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quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24599: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (8): Bonjour tristesse!


Foto: © Luís Graça (2011)

Contos com mural ao fundo (8) >   Bonjour tristesse!

por Luís Graça (*)



Nada fazia prever, quando o Teodoro nasceu, que estaria predestinado a ser padre. Pelo menos não havia nenhum sinal exterior dessa predestinação, desse chamamento de Deus.

− Nenhum rasto de estrela ou cauda de cometa a apontar para a minha casinha de xisto. (Apesar de tudo, sempre era melhor do que a loja da vaca e do burro, em cuja manjedoura nascera o Menino Jesus, em Belém.) − comentaria ele, com um misto de ironia e melancolia, mais tarde, em 2008, quarenta anos depois da sua partida para França, onde fixara residência. Nunca mais voltara à sua aldeia,  na Serra da Lousã, a não ser então, depois da reforma.

Vinha de uma família serrana, pobre e humilde.

− O meu pai não era carpinteiro como José, mas um simples cantoneiro de limpeza, assalariado da Câmara Municipal, pago à semana ou à jorna, já não me lembro bem ao certo. E tínhamos umas leiras, em socalcos, roubadas à floresta, onde os meus pais faziam a horta…

Tinha cabelo ruivo e olho esverdeado.

− Chamavam-me o “Rucinho”. Jesus era moreno, de olhos e cabelos pretos, como qualquer palestiniano, segundo rezavam os livros. − brincava ele, ao evocar os tempos em que andara  no seminário, chegando a subdiácono, e depois fora expulso,  ao se descobrir que "vivia amancebado e tinha fugido para França"...

Teodoro era oriundo da Beira Litoral. Nado e criado na Serra da Lousã, era o penúltimo de seis filhos, quatro rapazes e duas raparigas. Nasceu em meados de 1944, a nove meses do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa.

No início dos anos 50, já havia sinais, embora pouco percetíveis, de desertificação das aldeias das serras da Lousã e do Açor, fenómeno que se veio agravar a partir da década seguinte. E em 2008, na sua aldeia,  haveria apenas três ou quatro velhos, um dos quais tinha andado com ele na escola.

Nos anos 50 havia escola na sede da freguesia, num edifício construído pelo Estado Novo.

− E, claro, bandos de putos, de pé descalço, a cheirar a tojo, a urze, a resina e a fumo, uma das imagens poéticas que irei guardar de minha infância pobre, mas apesar de tudo livre e feliz.

O professor de instrução primária achava que era uma pena o seu melhor aluno perder-se nos caminhos da vida, o mesmo era dizer, nos trilhos da serra. Ou nas sete partidas da emigração. Afinal, o que é que poderia esperar do futuro se lá ficasse depois de tirada a quarta classe? 

− Quando muito, vir a ser lenhador ou ajudante de madeireiro como o meu mano mais velho, pastor de cabras ou ovelhas como o meu primo, talvez cantoneiro de limpeza como o meu pai, ou até na melhor das hipóteses guarda-rios  ou  guarda-florestal, com direito a farda, arma e licença de porte de arma, enfim, uma autoridade como sonhava a minha pobre mãe, que Deus já lá tem. Mas o mais provável era a fazer a trouxa e correr mundo, com aconteceria mais tarde com os meus irmãos e os meus vizinhos. 

E num aparte, acrescentou com tristeza:

− Coitada, morreu cedo, a minha mãe. E foi seguramente para o céu, mesmo não sabendo ler nem escrever.

Não, o seu destino seria mais nobre: “ Servir Deus na Terra, ser pastor de almas”… A expressão era do seu pároco, que fazia o favor de ser amigo da família e seu protetor. Mesmo franzino, o Teodoro já ajudava à missa, depois de feita a primeira comunhão.

O professor também achava que o seu “Rucinho” (era assim que o tratava com solicitude paternal) já estava predestinado ao magistério divino, embora tendo nascido numa família “pobre, mas honrada”.

− Sim, porque nem todos os pobres eram honrados, havia-os pobres e mal agradecidos − lembrava o professor nas aulas numa turma de pés-descalços.

Com uma cunha do seu amigo e condiscípulo de seminário, o bispo castrense, o seu querido aluno Teodoro haveria de entrar num bom seminário, de modo a fazer jus ao seu nome (do grego Théodoros, “dádiva de Deus”).

− Que seja tudo para glória de Deus e a bem da Nação ! − proclamou o mestre-escola, fazendo instintivamente a saudação romana, no final do seu discurso de homenagem e de despedida do Teodoro.

E, dirigindo-se diretamente ao “filho do cantoneiro”, fez questão de desejar-lhe um futuro auspicioso.

− E quem sabe se ainda não hás de chegar a cónego ou até bispo, honrando a tua família e a nossa terra… e, já agora, este teu humilde e dedicado professor ?!

Os pais do “Rucinho”, como ele era conhecido na aldeia, sorriam timidamente, disfarçando, mal, uma pontinha de natural orgulho, enquanto o pároco, impaciente, aguardava a sua vez de falar a seguir ao professor, perante a turma e o escasso povo que àquela hora ali se juntara, desbarretado e de pé, para ouvir dos caciques da terra a decisão sobre o futuro de um dos seus filhos.

O padre começou por se dirigir ao casal, pais do “feliz contemplado”:

− Queridos pais, não chorem a não ser de alegria. Para além da honra, é uma prova de gratidão. Dar um filho a Deus é retribuir-lhe o milagre da vida, e vós sois ricos, Deus deu-vos logo seis rebentos!

E, depois, virando-se para o “herói da aldeia” (o primeiro rapaz que saía para ir estudar):

− Meu menino, está decidido. Vais para o Seminário Menor,  da diocese de Lisboa. Eu e o teu professor chegámos à conclusão que era o melhor para ti.

Estava traçado o destino de Teodoro. E, a seguir, o padre aduziu algumas das razões da bondade da escolha. Por um lado, os pais não o podiam mandar para o liceu, e o mais perto era Coimbra. Por outro, nos seminários do Patriarcado de Lisboa, "comia-se bem":

−E tu, rapaz, estás a crescer, precisas de comer bem!

Toda a gente se riu. Mas o santo homem prosseguiu o seu discurso:

− Eles têm mais recursos do que a nossa diocese. Depois têm bons professores. E estão bem relacionados. Lisboa é a capital do império e é lá também que está o capital… Mas, não menos importante, são um rebanho que está sob o cajado de um bom pastor.

− … Sua eminência reverendíssima o Senhor Cardeal-Patriarca Dom Manuel II. Um dos grandes príncipes da Igreja Católica, Apostólica, Romana − atalhou o professor, interrompendo intempestivamente o representante de Deus.

Não perdendo o fio à meada, o pároco também reforçou a sua admiração pelo Cardeal-Patriarca Manuel Cerejeira:

− … que ainda poderá chegar a sentar-se na cátedra de São Pedro, se for esse o desígnio de Deus. Seria uma grande honra para Portugal e para a nossa Igreja!

O Teodoro não tugiu nem mugiu. Ainda não tinha direito à palavra nem estava pronto para tomar decisões sozinho. Mas, aparentemente, mostrava-se resignado com o destino que Deus e os seus representantes na terra lhe haviam talhado. Só disse, que sim, baixinho, que ia “ser um menino bem comportado para contento de todos”…

O professora preparara gratuitamente o Teodoro para o exame de admissão ao liceu, que ele fez com brilhantismo em Coimbra.  Quando o júri lhe perguntou pelos rios e serras de Portugal, não falhou nem uns nem outros, mesmo que só conhecesse um rio (o Mondego, além do Ceira, claro, que corria à sua porta), e uma serra, a sua, a da Lousã (e, muito ao longe, a Serra da Estrela, que era a mais alta de Portugal continental).

Estavam ali os dois velhos caciques da terra (faltava o terceiro, o regedor). Eram velhos amigos (ou estavam condenados a sê-lo):

− Se fossem bois, dificilmente formariam uma junta capaz de trabalhar em equipa sobre a mesma canga − recordaria muito mais tarde, com saudade, o Teodoro, quando soube da notícia da morte de um deles.

Na realidade, raramente estavam em sintonia, dadas as personalidades fortes de que eram dotados, e os estreitos horizontes em que viviam, emparedados entre serras desde os anos 30.

"Germanófilo" (a expressão era do Teodoro), o professor tinha seguido, com sentimentos contraditórios, entre a euforia e a depressão, os altos e baixos da sorte das armas na Segunda Guerra Mundial. E, na escola, todos os meninos haviam chorado a morte do Hitler. A bandeira nacional ficara a meia haste mais do que os três dias do luto nacional, decretado pelo Governo. Uma decisão “por conta e risco do professor”…

O padre não gostou, mas também não comentou. 

Afinal, cada um tinha a sua jurisdição. Cada galo no seu poleiro. E a Deus o que era de Deus e a César o que era de César. Dentro da igreja e no adro, mandava ele. 

 É verdade que não morria de amores pelo Hitler, só queria que a mortandade da guerra acabasse. E que os pobres dos refugiados pudessem voltar às suas casas, mesmo destruídas.

Naquele tempo, as notícias do horror de Auschwitz e dos demais campos de concentração ainda não tinham chegado à Serra da Lousã, mesmo que ali tão perto da cidade dos doutores (pelo menos em linha reta).

Mais do que o padre, o professor era "um indefetível de Salazar" (sic). E do Estado Novo. Mas já sem grandes ilusões... e sobretudo ambições políticas a nível pessoal, uma vez gorada a possibilidade de integrar em 1938 a lista única de deputados à Assembleia Nacional.

