que estoirou em outubro e matou dois camaradas. Era de operações especiais, do 1º turno de 71, corajoso, generoso e o campeão dos levantamentos de minas (pessoais e anticarro).

Enfim, sabemos que a estatística é uma ciência "elástica" que dá para tudo. O correto era fazer uma síntese, arrumando as baixas do batalhão com as causas associadas e assim tudo seria mais transparente. Destas quatro mortes, só uma é por acidente de viação, mas claramente em serviço. (...)

(**) Último poste da série> 7 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15338: Inquérito 'on line' (16): Para 42% dos respondentes (num total de 69), "100 pesos" era de facto dinheiro, era bastante patacão... Segundo a Companhia Seguros Douro, que oferecia na época um "seguro militar", cobrindo o risco de morte ou de incapacidade (total ou parcial) em teatro de guerra, cem contos (pouco mais de 28 mil euros, hoje) era quanto podia valer a vida de um herói!

terça-feira, 15 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9905: Blogpoesia (187): Descansa em paz, Iero Jaló... Poema de Luís Graça, com dedicatória ao Zé Carlos Suleimane Baldé, nosso novo grã-tabanqueiro



Guiné > Zona Leste > Contuboel > Junho de 1969 > CCAÇ 2590/ CCAÇ 12 > O 2º Grupo de Combate da CCAÇ 2590 (futura CCCAÇ 12), ainda em período de instrução da especialidade.

O 2º Gr Comb era comandado pelo Alferes Miliciano Carlão (co-optado do Curso de Oficiais Milicianos=, se bem me lembro...) que aparece na fotografia, na primeira fila, ajoelhado, olhando no sentido oposto ao do fotógrafo (rectângulo a amarelo). Vive hoje em Fão, Esposende. É casado com a Helena, a única "mulher branca" da CCaç 12 que viveu connosco em Bambadinca. O Carlão é transmontano, não sei se de Mirandela ou Miranda do Douro...

Atrás dele o soldado Arménio, hoje conhecido taxista no Portp (era cabo, antes de embarcar mas foi despromovido, por ter apanhado uma porrada de não sei quem). Um reguila do Porto...

De pé, na terceira fila, os furriéis milicianos António (Tony) Levezinho e Humberto Reis . Na segunda fila, meio agachados, os 1ºs cabos Branco e Alves (de alcunha o Alfredo)

Um grupo de combate da CCAÇ 2590 (mais tarde, CCAÇ 12) era constituído por 30 homens. Havia 4 Gr Comb. Cada grupo de combate, comandado por um alferes, tinha três secções (1 furriel e 1 cabo e oito soldados, estes africanos).

Casa secção era especializada. Havia a secção dos lança-granadas, com o respectivo apontador e municiador (1 LGFog 8.9, 1 LGFog 3.7). Havia a secção do Morteiro 60 (apontador e municiador ). E havia ainda a secção da Metralhadora Ligeira HK 21 (apontador e municiador). Cada combatente estava equipado com a espingarda automática G-3 e granadas defensivas. Em geral havia ainda dois apontadores de dilagrama (neste caso, 1ª e 3ª secção). O Iero Jaló, que não consigo identificar na imagem, pertencia à 3ª secção, comandada pelo Tony Levezinho.

Foto: © António Levezinho (2005). Todo os direitos reservados

1. Poema que dedico ao Zé Carlos Suleimane Baldé [, aqui na foto comigo, ao centro, e com o Umaru, em Finete, 1969], o primeiro e o último  preto da Guiné, da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, que irá figurar na lista alfabética dos membros da Tabanca Grande... 



Publicado originalmente na I Série do nosso blogue, no  poste de 10 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLII: A galeria dos meus heróis (2): Iero Jau









Descansa em paz, Iero Jaló


A guerra.
Essa coisa tão primordial que é a guerra.
Que estaria inscrita no teu ADN,
segundo dizem os sociobiólogos.
A guerra é a continuação da evolução
por outros meios,
dirão os entomólogos,
especialistas em insetos sociais,
para quem a morte de um
ou de um milhão
de formigas ou de seres humanos,
é-lhes totalmente indiferente.
Desde que triunfe o ADN,
um projeto de ADN
musculado.

Para mim, a guerra é
a aprendizagem da morte.
Aos vinte e dois anos.
É a inocência que se perde
para sempre
ao ver morrer pela primeira vez
um homem, a teu lado.
É o impossível luto.
É a descoberta do mal absoluto.

Fight or flight.
Não precisei de fugir nem de lutar.
Recusei o egoísmo genético.
Recusei a lógica absurda
de matar ou morrer.
Recusei o cinismo.
Recusei a fria e calculista resignação
com que se juntam e amortalham
os cadáveres seguintes.
E se contam nas paredes da caserna
os dias que faltam para a peluda.

