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sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15223: Da Suécia com saudade (52): Em 1974, foi criticado, no parlamento, o fornecimento ao PAIGC, sob a forma de ajuda, de produtos como o tabaco e o álcool, considerados nocivos para a saúde e, em 1975, postos na "lista negra" (José Belo)


Página oficial, em inglês, do famoso Systembolaget, o monopólio estatal sueco do álcool.


1. O que é o  Systembolaget ? 

(i)  é uma empresa estatal de lojas de bebidas alcoólicas na Suécia;

(ii) tem o  monopólio da importação, distribuição e venda;

(iii)  é o único sítio onde se podem comprar bebidas com teor alcoólico superior a 3,5%.

O controlo rigoroso da venda e compra de bebidas alcoólicas, assim como a imposição de elevados impostos sobre estas bebidas, faz parte da severa política sueca para evitar os problemas causados pelo consumo exagerado de álcool.

As lojas estatais de bebidas alcoólicas – chamadas popularmente ”systemet” ou ”bolaget” – não vendem os seus produtos a: (i)  menores de 20 anos; (ii) pessoas embriagadas;  ou (iii) suspeitas de venda ilegal. 

Há uma rede nacional de 431 lojas que  vendem cerca de 2400 diferentes bebidas,  da cerveja ao  vinho, do licor à  aguardente, etc. provenientes de cerca de 40 países.  Há cerca de 500 agentes que servem as pequenas comunidades locais. estes agentes não tem "stocks", mas encomendas são feitas através deles... 

Fonte: Systembolaget. [Se quiserem saber mais, têm aqui, em inglês, o "Responsibility Report 2014"]


2. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia...

[ foto atual à direita: José Belo, ex-alf mil inf, CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); atualmente é cap inf ref e vive na Suécia há quase 40 anos]



Data: 2 de outubro de 2015 às 12:29

Assunto: Ainda os "olhos azuis", em perspectivas da raposa e das uvas quanto ao..."estão verdes"?


Uma moção no Parlamento sueco relacionada com a ajuda ao PAIGC, em tabaco e álcool...


Em 1974, foi enviada pela Organizacäo Nacional dos Estudos Relacionados com os Produtos do Tabaco uma carta à ministra responsável pelos auxílios aos países em desenvolvimento, na qual se protestava quanto ao facto da SIDA (iniciais da agência estatal sueca de auxílio aos países em desenvolvimento) estar a fornecer cigarros e bebidas alcoólicas às Lojas do Povo, administradas na Guiné-Bissau pelo PAIGC.

Nesta carta foi sugerida a substituição destes produtos por outros,  não prejudiciais à saúde dos guinéus.

Esta sugestão veio a provocar vivo debate no Parlamento.

Em esclarecimentos prestados perante a Assembleia,  a então ministra Gertrud Sigurdsen salientou dois pontos:

i)  as encomendas em cigarros e bebidas alcoólicas teriam sido sugeridas nas listas de produtos apresentadas pelo PAIGC;

ii)  segundo as informações disponíveis, o valor anual dos fornecimentos destes dois produtos não ultrapassava as 185 mil  coroas suecas, enquanto o auxílio ao PAIGC era de 15 milhões (!).

Foram então colocadas à ministra as seguintes perguntas finais:

(i) seria no futuro tolerado que a Suécia forneça a título de auxílio produtos que são reconhecidos pela opinião pública como causadores de sérios riscos para a saúde?

(ii) seria esta a função do auxílio prestado?

(iii)  quais os resultados perante a opinião pública, até então tão participativa, e as consequências que daí poderiam advir para programas futuros?

Em 27 de janeiro de 1975 o parlamento do Reino Sueco decidiu que produtos prejudiciais para a saúde, como o tabaco e álcool, não poderiam  fazer parte dos fornecimentos de auxílio aos países em desenvolvimento.

Como curiosidade, a Suécia (System Bolaget), a Finlândia (Alko), a Noruega (Vinmonopolet) e a Islândia (Vinbúö) têm um monopólio estatal de todas as bebidas alcoólicas, sendo a Suécia um dos maiores compradores mundias de produtos relacionados

O parlamento sueco.
Foto enviada pelo José Belo
sem indicação de fonte.
Quanto ao tabaco, a Suécia foi o primeiro país a estabelecer um monopólio estatal no século XVI.
A produção de tabaco (na Suécia!) foi iniciada em 1724 por decreto real, sendo todas as cidades obrigadas a reservar terrenos para este fim.