Fora injustamente acusado por inimigos políticos da Lusa Atenas (Coimbra), de na sua juventude, na escola do magistério primário, ter distribuído propaganda dos Nacional-Sindicalistas, o partido de Rolão Preto (que se situava à direita de Salazar, e chegou a ser seu rival e a estar preso e, a seguir, ser exilado. em 1934).

Ir para Lisboa e ser deputado era o seu sonho. 

Estava deveras  esperançado na cunha do Professor Bissaya Barreto, amigo do seu avô materno (ambos naturais de Castanheira de Pera). Membro da União Nacional, depois da cisão dos Integralistas Lusitanos, remeter-se-ia ao "autoexílio da Serra da Lousã" (sic), sentindo-se um lídimo e legítimo descendente dos Viriatos. E "pronto  a combater, com as armas da fé e da razão, os novos grandes inimigos da civilização cristã e europeia, a oeste o capitalismo americano e a leste o bolchevismo soviético".

Portugal felizmente tinha sido poupado à hecatombe, lembrava o pároco, graças ao "génio político e diplomático do Salazar, um beirão como ele" (citação do Teodoro).

Em 1954, o Teodoro tem 10 anos. O seu professor está, entretanto, com 45: solteiro, sem filhos, era um homem amargurado e precocemente envelhecido. Para mais um acidente há uns anos atrás, no tempo do irmão mais velho do “Rucinho”, havia manchado a sua carreira e quiçá a sua reputação.

Como era norma na época, vigorava na escola a pedagogia da violência e da dor, personificada na Santíssima Trindade: a menina dos cinco olhinhos, o ponteiro e a pesada manápula do/a professor/a. A um dos seus miúdos, o professor dera um chapadão. O aluno, “cábula”, de frágil constituição, e para mais “filho de fraca gente” (sic), desequilibrou se e bateu com a cabeça na esquina da carteira, revestida com cantoneira de ferro.

Ficou com um hematoma subdural, a que ninguém ligou. 

Nada que preocupasse o professor ou os pais. Nódoas negras no pescoço, braços e pernas era coisa que não faltava na "canalha".  Dias mais tarde caiu, na sala de aulas, no chão, redondo, inconsciente. Levado para casa, numa padiola, ficou de cama uns dias, com panos de água fria e rodelas de batata na cabeça.

Chamado à cama do doente, que gritava desalmadamente com dores agudas na cabeça e febre alta, o médico municipal torceu o nariz e achou por bem mandá-lo para o velho hospital universitário de Coimbra, onde pelo menos havia um aparelho de raio X. 

 Vinte e quatro depois, a criança morreria.

O inspetor escolar, vindo de Coimbra, lido o relatório da autópsia, e torcidos os fartos bigodes,  não estabeleceu nenhum nexo de causalidade entre a alegada bofetada do professor (falara com alguns alunos que haviam presenciado a cena, além dos pais), a queda do miúdo e a sua morte uns dias depois.

O professor foi ilibado, para bem da Nação e da corporação.

Mas o caso fora comentado na aldeia, nas redondezas e até na vila, para embaraço do professor (e do padre, que optou pelo silêncio cúmplice).  tanto mais que eles eram reconhecidamente as autoridades morais e espirituais daquela comunidade serrana. Acabou por prevalecer, como sempre, a velha lei do silêncio. Já que “na Serra da Lousã, desata a língua à noite e cala-te pela manhã”.

− E o próprio tempo encarregou-se de apagar a memória do pobre Inocêncio (era o nome do colega do meu irmão mais velho). Mas o meu professor, coitado, esse  nunca mais seria o mesmo.

"Roído pelo remorso", sentindo-se culpado, no seu íntimo,  pela morte do aluno, ajudou a pobre família a fazer o luto, deu-lhe inclusive algum apoio monetário, e sobretudo jurou a si próprio que nunca mais usaria a violência física nas aulas. 

 E cumpriu.

− Talvez isso ajudasse a explicar, pelo menos em parte, o carinho paternal que ele sentia por mim, e por mais um ou dois dos seus alunos, naturalmente, o reduzido lote dos melhores alunos, o “pelotão da frente”.

Nesse dia, no já longínquo ano de 1954, memorável para a aldeia, houve uma merendinha, ao fim da tarde. Cada família ofereceu um pouco do que tinha no fraco fumeiro (um enchido ou outro, guardado na talha de azeite) e na minguada salgadeira (onde se guardava então o porco, quem o criava e matava, e que era a "arca frigorífica dos pobres", muito antes da eletricidade chegar à serra) . E a mãe do Teodoro cozera pão com torresmos no forno. Assinalava-se assim festivamente o fim do ano escolar e a ida, para o seminário, do melhor aluno do mestre-escola.

O padre (“um homem simples, santarrão, mas bom garfo e melhor copo”, segundo o retrato feito pelo Teodoro), sorriu de orelha a orelha, feliz por ver o seu pequeno rebanho ali junto, aconchegado, e de barriga farta.

O mestre-escola tinha contribuído com algumas guloseimas para a "canalha", trazidas da vila. Ele era de Vieira do Minho, de uma família nobre, do lado do pai, “de boa cepa miguelista mas arruinada”.

Um e outro, o professor e o padre eram amigos, ambos monárquicos, mas nem sempre sabiam disfarçar as suas diferenças e desinteligências em questões de fé, de ciência, de história e até de política.

O professor às vezes gostava de lembrar por brincadeira (ou “por maldade” ?), a origem do padre. Era de Belmonte, terra de “judeus ex-comungados”, “marranos”, “cristãos novos”…

Mais subtil, o vizinho sorria com bonomia. Vingava-se chamando-lhe “camisa azul”, o que tinha o condão de irritar o antigo seguidor, “em má hora” (sic), arrependido, do Rolão Preto.

− Mas, no fundo, entendiam-se, estavam bem um para o outro e cultivavam uma relação de amor-ódio, exacerbada pelo celibato, a solidão e a miséria da aldeia, perdida na serra − concluía o Teodoro.

O professor era o único que tinha rádio, a par do homem da “venda”. 

E recebia alguns jornais e revistas da capital. Tirando o padre, o comerciante (um antigo combatente em França da Primeira Guerra Mundial, que também era o regedor), o carteiro, um ou outro guarda-florestal, ou até algum almocreve que se aventurava pelos caminhos da serra, com os sacos de sal para as salgadeiras (mas também com as notícias e os mexericos do exterior), não tinha ninguém com quem pudessem ter uma conversa, “decente, cristã e civilizada”. 

A "revolução nacional" ainda não chegara à aldeia, tirando o edifício da escola e o lavadouro público. Ao fim de semana, iam à caça. Era o seu único vício, para além da boa mesa. E a eles juntava-se por vezes o médico municipal, que morava na vila.

Depois de a sua mãe ter morrido, cedo, o padre passou a ter uma criada. Viúva, sem filhos, como convinha, mas que fazia a melhor chanfana da Serra da Lousã. Uma vez por outra, o padre e o professor iam à vila para tratar de assuntos de serviço. Deslocavam-se de motorizada, o professor, ou num velho Ford T, o padre. A estrada era macadamizada, cheia de buracos. O padre já se queixava muito da coluna, e agora só raramente dizia missa fora da sede da freguesia. E ainda tinha a secreta esperança de ver o seu "Teodorozinho" herdar-lhe o púlpito. Em tempos, na sua juventude, era o melhor pregador da Quaresma de toda Serra da Lousã e até da Serra do Açor. Mas, desgraçadamente, perdera o dom da palavra. E já ninguém o requisitava para as cerimónias da Semana Santa, fora da sua paróquia.

− Deus o dá, Deus o tira  − resignava-se ele.

− Coisas de velho! – rosnava a criada.

O Teodoro frequentava a casa paroquial nas férias. Seguramente era a melhor casa da aldeia e já tinha dado guarida ao bispo de Coimbra e a um ou outro lente da velha universidade de Coimbra, atraídos pelos bons ares da Serra, que faziam bem aos pulmões, pela caça e pela chanfana e pelo cabrito da “viúva do abade” (como galhofava o professor, não sem uma pontinha de ciúme),

O professor tinha casa de função, mas almoçava habitualmente na “venda”, o único estabelecimento comercial da aldeia, misto de pensão, casa de comidas, taberna, mercearia e posto dos correios. Fazia os melhores pratos de caça e de cabrito.

Defraudando logo no início as expectativas do mestre-escola e do padre, o seminarista Teodoro foi um aluno mediano. 

Fazia questão de justificar-se, com a adaptação a um ambiente completamente novo e estranho onde, no refeitório e nas aulas, se aprendia a comer de garfo e faca e a saber falar com os ricos. Escapava à tirania dos extremos, “os muito maus e os muito bons”, dizia ele.

Por outro lado, não pertencia ao grupinho dos “manteigueiros". os que "davam graxa aos padres” (sic). E que eram os meninos bonitos dos prefeitos e dos professores. Ali ninguém mais o tratava por “Rucinho” ou “Teodorozinho”. E a competição era grande pelas boas graças de Deus e dos seus poderosos representantes na terra.

Aos alunos com mau aproveitamento escolar, descartavam-nos logo ao fim do primeiro ou segundo ano. Punham-lhes lá fora o baú com os parcos haveres (lençóis, camisas, cuecas, botas…),  à porta do seminário, e recambiavam-nos de volta às agruras da vida nas suas aldeias ou vilas. Só lhes interessavam os bons e os muito bons alunos, os outros ficavam caros à Igreja da diocese e aos seus beneméritos (entre eles algumas senhoras piedosas, esposas de grandes agrários do Ribatejo que em dias de festa deixavam uma boa esmola ao senhor reitor).

