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terça-feira, 30 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P816: Do Porto a Bissau (22): As ruínas de Có (A. Marques Lopes)








1. O A. Marques Lopes já fez circular pela nossa tertúlia estas imagens, de reduzida dimensão, sem legenda e que testemunham as ruínas de Có, em pleno chão manjaco:

"Eu e o Allen passámos por aqui, a caminho de Canchungo [Teixeira Pinto]. Para quem lá esteve se lembrar daquilo... como está".

De pé, fantasmagórico, resta, ao que parece, o monumento, em forma insólita mas original de coração, erigido pela CCAÇ 2584, que pertencia ao BCAÇ 2884 (Maio de 1969/Fevereiro de 1971) e que era a unidade de quadrícula de , nesta época.
Para mim, estas imagens são tristes e deprimentes: daqui a muitos anos, serão para os arqueólogos guineenses um dos poucos testemunhos de uma civilização, tecnologicamente superior, que passou pela região do Cacheu... Espero que reste, ao menos, aquilo que é imaterial e que é o mais importante nas relações entre os povos: uma língua, o português, que ajudou a construir a identidade nacional da Guiné-Bissau e a preparar o caminho para a independência e o futuro... E em português, nos entendemos hoje, neste blogue e noutros fóruns, falando das ruínas de Có, dos sinistros jagudis que pairam pela Guiné-Bissau de hoje, da ameaça de fome no sul do país, da guerra latente na frinteiura com Casamança, do futuro de esperança que desejamos para os dois povos, dos sentimentos de respeito e de amizade que nos ligam aos guineenses...

2. Comentando estas e outras imagens (sobre Fulacunda), escreveu o Afonso M.F. Sousa o seguinte:

"Estas fotos fresquinhas têm um valor enorme, sobretudo pelo comparativo que imediatamente nos suscita e fazemos com aquelas imagens reais de há cerca de 35 anos.

"Ainda há dias estive num almoço-convívio da CART 2412 e notei a sofreguidão com que todos queriam ver imagens de Barro e Bigene, de Abril de 2006, e compará-las com a memória de 1969/70.

"Parabéns a estes bravos, intrépidos e entusiastas repórteres fotográficos que estão a trazer estes sítios da Guiné de hoje, até ao nossos domicílios! Afonso Sousa".

3. Recorde-se quem esteve em Có, da malta da nossa tertúlia: o João Varanda, que vive hoje em Coimbra e que foi furriel miliciano da CCAÇ 2636 (1969/70). Esta era uma companhia açoreana, fez na primeira parte da sua comissão a segurança à construção da estrada Có- Pelundo - Teixeira Pinto.
Aqui ficam alguns excertos do seu testemunho sobre a passagem da sua unidade por Có (de 4 de Novembro de 1969 a 2 de Abril de 1970):

(i) Post de 19 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXXIX: CCAÇ 2636 (Có, 1969/70) (5): Gastando o primeiro par de botas e as letras do alfabeto

(...) "A Companhia chegou a Có em 4 de Novembro de 1969, tendo no dia seguinte participado na protecção aos trabalhos em curso na estrada Có-Pelundo, ao lado da CCAÇ 2584, já com alguma experiência.

(...) "Assim foram passados quatro meses, onde por terra fomos a tudo quanto era sítio. Sem conta os kms. percorridos. Gastámos o primeiro par de botas, e no dia 2 Abril de 1970 partimos para nova aventura: o Sector Leste – Bafatá esperava por nós".

Guiné > CCAÇ 2636 > 1969 O João Varanda, lendo o jornal A Bola, na tenda de campanha, montada em Tel, entre Có e Pelundo, em pleno chão manjaco.
Foto: © João Varanda (2005)

(ii) Post de 26 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXV: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (4): A acção psicossocial

(...) "Construímos ainda um espaçoso e seguro paiol subterrâneo para as centenas de granadas que jaziam praticamente a céu aberto, um sistema de filtragem de águas para beber e para banhos, uma oficina auto com fossa para lavagem e lubrificação de viaturas, com água corrente, para os nossos Unimog - para os grandes Furriel Marques e Teodoro Simões (Nanza) nos proporcionarem transporte seguro -, um heliporto para evacuação de feridos e doentes para a capital Bissau, um sugestivo e elegante monumento alusivo à nossa passagem pela aquela terra, evocando os nossos mortos brancos e africanos. O qual, mais de trinta anos depois, ainda se mantém incólume e erecto conforme me relatou o Capitão do PAIGC Eduardo Sanhá que veio, após o final de guerra colonial, cursar Direito na Universidade de Coimbra" (...).

(iii) Post de 26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - CCCXIV: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (3): O espírito de grupo

(...) "Có – e conforme vimos pelo teatro das operações antes da nossa chegada para tampão de zona - foi terra fustigada; no terreno, travava-se então lutas que pareciam eternas, mas a moral da CCAÇ 2636 era muito elevada, já que com os nossos comandos, na pessoa do jovem Capitão Miliciano Manuel Medina Mato e do 2º. Sargento Cruz, em pleno mato, às portas do combate do dia a dia, sentimos sempre o prodígio do apoio dos escalões superiores, traduzido em todas as valências, com oportunidade e eficácia" (...).

(iv) Post de 16 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCIII: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (2): "Periquito vai no mato, que a velhice vai p'ra Bissau"...

(...) "Em Có fomos recebidos pela velhice daCCAÇ 2584, com grande algazarra e desejo de bom regresso. Chegados ao destacamento, o nosso pessoal começou, de imediato, o frenezim da descarga da coluna, e o desenrrascanço de como passar a primeira noite no aquartelamento de Có, já que este era pequeno e não tinha instalações suficientes para nos acolherem na sua totalidade, dado o ajuntamento da nossa companhia com a guarnição normal do aquartelamento da CCAÇ 2584. Mas na guerra há sempre lugar para mais um, e apesar dessa tensão toda a companhia ficou acomodada e tudo correu pelo seu melhor" (...).

4. Quem também por lá passou e de Có tem boas recordações foi o nosso amigo e camarada João Tunes, que originalmente perteceu à CCS do Batalhão, o mesmo a que pertencia a CCAÇ 2584, com sede no Pelundo:

(i) Vd. post de 16 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCII: Có ? Isto é comigo!

(...) "Eu li o magnífico texto do João Varanda, no ilustre blogue de que o Luís é Cmdt Chefe, depois li o nº da Companhia dele (2636), o número tocou-me uma campaínha, mais o período de comissão, fixei-me no local: Có.

"Depois lembrei-me as vezes que estive em Có, no mesmíssimo período, enquadrado no mesmo Batalhão (sediado em Pelundo). E como era, então, uma alegria dar um salto a Có, malta bacana, ok sobre rádios e cripto?, vamos aos copos, assegurando (eles) a segurança da construção de uma nova estrada asfaltada (que já não lembro se ia para Teixeira Pinto ou para Bula ou para a puta que pariu o Caco).

"Julgo até (outra falha ou confusão?) que a Companhia de Có era comandada por um Capitão Miliciano, já economista com canudo e antifascista, um gajo porreiraço, já com uns cabelos a puxar para o grisalho, com quem punha a escrita em dia, deitando abaixo a porra da guerra, o fascismo, o colonialismo, e, claro, o Caco, o Marcelo e o Tenente Coronel facho do Pelundo que não percebia nada da poda" (...).
(ii) Vd. post de 25 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXI: Pelundo: Nº do batalhão ? Não sei, não me lembro (João Tunes)
"Caro Luís: É como dizes, não me lembro mesmo [não, a bold, como faz questão de frisar o autor, em 2ª via]. BCAÇ 2864? BCAÇ 2854? Por aí...

"Pois, o João Varanda nada disse, mas pensando nos dados que ele deu, a sua Companhia açoreana não pertenceu ao meu Batalhão, foi sim em reforço à Companhia do meu Batalhão e que ele chama de velhinhos. O que não invalida, pelas datas, que não tenha estado em Có ao mesmo tempo que ele (eu, de tempos a tempos, pela minha missão, ia até lá).

"Mas de Có, além de me lembrar bem do quartel, memorizei a estrada em construção (Có-Pelundo-Teixeira Pinto), com segurança especial, os copos (muitos copos bebi em Có, o que não admira, eu até bebi copos onde não havia copos, bebendo pelo gargalo) e o tal capitão miliciano, economista e antifascista, lá de Có (também não lembro o nome, mas estou a ver-lhe a cara) que era um compincha do caraças para cortar na casaca do Marcelo, do Caco e das putas que os pariram" (...).

terça-feira, 23 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P784: Do Porto a Bissau (21): revisitando Barro (A. Marques Lopes)

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro > Abril de 2006 > O que resta dos vestígios dos tugas...