Trinta e tal anos depois,
venho dizer-te
as palavras que ninguém te disse
no teu grotesco enterro:
- Descansa em paz, Iero Jaló,
meu herói,

meu camarada,
soldado atirador
do 2º grupo de combate,

3ª secção.
nº 82117869,
da CCAÇ 2590
que virá mais tarde a chamar-se
CCAÇ 12,
companhia de tropa-macaca,
A minha companhia,
os meus camaradas,
o meu bando de primatas sociais,
territoriais, 

predadores.
Fazíamos parte da nova força africana
de Herr Spínola, o prussiano,
como eu lhe chamava,
ao nosso Comandante-Chefe.
Não, não ligues,
são outros contos, 

outras histórias,
outros ajustes de contas
com as nossas doridas memórias.

Dscansa em paz,
Iero Jaló,
debaixo do poilão secular
na tua tabanca,
no chão fula,
belíssimo poilão de uma triste tabanca fula,
cercada de arame farpado,
trincheiras,
valas de abrigo.
e cavalos de frisa.
Julgo que eras do regulado de Badora.
Ou seria Cossé,
lá para os lados de Galomaro ?

Desculpa-me ter esquecido
o nome da tua tabanca.
E a cara dos teus filhos
e o rosto das tuas mulheres,
agora órfãos e viúvas,
sozinhos neste mundo.
Os teus campos estão tristes e inférteis,
já não dão o milho painço nem o fundo,
nem a mancarra,
a semente do diabo,
nem a noz de cola.
Os homens partiram para guerra,
voltam agora numa caixão de pinho.
Restam os macabros jagudis,
poisados no alto da tua morança,
cheirando a morte,
pressagiando a desgraça

Sete de Setembro de 1969.
Região do Xime.
Operação Pato Rufia.
Morreste em linha,
aprumado como o teu poilão.
No assalto a um aquartelamento temporário do IN,
uma baraca, como eles diziam,
próximo da Ponta do Inglês.

IN ? Que estranho termo ou expressão…
Uso-o por força do hábito,
por comodidade,
por lassidão,
por economia de análise.

Curioso, nunca soube a tua idade.
Não tinhas bilhete de identidade
de cidadão português.
Eras um bravo futa-fula

e eu levei-te a enterrar na tua aldeia,
mais os teus camaradas,
que foram dizer-te o último adeus.
Com honras militares, 
tiros de salva,
hino nacional,
e a bandeira verde-rubra dos tugas
por cima do teu caixão.
De pinho,
do verde pinho de Portugal.
Nem isto te deixaram fazer
à maneira dos teus.
Só faltou o corneteiro
para o toque a finados.

Portugal ? 
Ainda te lembras,
os senhores que vieram do norte
e do lado do mar ?
Não, já não tens que saber de geografia.
Nem de história. 
Nem de geopolítica.
Nem de guerra fria.
No sítio onde moras, 

debaixo do teu poilão,
já não tens que saber de nada.
Mas eu, mesmo ao fim destes anos todos,
eu deveria saber o nome da tua aldeia,
no chão fula.
O teu nome, esse não esqueci,
Iéro Jaló.
Esqueci foi o lugar onde nasceste,
talvez Sinchã,
ou Madina, 
ou Sare qualquer coisa...
Que importa agora ?
Serás mais um dos milhares de soldados desconhecidos daquela guerra.

O que interessa é que chorei por ti,
confesso que chorei por ti,
que morreste a meu lado,
e que levavas um prisioneiro,
teu irmão,
pela mão.
Chorei por ti,
e não tenho vergonha de o dizer,
mesmo se um homem não chora,
muito menos um tuga ou umn fula.
Chorei por ti,
que nem sequer eras meu irmão.
Nem grande nem pequeno.
Nem tinhas a mesma cor de pele.
Nem a mesma religião.
Nem a mesma língua.
Nem a mesma pátria.
Nem o mesmo continente.
Não comias carne de porco
Nem bebias água de Lisboa.
Eras apenas um guinéu,
Um nharro,
soldado-atirador
de 2ª classe.
Ganhavas 600 pesos de pré.
Um saco de arroz por mês
para alimentar a tua família.
Mas, para mim, eras apenas um homem,
da espécie Homo Sapiens Sapiens.
A única que chegou até aos nossos dias.
A única que conheço.
Foste o primeiro homem que eu vi morrer a meu lado.
Nunca mais chorei por ninguém,
chorei por ti, Iero Jaló.
Chorei de raiva.
Chorei de imensa raiva.

Nascemos meninos,
mas fizeram-nos soldados.
Azar o meu e o teu,
por termos nascido
no sítio errado,
no tempo errado.
Imagino-te djubi,
à volta da fogueira,
na morança do marabu ou do cherno
da tua tabanca,
decorando o Corão.
Uma das cenas mais lindas
que eu trouxe da tua terra,
e que eu guardo no fundo da  minha memória,
são os djubis à volta da fogueira,
soletrando tabuínhas em árabe,
ou pseudo árabe, não interessa.
Lembro-me de quereres aprender
as letras dos tugas
para poderes ser soldado arvorado
e um dia chegares a cabo,
e quem sabe sargento,
e quem sabe oficial,
e quem sabe general.