Por volta de 1800 o número de fábricas era superior a 100, tornando-se o tabaco uma produção importante no reino.

A última plantação de tabaco, existente na província da Skåne, foi encerrada em 1964.

Hoje, 81 municipalidades e organizações exigem uma lei parlamentar para proibir totalmente os produtos relacionados com o tabaco até ao ano de 2025.

(A propósito, a produção de fósforos também é propriedade estatal).

Um grande abraço do José Belo.




Fonte: Tor Selltröm, "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Mocambique e Guiné-Bissau". Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 2008, tradução portuguesa, p. 277" [, disponível aqui, em formato pdf, clicar no link].


Fonte: Ibidem, p. 275

3. Informação recolhida pelo José Belo sobre consumo de álcool na Suécia, em Portugal e na Guiné-Bissau


Relatório da OMS (Organização Mundial de Saúde), de 2010, publicado em 2014,  com projeções futuras, quanto a consumos de bebidas alcoólicas.

Incluem-se  pessoas com 15 anos de idade ou mais. É referido o consumo de álcool puro em litros (!), per capita e por ano: numa vasta lista de consumidores desde os maiores para os menores: Portugal estava em 6º lugar, muito à frente  da Suécia (50º) e Guiné-Bissau (124º).

Outros indicadores de consumo:

(i) Cerveja (litros per capita /ano): Portugal (30,8), Suécia (37), Guiné-Bissau (19,6);

(ii) Vinhos (litros per capita /ano): Portugal (55,5), Suécia (46,6), Guiné-Bissau (14,9);

(iii) Destilados (litros per capita /ano): Portugal (10,9), Suécia (15,1), Guiné-Bissau (22,4);

(iv) Outras bebidas alcoólicas (litros per capita /ano):  Portugal (2,8), Suécia (1,4),  Guiné -Bissau (43) 

Cervejas / cervejas de malte
Spirits / bebidas destiladas
Vinho /feito de uvas
Outros /bebibas alcoólicas feitas de arroz, sake, kumi kumi, kwete e cidra.

Aparentemente a medida Parlamentar Sueca...

Um abraço do José Belo
_____________________

Nota do editor:

Último poste da série > 1 de outubro de 2015 >   Guiné 63/74 - P15184: Da Suécia com saudade (51): Mais um detalhe da pequena história do auxílio sueco ao PAIGC: a emissão, ultrassecreta, de 40 mil selos de correio, para comemorar a independência (unilateral) em 24 de setembro de 1973 (José Belo) 

domingo, 10 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13481: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XX: a festa dos meus 25 anos, em Farim (Carlos Simões, ex-fur mil op esp. 1º pelotão)





1. Histórias da CCAÇ 2533 > Parte XX (Carlos Simões, ex-fur mil op esp, 1º pelotão):

Continuamos a publicar as "histórias da CCAÇ 2533", a partir do documento editado pelo ex-1º cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp, inumeradas, de fotografias). (*)

Desta vez, o Carlos Simões  conta-nos como é que passou o seu 25º aniversário natalício, em Farim...   Não foi diferente de outars festas de anos, passadas no mato, ao longop de toda a guerra... Com muito álcool... Este  episódio vem contadao na primeira pessoa, a pp. 77, do livrinho em questão... Boa continuação das férias para os nossos leitores...LG

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12188: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (26): Como se faz acabar o vício de cravar cigarros aos outros

1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 14 de Outubro de 2013:

Olá amigos Luís e Vinhal!
Vai tudo bem no reino do Blogue?
Bem me parece que sim!
Para além de vocês Luís e Vinhal, aproveito também para saudar o meu amigo (nosso) Magalhães Ribeiro.

Em anexo aí vai mais um “salpico”.
Rui Silva


Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.