Ainda com o grupo todo, passámos por Barro, a caminho de Farim.

O meu amigo Cacuto Seidi (1), o chefe da tabanca, morreu o ano passado, com muita pena minha, pois gostava de ter falado com ele novamente, mas estive com o seu filho, Bala Sani.

Coisas em pé, só a secretaria da companhia, mas em degradação, e o monumento da CART2412 ao cabo enfermeiro João Baptista da Silva.

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro >Abril de 2006 > O Marques Looes com o filho do Cacuto Seidi, o Bala Sani.


Há restos de um outro monumento, mas sem qualquer elemento que o possa identificar, e há restos de outras instalações que também não consegui identificar, dado que o enquadramento está muito modificado.

Lembro aqui o Iero Seidi, soldado da CCAÇ 3 que foi ferido em Maio de 1973 em Guidage, ficando sem uma perna (colocaram-lhe uma prótese) e sem um braço.

Foi o filho, o Mamasaliu Seidi, que me deu uma fotografia do pai, pois ele morreu de doença, o ano passado.


Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro > Abril de 2006 > Fotografia do antigo militar da CCAÇ 3, Iero Seidi.




Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro >Abril de 2006 > O Marques Looes com o Mamasaliu Seidi , filho do Iero Seidi.

O Mamasaliu foi o condutor do jipe do António Almeida e do Saagum (2).
Mas encontrei também outros restos humanos (3)... mas fica para a próxima.
Abraços. A. Marques Lopes

Fotos: © A. Marques Lopes (2006)
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Notas de L. G.


(1) Vd. posts de:

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIII: Barro, trinta anos depois (1968-1998)


15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LIV: Cacuto Seidi, chefe da tabanca de Barro


Guiné-Bissau >Cacheu > Barro (1998) > Reeencontro do tuga A. Marques Lopes com Cacuto Seidi, chefe da tabanca de Barro.

"O Cacuto Seidi era o chefe da tabanca de Barro em 1968. Muitas vezes fui até à sua porta para falar com ele. Por duas razões: a primeira é que suspeitávamos que ele estava feito com o PAIGC (...).

"Em 1998 fui a Barro. Assim que me viu abriu a boca e disse admirado:
-Alfero Lopes!-

"Ao fim de 30 anos lembrou-se logo de mim, apesar de estarmos os dois mais velhos, de tal modo que, quem me acompanhava, ficou com a boca aberta de espanto. É que foi, de facto, muito tempo de convívio e de conversa.

"Perguntei-lhe pelo Braima, um caçador da tabanca de Barro, muito conhecedor de toda aquela zona e que foi o meu guia em 1968, porque conhecia todos os trilhos e buracos quer na mata quer no tarrafe das margens do Cacheu. O Cacuto ficou atrapalhado e respondeu:
- O Braima mataram.
- Ah! - disse-lhe eu - mas tu continuas a ser o chefe da tabanca! Então, eu tinha razão... -. Acabou por se rir, é claro" (...).

(2) Vd post de 2 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Do Porto a Bissau (12): A fonte de Mansambo (Albano Costa)

(3) Quererá o nosso A. Marques Lopes referir-se aos filhos dos tugas que por lá ficaram, com alguns dificuldades de integração ? Vd. post de 22 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXX: Do Porto a Bissau (20): Os filhos que lá deixámos (A. Marques Lopes)

quinta-feira, 18 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P771: Do Porto a Bissau (18): Sadiu Camará, um sobrevivente (A. Marques Lopes)

Guiné-Bissau > Buba > Tabanca Lisboa > 2005 > O Zé Teixeira com o chefe da tabanca e a sua lindíssima filha. A tabanca Lisboa, a 5 Km de Buba, era um antigo centro de treino do IN, de nome Sare Tuto... Aqui ainda vivem vários antigos combatentes do PAIGC... Sadiu Camará, antigo paraquedista, casou aqui com uma guerrilheira... Foi ele que mudou o nome da aldeia e ajudou a população como caçador... Uma história com final (quase) feliz. (LG)

© José Teixeira (2005)

Guiné-Bissau > Saltinho > Abril de 2006 > Saliu Camará, beafada, um antigo paraquedista português, um sobrevivente nato...

Foto: © A. Marques Lopes (2006)

1. Texto do A. Marques Lopes:

Já que se fala dos guineenses que estiveram ao lado da tropa portuguesa contra o PAIGC, vou contar-vos o que o Sadiu Camará, beafada, me contou a mim (1):

(i) tirou o curso de paraquedista em Tancos, 70/71, e regressou à Guiné na Comp.ª 122 do BCP;

(ii) com essa companhia participou em operações, fazendo especialmente de intérprete, participando, inclusive, em interrogatórios de prisioneiros; isto até ao 25 de Abril;

(iii) após esta data, fugiu de Bissau e foi para a zona de Fulacunda, embrenhando-se no mato durante seis meses, sobrevivendo com recurso à caça, raízes e frutos alimentícios;

(iv) durante esse período ajudou com as suas peças de caça as populações daquela zona, sendo aceite por eles;

(v) acabou por ser apanhado e esteve preso durante seis semanas: "levei muita porrada e passei muita fome", disse-me;

(vi) mataram vários que também estavam presos, mas a ele não o mataram porque tiveram em conta as ajudas por ele prestadas às populações;

(vii) perguntei-lhe, a propósito, quem é que tinha mandado fazer os fuzilamentos; disse-me, sem hesitações: "foi o Nino Vieira, que era comissário das Forças Armadas, o Gazela (comandante daquela zona, na altura, já falecido) e o Chico Té (nome de guerra de Francisco Mendes, morto em 1998, de forma violenta e em circunstâcias estranhas);

(viii) após ser libertado, inscreveu-se na Juventude Amilcar Cabral, onde esteve seis anos;

(ix) após deixar essa organização, acompanhou, como guia, durante dezoito anos, os técnicos do Centro de Conservação da Natureza (disse-me o nome de um deles, o dr. António Araújo);

(x) em 1998 foi incluído nas Forças Armadas da Guiné, ao lado de Ansumane Mané, como faz questão de frisar;

(xi) viveu na tabanca Sare Tuto, antiga base do PAIGC, na zona de Buba, aí casando com a guerrilheira Neura, beafada, e construíu, depois, uma tabanca, a que deu o nome de Lisboa, cujo actual chefe é Assume Cassamba, onde construíu um posto de recolha de água e um sistema de produção de sal; segundo ele, é ainda "consultor" (homem que faz coisas e apoia a população) dessa tabanca;

(xii) trabalha actualmente como guarda no Clube de Caça do Saltinho.

Outro percurso, como se vê.

A. Marques Lopes

PS - Disse-me o José Teixeira, após divulgação desta minha mensagem através de e-mail, que Sare Tuto é a tabanca Lisboa, nome mudado pelo Saliu Camará. E ele até tem fotografias dessa tabanca. A fundação a que o Camará se me referiu foi, pois, uma mudança de nome. Diz também o José Teixeira que ele é guia e pisteiro dos caçadores que vão ao Clube de Caça do Saltinho, e não guarda. Também o percebi mal. Fica a correcção.

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Nota de L.G.:

(1) Por elementar precaucção (protecção das nossas fontes de informação e segurança das pessoas), perguntei ao António se podia publicar as (in)confidências sobre o Camará... "Haverá problemas de segurança ? O nosso blogue chega à Guiné, aos esbirros do Nino Vieira ?"...

Resposta pronta do nosso camarada:

Caro Luís:

Não me parece que haja problemas graves.

Primeiro, porque o Camará não tem papas na língua e conta isto que eu contei em frente de toda a gente, porque é um homem conceituado e querido junto das populações, sente-se seguro.

Segundo, porque muita gente ouvi na Guiné a dizer mal do Nino abertamente, sem peias, inclusive o jornal Gazeta, que se publica todos os dias em Bissau, trazia diariamente editorias altamente críticos ao Presidente, assinados por António Monteiro (o que muito me espantava), daí eu estar convencido que a situação não ficará como está durante muito tempo.