E de repente, o capim.
O capim alto.
O sangue.
O capim pisado e empapado de sangue.
Pobre Iero,
morto por um dilagrama dos nossos.
Alguém branqueou a tua morte.
Alguém salvou a honra da companhia.
Um dilagrama rebentou no ar,
na tua cara.
Acidente de serviço
no auge da batalha,
quando avançavas em linha,
no assalto ao acampamento
do IN, do turra,
Levando pela corda
o teu turra, o teu guia, o teu prisioneiro,
ainda mais djubi do que tu.
Malan Mané, mandinga,
tão crente como tu,
tão observador dos preceitos corânicos
como tu, 
meu querido nharro
Iero Jaló.

E agora, meu camarada,
morto e enterrado,
que foste poupado
à humilhação da derrota
e não viste o teu país
sentar-se de pleno direito
à mesa do mundo,

dos senhores do mundo...
Nem tiveste que fugir para o Senegal...
Que farias tu com esta independência
contra a qual lutaste
sem querer,
sem saber,
sem poder ?

Onde estarão hoje os teus filhos, 
e as tuas mulheres ?
E os teus netos ?
E os homens grandes da tua tabanca de Badora ?
E os líderes do teu povo
que te obrigaram a combater ao lado dos tugas ?
Herr Spínola, o homem grande de Bissau,
esse já morreu há uns anos atrás.
Não lês os jornais,
não chegaste a aprender o alfabeto latino
e a juntar as letrinhas 
e ler,
com a torre de Belém ao fundo:
- Esta é a minha pátria amada…
Pois é, o homem grande de Bissau morreu,
não de morte matada, como a tua,
mas de acordo com a lei natural das coisas.
Quanto ao teu régulo,
foi miseravelmente fuzilado
na parada de Bambadinca,
o poderoso régulo de Badora,
tenente de milícias,
que havia trocado o cavalo branco
da gesta heróica do Futa Djalon,
por uma prosaica motorizada japonesa
de 50 centímetros cúbicos,
oferta do Homem Grande Bissau...
Era dono de centenas cabeças de gado
e de uma harém de cinquenta mulheres,
uma em cada aldeia de Badora…
Dizia-se que o puto Umaru
era filho dele,
o Umaru e mais djubis da CCAÇ 12.

Hoje os heróis do passado sucumbem
sob o peso das cruzes de guerra.
Ou pedem esmola nas ruas de Bissau,
tal como os teus filhos e netos.
Ou morrem de desespero e inanição
às portas do templo da deusa Europa,
em Ceuta e em Melilla,
em Lisboa ou em Paris.
Que voltas o mundo deu, meu soldado,
desde esse dia já distante
em que a tecnologia da guerra
ou a lotaria do ADN
te ceifou a vida.
Porquê tu, meu herói,
três meses depois de jurares bandeira
e te comprometeres, por tua honra,
a defenderes uma pátria 
que te disseram ser a  tua,
até à última gota do teu sangue ?

E do Malan Mané não tenho notícias,
se é isso que queres saber,
mas duvido que ele tenha sobrevivido
aos graves ferimentos do dilagrama dos tugas.
E agora deixa-me dizer-te, amigo,
à laia de despedida:
não sei se um dia
ainda terei coragem de voltar
à tua terra, 
ao teu chão.
Mas se porventura o fizer,
gostaria de perguntar pela tua aldeia,
e de procurar-te
e de ter tempo para conversar contigo,
só tu e eu,
debaixo do teu poilão.
Descansa em paz, Iero Jaló.

Luís Graça,

[revisto nesta data]


2. Originalmente este poema foi escrito tendo por tema a morte do sold at inf nº 82117869, Iero Jaló, de etnia futa-fula, do 2º Gr Comb, 3ª secção, da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, ocorrida em 8 de setembro de 1969, no decurso da operação Pato Rufia, na região do Xime... Este meu camarada morreu ao meu lado, no meu próprio batismo de fogo.

Mais tarde emendei o nome, e substitui-o pelo nome do Iero Jau, apontador de dilagrama, do 3º Gr Comb, 1º secção, nº mecanográfico,82109569, este sim, fula. Na realidade fui induzido em erro pela história da unidade (a CCAÇ 12), escrita por mim próprio: no relato da Op Pato Rufia, vem o nome do Iero Jau... Mas quem morreu de facto foi o Jaló, futa-fula: aliás, é o Iero Jaló, nº mecanográfico 82117869, que vem no fim na lista dos mortos da companhia... Foi a nossa primeira vítima mortal. E aliás é este nome que consta da lista oficiosa dos nossos mortos no Ultramar.

Corrigi, nesta data, o título e o corpo do poema... Espero que, no Olimpo dos guerreiros, o Iero Jaló me perdoe. O mesmo peço ao Iero Jau, que muito provavelmente já não estará entre nós. Estima-se que mais de 80% dos soldados do recrutamento local que tiraram a recruta e a especialidade em Contuboel, em 1969, e vieram depois integrar a CCAÇ 2590 (futura CCAÇ12), já tenham morrido.
______________

Nota do editor:

Último poste da série > 15 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9749: Blogpoesia (186): Registo (Felismina Costa)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6953: Estórias avulsas (41): A captura do incaracterístico guerrilheiro Malan Mané, no decurso da Op Nada Consta (Salvador Nogueira)



A Guiné "by air"... Um privilégio que não era para todos... O custo/hora de um helicóptero era equivalente ao vencimento (mensal) de dois alferes milicianos, cerca de 15 contos, no princípio de 1969... Foto do ex-Fur Mil Ap Inf Arlindo Teixeira Roda (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) que deve ter apanhado uma boleia até Bissau...

Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


A. O nosso leitor SNog [Salvador Nogueiera,], no seu "auto-exílio" na província, é avesso a publicidade, e raramente me autoriza a publicar as mensagens que trocamos há já uns bons tempos (*). 

Em 30 de Julho de 2009, veio à baila a Op Nada Consta, em que ele participou como oficial pára-quedista do BCP 12, quando passou pelo TO da Guiné, em 1969. Mandou-me então a narrativa da captura do "incaracterístico" roqueteiro Malan Mané, que haveria mais tarde de ser ferido ao meu lado, na Op Pato Rufia, em 7 de Setembro de 1969... Nessa altura o SNog não me autorizou a sua divulgação, por razões que só ele conhece, e que entende não explicitar (nem eu sequer lhas perguntei).

Mais recentemente (7 de Julho de 2010) o SNog terá mudado de ideias, ao escrever-me o seguinte, depois de me dar o nega a um pedido de publicação de uma outra mensagem dele (com referência ao seu CV militar):

"Para publicar havia de ser a minha narrativa da captura do Malan Mané - mais circunstanciada!, lembras-te do croquis que te enviei? - mas só se alguém aparecesse de novo a divagar sobre o assunto de longe e a sonhar alto. Houve até um poeta que descrevia o piloto a soprar a mata com o rotor do héli e a gritar para avisar a tropa - azar, era eu... e li. E agora?- de que havia uns gajos emboscados... Há gente que nunca mais faz dezassete anos" (...).

Meu caro SNog (só nos conhecemos por mail...) está na altura de desencantar a tua narrativa, agora que alguém quis ressuscitar o pobre do Malan Mané (o Torcato Mendonça jura que o viu vivo, em Bissau, uns meses depois de ter quase morrido lá para os lados do Poindon, na região do Xime)... Entende isto como um pequeno contributo teu para alimentar a nosso projecto (partilhado) de reconstituição das memórias da guerra de África. Como dizem os economistas da nossa praça, não há almoços... nem blogues grátis. De resto, estavas-me a dever essa história (*)... Ela aqui vai, com um Alfa Bravo do Luís.


B. Estórias avulsas (***) > A captura do incaracterístico Malan Mané,

narrativa de SNog


1 - A história da captura do incaracterístico, até falarem tanto dele, Malan Mané... tratou-se de um guerrilheiro esfarrapado que escolheu, em vez de fazer o disparo, levantar-se com as mãos no ar da posição em que se encontrava, atrás de um RPG2 com o cão armado e que à voz ‘anda cá, pá!’ se aproximou apavorado. Era também um de três ou quatro (?), dos quais o terceiro terá fugido.

O do RPG2, este de quem se fala, ocupava a posição mais internada na mata, no extremo da linha de emboscados; do seguinte só encontrámos a cama de capim e o da extremidade mais próxima da orla, atrás de uma Degtyarev RPD, foi abatido.

Do terceiro elemento, nesta ordem, estranhamente não me lembro – não foi capturado nem abatido; terá também fugido ou ‘sonhei-o’ pois fui inspeccionar a instalação deles e creio ter visto 4 camas... adiante! Será todavia o único detalhe com algum significado que tenho consciência de olvidar. O capturado foi ainda interrogado imediatamente, no local, retardando o avanço.

No desencadear da acção, a minha equipa foi a primeira a ser colocada e avançou, a dar espaço no trilho, após a segunda colocação, a da equipa do Sarg Sofio; terá sido aproximadamente à aterragem do terceiro helicóptero que se deu o episódio que descrevo.

Se considerarmos os cerca de cinco metros entre cada homem instalado e sabendo que o Sofio se aproximou de mim para coordenação, estariamos então a uns 25 ou 30 metros da orla, segundo o esquema seguinte que,




por si só, corrige várias divagações que por aí se têm lido acerca do incidente (**).

2. (A propósito de Mamadu Indjai). O chefe de bi-grupo Sanpunhe –assim identificado pelo Malan Mané - apareceu juntamente com outro guerrilheiro perante mim no decorrer da operação, numa ocasião em que mandei parar e fui investigar um palpite dentro do mato, à nossa direita; uns vinte ou trinta metros fora do trilho apareceram dois elementos que vinham ao mesmo e que deram connosco – o Sanpunhe foi abatido cara-a-cara por disparos que fiz e/ou pelo disparo do RPG7 do homem que me acompanhava; o segundo guerrilheiro pisgou-se... (***)

Resultados: herdei uma pulseira que ainda tenho e uma Kalashnikov com que fiz toda a operação da Guiné. Compreenda-se... era difícil resistir ao ronco, apesar de então já ter estado em Angola e em Moçambique.