De uma colheita de cem, talvez um chegasse à meta, ou seja, tivesse a graça divina de ser ordenado sacerdote.

− Meus filhos, sois muitos os chamados, mas poucos os escolhidos – resignava-se o venerando reitor a quem os seminaristas chamavam a “múmia”, de tão velho e mirrado… E de quem se dizia que era um heroico sobrevivente das lutas assanhadas da República contra o clero e os seminários.

O Teodoro era tímido e “tanso” (sic), mas vingava se no futebol. 

Era “sarrafeiro”, embora sempre leal, não se atirava para o chão quando perdia a bola, simulando uma falta. Era persistente, sabia sofrer, mostrava valentia, respirava saúde. A última coisa que o seminário queria era gente "fraca dos pulmões". Eram tudo qualidades que os “olheiros” dos professores e prefeitos valorizavam… 

Tinha "Bom" a comportamento. Também não era mau no latinório, sendo condição imprescindível para ingressar na teologia, no sétimo ano, o latim e o grego.

Aprendera cedo a andar em rebanho com as outras “ovelhas do Senhor”, procurando nunca se tresmalhar. Ou não tivesse ele também aprendido a apascentar as cabras do tio.

Pedia, por outro lado, ter sido selecionado para a “Schola Cantorum”, o coro dos meninos da igreja, constituído pelas melhores,  as mais puras vozes infantis ou "vozes brancas"... Era um lugar disputado porque um privilégio,,, Mas as hormonas do crescimento traíram-no.

− A minha voz já estava precocemente a mudar. Tinha boa voz, ouvido musical, assobiava muito bem, sabia imitar os pássaros, do pombo bravo ao rouxinol… Mas de que é que isso servia, todos esses saberes serranos,  a um futuro padre ?

Saber falar em público também era uma das qualidades apreciadas num sacerdote. Não era um dos pontos fortes do Teodoro. Faltava lhe também a sofisticação dos meninos da cidade, o seu ar serrano ainda se colava à pele, como a resina dos pinheiros quando andava à caruma. Também não escrevia muito bem, embora sem grandes erros de ortografia. Precisava de ler mais, recomendava-lhe o professor de português.

Não guardava, de resto, as melhores recordações dos primeiros anos do seminário, bem pelo contrário. Um dia havia de passar ao papel,  depois de se reformar,  as suas memórias de infância e adolescência.

Em 1957, aos 13 anos tinha apanhado a gripe asiática. 

Fecharam as portas do seminário, logo no início do ano letivo de 1957/58, mandaram toda a gente outra vez  para casa. Muitos anos depois, ainda não sabia como chegara a casa, na Serra da Lousã. A arder em febre,  fora levado para a aldeia no dorso de um burro com o pai pela arreata, depois de chegar de comboio, do ramal de Coimbra-Lousã. O padre, alertado pelo homem da “venda” (o único que tinha telefone), não podia ir buscá-lo no seu Ford T. A essa hora tinha um enterro de um vizinho de uma aldeia próxima.

Chumbou no 3º ano, por doença. 

Esteve na enfermaria, por diversas vezes, e teve que ser internado no hospital da misericórdia (com ida inclusive ao Hospital de São José, em Lisboa) sem os médicos atinarem com o raio da doença. Afinal, era uma doença do crescimento. Os padres deram-lhe a possibilidade de repetir o ano, depois de umas longas “ férias forçadas” na casa paterna,

1958 foi outro ano de terror, com o comício do general Humberto Delgado na praça defronte  ao seminário. 

Os padres puseram toda a gente encafuada na igreja, a rezar em voz alta, de mãos viradas para o céu. Uma cena lancinante ("hoje hilariante", recordava o Teodoro)... Mais tarde, o reitor, com um sorriso estampado na cara de múmia, deu no refeitório a grande notícia esperada e desejada pela Santa Madre Igreja: o senhor contra-almirante Américo Deus Rodrigues Thomaz era o novo presidente da República!

Contra todas as expectativas, o Teodoro chegou ao fim do curso de teologia e recebeu a ordem de subdiácono.

Era “lutador e marrão”, lembrava um dos seus condiscípulos e um dos raros amigos que conseguiu fazer ao longo daqueles anos todos.

Nunca teve propriamente uma crise de vocação. Teve naturalmente alguns momentos em que foi posta à prova a sua fé e, por tabela, a sua vontade de se dedicar inteiramente a Deus, o que significava não conhecer mulher, não se casar e não ter filhos.

Talvez a maior provação, que podia ter levado a uma grave crise, foi justamente, no início das férias grandes, no verão de 1958, aos 14 anos, depois do “grande susto das eleições do Humberto Delgado” (como ele recordava 50 anos depois)…

Esse momento (de dúvida, hesitação, provação ou tentação mais propriamente dita), ia-lhe custando caro, no final do 3º ano (que ele repetira, com sucesso). Já nas férias grandes, viajava ele de comboio, de regresso a casa na serra, devendo apear-se em Coimbra B e apanhar o ramal da Lousã.

Já era mais espigadote do que os outros miúdos. “Com 14 anos era já rapaz feito”. E não era mal apessoado, com ar de “irlandês” (quem sabe se descendente de algum dos pobres soldados levados pela corrente do rio Ceira, no combate de Foz do Arouce , em 15 de março de 1811, durante a retirada de Massena, no final da terceira invasão francesa).

− Mas, desembucha… Que desgraça, afinal, que é que te aconteceu ou que susto apanhaste?

− Vi o rabo a uma rapariga empoleirada na janela do comboio.... A dizer adeus,  muito efusivamente,  a alguém (talvez um rapaz, imaginava eu), que estava do lado de fora, na plataforma da estação…

− Onde ?

− No Entroncamento.

− E depois?

− Não tinha cuecas…

− Como assim ?

O Teodoro reconstitui-me esta “cena do pecado” de que ainda tinha uma viva memória, ao fim de meio século: ficou vermelho como um tomate saloio quando ela, que estava de costas, se voltou… e fez questão de se sentar, mesmo à sua frente. Percebeu que ele estava ruborizado, sorriu “matreira como o diabo” (sic). Estavam sozinhos os dois, cada um no seu banco de pau corrido, numa carruagem de terceira classe da CP - Caminhos de Ferro Portugueses.

− Então, ela levantou-se ligeiramente. Abanou o rabo, ajeitou a saia e, com as pontas de dedos, como se fossem pinças, foi-na puxando muito lentamente para cima, enquanto ao mesmo tempo afastava as pernas…

− Uma cena de sedução, altamente erótica, ó Teodoro! − comentei eu. – Uma sessão de strip-tease privativa para o padreco!

− Então ela diz-me candidamente: Bonjour tristesse ! (#)

Ele percebeu, com o seu já razoável francês do terceiro ano, que ela era francesa… Ficou tão envergonhado que não conseguia dizer-lhe mais nada do que um tosco, desajeitado “Excusez-moi, madame!” (queria dizer “mademoiselle”).

Ela notou que ele ficara tão perturbado que desatou a rir a bandeiras despregadas… E logo a seguir, tranquilizou-o num português do Brasil com “accent parisien”:

Joli garçon!... Não seja bobo, menino!... Meu nome é Carol. E o seu ?

Mais calmo, o Teodoro e ela foram a conversar como se já fossem “velhos amigos”, misturando palavras em francês e português… 

Ela era estudante, vinha para um curso de verão, já falava razoavelmente o português, tinha família no rio Grande do Sul, e queria ser tradutora-intérprete… Ele foi incapaz de dizer-lhe que andava a estudar para padre… Era mais velha do que ele talvez quatro ou cinco anos.

Saíram ambos em Coimbra B. E ela deu-lhe um beijo rechonchudo de despedida…Não usava batom, mas os seus lábios eram lava de vulcão!...

Que sortudo!... No comboio até à Lousã, não parou de saborear o prazer e a glória daquele efémero momento que ele bem gostaria de ter podido eternizar. Deu dois estalos na cara para se certificar de que não estava a delirar…

Mas à medida que se aproximava da serra da sua infância, era invadido pelas imagens do terror bíblico, a expulsão de Adão e Eva do Paraíso, a ex-comunhão, os diabos pretos a chicotearem-no, as labaredas do inferno a reduzirem-no a cinzas…

Vade retro, Satanás! – gritou a plenos pulmóes, já cá fora, enquanto se metia a caminho, perfazendo os últimos quilómetros até casa, com a mala às costas, a suar como um touro.

Mal chegou, pediu intempestivamente ao pai para no dia seguinte ir roçar mato para castigar o corpo e “manter a mente sã”.

− Nunca falei disto a ninguém, a nenhum dos meus condiscípulos ou sequer amigos… Muito menos ao meu confessor e ao meu diretor espiritual que, felizmente, no ano seguinte,  já não eram os mesmos…

Mas nessas férias, "o raio do diabo, sob a forma da fogosa francesa, assombrou-o diversas vezes de noite"... Muitos terços lhe custou a penitència!

