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terça-feira, 3 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5196: Carta de despedida e conforto aos pais, do Ten-cor Andrade e Sousa, BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, 1973/74 (Fernando Costa)

1. Mensagem de ontem, enviada pelo novo membro da Nossa Tabanca Grande, Fernando Costa, ex-Fur Mil, Trms, CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (*):

Amigo Luís Graça,

Aos dias 27 de Fevereiro de 1973, o Comandante do Batalhão de Caçadores 4513, Tenente-Coronel de Infantaria César Emílio Braga de Andrade e Sousa, escreveu para os familiares dos militares que compunham este batalhão, uma carta de conforto e de esperança.

No passado dia 31 de Outubro de 2009, passados portanto mais de 35 anos de eu ter regressado da Guiné, a minha mãe fez-me a entrega da mesma.

Depois de a ler, tomei a liberdade de a partilhar convosco, tendo a consciência que nem todos tiveram este gesto da parte dos vossos comandantes.

Com um abraço de camaradagem

Fernando Costa
Ex-Furriel Miliciano



2. Comentário de L.G.:

Um documento raro e surpreendente: o comandante de batalhão, César Emílio Braga de Andrade e Sousa (que já terá morrido), escreve um carta de despedida aos pais dos seus homens, na véspera do embarque...

Como classificar este documento, que me parece único e quiçá ancrónico ? Uma "carta de conforto e de esperança", como lhe chama o Fernando Costa, cujos pais também receberam um exemplar desta epístola ? Gesto nobre e sincero de um oficial e cavalheiro ? Exemplo da cultura do autoritarismo paternalista do Estado Novo ? Demagogia pura e simples ? Acto de hipocrisia social e de cinismo ? Um português e militar de antanho, usando um estilo epistolar do Séc. XIX ? Um caso excepcional mas bonito que honra as Forças Armadas Portugueses ?...

Ao nosso leitor, é que compete decidir, comentar, opinar... Ao Fernando, o nosso muito obrigado por ter conseguido recuperar este e outros documentos do seu tempo de "último guerreiro do Império"...

O BCAÇ 4513 teve as suas subunidades espalhadas por Buba (1ª CCAÇ), Nhala (2ª CCAÇ) e Aldeia Formosa (CCS e 3 ª CCAÇ), segundo informação do Jaime Ramos... (LG)

[Revisão / fixação de texto / transcrição / edição: L.G.]




Regimento de Infantara nº 15. Tomar, 27 de Fevereiro de 1973.




Exmo Senhor,


Desejaria ter escrito por meu punho e individualmente aos familiares mais próximos, e muito particularmente aos Pais, de tantos quantos comigo vão partir para o Ultramar constituindo o Batalhão de Caçadores 4513. Tal foi materialmente impossível, forçando-me a recorrer ao único processo viável, pois admiti e contei que a vossa benevolência lhes permitiria compreender e desculpar a forma como concretizo este intento.

É meu único e firme propósito, dada a vossa qualidade de Pais, tentar minorar-lhes o desgosto da próxima separação do vosso filho, procurando com todos os meios ao meu alcance descansá-los em tudo e em tanto quanto meus préstimos possam alcançar e ser-lhes útil. Apraza a Deus que seja capaz de encontrar as palavras necessárias e que a minha consciência me exige.




Primeiro que tudo e a partir deste preciso instante, podem ficar certos que neste Batalhão tudo se fará para que o vosso filho se sinta dentro dele como numa sã e autêntica família, que a todo o custo procurará substituir - os seus próprios PAIS - não com uma amizade tão grande por tal ser impossível, que não permitirá poupar-nos seja a que esforços forem, para que dentro de tudo que esteja ao nosso alcance, nada lhe falte, levando-o a sentir que na sua Unidade tem sempre quem lhe queira com toda a alma e coração.
O vosso filho, e meu Soldado, será a meus olhos alguém que me diz muito e a quem oferecerei com todo o entusiasmo o melhor que seja capaz de encontrar em mim, incluindo, claro, a minha amizade, a que já tantos direitos tem. Isto é algo que só nós, SOLDADOS de Portugal, sentimos e compreendemos, mas admito que alguém na vossa família lho possa provar melhor do que eu, pois certamente que, entre vós, alguém passou pelas fileiras das Forças Armadas e sentiu ou se apercebeu do que acabo de afirmar.

Outro ponto que desejo focar, é que os Senhores não necessitarão seja de quem quem for para saberem ou para que melhor se cuide do vosso filho, pois estarei sempre a atendê-los e servi-los, logo que se me dirijam. Ele próprio lhes dirá como escrever-me para o Ultramar onde ficarei à vossa inteira e absoluta disposição.




Aproveito a oportunidade, apesar de certamente ser do vosso pleno conhecimento, de lhes lembrar que, na maioria esmagadora dos casos, o homem aos 20 anos conserva ainda muito de criança que há pouco deixou de ser e precisamente por isso carece inúmeras vezes do conselho experiente e amigo de seus PAIS, para que não proceda de forma que haja, ou possa ter que ser punido.
Penhoradamente solicito a vossa valiosíssima ajuda neste campo pois ele poderá evitar, a todos nós, sérios desgostos e contrariedades. Não tenho dúvidas que se contar com ajuda o Batalhão voltará sem que tenha sido necessário aplicar o Regulamento de Disciplina Militar, o que sem dúvida nos dará imensa alegria e, seja-me permitido, orgulho, pelo menos no que me diz respeito.

Para terminar desejo ainda informá-los que todos os Senhores Oficiais e Sargentos que comigo orientarão a Unidade e suas Companhias estão animados dos mesmos propósitos, o que me parece que melhor lhes garantirá a certeza - nomeadamente às MÃES com o inconfundível e entusiástico amor - que o vosso filho encontrará sempre à sua volta um grupo de graduados que muito o estimam, e que tudo vão fazer para o devolver ao vosso lar como um homem de carácter, são e glorioso, e um SOLDADO que soube servir PORTUGAL, honrando o nome que usa e o dos Pais que tão bem o souberam criar e educar.

Para vosso e meu descanso gostaria que junto de vós residisse alguém que tivesse pertencido à Companhia de Caçadores 454 - ANGOLA - ou BCAÇ 2836 - MOÇAMBIQUE- , pois seriam esses filhos de outros pais, que melhor os poderiam descansar e explicar o que desejei ser capaz de lhes transmitir se a tanto me tivessem ajudado as palavras que me ocorreram. Como receio não ter essa felicidade, empenho perante vós a palavra do Soldado que desejo e procuro ser, a de português que sempre me senti, e a do PAI que também sou, que vosso filho terá em meu coração um lugar quase tão grande como se fosse da minha própria família.

Que aos Senhores e ao vosso filho tudo corra bem e que dentro em pouco tempo seja ele próprio que junto de vós comprove tanto quanto acabo de vos afirmar.

Por Portugal, para todos nós e especialmente para vós as maiores felicidades.






__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

25 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5160: Tabanca Grande (182): Fernando Silva da Costa, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74)

2 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5193: Memória dos lugares (50): Aldeia Formosa, BCAÇ 4513: A última visita do Gen Bettencourt Rodrigues (Fernando Costa)