Texto e infogravura: Salvador Nogueira (2009). Todos os direitos reservados


[ Fixação / revisão de texto / título: L.G.]
______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5464: O Nosso Livro de Visitas (74): O blogue não deve ser a Praça da Figueira (Salvador Nogueira, BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1969)

(**) Vd. poste de 7 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6948: A minha CCAÇ 12 (6): Agosto de 1969: As desventuras de Malan Mané e de Mamadu Indjai... (Luís Graça)

(***) Recorde-se que a Op Nada Consta foi uma operação conjunta do COP 7 (Bafatá), da CART 2339 (Mansambo, Subsector do Sector L1), da CCAÇ 12 e do Pel Caç Nat 53 (subunidades de intervenção ao serviço do Comando do BCAÇ 2852, 1968/70, sediado em Bambadinca).

No sítio do BCP 12 (comandado do pelo Ten Cor PQ Fausto Pereira Marques, de 4 de Junho de 1968 a 5 de Dezembro de 1969), pode ler-se o seguinte sobre a sua actividade operacional no TO da Guiné:


(...) A actividade operacional do BCP 12 ao longo da sua permanência na Guiné foi intensa, conduzindo a resultados reveladores da sua aptidão para combate.

Nos primeiros anos os Pára-quedistas foram empregues fundamentalmente em operações independentes no âmbito da Força Aérea, a qual tinha meios próprios de reconhecimento, ataque ao solo e transporte das suas forças Pára-quedistas.

Os grupos de combate eram normalmente empregues em operações que exigiam grande mobilidade e rapidez de actuação. Quando um grupo de guerrilheiros era detectado ou actuava contra aquartelamentos das unidades do Exército, as forças Pára-quedistas eram colocadas no terreno, através de helicópteros, ou noutros casos, dada a geografia própria da Guiné, através de lanchas da Armada. As forças Pára-quedistas eram usadas por períodos de tempo limitado mas de grande empenhamento.

Para além de operações independentes no âmbito da FAP, os Páras participaram também em operações conjuntas com forças do Exército ou da Armada. Destas destaca-se a operação PARAFUZO, efectuada na ilha de Caiar em Março de 1967, com forças dos Destacamentos de Fuzileiros Especiais nº 4 e 7. Da acção resultou a captura de 20 elementos inimigos.

A partir de meados de 1968 e com o General António Spínola como novo Comandante-Chefe na Guiné, o modo de emprego dos Pára-quedistas foi alterado.

As Companhias [121, 122 e 123] do BCP passaram a integrar os então criados Comandos Operacionais (COP) com outras forças militares, sob o comando de um oficial superior. Muitas vezes oficiais Pára-quedistas desempenharam essas funções. As forças eram então empenhadas, durante largos períodos, conjuntamente com as Unidades de quadrícula do Exército. As companhias do BCP 12 foram assim muitas vezes atribuídas de reforço às unidades instaladas junto às fronteiras com o Senegal e a Guiné-Conakry.


Foram inúmeras as operações desencadeadas neste período: a operação JUPITER, com 4 períodos no corredor de Guileje, no âmbito do COP 2, a operação TITÃO com o COP 6, a operação AQUILES I, com o CAOP 1, a operação TALIÃO, com o COP 7, entre tantas outras, com bons resultados.

Merece particular destaque a operação JOVE, realizada em Novembro de 1969 com forças das CCP 121 e 122. No dia 18 de Novembro a CCP 122 capturou o Capitão Pedro Rodriguez Peralta, do Exército Cubano, comprovando a ingerência de forças militares estrangeiras na guerra na Guiné.

Apesar das CCP continuarem a ser atribuídas aos COP que se iam activando consoante as necessidades, o Comando do BCP esforçou-se por continuar a levar a cabo algumas operações independentes, actuando como força de intervenção em exploração de informações obtidas e seria neste tipo de operações que se obtiveram alguns dos melhores resultados do Batalhão.

Apesar dos esforços a situação na Guiné continua a degradar-se. A pressão que os guerrilheiros vinham exercendo sobre os aquartelamentos no Sul do território começou a dar resultados. 

Em Maio de 1973 os guerrilheiros desencadeiam fortes ataques a Guileje obrigando mesmo ao abandono do aquartelamento dos militares do Exército. Nas proximidades, Gadamael Porto fica em posição delicada com flagelações frequentes de armas pesadas. 

A 2 de Junho as CCP 122 e CCP 123 são enviadas para Gadamael, seguindo-se no dia 13 a CCP 121. O próprio comandante do BCP 12, Tenente-Coronel Araújo e Sá tinha assumido o comando das forças que com a guarnição do Exército constituiram o COP 5. A posição de Gadamael Porto é organizada defensivamente com abrigos, trincheiras e espaldões, simultaneamente são desencadeadas acções ofensivas sobre os guerrilheiros. A resistência e a determinação das Tropas Pára-quedistas acabaram por surtir efeito e o ímpeto inimigo foi quebrado - Gadamael Porto não caiu. 

A 7 de Julho as CCP 121 e 122 regressam a Bissau e a 17 é a vez da CCP 123, a operação DINOSSAURO PRETO tinha terminado. (...).

(Destaque a vermelho, do editor, L.G.)

Um dos álbuns fotográficos de pessoal do BCP 12 pode ver visualizado aqui.