Continuou, entretanto,  a aprender a cultivar a doce mentira e o amargo cinismo da "santa casa".  Ao novo confessor, em Almada, só relatava os pecados veniais, os pecadilhos. Chegou ao fim do curso de teologia, ao 12º ano, aos 23 anos, subdiácono, com uma folha limpa. Só chumbara um ano, no 3º, por doença…

− Chegava ao fim (ou quase ao fim…) mas sem curriculum para poder aspirar um dia a ser cónego ou até bispo, como era desejo dos meus amigos e protetores, o padre e o professor da minha aldeia.

Foi um aluno médio em filosofia e em teologia.

− Havia gajos mais brilhantes do que eu.  que seguiram depois as suas vidas. Entraram no seminário e saíram quando melhor entenderam. Não desistiram nem foram expulsos, a meio do caminho. Entraram na universidade. Foram juízes, advogados, professores, um ou outro engenheiro ou médico. Nenhum quis ser padre, eu devo ter sido uma segunda ou terceira escolha de Deus. Refugo,  é o termo. Refugo de Deus.   Com direito a sotaina. negra como os corvos, e cabeção, como a coleira dos escravos.

O Teodoro não se sentia bem na sua nova pele.

O pai desgraçadamente morrera cedo de acidente de trabalho, na queda de uma ravina. Já não teve a alegria de o ver cortar a meta (cortar a meta não era bem o termo tinha chegado à praia depois de um longo naufrágio; não queria morrer na praia, para mais, não sendo marinheiro nem sabendo nadar, afinal, não passava de um serrano mal preparado para enfrentar por sua conta e risco o mundo e os seus perigos).

Tinha vivido numa redoma de vidro.

Pior do que isso, crescera no universo concentracionário do seminário, mesmo que, com o tempo e a influência do Vaticano II, a instituição se tenha aberto mais à sociedade civil.

Discutiu muito com o seu diretor espiritual sobre o rumo a tomar ao fim de 13 anos. As raízes da sua vocação sacerdotal vacilavam como o ainda frágil castanheiro que o seu pai plantara no logradouro da casa de xisto, quando ele entrara no seminário?

Como sempre, o diretor espiritual não lhe pediu opinião. Sentenciou, lacónica e algo ameaçadoramente.

−Farás um compasso de espera de dois anos até que Deus te ilumine o caminho.

− E se Deus, que tem tanto que fazer, se esquecer de mim, um ser insignificante ?!

− Os caminhos, o relógio e o calendário de Deus não são os nossos. Vai à luta, enfrenta e vence as tentações do mundo… Deus mandar-te-á chamar quando sentir que estás pronto… Está atento aos seus sinais.

Aos 23 anos, o Teodoro sentia-se "um soldado de Deus,  desarmado e desorientado". 

Na Serra não precisava de bússola sabendo onde o sol nascia e onde se punha... Sabia onde ficava o castelo de Arouce, onde ia “brincar às guerras dos cristãos e dos mouros”, enfim, conhecia todos os trilhos, como as palmas da sua mão, as árvores que tinham ninhos, os melhores castanheiros, as melhores fontes de água pura e cristalina… Mas o mundo era mais vasto do que a sua Serra. E sobretudo mais confuso e traiçoeiro.

Sair do seminário não lhe convinha. 

Em 1967, aos 23 anos, tinha pela frente uma pista cheia de obstáculos: a tropa, a guerra colonial, a incerteza do futuro. Sabia que dentro das quatro paredes, mesmo claustrofóbicas, do seminário, estava "são e salvo". E que se perdesse esse vínculo, quase feudal, mas umbilical, os padres mandavam-no  logo para a tropa. Como acontecera com todos os seus antigos condiscípulos (alguns tinha-se safado para França).

Com a tropa e com a guerra,  hipotecava o seu futuro durante pelo menos três ou quatro anos. 

E ele tinha ânsia de viver, como o pássaro da sua gaiola de menino e moço que tinhas ganas de voar e fugir daquela prisão para sempre. Mas o Cerejeira e o Salazar tinha-lhe feito a cama.

− Se não queres ser padre, meu sacana, tu que andaste a chular a Igreja, vais então combater pela pátria − pensava o Teodoro com os botões da sua sotaina.

Tomou então a decisão mais prudente: até 69, tinha carta branca do Seminário Maior. E ninguém lhe pedia contas.

− Eram já as ondas de choque do terramoto do Vaticano II. Ainda não era o ciclone do século, era pelo menos uma tempestade de verão. O Vaticano II estava a provocar estragos naquela casa. As deserções eram muita, aumentando de ano para ano. Ficavam "os santos, os beatos e os malandros" (os que só pensavam na melhoria das habilitações literárias…).

O único problema é que não tinha um chavo no bolso, precisava de comer. beber, dormir, viajar… Pedir aos seus irmãos, nem pensar, preferia rebentar de fome…

Ofereceu os seus préstimos a alguns párocos e paróquias das dioceses de Lisboa e Setúbal. 

 Tinha uma carta de recomendação, mas poucos sabiam o que fazer com um subdiácono (uma ordem maior, tal como diácono, padre ou bispo, mas que o papa Paulo VI acabou por abolir passados uns anos, em 1972). Tinha que ler o breviário, não podia casar, etc. Mas o que é que fazia um subdiácono, na prática ? Não muito mais do que um acólito… Podia  coadjuvar o diácono, ajudar à missa, ler a epístola, dar catequese, fazer formação cristã e pouco mais… Eram, além sido,  atividades não-remuneradas. Não podia administrar os sacramentos. Com uma “cunha”, talvez pudesse dar aulas nalgum colégio particular ou até explicações…

Numa das paróquias encarregou-se da folha dominical, tirada a “stencil”. Noutra, passou a coordenar a JOC, a Juventude Operária Católica. Era uma terra de fábricas e bairros de lata e aqui começou a sua perdição: enamorou-se da Josefina, uma militante jocista, para mais legalmente menor, ainda não tinha atingido a maioridade (naquele tempo, aos 21 anos). 

O Teodoro não estava, política, moral e intelectualmente preparado para lidar com os problemas dos jovens operários católicos. A sua realidade, a dura realidade fabril,  era-lhe estranha: os salários de miséria, as condições de trabalho, os horários, as prepotências das chefias diretas, o trabalho de sapa dos sindicatos ainda clandestinos, a subversão comunista, a injustiça social, a angústia juvenil, as pulsões do sexo, o despertar das mulheres, a revolução, a guerra (o Vietnam estava ao rubro, mas também a Guiné, aqui ainda mais perto…)

Havia um mundo a desmoronar-se lentamente, o mundo que ele conhecia. 

Fora educado na cartilha da santíssima trilogia, Deus, Pátria e Família. E também não estava preparado para receber a notícia, confusa, do acidente que vitimara Salazar e que vinha criar um grande ansiedade entre os portugueses, a respeito do futuro do regime e do país, para mais em plena guerra do ultramar.

Da doutrina social da Igreja, só conhecia, estranhamente, a “Rerum Novarum” de Leão XIII, em vigor, setenta anos depois. Os novos ventos do Vaticano II começavam a chegar a Portugal, ainda sob a forma de uma brisa, pouco ameaçadora para um clero conservador e sobretudo amordaçado.

Começava-se a ouvir falar de “padres operários”, semi-clandestinos, tal como de “católicos progressistas”, à revelia da hierarquia da Igreja e da polícia política.

Josefina, uma rapariga destemida, para não dizer ainda imatura, temerária, apaixonada, generosa e solidária “até demais”, espicaçava-o com a experiência de “padre operário” qne ele tinha que fazer, mesmo sem autorização dos seus superiores hierárquicos. Foi ela que o empurrou para a fábrica.

O subdiácono Teodoro ("tímido e tanso", repetia ele...)  lá se encheu de coragem e arranjou então maneira de ir trabalhar numa das fábricas da CUF, de adubos, no Barreiro, no setor de cargas e descargas.

Havia já falta de braços, com a guerra e a emigração. O posto de trabalho não exigia grandes qualificações. Era um trabalho sazonal (e braçal) que rapidamente seria  abolido com a automatização dos postos, passados uns tempos. Deu apenas como habilitações a 4ª classe, e fez questão de esconder a sua condição de subdiácono, para não levantar quaisquer suspeitas. Mostrou as mãos, que não tinham calos, o que intrigou o técnico de gestão de pessoal que lhe fez a entrevista de recrutamento,. Puseram-no a ler um excerto de um exemplar do “Avante” clandestino (!)… Percebeu a marosca, leu devagar, com erros, sem emoção, como se fosse um pobre diabo com a 4ª classe mal tirada… Agarrou-ser ao emprego, com unhas e dentes, era o seu ganha-páo. Mas saía derreado da fábrica.

Há uns meses que já morava com a Josefina numa casa atamancada, sem água nem esgostos (a não ser uma retrete).

Primeiro viviam como “irmãos em Cristo”, e depois já “em pecado”. No bairro, e por causa dos mexericos da vizinhança, não se deu a conhecer como “padre operário”. Tinha que andar de balde na mão, acarretando a água do fontanário público. Estranhavam, mas não diziam nada, a presença ali daquele "senhor bem parecido"...

Grávida (não usava nem sabia o que era a pílula), a Josefina, em pànico, arranjou maneira de ir ter com uma irmã em França. Recusou.se a fazer um desmancho.. O Teodoro foi encostado à parede: “Era a mulher da sua vida (a primeira de resto com quem tinha dormido) e a mãe do seu filho”-

− Não a podia abandonar!... 

E aí definitivamente morreu nesse dia o padre que ele ainda não era de corpo inteiro.