É talvez por isso que o Nino anda, actualmente, empenhado numa campanha de pacificação da sociedade guineense... E não me parece que os serviços de inteligência guineenses estejam tão avançados a ponto de vasculharem a Internet (...).

terça-feira, 16 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P763: Do Porto a Bissau (17): Finalmente entrámos em Sinchã Jobel (A. Marques Lopes)




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de Abril de 2006 > Bombas da Força Aérea Portuguesa que foram lançadas sobre a base do PAIGC, durante a guerra, e que não chegaram a explodir. Na foto de cima, o nosso amigo e camarada A. Marques Lopes.

Fotos: © Xico Allen (2006)

Texto de A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)... Visitou recentemente a Guiné-Bissau, num viagem de grupo organizada pelo Xico Allen...

Pois, camaradas e amigos, eu e o Allen acabámos por entrar na base do IN em Sinchã Jobel, que nunca foi tomada pelas NT, nem quando eu, sem querer, lá fui em 24 de Junho de 1967 (Op Jigajoga) (1), nem em 31 de Agosto de 1967 (Op Jigajoga II), nem em 16 de Setembro de 1967 (Op Jacaré), nem 15 e 16 de Outubro de 1967(Op Imparável), nem em 27 de Outubro de 1967 (Op Insistir), nem em 28 de Outubro de 1967 (Op Instar), nem em 19 de Dezembro de 1967 (Op Invisível) e nem em 21 de Dezembro de 1967 (Op Invisível II), a última que se fez para tomar essa base, comandada durante esse período por Lúcio Soares, como ele próprio me disse (2).

A clareira de Jobel (a tal onde sofri uma emboscada) tem agora uma tabanca (vd. fotos a seguir). Como chegámos lá? Fomos, eu e o Allen, até Sare Banda [vd. carta de Banjara] e aí encontrámos um homem que nos acompanhou, indicando-nos o caminho para Sinchã Jobel.




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de Abril de 2006 > Aspectos da actual tabanca, sita no local da antiga base do PAIGC.

Fotos: © A. Marques Lopes (2006)

Durante a guerra, Sare Banda era uma grande tabanca, fruto do reordenamento da zona, e onde esteve um destacamento da CART 1690. É agora pequena, vendo nós pelo caminho já várias outras tabancas, explicando-nos o homem que nos acompanhou que muita gente saíu de Sare Banda para formar outras tabancas. Naturalmente, é claro.

E chegámos a Sinchã Jobel, com alguma dificuldade, é verdade, pois existe para lá um simples carreiro. E eu cheguei à conclusão que seria mais fácil ter chegado à base se as NT tivessem ido por ali, apesar de a mata ser muito cerrada. Lá encontrámos o Dirami e o Mulé (2), dois ex-guerrilheiros daquela base e agora moradores na tabanca de Sinchã Jobel.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de Abril de 2006 > A actual tabanca fica a 200 metros da antiga base do PAIGC.

Foto: © A. Marques Lopes (2006)







Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de Abril de 2006 > Antiga base do PAIGC. Está-se ainda em plena época seca.

Fotos: © A. Marques Lopes (2006)

Disse o Dirami que conseguiram rebentar várias, mas aquela que vimos não tinham conseguido... e lá está ainda. Muitas delas, eu já sabia, rebentavam nas árvores, outras batiam nelas e caíam sem rebentar, porque já não caíam da forma adequada para rebentarem as espoletas.




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de Abril de 2006 > Vestígios ainda bem visíveis, nas árvores, dos bombardeamentos feitos pela Força Aérea Portuguesa.

Fotos: © A. Marques Lopes (2006)

Duas coisas nos indicou o Dirami:

(i) uma, está ele de cócoras, "ali em frente, no tronco daquele poilão era o posto de vigia" (as NT disseram que eles estavam em cima das árvores, mas o que sucedia é que o vigia começava logo a disparar assim que nos via entrar na clareira);


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > 22 de Abril de 2006 > Local onde se situava o posto de vigia ou sentinela dos guerrilheiros, segundo indicação do Dirami.

Foto: © Xico Allen (2006)

(ii) outra, está ele a dizer-me (vd. foto do cemitério, tirada pelo Allen), "aqui, por baixo destes arbustos está um poço, para onde lançávamos os mortos, pois não havia tempo para fazer covas individuais", e está lá o poço, coberto de arbustos e já tapado com terra;

(iii) e - eu cá para mim - que "lá estarão os corpos do soldado Agostinho Francisco da Câmara, morto em 16 de Outubro de 1967 (3), e do alferes Fernando da Costa Fernandes, morto em 19 de Dezembro de 1967 de Dezembro de 1967, corpos esses que não foi possível recuperar durante as operações feitas nessas datas" (4).


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > Local onde se situava o poço, agora tapado, para onde eram lançados os cadáveres.

Foto: © Xico Allen (2006)

E ficou-me também a pena de as cabeças pensantes que mandavam na guerra terem insistido em várias operações, a começar nas bolanhas de Sucuta e Canhagina [vd. carta de Bambadinca] e na travessia do rio Gambiel, quando teria sido mais fácil e, se calhar, eficaz terem feito o caminho que eu fiz agora, tanto mais que em duas daquelas operações entrou a tropa especializada dos comandos. Coisas.

Abraços
A. Marques Lopes
_____________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXV: Uma estória de Sinchã Jobel ou a noite em que o Alferes Lopes dormiu na bolanha (1967)

(2) Vd post de 16d e Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXI: Do Porto a Bissau (16): Encontro com o IN (A. Marques Lopes)

O comandante Lúcio Soares tem agora 64 anos. Copm 25 anos, era o comandante de Sinchã Jobel, base que foi montada em maiod e 1967. O comissário político era o Gazela (que morreu há cerca de dois meses). No princípio de 1968, Lúxio Soares saíu para ir comandar a base do Morés, passando o Gazela a comandar Sinchã Jobel. Em 1970 o Gazela foi para sul, para a zona de Empada.

"Após o 25 de Abril integrou o grupo do Pedro Pires, em Londres, para negociar a formalização da independência. Mais tarde foi Ministro da Defesa no governo de Luís Cabral. Após o golpe de Nino Vieira, em 1980, exilou-se em Cabo Verde, onde esteve durante 14 anos. Regressou depois e está, agora, reformado como coronel (mantem o nome comandante porque é histórico" (...).

(3) Vd post de 3 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XL: Sinchã Jobel IV, V e VI (A. Marques Lopes)

"17. Op Imparável. 15 de 16 de Outubro de 1967:

(...) "A operação foi comandada do PCV (Posto de Controlo Volante) pelo Comandante do Agrupamento. O Agostinho Francisco da Câmara (e não Camará), morto na operação, era açoriano e do meu grupo de combate; o Armindo Correia Paulino, aqui referido, também era do meu grupo de combate, o Bigodes, como lhe chamávamos, um minhoto que foi, mais tarde, aprisionado pelo PAIGC em Cantacunda e que acabou por morrer no cativeiro, em Conakry" (...)

(4) Vd. post de 5 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLV: Sinchã Jobel VII (A. Marques Lopes)

"22. Op Invisível. 16 de Dezembro de 1967

(...) “Começou também nessa altura o IN a fazer fogo com o Mort 82, com que abateu o alferes miliciano Fernandes. Verifiquei que nessa altura já o Dest B tinha as seguintes baixas: Alferes Miliciano Fernandes, 1º. Cabo Sousa da CART 1742 (que estava a fazer fogo com a ML MG-42), soldado metropolitano Fragata e um soldado milícia que não consegui identificar, além de vários feridos.

“Procurei trazer o alferes miliciano Fernandes para a rectaguarda, e quando o puxava pelos pés, fui surpreendido por um grupo IN, que corriam em direcção aos furriéis milicianos Marcelo e Vaz e em minha direcção gritando que nos iriam apanhar vivos. Note-se que neste grupo IN avistei elementos brancos os quais usavam o cabelo bastante comprido (a cobrir as orelhas), facto também confirmado pelos já citados furriéis milicianos. Devido a tal, tive que abandonar o corpo do alferes Miliciano Fernandes e retirar" (...).