(****) Último poste desta série > 4 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 – P6933: Estórias avulsas (93): Uma história da minha guerra (António Barbosa)

sexta-feira, 7 de outubro de 2005

Guiné 63/74 - P212: BART 2917 (Bambadinca, 1970/72): Monumento aos mortos em combate (Luís Graça)

Guiné > Região Leste > Bambadinca > s/d (1972, 1973 ou 1974): O Manuel Ferreira, soldado condutor auto, dos "Fantasmas do Xime" (CART 3494 do BART 3873, 1972/74), junto ao monumento aos mortos do Sector L1, erigido pelo BART 2917 (1970/72).

© Manuel Ferreira (2005)

1. Texto de Luís Graça:

Podem ver-se na fotografia em cima, quando ampliada, os nomes dos oito mortos do Batalhão de Artilharia, BART 2917, incluindo o Fur Mil Cunha e mais quatros combatentes da sua secção, mortos em 26 de Novembro de 1970, na região do Xime (Op Abencerragem Candente) (1).

Os restantes sãos mais 3 furriéis milicianos (ou 1 alferes e 2 furriéis: a imagem não é nítida).

Das unidades adidas ao BART 2917 (1970/72), vem em primeiro lugar a CCAÇ 12, com três mortos:

(i) o Sold Ieró Jaló, morto em 7 de Setembro de 1969, na Op Pato Rufia (2);

(ii) o Sold Cond Auto Soares, morto em Nhabijões, na sequência do rebentamento de uma mina anticarro, em 13 de Janeiro de 1970 (3);

e (iii) o Sold Sissé, este último já em data posterior ao fim da comissão dos quadros metropolitanos, originários da CCAÇ 2590, e que formaram a CCAÇ 12 (1969/71).

Outra unidade adida era o PEL CAÇ NAT 52, com 1 morto, seguido do PEL CAÇ NAT 54 (que esteve muito tempo em Missirá), com 6 mortos. Ainda se consegue ver o PEL NAT 63, com um morto. No caso da última unidade adida ao BART 2917, que teve 3 mortos, só se consegue ler, os dois últimos números: 01.

No total, contabilizo 22 mortos (não se incluem aqui as baixas mortais sofridas pelos vários pelotões de milícias que estavam integrados no Sector L1 da Zona Leste). Falta-nos ainda os feridos graves, evacuados para o Hospitalar Militar (Bissau e Lisboa) bem como os feridos ligeiros, e todos os outros que, sem marcas visíveis no corpo, vieram com a morte na alma... cacimbados !

2. O David Guimarães (ex- Fur Mil da CART 2716 do BART 2917, Xitole, 1970/72), depois de analisar a fotografia, não tem dúvidas:

"o Furriel abaixo do Cunha - até me arrepiei agora - é exactamente o Quaresma, o furriel Quaresma que está ao meu lado na inagem em que eu apareço a tocar viola... Em cima não distingo bem o nome mas é o Alferes Ranger, do Xime (CART 2715).

"Todas as Companhias tinham um Alferes Ranger. É ele mesmo, o do Xime. Quando ia para sair para a última operação, teve uma exclamação:
- É hoje, é a última vez! - E foi foi mesmo. Dois tiros mataram-no quando estava sentado.... Evacuado, acabou por morrer no Hospital Militar.

"O outro, sim, é o Cunha. Coloca isto no blogue, é importante, Luís. Eles estão vivos e são bloguistas como nós...

"Pensar em quem morreu também é importante. Os momentos de guerra foram todos e esses também, aliás, foram os que nos marcaram mais.

"O Luís Moreira não sei se ainda lá estava em Bambadinca quando isso aconteceu. Mas ele que se lembre do Alferes Ranger do Xime. É ele, não há dúvida, que está a encabeçar essa negra lista que, tudo indica, estava organizada por posto hierárquico... Estava, porque hoje esse monumento já não existe em Bambadinca. Já não existia quando lá voltei em 2001".


3. Texto de L.G. :

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1972:

Aquartelamento de Bambadinca, sede do BART 3873 (e anteriormente, entre 1970 e 1972, do BART 2917 e, antes deste, do BCAÇ 2852, entre 1968 e 1970).

Monumento aos camaradas mortos em combate e à presença das NT em Bambadinca entre 1970 e 1972, incluindo o BART 2917 + Adidos: CCAÇ12, PEL CAC NAT 52, 53 e 54 e outros (a parte de debaixo do monumento é ilegível).

Presume-se que este singelo monumento tenha sido destruído a seguir à independência. Em Novembro de 2000, Bambadinca era sede de um batalhão do exército da Guiné-Bissau, de acordo com uma reportagem em vídeo feita por ex-combatentes portugueses que voltaram à Guiné-Bissau nessa altura, vídeo esse que visionei, graças às cópias em DVD que o Sousa de Castro magnanimamente me fez chegar pelo correio...

O mesmo monumento mostrado na foto do Manuel Ferreira, mas mostrando, ao fundo, as instalações dos oficiais portugueses (Comando + CCS + Alferes milicianos). Em frente destas ficavam a dos sargentos.

Este aquartelamento, novinho em folha, foi alvo de uma forte ataque do PAIGC em 31 de Março de 1969, como resposta à Op Lança Afiada, que envolveu cerca de milhar e meio de homens das NT (4). As instalações dos sargentos foram, por exemplo, atingidas.