Tirou o passaporte, arranjou maneira de ir a um congresso da JOC Internacional, em Billancourt, a “cidade vermelha”, meteu-se no comboio para Paris. Morria de medo de a PIDE o poder intercetar em Vilar Formoso, por alguma denúncia ou algum passo mal dado. 

Ia “fardado de padreco” e, como era ruivo, não parecia que era portuguès. Até à fronteira não abriu o bico. 

Respirou fundo, de alívio, quando lhe puseram o carimbo no passaporte.

No seu compartimento ia um grupo de emigrantes portugueses que, passada a fronteira, abriram o farnel e o garrafão. Disse então as primeiras palavras de português, quando o convidaram a partilhar do farnel… Que era, de facto, padre e que ia a um encontro religioso em Paris. Foi recebido com palminhas nas costas. Comeu, bebeu, dormiu, ressonou. Achou mesmo que se “enfrascou”, não estava habituado àquele “carrascão” trepador…

Josefina (aliás, Joséphine), ansiosa, estava à sua espera. Já de barriga grande. 

Trazia um grupinho de jocistas portugueses e franceses, seus amigos.  Não fora o diabo tecê-las, cantaram apenas as primeiras estrofes da Marselhesas, nada de baladas do Adriano de Oliveira ou do Zeca Afonso… Era a senha (combinada por telefone) para reconhecer a "comissão de boas vindas":

Allons, enfants de la Patrie! / Le jour de gloire est arrivé, / Contre nous de la tyrannie / L'étendard sanglant est levé!...  

E a contra-senha, dita por ele próprio, em francês:

Monsier l’abbé, soyez le bien-venue chez nous! (####)

Na imaginação fértil da Josefina havia bufos da PIDE por todo o lado, em Paris…

Epílogo:

O Théo (como começou a ser conhecido entre os novos amigos da Josefina, aliás Joséphine) ficará por França o resto da sua vida.

A sua situação legal e canónica só ficou resolvida após o 25 de Abril de 1974. O Seminário Maior deu conta da sua falta quando o subdiaconato foi extinto pelo Vaticano, em 1972. Soube-se então que ele tinha “fugido” para França e andava “amancebado".

Mais grave ainda, fora dado como refractário pela tropa.

O Exército andava à sua procura. A GNR foi bater à porta da casa paterna. Em vão. Também não sabiam dele os irmãos e vizinhos, que a mãe, essa, estava já acamada, com uma doença incurável… Foi expulso do seminário e o ministério do interior cassou-lhe o passaporte..

A mãe morreria em finais de 1973, de cancro.

Ele não pôde vir ao seu funeral. Sentiu uma enorme revolta pela "madrasta da pátria", a terra  que o vira nascer.  Incompatibilizou-se, entretanto, com os irmãos por “questões de lana caprina”, a fraca herança dos pais (uma casa de xisto, uns barracos, umas leiras e um pinhal). Só voltaria à sua terra em 2008, já “retiré”, reformado,  aos 64 anos.

− Filho desnaturado, eu me confesso!...

Veio mostrar  a um dos filhos e a alguns dos netos a serra, a sua terra, o cantinho onde nascera....

Infelizmente já não a reconheceu, à sua aldeia. 

Acabara por ficar com a casa paterna, dando tornas aos irmãos, espalhados pelo mundo. Quis-se reconciliar com o passado. Com as economias de uma vida e algumas ajudas (nacionais e comunitárias), estava a pensar restaurar a casa, de acordo com um plano da câmara municipal. Mas o filho e os netos não acharam grande graça às casas de xisto. Aquilo parecia o Portugal dos Pequenitos que tinham visitado em Coimbra. A Disneilàndia em Paris, isso, sim, era um mundo... Além do mais, os putos não apanhavam a internet na serra... Todos foram unânimes em preferir um apartamento na Figueira da Foz, para grande desgosto do pai e avò Théo.

A sua aldeia estava agora “gentrificada".

E só ganhava alguma vida no verão, quando a gente de fora, que não lhe dizia nada (de Coimbra, Figueira, Aveiro, além de estrangeiros) vinha abrir as portas e as janelas das casas...

Gentrifiée, c’est çá ?!... Gen-tri-fi-ca-da… É o mesmo fenómeno que se verifica, no campo e na montanha,  em França, há muito mais anos…

Tinha-se separado da Joséphine, “a mulher da sua vida".

Vivia agora só. E já longe de Paris, que se tornara demasiado cara e complicada para ele, “que ia para velho”… O seu planeado regresso a Portugal seria adiado. Foi ao alto da serra dar uma vista de olhos: foi  uma dor de alma vê-la tão desfigurada pelos incèndios das últimas décadas. 

A sua vida em França não tivera nada de exaltante. 

Os franceses, no final dos anos 60, precisavam eram de trolhas para a construção civil e “des ouvriers spécialisés” (OS) para as linhas de montagem automóvel… Quando ele lá chegou ainda sonhava com um emprego limpinho, de fato e gravata, mesmo mal pago a mil francos… E os “padres operários” também morreriam cedo, com o fim das utopias do maio de 68 (que ele já não apanhou, nem sequer os restos das pedras da calçada). 

Continuou católico mas pouco. 

Foi fazendo filhos (quatro), com uma vidinha regulada pela tríade “metro-boulot-dodo” (casa-trabalho-casa). Âs vezes dava-lhe para procurar, entre a multidão, o rosto da Carol, a atrevida francesa que fez, com ele, "a viagem de comboio da sua vida", entre o Entroncamento e Coimbra. 

Só mais tarde, passados uns bons anos, é que descobriu, numa livraria parisiense, a romancista Françoise Sagan, a autora do “Bonjour tristesse!”… Muito provavelmente era o livro que a Carol tinha pousado no assento do comboio e que estaria  a ler durante a viagem…

Nunca me falou dos empregos que teve. 

Deixou Paris, por volta dos 40 anos de idade, veio mais para o “Midi”, o sul… E numa pequena cidade de província, com uma razoável comunidade de patrícios, montou um negócio por sua conta: uma loja de queijos e vinhos portugueses, "uma provocação para o chauvinismo dos franceses (que fazem gala de ter os melhores queijos e vinhos do mundo")… 

A princípio dava para as sopas, mas a pouco e pouco a qualidade do queijo da Serra e de alguns dos nossos vinhos DOC começou-se a impor-se… Ao fim de uns anos, não estava milionário mas vivia bem. Conseguiu pôr os filhos a estudar na universidade. Os netos nunca aprenderam a falar o português, não se reconheciam, por isso, na terra do avô e da avó (esta, da Estremadura).

Quando, no verão de 2008, se despediu da sua antiga aldeia (agora uma das famosas "aldeias de Xisto" da Serra da Lousã), numa tarde com um magnífico pòr do sol, mas com o pesado pressentimento de que nunca mais lá voltaria, lembrou-se de novo da frase da Carol / Sagan e, prafraseando-a, teve um ataque de choro, c0mpulsivo, exclamando, de braços abertos:

− Bonsoir... tristesse!!! (##)


© Luís Graça (2023)

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Notas do autor;

(#) Bom dia, tristeza 

(##) Boa tarde, tristeza! 

(###) Avante, filhos da Pátria, / Chegou o dia da glória, / Contra nós se ergueu / O estandarte ensanguentado da tirania. 

(####) Senhor padre, seja bem vindo à nossa casa.

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24572: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (7): Sozinho, como um cão

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24543: Efemérides (405): No dia 8 de Agosto de 1970, zarpou de Lisboa o N/M Carvalho Araújo, levando a bordo a açoriana CCAÇ 2753, aportando em Bissau no dia 17 do mesmo mês (José Carvalho, ex-Alf Mil Inf)

José Carvalho, a bordo do N/M Carvalho Araújo, ao avistar a Ilha de S. Vicente


1. Mensagem do nosso camarada José Carvalho, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2753 (Brá, Bironque, Madina Fula, Saliquinhedim e Mansabá, 1970/72), com data de hoje:


8 de Agosto de 1970

Decorrido mais de meio século, recordo a data de 8 de Agosto, pois foi nesse dia que a CCAÇ 2753, embarcou no N/M Carvalho Araújo, com destino a Bissau - Guiné.

A CCAÇ 2753, maioritariamente constituída por bravos militares açorianos e enquadrada por continentais, com excepção de três sargentos do quadro permanente, era uma companhia independente e muito miliciana.

A Companhia formada no BII 17, em Angra do Heroísmo, deixou aquela cidade em meados de Maio, com destino ao continente, sendo colocada no RI 1, Amadora. O IAO foi realizado na zona de D. Maria – Caneças.

Fez a CCAÇ 2753 parte das forças em parada nas cerimónias do Dia de Portugal, 10 de Junho, no Terreiro do Passo - Lisboa, dia em que as alterações climáticas já se faziam sentir.

Concluído o treino operacional, a Companhia no início de Julho, foi transferida para umas instalações militares desactivadas, situadas na margem sul, no Pragal, a curta distância do Cristo Rei, que eram utilizadas para alojar efectivos, enquanto aguardavam embarque para as ditas Províncias Ultramarinas.

Assim durante cerca de um mês, a independente CCAÇ viveu em independência absoluta, havendo no local rotativamente somente a presença de um sargento e de um oficial, que enquadravam os militares açorianos, que na esmagadora maioria não tinham familiares continentais, para onde se pudessem desenfiar!

Havia necessidade de alimentar a rapaziada e também manter actividades físicas, que não somente as praticadas nas praias da Caparica.

Não foi fácil manter alguma disciplina e controlo dos rapazes açorianos, vendo que os continentais gozavam fins-de-semana prolongados em casa dos seus familiares, desfrutando mais uns dias de férias. 