Guiné 63/74 - P761: Do Porto a Bissau (16): Encontro com o IN (A. Marques Lopes)

Guiné-Bissau > Bissau > Restaurante Colete Encarnado > 21 de Abril de 2006 > O coronel A. Marques Lopes, o comandante Lúcio Soares e o comandante Braima Dakar. Foto: © Xico Allen (2006)



Guiné-Bissau > Bissau > Restaurante Colete Encarnado > 21 de Abril de 2006 > O A. Marques Lopes e o Lúcio Soares. Foto: © Xico Allen (2006)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Jobel > Darami Nabo, guerrilheiro do PAIGC, que esteve na base de Sinchã Jobel durante a guerra, e que hoje mora lá. É irmão do Mulé.
Foto: © A. Marques Lopes (2006)


Guiné-Bissau > REgião de Baftá > Sinchã Jobel > Mule Nabo, guerrilheiro do PAIGC, que esteve na base de Sinchã Jobel durante a guerra, e que hoje mora lá. É irmão do Darami.
Foto: © A. Marques Lopes (2006)

Texto de A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)...
Comentário de L.G.: Agradeço ao A. Marques Lopes e ao Xico Allen esta oportunidade, excepcional, de conhecer o rosto daqueles a quem chamávamos eufemisticamente o IN... Pois o IN tinha rosto, eram homens (e mulheres), de carne e osso, como nós, que combatiam pelas suas razões... Reencontrá-los, apanhá-los ainda vivos e lúcidos, pô-los a falar, ouvi-los, saber por onde andaram, reconstituir a sua estória de vida como guerrilheiros, sentir a pulsão das suas emoções, paixões, alegrias e medos, mexer com a sua memória, fazer as pazes come eles... é uma tarefa urgente e imprescindível para que a nossa missão, agora de paz, se cumpra definitivamente...
Temos essa obrigação, a de dar voz (e imagem) a esses velhos guerrilheiros, caboverdianos e guineenses, que deram o melhor da sua vida e da juventude pela realização de um sonho, o sonho de Amílcar Cabral e de mais um punhado de homens e mulheres que queriam ser livres e donos da sua terra, e passar a falar connosco, em português, mas de iguais para iguais... O texto e as fotos que hoje inserimos marcam um momento muito simbólico da vida da nossa tertúlia... Perdõem-me o abuso do tempo de antena, mas eu, como editor do blogue, precisava de fazer esta pequena chamada de atenção. Obrigado Marques Lopes, Xico Allen, Lúcio Soares, Braima Dakar e irmãos Nabo... L.G.
Encontro com o IN

... Mas, desta vez, este encontro não meteu tiros, como sucedeu naquele dia 24 de Junho de 1967, durante a operação Jigajoga (1). Ao invés, tivemos que nos haver, em conjunto, com os belos pratos do restaurante Colete Encarnado, em Bissau, e isto sucedeu na noite do dia 21 de Abril de 2006, já eu e o Allen estávamos sozinhos (os restantes tinham regressado a Portugal no avião da tarde).

Através do nosso grande amigo Pepito , consegui o telefone do comandante Lúcio Soares, convidei-o para jantar e ele acedeu prontamente a estar comigo e com o Allen. Não tenham dúvidas que foi um encontro emocionante para mim, estar com o chefe guerrilheiro que montou a emboscada que me fez ficar uma noite na bolanha de Sinchã Jobel (2) e que, mais tarde, me mandou nove meses para o hospital (3).

Falámos sobre isso, e mostrou ser um homem calmo e comedido. Ele tem agora 64 anos e chegámos, pois, à conclusão que andámos aos tiros um ao outro, eu com 23 anos e ele com 25, eu mandado para lá sem quaisquer objectivos pessoais, a não ser sobreviver durante a missão que me foi imposta, e ele, como me disse, com o objectivo muito assumido de lutar pela independência da sua terra. Concordámos que foi pena as coisas se terem passado como passaram, que era melhor ter encontrado outra forma menos dolorosa de resolver o conflito imposto.

Contou-nos algumas coisas do seu percurso. As baracas foram montadas em Sinchã Jobel em Maio de 1967 e, a propósito, perguntou-me se, quando lá fui a 24 de Junho, já sabia que eles estavam lá. Esclareci-o que eu não sabia nada, mas que as cabeças pensantes tinham suspeitas disso sem me dizerem, que eu fui num jogo de cabra-cega, ao ludíbrio, que é o que quer dizer jigajoga, e por isso lhe deram o nome.

Enquanto lá esteve como comandante, o Gazela (morreu há cerca de dois meses) era o seu comissário político. No princípio de 1968 saíu para ir comandar a base do Morés, passando o Gazela a comandar Sinchã Jobel. Em 1970 o Gazela foi para sul, para a zona de Empada, mas não me soube dizer qual foi o seu substituto.

Após o 25 de Abril integrou o grupo do Pedro Pires, em Londres, para negociar a formalização da independência. Mais tarde foi Ministro da Defesa no governo de Luís Cabral. Após o golpe de Nino Vieira, em 1980, exilou-se em Cabo Verde, onde esteve durante 14 anos. Regressou depois e está, agora, reformado como coronel (mantem o nome comandante porque é histórico).

Contou-me que sofreu uma emboscada em 1968, na zona de Sambuiá (uma das zonas da minha actividade operacional, quando na CCAÇ 3 em Barro), quando se dirigia ao Senegal. Terei sido eu? Não sei.

O Braima Dakar, nome de guerra de Braima Camará, numa das fotografias, é outro comandante que esteve ligado à morte dos três majores em chão manjaco (4). Disse-me que se disseram muitas coisas sobre isso que não são verdade, que não queria falar, e não me contou nada.

O Mulé Nabo e o Darami Nabo são dois guerrilheiros do PAIGC, irmãos, que estiveram na base de Sinchã Jobel durante a guerra, em cuja tabanca moram actualmente. Perguntei ao Lúcio Soares se queria ir comigo lá, mas ele disse que não tinha disponibilidade.

Curiosamente, quando estávamos já a comer, entraram dois polícias no Colete Encarnado e ficaram numa mesa atrás. A certa altura, o Lúcio Soares foi à casa de banho e, quando voltou, deu com os polícias. Foi quando me disse que não podia ir a Sinchã Jobel e, de seguida, se levantou e se desculpou pois tinha de ir embora. Os polícias foram de seguida.

Mas eu e o Allen fomos a Sinchã Jobel. Depois conto.

Abraços
A. Marques Lopes

____________

Nota de L.G.

(1) Vd post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXV: Uma estória de Sinchã Jobel ou a noite em que o Alferes Lopes dormiu na bolanha (1967)

(...) " Na primeira metade de 1967, o PAIGC montou uma base de guerrilha em Sinchã Jobel. Sem querer (...), fui eu que dei com ela. O responsável militar dessa base era o Comandante Lúcio Soares, que foi, depois da independência, Ministro da Defesa; o responsável político era Cabral de Almada, conhecido como Comandante Gazela, que foi Vice-Presidente da Assembleia Nacional Popular.
"Quando estive na Guiné-Bissau, em 1998, pouco antes do golpe de Ansumane Mané, tive uma conversa muito interessante com o Comandante Gazela: lembrámos muita coisa sobre Sinchã Jobel, falámos dos problemas do povo guineense, concordámos que era melhor não termos andado aos tiros uns aos outros (pediu-me desculpa por me ter mandado para o hospital, mas teve de ser assim...)... e demos um abraço de despedida" (...).
(2) Vd. post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXVI: Na bolanha dá para pensar...


Excerto de um comentário de L.G. sobre este texto do A. Marques Lopes: "É um texto de uma grande riqueza humana e de excelente recorte literário... Um texto de cortar a respiração, ao reconstruir o inferno da guerra, o inferno físico e psicólogico daquela guerra, ao mostrar o absurdo daquela guerra e das suas razões de Estado...Fiquei com a ideia de que, mais do que uma simnples página de um diário, poderia ser o excerto de um livro em curso. Um daqueles livros que se vai construindo na cabeça de cada combatente da guerra colonial na Guiné, depois de passar à peluda. Um livro que todos nós, um dia, gostaríamos de escrever e de publicar. Ou de ter escrito e de ter publicado. Um livro que gostaríamos de dar a ler, porventura com secreto prazer mas seguramente com reserva e pudor, à nossa companheira, aos nossos filhos e netos, aos nossos pais, aos nossos irmãos e e aos nossos amigos, e até aos poucos companheiros da nossa geração que não foram à guerra. Talvez um livro, ou talvez apenas um conto, um conto de guerra, em todo o caso a merecer antologia" (...).

(3) Vd post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXIII: A morte no caminho para Banjara

(4) Vd. post, de João Varanda, de 26 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIII: A morte de três majores e de um alferes no chão manjaco

domingo, 14 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P751: Do Porto a Bissau (15): Diário de bordo e avisos à navegação (A. Marques Lopes)





Viagem Porto-Bissau > Abril de 2006 > Percalços no deserto. Créditos fotográficos:

© A. Marques Lopes (2006)


Texto do nosso amigo e veterano desta tertúlia, o A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)...