© Sousa de Castro (2005)
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(1) Vd. post de 25 de Abril 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970)

(2) Vd. post de 8 de Agosto 2005 > Guiné 63/74 - CXLVI: Setembro/69 (Parte I) - Op Pato Rufia ou o primeiro golpe de mão da CCAÇ 12

(3) Vd. post de 23 Setembro 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971)

(4) Vd. post de 31 de Julho 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969)

segunda-feira, 8 de agosto de 2005

Guiné 63/74 - P146: Setembro/69 (Parte I) - Op Pato Rufia ou o primeiro golpe de mão da CCAÇ 12 (Luís Graça)

Extractos de: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II. 11-13. Selecção e notas de L.G.

Resumo: A CCAÇ 2590/CCAÇ 12, composta por quadro metropolitanos, chegados à Guiné em finais de Maio de 1969 (1), e por soldados africanos, praticamente todos oriundos do chão fula que tinham feito a sua instrução básica e de especialidade em Contuboel (2), é dada como operacional, a partir de 18 de Julho de 1969.

Colocada em Bambadinca (Sector L1), como unidade de intervenção, fica pronta a actuar às ordens de qualquer um dos sectores da Zona Leste da Guiné (em especial dos Sectores L1, L3 e L5). Tem o seu baptismo de fogo logo imediatamente a seguir, em Madina Xaquili, no sub-sector de Galomaro (3).


3. Setembro/69 (Parte I) – Op Pato Rufia ou primeiro assalto a um objectivo IN

O guerrilheiro [Malan Mané] que foi aprisionado pelos paraquedistas [na Op Nada Consta, realizada em conjunto com a CCAÇ 12 e outras forças] (4) ficou depois à disposição do BCAÇ 2852 [, na sede do sector L1, em Bambadinca ]. Explorando-se o seu estado psicológico, obtiveram-se informações que levariam à localização de um outro acampamento IN no sub-sector do Xime.

Tratava-se de um destacamento avançado a escassas horas do Xime, composto por 5 cubatas paralelamente à estrada Xime-Ponta do Inglês, do lado oeste, internadas na mata 150 metros.


Um RPG-2, com o respectivo porta-granadas. Em russo: Ruchnoi Protivotankovii Granatomet (RPG-2). Uma temível arma que data do princípio dos anos 50. Deixou, entretanto, de ser usada pelo exército russo. Mas foi muito popular entre os exércitos de guerrilha em todo o mundo. Era a bazuca dos pobres... É uma arma muito leve (tubo= 2,86kg.; tubo + granada= 4,48 kg.) e de fácil manobra. Alcance efectivo= 100 metros. Fonte: The Sword of Motherland Foundation (2005), com a devida vénia.


O prisioneiro estivera lá três meses antes, e na altura os efectivos eram de cerca de 40 homens, incluindo um grupo especial de roqueteiros que todas as manhãs se deslocavam para a Ponta Varela afim de atacar as embarcações em circulação no Rio Geba. O armamento era constituído por RPG-2 (seis) e armas ligeiras (5).

Com base nestas informações planeou-se imediatamente Op Pato Rufia afim de executar um golpe de mão sobre o acampamento em referência, com o prisioneiro a servir de guia.

O início do golpe de mão estava previsto para a madrugada do dia 25 de Agosto, mas o guia [, o prisioneiro Malan Mané,] perdeu-se devido à escuridão e à altura do capim sendo mais [recomendável fazer um, ilegível ] prévio reconhecimento da área.

A 27 de Agosto, o 2º Gr Comb [da CCAÇ 12] e forças da CART 2520 [Xime] detectariam uma casa de mato abandonada e uma granada de morteiro 60 que não foi levantada por não apresentar garantias de segurança, a escassas centenas de metros do acampamento IN cujos trilhos de acesso foram devidamente reconhecidos pelo prisioneiro.

No regresso ao Xime verificou-se que o trilho, feito pelas NT dois dias antes, estava minado nos pontos de confluência com a estrada da Ponta do Inglês, tendo os picadores detectado cinco minas anti-pessoal. Tornava-se evidente que o IN fora alertado e que [redobrara] de vigilância a partir de então.

A 7 de Setembro, repetia-se a Op Pato Rufia, com a seguinte composição e articulação das forças:

(i) Dest A: CCAÇ 12 a 3 Gr Comb (+);
(ii) Dest B: CART 2520 a 2 Gr Comb (+);
(iii) Dest C: PEL CAÇ NAT 53, 63 e 52 (-).


Desenrolar da acção:

A progressão iniciou-se pelas 1.30h da noite, atingindo-se as proximidades do local do acampamento já perto da madrugada. Os Dest B e C dirigiram-se para os seus locais de emboscada, enquanto o Dest A formava em linha paralelamente à estrada.

Sabia-se que o IN tinha uma sentinela avançada e que os elementos do grupo dormiam com as armas à cabeceira. A aproximação através do capim alto e da mata densa facilmente denunciava as NT.