Assim era raro o dia em que a PM não ia ao Pragal, quase sempre durante a noite, entregar uns tantos que vagueavam por Lisboa e mesmo dada a novidade que para eles eram os comboios, encontravam-se perdidos algures, até na Figueira da Foz… 

 Durante este período registou-se o óbito do Prof. Oliveira Salazar [em 27 de julho de 1970] e a CCAÇ na madrugada do dia seguinte, foi mobilizada para formar três pelotões para as cerimónias fúnebres. Seriam recolhidos por viaturas do RI 1 no final dessa manhã. Gerou-se o pânico nos presentes, pois só estavam nas instalações um aspirante, um furriel e soldados quase só os açorianos.

Depois de alguns contactos telefónicos, a maioria mal sucedidos, com alguns dos ausentes a mais de 200 Km. No meu caso, o telefonema foi recebido em casa dos meus Pais, estando no Baleal a mais de 100 km e aonde na altura só havia um ou dois telefones públicos. Depois de várias diligências, fui “capturado” por um primo que me transportou ao Pragal, aonde cheguei por volta do meio-dia.

Deparo com várias viaturas já com os militares sentados nas mesmas e para meu espanto e sossego já havia aspirantes e furriéis promovidos naquela manhã… Uma meia dúzia ou mais de soldados, tinham tirado das instalações dos oficiais e furriéis os galões e divisas! Era este o grande espírito de corpo desta companhia!

Depois de tudo preparado para seguirmos a caminho dos Jerónimos, eis que surge nova ordem, a libertar a companhia daquela missão!

Chegou por fim a alvorada do dia 8 de Agosto, desta vez fomos transportados para embarque no navio, que havia chegado dias antes, carregado de gado bovino, precisamente dos Açores.

Depois das cerimónias oficiais habituais, lá partiu no final da manha N/M Carvalho Araújo, creio que na sua ultima viagem, rumo a Bissau, com uma escala na Ilha de S. Vicente, aonde desembarcariam umas dezenas de afortunados militares.

José Carvalho, segundo a partir da direita, na Ilha de S. Vicente, Cabo Verde, acompanhado por 3 outros alferes milicianos, companheiros de viagem a caminho da Guiné.


Antes do navio transpor o Bugio, já os nossos soldados protestavam pelas condições que lhe eram proporcionadas, nomeadamente o odor a gado vacum, que se respirava no convés e não só. Somente nos apercebemos que algo não estava bem quando visualizámos alguns colchões a voar para o mar… Serenados os ânimos,  conseguimos acalmar a “rebelião”, mas durante a viagem muitos soldados dormiram sempre no tombadilho.


A 17 de Agosto atracámos em Bissau.

Fotos (e legendas): © José Carvalho  (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24530: Efemérides (404): Foi há 60 anos que o padre missionário italiano Antonio Grillo (1925-2014), do PIME, foi preso (em 23/2/1963), "sob a acusação de atividades subversivas", e depois expulso de Portugal (libertado, em 4/6/1963, em homenagem ao novo sumo pontífice, o Papa Paulo VI)

Guiné 61/74 - P24542: Historiografia da presença portuguesa em África (380): O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Jamais outro Presidente da República passará tanto tempo na Guiné como Craveiro Lopes, chegado a 2 de maio de 1955, parte na fragata Bartolomeu Dias com destino a Cabo Verde a 14 de maio. Bem vistas as coisas, vai visitar a obra de Sarmento Rodrigues, agora ministro do Ultramar, anda sempre a seu lado, e sempre ovacionado por régulos e população. Tirando o dia de repouso na praia de Varela, o Presidente da República não se escusou a dias com farta agenda, não eram só sessões de cumprimentos e desfiles, visitou obra feita e ainda por fazer, caso da ponte sob o Corubal. O programa foi bem talhado, não restam dúvidas, porventura Craveiro Lopes não se apercebeu que a grandeza dos empreendimentos que visitou do modo geral eram de fresca data, por ali andou um tufão de construções mal tinha acabado a Segunda Guerra Mundial e não havia discurso em que Sarmento Rodrigues não dissesse claramente que se impunha a reabilitar a condição humana daquela gente africana, empenhou-se em fazer escolas e instalações de saúde, remodelou os serviços relacionados com as doenças tropicais, esteve sempre bem acolitado por gente entusiasta como Manuel Pereira Crespo ou Avelino Teixeira da Mota. Não pôde reverter o irremediável, caso da decadência de Bolama, Bissau tornara-se macrocéfala, os negócios, quase todos, abandonaram a antiga capital, Bolama ficou reduzida a um mero entreposto, a uma cidade espectral onde avultavam alguns monumentos e uma bela tipografia. Curiosamente, por esse tempo da visita de Craveiro Lopes começa a vicejar, ainda que ténue, o sentimento nacionalista.

Um abraço do
Mário



O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (6)

Mário Beja Santos

Salazar não viajava, mas pôs os seus presidentes da República a visitar parcelas do império. Eleito em 1951, o general, a sua mulher, o ministro do Ultramar e a sua mulher, partem do aeroporto da Portela em 2 de maio de 1955, pelas 7h30 e aterram em Bissalanca pelas 15 horas locais. É governador da Guiné Diogo de Melo e Alvim. Fizeram-se obras em Bissalanca para haver uma pista capaz de receber uma aeronave daquele tamanho. Craveiro Lopes visitou demoradamente Bissau, percorreu a desditosa Bolama, atravessa o canal e de São João parte para Fulacunda, visitou Cufar e Catió, onde pernoitou. Segue para Bafatá, visita o Gabu, numa outra etapa vai até Farim, percorre o rio Cacheu a bordo do Mandovi, descansa na praia de Varela. Visita um vastíssimo número de empreendimentos, desde instalações de saúde, missionários, discursa, condecora e premeia, não faltarão desfiles étnicos, espetáculos musicais, dançarinos.

Entrámos na derradeira etapa, obrigatório visitar Cacheu, o jornalista Rodrigues Matias introduz uma nota histórica:
“Chipala, rei das terras dos Burames (será Brames?), tinha uma das suas mais florescentes povoações na margem do rio de S. Domingos, a 25 quilómetros da foz. E na povoação se fundara e prosperara, a primeira feitoria portuguesa da Guiné, de que será feitor Manuel Lopes Cardoso. Os Papéis de Cancanda admitiam em fraternal convívio os moradores portugueses da feitoria dentro da povoação Burame. E Lopes Cardoso insinuou a Chipala que bem andaria o rei se lhe permitisse a construção de um forte no lugar da feitoria, para defesa do porto e moradores. Chipala aquiesceu ao pedido e a fortaleza surgiu construída e artilhada à custa dos residentes portugueses, no ano de 1588. Houve tentativas de assalto, rechaçadas. Vieram a este porto navios embarcar mancarra, óleo de palma e coconote. Surgiu a Companhia de Cacheu e, mais tarde, a Companhia de Cacheu e Cabo Verde. Depois, Farim concentrou o comércio da mancarra, do óleo de palma e das madeiras.”

Craveiro Lopes visita o velho forte pela manhã de 12 de maio, tinha sido restaurado em 1946. À saída do recinto, apresentam cumprimentos as Nharas ou Donas Cristoas, resquício da missionação católica dos velhos tempos da ocupação. Manda uma secular tradição que o Homem Grande de Lisboa seja transportado aos ombros das Donas, e Craveiro Lopes, manifestamente contrafeito, sentou-se numa cadeira enfeitada de panos, apoiada sobre duas longas varas. E as Nharas transportaram o Chefe-de-Estado, ele insistiu numa curta distância. Seguiu-se a visita ao monumento a Honório Pereira Barreto.

Regressa a Teixeira Pinto, sobe a uma tribuna sob uma chuva de pétalas de flores, recebe cumprimentos, houve desfile de grupos representativos dos povos da região, erguiam enormes listéis com os nomes de Costa de Baixo, Jata, Pecixe, Calequisse, entre outros; raparigas Manjacas de Pecixe, mulheres levando à cabeça esteiras, cestos, cabazes e mais artefactos de tecelagem manual de palha, mulheres pescadoras, caçadores, desfilaram garbosamente. Craveiro Lopes, no final, entregou prendas, desde medalhas a fotografias e bandeiras nacionais.

O jornalista Rodrigues Matias regressa à descrição de carater etnográfico e etnológico, desta vez foca-se nos manjacos e transcreve apontamentos do livro de António Carreira, Vida Social dos Manjacos. Após um magnífico almoço volante, a caravana ruma para Bissau, passando por Bula, Bissorã e Mansoa. Craveiro Lopes visita a Missão de Santo António de Bula, um internato com oficinas de mecânica, serralharia, carpintaria e alfaiataria. A viagem prossegue por Binar, Biambi, Encheia, houve paragem em Bissorã. O Presidente da República visita a Estação Zootécnica, recebe um presente, um magnífico exemplar de gato almiscarado, espécie rara que depois será enviada para o Jardim Zoológico de Lisboa. Rodrigues Matias dá-nos mais apontamentos, desta vez sobre a etnia Balanta, elaborados pelo administrador Alberto Gomes Pimentel.