Caros camaradas e amigos:

Já lá vão quinze dias após o regresso. Vários problemas que houve a resolver. Só agora deu para começar a falar.

Não vos vou fazer o relato pormenorizado desta nossa viagem por terra até à Guiné-Bissau (Rali Porto-Bissau...) (1). Vou, apenas, realçar alguns aspectos que, em minha opinião, podem ser úteis e alertas para futuros andantes nestas aventuras.

MARROCOS:

5 de Abril [de 2006]


Em Tânger, já de noite, o inspector da alfândega Abderalak El Moussadek, com os seus ares e ademanes esquisitos, reteve o jipe por causa do material médico que continha (cerca de 200 quilos de soro fisiológico e seringas), alegando falta de guia e incumprimento das normas nacionais marroquinas, e dizendo que, pelas mesmas razões, já tinha sido detida uma viatura portuguesa na véspera...

Grande chatice (no barco que faz a travessia de Tarifa para Tânger, o Allen já tinha sido obrigado por um polícia a apagar uma fotografia, pois é proibido tirar fotografias no barco...); mas deu para uma conversa amigável com o sargento dos guardas, Mohamed Farak, que tem duas mulheres e sete filhos, com 30 anos de serviço e prestes a reformar-se (a reforma é aos 50 anos) com dirhams equivalentes a 300 € e, por isso, muito interessado em saber as condições de reforma dos militares portugueses; dorminos no Hotel Ibis (El Jadida, Place Nour El Kamar, Route de Casablanca), que se recomenda, tem perto o Café Oasis, aberto toda a noite (mas, cerveja só no hotel...).

6 de Abril

Eu, o Allen e a Inês voltámos à alfândega logo de manhã para ver da situação. Ainda pensámos que o amigo sargento Farak tivesse feito alguma coisa a nosso favor. Mas não, o inspector, só visto ao longe, agora, tinha dado ordem para o material médico não sair sem guia. Os muitos cadernos e canetas, bem como as centenas de chupa-chupas e dezenas de camisas que tínhamos não interessaram... Palpitou-nos, a mim e ao Allen, que a razão era o receio de entregarmos o material médico à Frente Polisário. Pusemo-nos a andar e lá ficaram os 200 quilos de soro fisiológico e as seringas.

7 de Abril

Dormimos em El Quatia, praia perto de Tan-Tan, já pero do Sahra Ocidental, na Villa Ocean, uma pequena pousada de um casal francês, ele ex-militar. Também a recomendo. Depois do jantar, eu fui dar uma volta (meu hábito) e encontrei um marroquino que me perguntou se tínhamos vinho e se lhe dávamos um copo. Fui buscar um copo de vinho e dei-lhe (no dia seguinte trouxe-me o copo lavadinho).

A seguir entrei numa escola infantil, porque a vi aberta, com luzes e gente lá dentro. Espanto deles e o director dirigiu-se a mim e perguntou-me o que queria. Disse-lhe que só queria visitar. Depois de eu falar, diz-me ele:
- Você bebeu vinho!.

Perguntei-lhe como é que ele sabia. Disse-me que o cheiro conhecia (o bafo deu-lhe...). Não me digam que ele vai bufar a alguma autoridade religiosa... Lá lhe fui dizendo que as religiões na minha terra não proibiam as bebidas alcoólicas, cada um podia ter a religião que quizesse, que eu até nem tinha nenhuma, etc, etc... Mas, depois desta conversa, achei por bem desistir da visita à escola e fui-me embora.

SAHARA OCIDENTAL

8 de Abril


Saímos de El Quatia em direcção ao Sahara e, 20 km depois tivemos um controlo policial. Cinco minutos depois, fui eu controlado pessoalmente. É que o Allen tinha dado antes uma lista com os passageiros e respectivas profissões, tendo colocado que eu era militar. Que estivessem descansados, que estava reformado e não tinha já nada a ver com a actividade militar... Lá os consegui convencer e seguimos para Tarfaya.

No caminho para lá, o turbulento fotógrafo Hugo pediu ao Allen para sair do asfalto para colher uma imagem. Assim foi feito e... o jipe enterrou-se na areia, rodou, rodou, mas nada. Lá ficou. Valeu-nos a juda de uns marroquinos que passaram num camião. Com uma corda que tinham e força de braços lá conseguimos voltar ao asfalto.

Às 11h20 entrámos no Sahra Ocidental, por Tah. Às 12h10 tivémos um controlo policial. Cinco minutos depois, antes de entrarmos em Layoune, capital do Sahara, novamente controlados, desta vez com militares também. Há, aliás, um quartel à entrada desta cidade, que, verificámos depois, está altamente militarizada, com vários quartéis e muita tropa pelas ruas, embora não armada. Sinal da situação são também as dezenas de jipes junto à delegação da ONU. Depois de Layoune, há uma grande cimenteira, em El Marsa, com uma grande cintura de segurança à volta e várias guaritas de vigia.

Almoçámos conservas no meio do deserto, ao sol, e surgiu um jipe da polícia pelo que tivemos de beber o vinho à pressa e guardar as garrafas. Seguimos e, às 14h45 tivemos novo controlo da polícia, com um camião de soldados por perto. Às 15h15 novamente controlados.

Entrámos, de seguida, em Boujdour, que verificámos ser igualmente uma cidade muito militarizada, também com muitos soldados na rua. Boujdour tem uma extensa praia, o que leva a estranhar que seja aqui o cabo Bojador dos portugueses (o nome foi afrancesado), mas tem um grande farol. E há razão para isso, embora não haja penhasco algum, nem na praia nem no mar: os vários navios que se vêem encalhados testemunham as marés e correntes contrárias que se cruzam naquela zona, a dor que os marinheiros portugueses tinham de passar.

À saída de Boujdour há um grande quartel e fomos controlados por perto. Seguimos e fomos novamente controlados às 16h20, e mais outra vez às 16h30. Houve outro controlo policial às 17h30, e mais outro às 18h45.

Dormimos em Rokchip, no Hotel Oasis (fácil de encontrar, pois é uma localidade muito pequena), com chuveiros e casas de banho comuns, mas já vi pior. Travei aí conhecimento com três marroquinos imigrados em Itália e que vinham com duas brutas máquinas, um BMW e um Mercedes do último modelo. Falámos lindamente em italiano e...
- Temos de fazer pela vida!, disseram-me. Os carros eram roubados e eram para vender na Mauritânia. Pediram-me para os acordar às 7 da manhã (eu era, aliás, o despertador de todo o nosso grupo), pois tinham pressa para serem os primeiros na fronteira.

MAURITÂNIA

9 de Abril

Antes de pertirmos, um dos guias do deserto pediu-nos, a mim e ao Allen, para lhe arranjarmos uma garrafa de vinho e lha darmos, depois, na terra de ninguém, cerca de um quilómetro pedregoso e sem qualquer controlo entre a fronteira do Sahara e a fronteira da Mauritânia.

Às 08h48 chegámos a Gargarate, a fronteira do Sahara, mas já estava uma longa bicha de carros. Nos primeiros lugares da frente lá estavam os tais marroquinos italianos. Durante a espera vi muitos tuaregues, claramente aborrecidos, assentados no chão, à espera que os funcionários marroquinos os atendessem. Decidi fazer uma provocação a um deles. Perguntei-lhe se era marroquino. Olhou-me duramente e com ar ofendido:
- Marroquino no!! Esta es mi tierra!- respondeu-me em perfeito castelhano. E lá me explicou que a terra dele tinha sido uma colónia espanhola e que os marroquinos a tinham ocupado após os espanhóis saírem.

Esperámos algum tempo, mas, após várias conversas minhas e do Allen com os funcionários alfandegários, e após o Allen lhes ter dado várias camisas, canetas e chupa-chupas lá passámos à frente da bicha. Os italianos olharam para nós desconsolados. O tuaregue perguntou-me:
- Te marchas ya?- Disse-lhe que sim e ele pôs a cabeça de lado e abriu os braços como quem diz: - Blanco, claro.

Antes de sair a fronteira fomos controlados por militares. Depois da terra de ninguém , entrámos na Mauritânia, depois de três controlos, um na alfândega, um policial e um militar. Depois, fiquei a saber, junto de uns tratadores, que podia comprar um camelo por 2 €.

Até Nouakchott fomos controlados às 15h35 pelos militares mauritanos, às 16h20 pela guardas alfandegários e às 16h35 pela polícia. Chegámos a Nouakchott, capital da Mauritânia (e, se não única, quase única cidade deste país deserto). É uma cidade que se caracteriza pelos montes de lixo acumulado nas ruas e nos passeios, com um trânsito caótico, sem regras, com os ministérios, os organismos oficiais e a estação de rádio guardados por militares.