Do meu livro de memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”

26 - Como se faz acabar o vício de cravar cigarros aos outros e aproveita-se até para lhe dar a alcunha duma marca de cigarros muito em voga na Guiné, na altura, e que veio mesmo a calhar: “CRAVEN A”

Na Guiné, mais propriamente em Bissau, fomos encontrar coisas boas no comércio. Uma surpresa! Logo ali na rua paralela à marginal, na Casa Pintosinho, haviam as últimas novidades eletrónicas. Os melhores rádios, transistors, pick-ups, aparelhagens de som, máquinas de barbear e todo o mais. Akai e Pioneer era do mais reclamado e moderno. Estavam na moda.
Um rádio para pôr na mesinha de cabeceira era o que se pretendia mais. No mato, já a ventoinha, a 5 dedos da cara, ganhava bem aos rádios. Alguns compraram autênticos rádios de sala e andavam com eles debaixo do braço, como que a dizer que o meu é maior do que o teu, e os donos da música fossem eles; outros ficavam pelos mais pequenos (vulgo transístor) que se levava no bolso e para qualquer lado.

Um camarada comprou um rádio que se transformava em pick-up após uma ligeira articulação. Foi de abrir a boca. Na Casa Pintosinho comprei ali mais tarde um “Mitsubishi”. Este transístor andava em propaganda radiofónica local e assim andou durante bastante tempo. Seduzido por tanta propaganda fui lá buscar um mais tarde, quando passei por Bissau em trânsito para férias na metrópole. Boa compra, durou muitos anos e tocava dentro do carro como se fosse um auto-rádio. Uma relíquia, mesmo depois de deixar de tocar (os tombos foram muitos), posta fora inadvertidamente, para desespero meu.
A Casa Pintosinho era uma casa atualizada e a tropa era lá muito bem recebida e atendida.
Pudera! Sargentos e Oficiais tinham manga de patacão.

Na mesma rua e mais para o lado da Amura, na loja Taufik Saad comprava-se, principalmente, entre outras, louças decorativas, vulgo bibelots, louças de servir à mesa, faianças e porcelanas, louça fina, entre esta bonitos Serviços de chá e café que vinham da China. Louça “casca d’ovo “, louça de fina espessura para não fugir aquele nome, onde no fundo se podia ver recortada na própria louça o rosto de uma linda chinesa. Ainda hoje guardo um serviço destes. Era uma casa requintada ao nível das melhores de Lisboa.



Vendo uma das montras do Taufik Saad. Muita cabeçada ali no vidro. As grades, no lado de dentro do vidro enganavam e a curiosidade levava a bater com a cabeça no vidro. Foram muitos os cabeçudos, daí a curiosidade de incluir isto no texto. Ah(!), o rapazinho a ver a montra sou eu! Turista? Se calhar ao outro dia já estava a atirar-me para o chão, lá bem para dentro do Oio. Engraçado (!) ali vivia-se as duas faces da moeda.

Mais à frente e já virada para a Avenida principal, o Café Bento. Mesas cá fora, em jeito de esplanada e sob árvores bem frondosas. O ponto de encontro da malta da tropa, com boas bebidas e para todos os paladares e com boa vista para a avenida principal.

Em Bissau vendiam-se também Whiskies das melhores marcas, algumas nunca vistas na metrópole, quando muito só faladas: Vat 69, Black and White, o Johnnie o preto e o vermelho, Dimple, o Ballantines, etc, etc. Bons Scotches, bons Licores. O Licor Drambuie que era muito procurado pela malta.

Marcas que nunca tinha ouvido, e eu que não tinha chegado propriamente de um colégio de freiras. Brandies, tabacos, tudo da melhor marca. Terra pobre, muito pobre, mas onde as bebidas espirituosas os apetrechos eletrónicos, os melhores tabacos, os melhores chocolates belgas e holandeses, se viam em algumas casas comerciais. Camisas muito bonitas e adequadas para aquele clima. Dizia-se que vinham da China (ou Taiwan?). Muito contrabando se calhar….
Deu para ver com algum espanto que a Guiné tinha mesmo do melhor para a malta dos vinte anos. Se calhar foi esta que fez trazer as coisas. Sobretudo boas bebidas, do melhor tabaco, e outras coisas, outras coisas.

E na Avenida, também passavam bajudas bonitas e formosas. Mais as cabo-verdianas, de olhos grandes claros e expressivos, mas havia nativas que não ficavam atrás, pelo menos nas três medidas standard para a harmonia feminina. Os bifes na casa de uma senhora mulata que me esqueci do nome, o frango assado no Tropical, etc, etc.