A caravana chega a Mansoa, nova chuva de flores, apresenta-lhe cumprimentos o administrador, James Pinto Bull. Craveiro Lopes entrega medalhas, cinturões com talabarte, fotografias e bandeiras. Desfilam os povos da região: Donas, Porto Gole, Binar e Bissorã. É também presenteado com danças e o jornalista não resiste a descrever: “Um bailarino principiou a bailar. Paramentado como para as festas da circuncisão, viam-se-lhe apenas os pés. Envolvendo-lhe a cabeça até aos ombros, em que se apoiava um cesto alto, sustentando um monumental par de chifres. Ao fundo das costas, uma canasta pendurada, grandes abanicos nos ombros. Molhos de sisal a cobrirem-lhe os braços e as pernas.”

Ainda há uma curta paragem em Safim, segue-se uma entrada triunfal em Bissau, cortejos automóveis, carrinhas e camiões. Craveiro Lopes regressa ao Palácio do Governo e agradece a todos tão deslumbrante receção. Assim se chegou a 13 de maio, o Presidente da República visita no Biombo as enormes várzeas de arroz. O resto do dia estava destinado à receção de entidades que tinham assuntos a expor. Por seu lado, o ministro Sarmento Rodrigues recebeu um grupo de 22 diplomados pela Escola Superior Colonial (depois Instituto Superior de Estudos Ultramarinos). Craveiro Lopes ofereceu no Palácio do Governo um banquete seguido de receção e baile. Há brindes e o Presidente da República discursa, trata a Guiné como filha mais velha da expansão ultramarina, enumera e congratula-se com os progressos que observou.

Melo e Alvim agradece por seu turno e faz uma longa referência ao que se fez e ao que se pretende fazer. Destaca-se aqui um ponto: “Estudos recentemente levados a efeito parecem demonstrar a possibilidade da cultura do algodão. O cajueiro, a palmeira de Samatra, as fibras têxteis, a cana sacarina, as citrinas e bananas, podem constituir novos fatores de riqueza.” Há baile, assim acabou o último dia de digressão.

A 14 de maio, Craveiro Lopes e comitiva têm a partida assegurada para Cabo Verde. A Companhia de Caçadores Indígenas constitui a guarda de honra, junta-se uma multidão pela Avenida da República até o Pidjiquiti, sobem para a fragata Bartolomeu Dias, o Lima vai seguir na sua esteira. Também é hora do jornalista se despedir, ele confessa que vem altamente impressionado com a obra que o governador Sarmento Rodrigues deixou na Guiné.

Os dois volumes respeitantes à viagem de Craveiro Lopes à Guiné e Cabo Verde, Agência Geral do Ultramar, 1956
Craveiro Lopes e Salazar: no princípio do mandato presidencial mantiveram uma boa relação
Fortaleza de Cacheu
Canchungo
Os CTT de Mansoa
Fragata Bartolomeu Dias
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24529: Historiografia da presença portuguesa em África (379): O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (5) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24525: Documentos (42): "Acordo Missionário", de 7 de maio de 1940, celebrado entre a Santa Sé e a República Portuguesa

"Assinatura da Concordata e do Acordo Missionário no Vaticano, 7 de Maio de 1940. À direita o Cardeal Luigi Maglione, representante da Santa Sé e à esquerda o General Eduardo Marques, antigo Ministro das Colónias portuguesas. [AHD- Colecção de Álbuns Fotográficos]" (Fonte: Cortesia de Instituto Diplomátio / Ministério dos Negócios Estranheiros)


1. Faz agora 83 anos que a Santa Sé (Estado do Vaticano) e o República Portuguesa assinaram a Concordata, a par do Acordo Missionário. Foi no dia 7 de maio de 1940. 

O histórico evento passou-se no papado do Pio XII e no governo de António de Oliveira Salazar. Os dois documentos foram depois ratificados,  a 30 de maio desse ano, pela Assembleia Nacional (que não tinha qualquer legitimidade democrática, dado o Estado Novo ser um regime de partido único),

Foi a 5.ª Concordata da História de Portugal. Com ela procurou-se "normalizar" as relações entre o Estado e a Igreja Católica.  Ficou consagrada a liberdade religiosa e a separação entre o poder laico e o religioso. À Igreja foi restituída parte do património que perdera em momentos históricos anteriores (nomeadamenet durante o liberalismo e a República), bem como uma série de prerrogativas (como a liberdade de organização, certas isenções fiscais, etc.). 

Recorde-se que durante a República foi promulgada, em 1911, a Lei da Separação do Estado das Igrejas de 1911, o que deu origem  a um  corte de relações diplomáticas que vigorou até 1918.

Lê-se na Infopédia (Concordata):

(...) "O chamado Acordo Missionário, assinado na mesma altura, criou condições para a colaboração entre a Igreja Católica e o regime salazarista, quer no território europeu, quer, e sobretudo, nas colónias ultramarinas.

"A Igreja fora lesada no seu património e liberdades pelo liberalismo do século XIX e de novo a seguir à implantação da República. Com a Concordata, porém, adquiriu ou recuperou uma série de prerrogativas: foi consagrado o direito de ela se organizar como melhor lhe conviesse, de comunicar com os fiéis sem prévia autorização do Estado e de lhes cobrar coletas, de ministrar instrução religiosa nas suas próprias instituições de ensino e noutras instituições privadas.

"Por outro lado, ficou previsto o ministério da religião e moral católicas nas escolas públicas e o serviço dos sacerdotes como capelões nas Forças Armadas. Aos casamentos católicos foi reconhecida validade civil.

Ainda nos termos dos acordos de 1940, a Igreja recebeu parte do património que lhe fora expropriado, prescindindo explicitamente da parte restante, enquantoa" o Estado se comprometeu, em contrapartida, a subsidiar a ação missionária nas colónias (em que Salazar estava especialmente interessado, como instrumento de consolidação do império) e a conceder-lhe regalias ímpares no capítulo das isenções fiscais.

"À Concordata e ao Acordo Missionário estavam subjacentes dois princípios distintamente modernos. Por um lado, estabelecia-se a separação do poder laico e da Igreja: ficou consagrado o princípio da não intromissão de uma esfera na outra, sem prejuízo de poder haver cooperação com objetivos específicos. Por outro lado, foi consagrado o princípio da liberdade religiosa. Estes dois princípios constituem, ainda hoje, a base do relacionamento do Estado português com as confissões e instituições religiosas." (..:)

Lê-se na Wikipédia (Concordata entre a Santa Sé e Portugal de 1940):

(...) "Apesar de ser um documento negociado pessoalmente por Salazar e conotado com o Estado Novo vigorou até 2004 tendo sobrevivido 34 anos em regime autoritário e 30 anos em regime democrático. O texto sobreviveu intacto, tendo apenas sofrido apenas uma alteração em 1975 de molde a acabar com a renúncia legal ao divórcio para os casamentos católicos posteriores à Concordata, o que na prática resultava na indissolubilidade dos casamentos canónicos.

"Curiosamente este era um ponto onde Salazar tinha aceitado a contragosto a posição da Santa Sé, tendo na altura deixado claro que essa não era no seu juízo a melhor solução. A fórmula alternativa que veio a ser consagrada na revisão deste artigo 1975 foi justamente a fórmula que Salazar e os seus conselheiros tinham sugerido à Santa Sé em 1937.

"Salazar pretendeu sempre evitar tudo o que pudesse ser interpretado como uma violação do regime de separação entre Estado e Igreja e conseguiu, através de negociações firmes e de um hábil jogo diplomático, fazer valer as posições do Estado português face às pretensões da Santa Sé" (..:).

2. Para saber mais: 

Manuel Braga da Cruz · As negociações da Concordata e do Acordo Missionário de 1940. Análise Social, vol. XXXII (143-144), 1997 (4.º-5.º), 815-845, Disponível em http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1218793712C5wMG9pn8Pj18SG5.pdf


 3. Texto do Acordo Missionário (realces a amarelo: editor LG). (Sob o descritor "Missionários" temos mais de meia centena de referências no nosso blogue; na Guiné, e nomeadamente durante guerra colonial, as relações entre as autoriddaes locais, civis e militares, e as missões católicas estrangeiras, nomeadamente os missionários italianos do PIME - Pontífico Instituto Para as Missões Exteriores, não foram fáceis nem pacíficas, como documenta o nosso blogue).

INTER SANCTAM SEDEM ET REMPUBLICAM LUSITANAM 

SOLLEMNES CONVENTIONES (#)

ACORDO MISSIONÁRIO ENTRE 

A SANTA SÉ  E A REPÚBLICA PORTUGUESA 


Considerando :

Que na data de hoje foi assinada a Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa;

Que na dita Concordata nos artigos XXVI-XXVIII estão enunciadas as normas fundamentais relativas à actividade missionária;

Que durante as negociações para a conclusão da mesma Concordata o Governo Português propôs que as ditas normas fôssem ulteriormente desenvolvidas numa Convenção particular;

A Santa Sé e o Governo Português resolveram estipular um acordo destinado a regular mais completamente as relações entre a Igreja e o Estado no que diz respeito à vida religiosa no Ultramar Português, permanecendo firme tudo quanto tem sido precedentemente convencionado a respeito do Padroado do Oriente.