Falei com um mauritano (sei o nome dele mas não ponho aqui, por razões óbvias) sobre isto, sobre um país com uma cidade, com escassos centros populacionais, muito deserto, e um governo que parece não tratar de nada, não cuidar do bem da população:
- Oh, le gouvernement!... Il mange, il mange, seulement! (que é como quem diz: eles comem tudo e não deixam nada).
- E vocês não fazem nada?
- É que - disse-me ele - há poucos brancos, alguns árabes e a esmagadora maioria são pretos, como eu, mas o problema é que estão divididos em vários partidos políticos que não se entendem, é difícil.

Dormimos no Hotel El Amane (Av Gamal Abdel Nasser, 26), um sítio muito agradável, com uma recepcionista muito simpática, destoando de todo o ambiente degradante da cidade.

10 Abril

Metemos-nos ao caminho e tivemos às 09h00 o primeiro controlo policial do dia, seguido, às 09h15 de um controlo militar. Às 10h20 tivemos outro em Tiguent e, às 10h52 e 11h20, mais dois controlos policiais. Á entrada de Rosso dois controlos policiais imediatamente seguidos: um às 11h30 e outro às 11h35.

Metemo-nos, de seguida, por uma picada de 90 quilómetros até chegarmos à fronteira (lado da Mauritânia), onde chegámos às 14h00, demos 5€ ao guarda da alfândega, o Mohamud (disse que era solteiro e perguntou ao Allen quanto é que queria pela Inês...), mas só saímos de lá às 14h55.

Desde esta hora até às 16h10 estivemos empatados com os vários guardas da fronteira do Senegal, polícias, alfandegários, militares, e até nos obrigaram a fazer um seguro para o carro. Aqui, com os senegaleses, foi só largar dinheiro. No final, um major queria meter um polícia no jipe para ir connosco até à Guiné-Bissau. Chamei-o à parte, mostrei-lhe o meu cartão militar:
- Ouve lá, nós somos colegas! Não confias em mim? Pega lá 50 € e deixa-nos andar.

E lá andámos, sem polícia pendura. Fomos controlados pela polícia às 16h30 e chegámos a Saint Louis às 16h40. Dormimos no Hotel Cab St. Louis. Muito agradável, e pudémos aí comprar CFAs. Fica perto da margem direita do rio Senegal e está pegado, do outro lado, a uma praia oceânica.

SENEGAL

11 Abril

Partimos para Tambakounda e fomos controlados às 12h00 e 12h15 pela polícia. Chegámos a Tambakounda depois de almoço (de conservas, no caminho). Ficámos no Hotel Oasis. Houve quem fosse à piscina. Não é mau. A empregada do bar é solteira mas diz que não quer saber de homens.

12 Abril

Saímos às 07h10 a caminho da Guiné-Bissau. Às 10h15 passámos a fronteira do lado do Senegal sem qualquer problema. À entrada da Guiné já não estavam para chatear. Também há uma terra de ninguém. A entrada na Guiné foi uma festa.
- Até que enfim oiço falar português - disse-lhes eu.

E um guarda até era sportinguista!

Recomendações ou dicas para quem se aventurar por estes caminhos:

(i) Quem se aventurar nestes caminhos conte em levar bastante dinheiro para distribuir pelas várias fronteiras (nós gastámos cerca de 500€, pagos pelos patrocínios conseguidos); levem camisas, caramelos e canetas também para distribuir, em certas situações os guardas contentam-se com isso;

(ii) Quem se aventurar nestes caminhos tenha uma conversa prévia com o Francisco Allen, o globtrotter destas viagens, batido em todos os esquemas necessários para ultrapassar as chatices destes espíritos africanos.

_____

Nota de L.G.

(1) Vd post de 20 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXIII: O Rali Porto-Bissau (1): Jantar em Moreira de Cónegos

quarta-feira, 3 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P719: Do Porto a Bissau (14): O regresso a casa (Albano Costa)

Imagens e legendas do Albano Costa:

1. Eis a chegada do primeiro contingente vindo da Guiné, só faltam o Almeida e o Saagum que ficaram em Lisboa, os restante vieram para o Porto: são eles o Hugo, a Inês, o Manuel Costa - no meio estou, que os fui esperar ao aeroporto -, o Armindo, o Casimiro e o Aguiar:



2. Uma semana depois veio o resto da companhia: o Allen e o Marques Lopes, felizes e com vontade de lá voltar. Aqui rodeados por mim e pelo Hugo:

Créditos fotográficos:© Albano Costa / Hugo Costa (2006)

Guuiné 63/74 - P718: Do Porto a Bissau (13): Notícias do Paulo Salgado

Texto do Paulo Salgado:

Caros Bloguistas:

Tenho algumas estórias para contar. Mas hoje quero apenas reflectir um pouco sobre a nossa ligeira participação na chegada dos viajantes - direi mesmo: grandes viajantes - a Bissau. Dos pormenores da sua estada, poucos factos retive, pois os valentes andaram por aí bebendo o que puderam por essa Guiné, a Guiné profunda que todos apreciamos, e mal tivemos tempo de conviver.

1. Não é justa qualquer insinuação (desculpa-me, Albano) sobre uma eventual precipitação do Allen - ele julgou que os preços seriam mais baixos. Acreditai que os preços em matéria de hotéis são altos. Tenho vindo aqui muitas vezes e para um hotel mínimo os preços são altos. A procura é elevada e, por isso, os preços sobem.

2. A moradia que conseguimos arrendar pertence à empresa SOMEC e só a amizade das pessoas permitiu que fosse disponibilizada, até porque apenas um funcionário ocupa uma das casas.

PS - Passámos, o fim-de-semana mais longo, na ilha de Canhabaque (ilha Roxa)[, no sul, na região de Tombali. Percorremos vários km pelo interior. Aqui travaram-se combates violentos, à beira mar, entre portugueses e guineenses (das ilhas). Foi uma mortandade. Em 1939! Lá está o obelisco ainda pouco danificado: "Pacificação de Canhabaque"! E o herói que comandou as NT.

Lá voltaremos.

Mantenhas para todos

terça-feira, 2 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P715: Do Porto a Bissau (12): A fonte de Mansambo (Albano Costa)

Post nº 725 (DCCXXV)
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > O caminho (frondoso e, outrora, perigoso) para a fonte.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > A fonte de Mansambo: aqui foi gravemente ferido, em emboscada montada pelos guerrilheiros do PAIGC, em 19 de Setrembro de 1968, o Saagum, do 1º pelotão da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) (1)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > A visita de grupo à fonte... Está estampada no rosto a alegria de ambas as partes, portugueses e população local... Os portugueses são, da esqerda para a direita, o Saagum, o Aguiar, o Casimiro, o Almeida, o Armindo e o Manuel Costa (AC).


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > Junto à fonte. A foto é elucidativa da tensão que vai principalmente no Almeida e Saggun, a sensação daquele momento só os próprios a podem descrever, e era giro que eles o fizessem, aqui fica o desafia para o António Almeida. Da esquerda para a direita: o José Clímaco Saagum, o António Almeida, o Manuel Costra, o Aguiar e o Casimiro (AC).

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > A fonte continua a ser usada pela população local para abastecimento de água, higiene pessoal e lavagem da roupa...


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > O Aguiar e o Casimiro na fonte de Mansambo.
Créditos fotográficos:© Albano Costa / Hugo Costa (2006)

Caro colega António Almeida:

Aqui vão fotos da tristemente famosa fonte em Mansambo aonde, segundo o vosso relato, ia lá abastecer-se tanto as NT como o IN. Eu estive lá, em Mansambo, em 2000 mas ninguém nos sabia informar a localização da fonte. Agora, como vocês lá foram, sempre deu para dar com ela.

Já agora, e passado uns dias do vosso regresso, gostaria de saber a tua opinião em relação à Guiné até para eu não ser enganado no meu pensamento. É que o meu filho me disse:
- Pai, a Guiné está um pouco diferente, em termos de estradas está muito mau, assim como o preço dos hotéis (que só o são de nome).

Há coisas que devem ter mudado para pior, desde 2000. Em matéria de hotéis, foi pena, acho que aí o Allen precipitou-se: ele tinha marcado para o Hotel a 25 euros por dia e, quando lá chegou, já eram 50 euros. Ora isso é mau e caro. Assim não vai lá ninguém, o que é pena.