Se lhe juntarmos o bom e diversificado marisco, isto já produto do domínio e captura doméstica, não era preciso mais nada. A guerra, essa podia esperar… Na altura era preciso sair 20 ou 30 Km. de Bissau para entrarmos em contenda. No meu tempo e para o norte, esta só andava para lá de Mansoa. No Sul não seria preciso andar tanto depois de atravessar o Geba. Para Este e Oeste havia já alguns arrufos e não muito longe.

Bom, eu estou a dizer isto do bom de Bissau mas, cuidado, estávamos em trânsito para o mato. Ali em Bissau, melhor, em Brá, estivemos apenas 13 dias. O nosso destino estava traçado: Alancar para o OIO, pois a Ópera era para esses lados. Houve quem fizesse a comissão inteira em Bissau e que nunca tenha ouvido um tiro, mas convém dizer que não faziam nem mais nem menos do que cumprir ali a sua missão porque fora essa a destinada. Sortes!!...

Ainda me lembro e pegando na moda de uma cantiga na altura, que, e quando chegamos ao mato (Bissorã), cantávamos : “beijinhos com beijinhos pra cá… bazocadas e granadas pra lá”. Deixem que digam (!), que pensem(!), que falem (!)… deixa lá”…

Ainda em Bissau começava-se pelas ostras e acabava-se, se é que percebo, isso mesmo, em perceves (!) passando por outros mariscos de nomeada. Nisto de marisco a barriga desligou-se de misérias. O Tropical ali tão perto. E isto a pensar que marisco, na metrópole, só um camarão escanzelado ali pr’as Portas de Santo Antão em Lisboa. Salvo a Solmar, mas aí era preciso mais dinheiro. Aí,“cá tem”.


Na esplanada (passeio na rua) do Tropical. No verso desta foto descobri agora que a tinha enviado na altura aos meus pais em correio. Curioso como escrevio ano (MIL 966)

No café Bento pedi uma cerveja, um pão partido ao meio e o chocolate tal.

O empregado pensou que estava a gozar com ele. Perante a cara dele perguntei-lhe se podia ser ou não e ele meio desconfiado foi para dentro e apareceu-me pouco depois com o que lhe pedi. Vá lá… Sabia bem uma sandes de chocolate a puxar pela cerveja. Essa mania trouxe-a do bar do Niassa. Seria pancada? Julgo que não…

Neste bar também se adquiriam coisas curiosas. Comprei ali uma máquina de barbear “Philips” que trabalhava com pilhas. Ainda hoje a tenho.

Falando dos bons tabacos. Os Três Vintes,  o CT, o Português Suave, etc. tinham ficado na viagem. Os últimos foram queimados no Niassa.

Ali na Guiné a fumaça era feita através de tabacos mais finos e requintados, entre eles o “Craven A” (novidade) que é afinal o protagonista desta história e que eu passo a contar:

À mesa no Olossato, ao serão, jogava-se às cartas e começava-se com a sueca (jogo). Lá por o andar da noite passava-se então à lerpa e acabava-se inevitavelmente no abafa e onde de vez em quando saía um ou outro bem (des)abafado.

A história que eu quero contar era ainda à mesa da sueca. Parceiros habituais na minha mesa, eu, o Carneiro, o Piedade e outro que é o centro do episódio e que passo a chamar-lhe o “nosso amigo” (por razões óbvias omito o nome real).
Portanto parceiros certos ali e acolá nas mesas.

Depois (só) de alguns dias é que nos apercebemos que um dos jogadores da minha mesa fumava os nossos - dos outros - cigarros e à vez:
- Dá-me um cigarro se faz favor.

Ao outro:
- Posso?
- Posso fumar um destes? - ao terceiro.

Dava a volta, pelo menos havia o bom senso (e o cuidado) de não cravar o mesmo duas vezes seguidas. Também a tática era logo ali detetada mais facilmente.

Bem, isto não podia ser assim alvitramos nós os três após a constatação, o que ainda levou tempo.

Sentávamo-nos à mesa e cada um punha à sua frente o seu maço e o isqueiro em cima. Primeiro os isqueiros que tinham vindo connosco da metrópole, mais tarde já usávamos os que as senhoras do Movimento Nacional Feminino, que por ali passaram fugazmente, nos ofereceram.
Isqueiros de pedra a fazer faísca e mecha embebida em benzina impregnada numa espécie de algodão e em depósito para o efeito.