Para este fim nomearam Plenipotenciários respectivamente

Sua Eminência Reverendíssima o Senhor Cardeal LUIGI MAGLIONE, Secretário de Estado de Sua Santidade;

 e Sua Excelência o Sr. General EDUARDO AUGUSTO MARQUES, antigo Ministro das Colónias, Presidente da Câmara Corporativa, Grã- Cruz das Ordens militares de Cristo, de S. Bento d'Aviz e da Ordem do Império Colonial;

Sua Excelência o Sr. Doutor MARIO DE FIGUEIREDO, antigo Ministro da Justiça e dos Cultos, Professor e Director da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Deputado e Grá-Cruz da Ordem militar de S. Tiago da Espada;

Sua Excelência o Sr. Doutor VASCO FRANCISCO CAETANO DE QUEVEDO, Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário junto da Santa Sé, Grã-Cruz da Ordem militar de Cristo e Cavaleiro de Grã-Cruz da Ordem de S. Gregório Magno;

os quais, sob reserva de ratificação, concordaram em quanto se segue :

Art. 1

A divisão eclesiástica das Colónias Portuguesas será feita em dioceses e circunscrições missionárias autónomas.

Aos bispos das dioceses cabe organizar, por intermédio do clero secular e regular, a vida religiosa e o apostolado da própria diocese.

Nas circunscrições missionárias a vida religiosa e o apostolado serão assegurados por corporações missionárias reconhecidas pelo Governo, sem prejuízo de, com autorização deste, se estabelecerem, nos ditos territórios, missionários doutras corporações ou do clero secular.

Art. 2

Os Ordinários das dioceses e circunscrições missionárias, quando não haja missionários portugueses em número suficiente, podem, de acordo com a Santa Sé e com o Governo, chamar missionários estrangeiros, os quais serão admitidos nas missões da organização missionária portuguesa, desde que declarem submeter-se às leis e tribunais portugueses. Esta submissão será a que convém a eclesiásticos.

Art. 3

As dioceses serão governadas por bispos residenciais e as circunscrições missionárias por Vigários ou Prefeitos Apostólicos, todos de nacionalidade portuguesa.

Tanto numas como noutras, os missionários católicos do clero secular ou de corporações religiosas, nacionais ou estrangeiros, estarão inteiramente sujeitos à jurisdição ordinária dos sobreditos prelados no que se refere ao trabalho missionário.

Art. 4

As dioceses e as circunscrições missionárias serão representadas junto do Governo da Metrópole pelo respectivo prelado ou por um seu delegado, e as corporações missionárias pelo respectivo Superior ou por um seu delegado.

Os Superiores e os delegados, aqui mencionados, terão a nacionalidade portuguesa.

Art. 5

As corporações missionárias reconhecidas estabelecerão em Portugal continental ou ilhas adjacentes casas de formação e de repouso para o seu pessoal missionário.

As casas de formação e de repouso de cada corporação constituem um único instituto.

Art. 6

São desde já criadas três dioceses em Angola, com sede em Luanda, Nova Lisboa e Silva Porto; três em Moçambique, com sede em Lourenço Marques, Beira e Nampula; uma em Timor, com sede em Dili. Além disso, nas ditas colónias e na Guiné poderão ser eretas circunscrições missionárias.

A Santa Sé poderá, de acido com o Govêrno, alterar o número das dioceses e circunscrições missionárias. Os limites das dioceses e circunscrições missionárias serão fixados pela Santa Sé de maneira a corresponderem, na medida do possível, à divisão administrativa e sempre dentro dos limites do território português.

Art. 7

A Santa Sé, antes de proceder à nomeação de um arcebispo ou bispo residencial ou dum coadjutor cum iure successionis, comunicará o nome da pessoa escolhida ao Governo Português a fim de saber se contra ela há objecções de caracter politico geral. O silêncio do Governo, decorridos trinta dias sôbre a referida comunicação, será interpretado no sentido de que não há objeções. Todas as diligências previstas neste artigo ficarão secretas.

Quando dentro de cada diocese ou circunscrição missionária fôrem estabelecidas novas direções missionárias, a nomeação dos respectivos diretores, não podendo recair em cidadão português, só será feita depois de ouvido o Governo Português.

Criada uma circunscrição eclesiástica, ou tornando-se vacante, a Santa Sé, antes do provimento definitivo, poderá imediatamente constituir um administrador apostólico provisório, comunicando ao Govêrno Português a nomeação feita.

Art. 8

Às dioceses e circunscrições missionárias, às outras entidades eclesiásticas e aos institutos religiosos das colónias, e bem assim aos institutos missionários, masculinos e femininos, que se estabelecerem em Portugal continental ou ilhas adjacentes, é reconhecida a personalidade jurídica.

Art. 9

As corporações missionárias reconhecidas, masculinas e femininas, serão, independentemente dos auxílios que receberem da Santa Sé, subsidiadas segundo a necessidade pelo Governo da Metrópole e pelo Governo da respectiva colónia. Na distribuição dos ditos subsídios, ter-se-ão em conta não somente o número dos alunos das casas de formação e o dos missionários nas colónias, mas também as obras missionárias, compreendendo nelas os seminários e as outras obras para o clero indígena. Na distribuição dos subsídios a cargo das colónias, as dioceses serão consideradas em paridade de condições com as circunscrições missionárias.

Art. 10

Além dos subsídios a que se refere o artigo anterior, o Governo continuará a conceder gratuitamente terrenos disponíveis às missões católicas, para o seu desenvolvimento e novas fundações. Para o mesmo fim, as entidades mencionadas no artigo 8 poderão receber subsídios particulares e aceitar heranças, legados e doações.

Art. 11

Serão isentos de qualquer imposto ou contribuição, tanto na Metrópole como nas colónias :

a) todos os bens que as entidades mencionadas no artigo 8 possuírem em conformidade com os seus fins:

b) todos os actos inter vivos de aquisição ou de alienação, realizados pelas ditas entidades para satisfação dos seus fins, assim como todas as disposições mortis causa de que forem beneficiárias para os mesmos fins.

Além disso, serão isentos de todos os direitos aduaneiros as imagens sagradas e outros objectos de culto.

Art. 12

Além dos subsídios previstos no artigo 9, o Governo Português garante aos Bispos residenciais, como Superiores das missões das respetivas dioceses e aos Vigários e Prefeitos Apostólicos honorários condignos e mantém-lhes o direito à pensão de aposentação. Para viagens ou deslocações, porém, não haverá direito a qualquer ajuda de custo.

Art. 13

O Govêrno Português continuara a abonar a pensão de aposentação ao pessoal missionário aposentado e para, o futuro dá-la-á aos membros do clero secular missionário quando tiverem completado o número de anos de serviço necessário para tal efeito.

Art. 14

Todo o pessoal missionário terá direito ao abono das despesas de viagem dentro e fora das colónias. 

Para gozar de tal direito basta que na Metrópole o Ordinário ou seu delegado apresente ao Governo os nomes das pessoas, juntamente com atestado médico, que comprove a robustez física necessária para viver nos territórios do Ultramar, sem necessidade de outras formalidades. 

Se o Governo, por fundados motivos, julgar insuficiente o atestado médico, poderá ordenar novo exame que será feito na forma devida por médicos de confiança, sempre do sexo feminino para as pessoas deste sexo.

As viagens de regresso à Metrópole por motivo de doença ou em gozo de licença graciosa serão, por proposta dos respectivos prelados, autorizadas segundo as normas vigentes para os funcionários públicos.

Art. 15

As missões católicas portuguesas podem expandir-se livremente, para exercerem as formas de actividade que lhes são próprias e nomeadamente a de fundar e dirigir escolas para os indígenas e europeus, colégios masculinos e femininos, institutos de ensino elementar, secundário e profissional, seminários, catecumenatos, ambulâncias e hospitais.

De acordo com a Autoridade eclesiástica local, poderão ser confiados a missionários portuguêses os serviços de assistência religiosa e escolar a súbditos portugueses em territórios estrangeiros.

Art. 16

Nas escolas indígenas missionárias é obrigatório o ensino da língua portuguesa, ficando plenamente livre, em harmonia com os princípios da Igreja, o uso da língua indígena no ensino da religião católica.

Art. 17

Os Ordinários, os missionários, o pessoal auxiliar e as irmãs missionárias, não sendo funcionários públicos, não estão sujeitos ao regulamento disciplinar nem a outras prescrições ou formalidades a que possam estar sujeitos aqueles funcionários.

Art. 18

Os Prelados das dioceses e circunscrições missionárias e os Superiores das corporações missionárias na Metrópole darão anualmente ao Governo informações sobre o movimento missionário e actividade exterior das missões.

Art. 19

A Santa Sé continuará a usar da sua autoridade para que as corporações missionárias portuguesas intensifiquem a evangelização dos indígenas e o apostolado missionário.

Art. 20

Mantém-se em vigor o regime paroquial da diocese de Cabo Verde.

Art. 21

Os dois textos do presente Acprdo, em língua portuguesa e em língua italiana, farão igualmente fé.

Feito em duplo exemplar.

Cidade do Vaticano, 7 Maio de 1940. (*)

L. Card. MAGLIONE

EDUARDO AUGUSTO MARQUES

MARIO DE FIGUEIREDO

S. VASCO FRANCISCO CAETANO DE QUEVEDO (**) 

(#) AAS 32 (1940) 235-244.

_____________

Notas do editor:

(*) Texto disponível aqui:

https://www.vatican.va/roman_curia/secretariat_state/archivio/documents/rc_seg-st_19400507_missioni-santa-sede-portogallo_po.html

(**) Último poste da série > 21 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23904: Documentos (41): "Diploma de Cobra", outorgado pelo cap inf Jorge Parracho, cmdt da CCAÇ 3325, "Cobras" (Guileje e Nhacra, 1971/72) ao seu amigo e camarada do tempo da Academia Militar, cap art Morais da Silva, cmdt da CCAÇ 2796, "Gaviões" (Gadamael e Nhacra, 1970/72)