Felizmente o Paulo Salgado (já falei com ele pelo telefone mas tenho pena de ainda não o conhecer pessoalmente) arranjou logo uma casa que sempre serviu para atenuar o preço. Pelo que o Hugo me contou não tem nada a ver com o que foi na nossa viagem em 2000. Aí, sim, foi muito melhor e com preços normais no Saltinho, dava para escolher o que queríamos comer. Soube agora que o cozinheiro [do Clube de Caça e Turismo] veio trabalhar para o Colete Encarnado.

Paciência, isto daqui a pouco volta outra vez a saudade da Guiné.

Já agora diz-nos se foi a tua primeira viagem à Guiné, depois do 25 de Abril, e quais foram as tuas impressões e, se possível, do teu amigo e camarada Saagum.

Um abraço.

Albano
_________

Nota de L.G.

(1) Vd. posts de:

14 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCVIII: A emboscada na fonte de Mansambo (19 de Setembro de 1968) (Carlos Marques dos Santos)

9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DIX: As baixas da CART 2339 (Mansambo, 1968/69)

12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLII: História da 'feitoria' de Mansambo

(....) "Algumas notas: A 11 de Julho de 1968 o IN reteve um dos nossos elementos, na fonte, e na perseguição, em conjunto com as NT, o Cmdt do Pel Milícias 103 accionou uma mina A/P, tendo sucumbido aos ferimentos. Deste nosso camarada só houve notícias depois do 25 de Abril de 1974.

"Em 19 de Setembro de 1968, a CART 2339 sofre uma emboscada, vinda da copa das árvores, também na fonte, enquanto procedia ao abastecimento de água, que causou 11 feridos (5 graves) e um morto. Um dos feridos graves viria a falecer no Hospital Militar de Bissau (241) a 25 desse mês.

"Em 30 de Setembro nova emboscada na fonte a Pelotão de Milícia e uma mulher da Tabanca" (...).

30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDI: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339

Guiné 63/74 - P714: Do Porto a Bissau (11): Bissau, Barro e Farim (Hugo e Albano Costa)

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > O estado de ruína em que ficou o antigo palácio do governador, depois do golpe de Estado que derrubou Nino Vieira: aspecto exterior...

Guiné-Bissau > Bissau > 2006 > O estado de ruína em que ficou o antigo palácio do governador, depois do golpe de Estado (1998) que derrubou Nino Vieira: aspecto interior...


Guiné-Bissau > Barro > Abril de 2006 > Monumento em homenagem ao 1º Cabo Enfermeiro João Baptista da Slva, da CART 2412, morto em combate, em Bigene, em 21 de Setembro de 1968. Mandado erigir, em Barro, pela CART 2412 (1968/70). Pensava-se que este singelo monumento fúnebre tivesse sido destruído a seguir à independência.

Guiné-Bissau > Farim > Abril de 206 > Com o pai do nosso amigo Anízio (sentado, o segundo da esquerda, ao lado do Xico Allen e do Marques Lopes).

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006: o macaco e o chupa-chupa.

Créditos fotográficos: © Hugo Costa (2006)
 
1. Caros amigos e camaradas de tertúlia:

Acabo de chegar do sul da Itália. O meu périplo de 10 dias, entre 22 de Abril a 1 de Maio, pelas regiões de Lázio, Campânia, Basalicata, Calábria e Sicília, traduzido em 3300 km de carro e em 3300 fotografias, decorreu com a emoção e o cansaço, inerentes a projectos deste tipo. Dez dias é sempre pouco para descobrir, de carro, uma das mais fascinantes partes da Itália e do Mediterrâneo. Fascinantes e caóticas (como é região metropolitana de Nápoles)...
Confesso que, entretanto, tive saudades vossas e do nosso blogue. Das notícias que me chegaram, vou dando conta hoje e nos próximos dias. Começo por transcrever uma mensagem do Albano Costa, datada de anteontem à noite.

 
2. Mensagem de Albano Costa:

Caro LG

Espero que a estadia por terras transalpinas e junto dos vossos filhos tenha sido um momento de grande prazer. Eu, por cá, lá me fui entretendo no convívio à distância com os nossos guineenses. Eles lá andaram na sua maratona, a dar a volta à Guiné o mais rápido possível, mas queixaram-se das estradas, da inflação da estadia e do aluguer dos transportes. Isso é normal mas é mau porque aí cada vez menos se vai à Guiné...

Mas tudo correu muito bem. O Paulo [Salgado] e a esposa foram muito simpáticos e arranjaram uma casa que foi alugada e acabou por ficar mais barato. Quanto ao resto, quando o grupo é um bocada grande, torna-se sempre um pouco mais chato mas depois tudo se resolve. De acordo com a minha expereiência, o ideal é cimnco a seis pessoas, torna-se mais fácil.

Com respeito à viagem todos adoraram: têm imagens de muita pobreza mas também de grande beleza, peripécias muito engraçadas. Há imagens sobre a Guiné muito belas. A estátua, em Barro, lá está e já a enviei ao Afonso [M. F. Sousa] . O Pepito, o Paulo e Conceição Salgado foram impecáveis, sempre presentes para darem todo o apoio ao grupo.

Vou enviar algumas das fotos que recebi:

(i) as do palácio, dentro e fora, é melhor não publicar no blogue, podendo todavia circular por e-mail; dá pena ver o interior do palácio assim, ai isso dá (1);
(ii) monumento erigido em Barro (2) ;

(iii) outra foto foi tirada em Farim, com o pai do Anizio (3);

(iv) finalmente, a do macaco, que também teve direito a chupa-chupa, e mostrou que também gosta; felizmente, os chupas eram muitos...

Um abraço,
Albano
__________

Nota de L.G.

(1) Percebo (e respeito) os sentimentos do Albano Costa; mas julgo ser também nosso dever não ignorar ou escamotear a realidade: neste caso, mais este episódio (triste) da história recente da Guiné-Bissau... Não se entenda a publicação destas imagens como um sinal de saudosismo ou de defesa da pax lusitana...

(2) Vd post de 31 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDVII: Em perigos e guerras esforçados...

(3) Anízio Indami, 22 anos, natural de Farim, estudante em S. Paulo... Vd post de 8 de Novembro de 2005 Guiné 63/74 - CCLXXX: Crianças de Farim ou como o mundo é pequeno (3).

terça-feira, 18 de abril de 2006

Guiné 63/74 - P703: Do Porto a Bissau (10): Os seis 'mosqueteiros' são foto da semana da ONG AD (Albano Costa)

Guiné-Bissau > Bissau > Instalações da AD- Acção para o Desenvolvimento > Parte do grupo (Manuel Costa, à esquerda; Marques Lopes, Hugo Costa e Armindo Pereira, à direita) junto com o Pepito, director da ONG (ao centro).

O Albano Costa mandou-me, no dia 14 de Abril de 2006, Sexta-feira Santa, às 20h49, estas imagens dos nossos mosqueteiros. Presumo que sejam ainda de Bissau. A sua chegada a Bissau foi notícia. Inclusive a sua visita à Rádio Comunitária Voz de Quelelé deu direito à foto da semana do sítio da AD - Acção para o Desenvolvimento, com a seguinte legenda:

"Chegou esta semana a Bissau a expedição de um grupo de 6 portugueses da cidade do Porto, 4 dos quais fizeram o serviço militar na Guiné-Bissau durante a guerra colonial (1963 a 1974). A amizade que os une a esta terra, levou-os a vir durante 2 semanas recordar locais onde viveram e conviver com antigos amigos em diferentes localidades do país: Quinhamel, Candjambari, Farim, Bafatá e Bambadinca. O Marques Lopes, o Xico Allen, o Marques Lopes, o Manuel Costa, a Inês e o Hugo estiveram na Rádio Comunitária de Quelélé e ainda irão visitar o antigo quartel de Guiledje e as extraordinárias e belas Matas de Cantanhez".

O Albano também me transmitiu a notícia de que o segundo grupo, que partiu de avião na 6ª feira passada, chegou bem e estava a instalar-se em Bissau (Casimiro e Ernesto, do Porto; António Almeida e José Clímaco Saagum, de Lisboa)...
 
Algumas dificuldades de alojamento foram prontamente resolvidas graças ao apoio local (nomeadamente do nosso camarada Paulo Salgado, cooperante, administrador hospitalar). Segundo os nossos camaradas, os preços na hotelaria, dentro e fora de Bissau, foram inflaccionados nos últimos anos.

Guiné-Bissau > Bissau > A Inês, divertidíssima, distribuindo balões. Ao fundo, o jipe do Xico Allen, o veterano destas expedições de amizade e de paz...