Então teríamos de fazer alguma coisa para que os cigarros não fossem assim tão mal repartidos. O tabaco predominante ali era então o “Craven A”.

Pegamos numa embalagem de cigarros vazia e colamos num rótulo que se podia ver, logo mal abríssemos a caixa, com o dizer. "Vai cravar o car(v)alho". Ver, tal e qual, a figura seguinte.



Tinha no meu pelotão um soldado que se chamava Carvalho (que se calhar até nem fumava), mas não era esse o que queríamos apontar. Era o outro, o mais popular, o do léxico portuga, o que até ficou bem explicado na caixa, claro.

O maço ficou dissimulado em cima da mesa e à frente como era habitual de um dos contendores.
- Posso tirar um? - agora já apontando para o maço armadilhado.
- Podes…

Quando calhou de cravar no maço dito cujo, então o nosso amigo abriu, leu, e discretamente fechou. Como nada tivesse acontecido. Também não havia cigarros. Não sei se o maço tivesse cigarros o rótulo passava ao lado.

Bom, acabou ali o cravanço do nosso amigo e começou a risota, dissimulada, ao mesmo tempo que o nosso ilustre camarada logo “ganhou”, (perdeu nos cigarros) dali para a frente, a alcunha do “Craven A”, visto isso, e para memória futura.

Rui Silva
____________

Nota do editor

Último poste da série de 31 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11658: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (25): Os três Hospitais Militares que conheci

sábado, 13 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10528: (Ex)citações (200): Pois que viva... o VAT 69! (Tony Borié / Luís Graça)



1. Mensagem do Tony Borié, um camarada luso-americano, a propósito de um comentário do editor L.G.  ao seu último poste, P10524:

Olá, Luis. Este poema (*), vai para o meu espólio de guerra. Já lá está. 

Que o Criador continue por muitos e longos anos a inspirar-te, e dar voz aos teus sentimentos, que são o de muitos milhares de antigos combatentes, felizmente ainda vivos, e que os podem ler, e ver neles a sua imagem reflectida. 

Estou um pouco longe do meu querido Portugal, já não uso o passaporte de Portugal, mas continuo a chorar ao ouvir o hino de Portugal e a sofrer ao lembrar-me na nossa vivência em África. 

Por favor, continua a dar vida à tua página na Internet, que é um grande motivo de coragem, e a voz de milhares de antigos combatentes. Talvez sem quereres, já fazes parte do património da história do nosso conflito com as antigas colónias de África. 

Um abraço do amigo, Tony Borié.

(*) Comentário de Luís Graça  ao poste P10524:

Tony, Ganda Cifra!... Pois que viva o Vat 69!... Ajudou-nos a (sobre)viver!... (Felizmente que eu nessa altura não era um homem... da saúde pública!). 

(...) Retenho ainda a imagem
Do nosso patético duelo
No bar de sargentos de Bambadinca,
Tendo por arma, letal,
Uma garrafa de VAT 69
(Ou era Jonhnie Walker ?
Ou White Horse,
a tal do cavalinho branco ?
Já não me lembro do rótulo,
Sei apenas que era scotch,
E do bom,
Daquele que vinha
From Scotland
For the Portuguese Armed Forces
With love!
)…

Um duelo de morte,
Gole a gole,
Até ao gole final,
Em menos de 15 minutos!...
Com árbitro e tudo,
Apostas a dinheiro,
Mirones e claques de apoio,
Como mandavam as regras
Dos apanhados do clima de Bambadinca!

Apanhados do clima, dizes bem,
Exaustos,
Usados e abusados,
Filhos de um Sísifo menor,
Condenados ao mais insano dos suplícios,
Uma guerra a que chamavam
De contra-guerrilha,
Uma guerra do gato e do rato…
Não, não, era a roleta russa,
Ninguém tinha pistolas de tambor,
Era o fado lusitano,
Era o fado da Guiné,

Meu camarada, meu amigo, meu irmão,
Era a nossa triste condição,
Era a nossa quiçá estúpida, mas viril, maneira
De matar… o tempo,
O tempo em tempo de guerra,
O tempo de espera entre uma e outra operação.
O tempo de espera que podia ser
Entre a vida e a morte.
Era a insanidade mental,
Era a raiva, traiçoeira,
Era a lucidez da loucura a tomar conta
De nós….