E, de facto, ainda mal o Dest A tinha iniciado a progressão en linha quando foi alvejado por duas rajadas de pistola-metralhadora que deram o sinal de alarme. Imediatamente as NT começaram a ser batidas por fogo de lança-rockets e armas automáticas a que reagiram prontamente.

Foi nessa altura que um dilagrama, ao ser descavilhado, rebentou à boca da arma, por deficiência da alavanca de segurança, tendo atingido o prisioneiro Malan Mané (6) e o Soldado Iero Jau (2º Gr Comb) que o conduzia e que teve morte quase instantânea. Entretanto já tinham sido feridos o 1º Cabo Mateus (3º Cr Comb) com um tiro no joelho e dois picadores da milícia [do Xime].

Continuando a progressão, e tendo ficado 1 Gr Comb (-) a montar segurança aos feridos, atingiu-se o acampamento constituído por 9 cubatas, para quatro a cinco homens cada, e que o IN tinha abandonado precipitadamente. Na fuga urn pequeno grupo foi cair na zona de emboscada do Dest B que abriu fogo, tendo o IN reagido com um disparo de RPG-2 que causou vários feridos ligeiros às NT.

Entretanto já os Gr Comb do Dest A tinham literalmente saqueado as casas de mato, recolhendo documentos, livros didácticos, folhetos de propaganda e objectos pessoais (inclusive maços de tabaco russo), além de material de guerra.

À ordem, as forças dos 3 Dest reuniram-se no local do acampamento e colaboraram numa batida minuciosa à zona a fim de detectar os vestígios deixados pelo IN que retirou, disperso, em debandada, na direcção de Buruntoni e Ponta Varela.

Além de vários feridos prováveis, o IN sofreu 2 mortos confirmados (posteriormente).

Feita a evacuação dos feridos, os 3 Dest receberam ordem de retirar. Entre Gundagué Beafada e Madina Colhido foram vários rebentamentos na área do acampamento. Presumindo que as NT ainda estivessem no local, o IN fizera fogo de reconhecimento na direcção do Buruntoni.

Por volta das l6h, as nossas forças chegavam ao aquartelamento do Xime, tendo o Dest A transportado em maca o cadáver do soldado Iero Jau (7).

O material capturado pelo Dest A (CCAÇ 12), no valor de 10.825$00, foi o seguinte:

Granadas de LGFog-RPG-2= 30
Granadas de Mort 60 = 6
Granadas de mão defensivas = 2
Minas anti-pessoal = 3
Munições 7,62 Pist Metr PPSH = 610
Munições 7,62 Esp Aut Kalashnikov e Met Lig Degtyarev = 88
Carregadores Esp Aut Kalashikov c/bolsa = 3
Carregadores Metr Lig Degtyarev=2
Carregadores Pist Metr. PPSH = 2
Cartuchos propulsores = 2
Cargas suplementares de RPG-2 = 34
Saco de campanha = 1
Cantil = 1
Marmita = 1
Almotolias =2

Até ao fim do mês, os grupos IN do Xime manifestar-se-iam três vezes:

(i) a 24 emboscando na área de Poindon/Ponta Varela forças da CART 2520 que tiveram um ferido;

(ii) a 28, flagelando em Darsalame Baio com costureirinhas [pistolas metralhadoras PPSH] e rockets o 1º e o 3º Gr Comb da CCAÇ 12 durante a Op Prato Raso;

(iii) e a 29, desencadeando uma emboscada contra forças da CART 2339 [Mansambo] que sofreram um morto e um ferido grave, na estrada Mansambo-Bambadinca.

(Continua)
________

Notas (L.G.)

(1) Vd. post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau .

Vd. ainda +post, com a mesma data > Guiné 69/71 - LXXIV: A nossa mobilização para o CTI da Guiné (CCAÇ 12)

(2) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVI: No 'oásis de paz' de Contuboel (1969)

(3) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969)

(4) Vd. post de 30 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969)

(5) Sobre o armamento da guerrilha, vd. post de 16 de maio de 2005 > Guiné 69/71 - XIX: O festival das kalash, das 'costureirinhas', dos rockets e dos katiousha .

Uma apresentação e uma descrição minuciosas do RPG-2, o temível lança-rockets usado pelos guerrilheiros do PAIGC, podem ser lidos no sítio russo, em inglês, dedicado à história militar da Rússia (The Sword of Motherland Foundation).

(6) O dilagrama que provocou este trágico acidente era empunhado por um graduado da CCAÇ 12, que não era apontador habitual de diligrama do seu grupo de combate. No relatório omite-se, por conveniência ou cumplicidade, este facto grave. O Iero Jaló, de etnia fula, morreu ao meu lado. O Malan Mané, o prisioneiro, de etnia mandinga, foi gravemente ferido, tendo sido evacuado para Bissau. Gostaria de saber o que é feito dele hoje: se conseguiu sobreviveu aos ferimentos, se ainda é vivo, se se lembra, à distância de 36 anos, destes loucos meses de Agosto e Septembro de 1969...

(7) Fomos no dia seguinte enterrá-lo na sua aldeia, no regulado do Cossé (se não me engano...). Teve honras militares. Lembro-me do ridículo atroz da cerimónia...