Guiné-Bissau > Bissau > O Hugo com um pequeno chimpanzé (?). Convenhamos que esta imagem não é politicamente correcta... Verifica-se que, tal como no nosso tempo de combatentes, animais como os macacos e os símios, nossos parentes classificadospelos zoólogos, tal como o Homo Sapiens Sapiens, na ordem dos Primatas, continuam a ser aprisionados e tratados como animais de estimação na Guiné-Bissau dos dias de hoje...

Guiné-Bissau > Bissau > À sombra do secular poilão... Na imagem, distingue-se o Marques Lopes e o Armindo (na primeira fila) e o Manuel Costa (de pé), rodeados de jovens locais.

Guiné-Bissau > Bissau > O Manuel Costa, num gesto ternurento, com uma jovem mãe e o seu bebé.

Créditos fotográficos:
© Albano Costa / Hugo Costa (2006)

quinta-feira, 13 de abril de 2006

Guiné 63/74 - P695: Do Porto a Bissau (9): Entrevistados na rádio (Pepito)

Guiné-Bissau > Bissau > Rádio Comunitária Voz de Quelele > Os jovens repórteres do Porto foram notícia... Na foto, o Hugo e a Inês...

© Pepito (2006)


1. Acabei de chegar ao Porto onde vou passar as miniférias da Páscoa. Na minha caixa de correio, deparei com uma mensagem do nosso amigo e tertuliano Pepito, director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, com a data de hoje, 13 de Abril, 13h32.

Guiné-Bissau > Bissau > Rádio Comunitária Voz de Quelele > O nosso coronel A. Marques Lopes, aos microfones da rádio local, sob o olhar (e o ouvido) atento do Manuel Costa e do Armindo Pereira...

© Pepito (2006)


O Pepito recebeu, na sua morança, os nossos mosqueteiros, esta manhã. Mandou-me também várias fotos dos nossos tertulianos, a serem entrevistados pela Rádio Comunitária Voz de Quelele (bairro de Bissau), que é uma das belas iniciativas que ele, através da sua ONG, apoia e acarinha.

Aqui ficam algumas dessas imagens que me chegaram de Bissau, que nos enchem de alegria e que também já reencaminhei para o Albano (tive inicialmente algumas dificuldades técnicas em inseri-las no blogue, já que não estava a trabalhar com o meu PC, em Lisboa).


Guiné-Bissau > Bissau > Rádio Comunitária Voz de Quelele > O Xico Allen, o coração e o cérebro, do rali Porto-Bissau, visivelmente bem disposto, a falar com o locutor de serviço da rádio local, que é um das meninas bonitas da AD- Acção para o Desenvolvimento...

© Pepito (2006)


Aproveito para desejar Boas Festas a todos, em Bissau, em Lisboa ou no Porto, onde quer que os nossos amigos e camaradas da Guiné, membros da nossa tertúlia, estejam a passar estes dias. Eu regresso a Lisboa na segunda-feira ao fim da tarde. E dia 22, parto para Itália (Roma-Nápoles-Palermo-Roma), pelo que o nosso blogue irá provavelmente ficar às escuras... até ao dia 1 de Maio.

Uma especial saudação aos nossos amigos e camaradas que já estão na Guiné (Allen & Companhia) e para os que lá vão ter este fim de semana (Almeida & Companhia).

Sei, pelo Albano, que a vida está caríssima em Bissau, o que é uam boa notícia para os nossos turistas da saudade... Pede-se 12 contos (!) para dormir em Bissau...

Também sei que os heróis da estrada foram o Allen, a Inês, o Hugo e o Manuel Costa. O Marques Lopes e o Armindo foram poupados... O Manuel Costa, que esteve em Quinhamel no tempo da guerra, já tinha ido à Guiné, em 2000, com o Albano e outros.

Guiné-Bissau > Bissau > Rádio Comunitária Voz de Quelele > Os nossos seis mosqueteiros, esta manhã, no estúdio da rádio local... Em primeiro plano, o A. Marques Lopes (de costas) e o Manuel Costa, que é de Guifões (Matosinhos) e é primo do Albano Costa.

© Pepito (2006)



Um abraço especial para o Pepito, o Jorge Neto, o Paulo e a São Salgado, que vivem em Bissau. Para o o Allen, a Inês, o Hugo, o Marques Lopes, o Armindo e o Manuel Costa - tudo gente do Norte ou aculturada, como é o caso do lisboeta e alentejano Marques Lopes - vou-lhes depois mandar um cheirinho da Páscoa cá de cima, uma quadra festiva que aqui tem outro encanto (LG).
__________

2. Mensagem do Pepito:

Olá, Luís

O pessoal do Porto-Bissau esteve esta manhã, aqui na nossa ONG, a visitar a Escola de Artes e Ofícios, o Centro Juvenil Multimédia e a Rádio Comunitária Voz de Quelele.

Guiné-Bissau > Bissau > O jipe está de partida para Quinhamel: o Manuel Costa esteve lá na tropa e quer matar saudades ... O grupo vai lá almoçar.

© Pepito (2006)


Mando-te fotos da entrevista que eles deram à Rádio, antes de seguirem para Quinhamel onde foram almoçar. Os reporteres do grupo (o Hugo e a Inês) também foram notícia.

É pessoal muito porreiro. Não lhes vão chegar os dias para tantas coisas que querem fazer. Na 3ª feira vão a Guileje e à Mata de Cantanhez.

Boa Páscoa

pepito

3. Realizou-se recentemente, de 14 a 20 de Março de 2006, o 1º Festival das Rádios Comunitárias da Guiné-Bissau "Ondas da Cidadania", iniciativa que teve o apoio, entre outras ONG, da AD- Acção para o Desenvolvimento. Pela sua importância cívica e cultural para a Guiné-Bissau e o resto da CPLP, a notícia merece um pequeno destaque no nosso blogue (vd. Declaração de Bissau, a seguir).


Guiné-Bissau > Bissau > Cartaz do 1º Festival das Rádios Comunitárias da Guiné-Bissau "Ondas da Cidadania" (14-20 de Março de 2006).

Declaração de Bissau

Dia 19 de Março de 2006

Reunidos de 13 a 19 de Março de 2006, em Bissau, representantes de rádios comunitárias e de organizações não-governamentais da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa declaram:

Consideramos que…

- …as rádios comunitárias são fundamentais no processo de democratização das comunicações e na busca da inclusão social dos sectores sociais menos favorecidos;

- …as verdadeiras rádios comunitárias promovem a educação, saúde, consciência ambiental e o protagonismo das mulheres e dos jovens;

- …é notória a mudança de cenário nas regiões nas quais as rádios comunitárias funcionam, pois criam um ambiente de cidadania e participação popular;

- …em alguns países da CPLP, por pressão das emissoras privadas ou dos partidos políticos no poder, as rádios comunitárias são reprimidas, fechadas e, em alguns casos, seus integrantes são presos ou multados;

- …ao mesmo tempo, muitos ministérios das áreas sociais (educação, saúde, meio ambiente, etc…) destes mesmos governos utilizam as rádios comunitárias para suas campanhas sociais, o que não deixa de ser uma forma de reconhecimento da relevância destas emissoras.


Propomos:

- Que os governos dos países nos quais existe repressão às rádios comunitárias suspendam imediatamente essa prática autoritária;

- Que nos países em que ainda não há rádios comunitárias sejam criadas condições políticas e legislativas para estimular o desenvolvimento deste modelo democrático de radiodifusão;

- Que as rádios comunitárias sejam apoiadas pelos governos como emissoras fundamentais na promoção da pluralidade, inclusão social e busca de qualidade de vida;

- Que os governos dos países da CPLP garantam critérios democráticos de autorização de frequências para as rádios comunitárias;

- Que essas rádios sejam reconhecidas pela legislação dos países como espaço de garantia do direito de comunicar, que é um direito humano básico;

- Que essas emissoras, para o pleno exercício do direito acima citado, não tenham restrições para o acesso ao microfone, independentemente dos diplomas de jornalismo ou radialismo;

- Que a rádio comunitária seja reconhecida como instituição do terceiro sector da comunicação, com gestão colectiva e democrática;

- Que as rádios comunitárias da CPLP promovam uma permanente politica de intercâmbio e construção colectiva;

- Que as rádios da CPLP se unam às emissoras dos demais países e continentes para o fortalecimento do movimento mundial pelo direito à comunicação. ,


Bissau, 19 de Março de 2006