(...)

In Luís Graça > Blogpoesia > Elegia para um paisano.

2. Comentário do Tony Borié ao comentário do editor L.G.:

Olá, Luis:

O teu poema ao Vat 69 e outros" scotchs" é  um hino às horas que nós,  antigos combatentes, passávamos, nos intervalos da guerra, que sofremos no corpo e na alma!. Bem hajas. Nessas horas, éramos nós, oriundos da Europa, onde entre dois scotchs, dávamos largas aos nossos sentimentos, de amizade, abraços, amor ao próximo, esperando a paz dentro da guerra, e algumas chorávamos, lembrando o nosso recanto no Portugal, que o mapa colocou à beira mar plantado!. 

Nas minhas andanças pelo mundo, em alguns países, não havia Vat 69, e então olhava a garrafa e pedia um "cavalinho branco" [, White horse,] , como me sabia esse scotch, fechava os olhos e pensava no chão vermelho, no arame farpado, e no cheiro a camuflado sujo, roto e cheio de lama que via nos meus colegas secarem encostado ao meu mosquiteiro!. 

Não vou continuar, porque vou começar a ser piegas, e isso não é bom num antigo combatente!. Um abraço, Tony Borié.

________________

Nota do editor:

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10305: Estórias do Juvenal Amado (43): Olha o Silva!!!




Guiné > Zona leste > Galomaro > CCS/BCAÇ 3872, 1971/74) > Malta do Pel Rec Info



Vila Nova de Gaia > Carvalhos  > s/d > O casamento do Silva e da Ester

Fotos: © Juvenal Amado (2012). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado, com data de 21 do corrente

 Caro Luís, Carlos, Magalhães e restante Tabanca Grande

Esta pequena estória serve para recordar o meu amigo Silva e faz parte da parede que tento construir. Cada nome, cada caso, cada recordação são tijolos para essa parede.

Seguem algumas fotos com a particularidade de que numa delas aparece um africano que eu não tenho a certeza de ser o Jamba. Tentei confirmar junto de alguns camaradas, mas penso que só o dr Pereira Coelho o conhecer hoje. Fiz alguns apelos mas até agora nada.

Mas mesmo assim vou falar sobre o Jamba. O Jamba era um civil contratado pelo quartel que fazia vários trabalhos. De forte compleição, de bom trato ia connosco à lenha, por vezes há água, estava por todo o lado à vontade pois gosava de total liberdade de entrar e sair do quartel. Também fazia os recados do comandante nas relações comerciais com as lavadeiras, levando-lhe a roupa suja e trazendo a lavada.

Enfim era uma pessoa de toda a confiança... Só mais tarde se veio a descobrir que ele era militante do PAIGC na clandestinidade. Quando reunir informação suficiente contarei o resto da estória se ouver material para isso.

Até lá um abraço
Juvenal Amado


2. Estórias do Juvenal Amado > Olha o Silva!!!
por Juvenal Amado
(ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)



O Silva foi 1º cabo do Pel Rec e era um amigo de todas as horas. Fazia parte de um grupo que se tinha formado ainda em Abrantes após a mobilização, todos do mesmo pelotão excluindo eu que fui praticamente adoptado.

Viemos todos do RI6,  na Sra da Hora,  no Porto,  para Abrantes no mesmo dia e no mesmo comboio, eu com os condutores e com pouca ligação ou nenhuma a essa malta, que depois viria a ser e ainda são como meus irmãos.

O Silva a nível dos soldados só tinha amigos, o mesmo já não digo aos graduados, pois não se coibia de criticar e mesmo tomar posições de certa maneira complicadas de ordem disciplinar. A título de exemplo conto uma pequena estória.

Os camaradas que saíam para as patrulhas nocturnas, quando chegavam ao quartel e depois de tomar banho, dirigiam-se para o refeitório por volta da meia-noite para assim jantarem.

Mas o jantar era difícil de comer àquela hora,  frio e normalmente em papas, pois estava feito desde a 18 horas. De queixa em queixa, de crítica em crítica, as situações iam-se repetindo. Uma bela noite o pelotão recusou-se a comer, fazendo um levantamento de rancho ainda que restrito.

Veio o oficial de dia, que tentou convencê-los a comer e não conseguindo, passou às inevitáveis ameaças, das inevitáveis porradas disciplinares. Tudo foi em vão, pois os camaradas do Pel Rec estavam irredutíveis com o Silva à cabeça.

O oficial passou das ameaças e pensando que vergando o Silva os outros se renderiam, agrediu-o para o obrigar a comer. O Silva manteve-se firme e não comeu. Não me lembro como se resolveu o problema gerado pela agressão, mas as partes envolvidas acabaram por chegar a um acordo e a coisa ficou por ali, com a promessa que o problema das refeições seria resolvido, o que veio a acontecer a partir daquela data e nos meses posteriores até ao fim da comissão.

O Silva subiu na nossa consideração e todos lhe gabamos a coragem de fazer frente ao graduado, embora, se o não segurassem, teria ele respondido à agressão e a coisa tinha ido a mais.

Mas o Silva tinha uma particularidade que nós estranhávamos. Nunca se embebedava. Bebia uns copos mas não passava dali. Coisa estranha, pois até os mais controlados acabavam por se “encharcar” e  tanto mais que a comissão já ia bem adiantada.

Um belo dia, com o pré fresco no bolso fomos a Bafatá,  já com os nossos periquitos e foi de arrasar. Iam os do costume, o Silva, o Ivo, o Caramba, o Ferreira etc. Não será necessário aqui mencionar todos, embora tenha que aqui fazer uma ressalva para o Estofador e o Aljustrel que,  não tendo recebido autorização para seguir na coluna, nos foram esperar ao fundo da bolanha e assim passarem a perna ao tenente Raposo que tinha negado a licença aos dois.

Bom, em Bafatá,  o circuito do costume, começou na Transmontana e entre este mata- bicho e o almoço já encomendado no Libanês, a cerveja corria a rodos.
- É hoje que pregamos uma bebedeira no Silva. - combinamos nós.

E assim foi quando chegamos ao restaurante do Libanês, já todos íamos bem bebidos. Lá como de costume, corria a rodos o vinho branco bem fresco a acompanhar o bife. Depois vinham os charutos e o whisky, normalmente oferecido pelo dono da casa. Inconsolável estava o meu periquito, porque o não deixamos beber nada a não ser Fanta e Coca-Cola.

Não será preciso ter grande imaginação, para ver em que estado estávamos e em que estado chegamos ao quartel. Ao Silva, esse estava que ninguém o podia aturar. Uns usavam o termo “atravessado”, que é um estádio entre a bebedeira e a negação do facto, outros diziam que ele estava com uma “cabra” de todo o tamanho. Uma coisa era certa, ninguém o segurava, não dava um minuto de descanso pois queria apresentar-se ao comandante, ou ir chatear o tenente Raposo, beber um copo à messe, ir para a tabanca e sabe-se lá o que ele faria se o largássemos.

Já noite ia adiantada quando finalmente o deixei no abrigo do Pel Rec e fui para o meu, que era no extremo oposto do quartel. Estava a pegar no sono, pensando que não contassem mais comigo para o embebedar, e que finalmente o gajo tinha sossegado, levo uma palmada fortíssima na coxa, acompanhada de um exclamação do Silva com aquela pronúncia dos Carvalhos:
- Olha o Amado!!!!! estás aqui,  filho da puta!!!! - E tive que o aturar o resto da noite.

Este grupo onde está também o Passos [, foto acima,] tem-se mantido sempre em ligação excluindo o Ferreira que nunca mais deu sinal de si e a ultima vez que o vi, foi numa foto numa revista, quando ele ganhou uma viagem à Disneylândia.

Eu fui ao casamento do Silva com a Ester  [, foto acima,] e eles posteriormente vieram ao meu. O Silva, depois de muito ter trabalhado num negócio que montou, acabou por ter que emigrar para França há meia dúzia de anos. Nunca mais o vi. Esteve cá agora de férias na sua terra, mandei-lhe um abraço virtual e pensei que gostava de estar com ele, mas desta vez bebia cerveja sem álcool.

Um abraço

Juvenal Amado
______________

Nota do editor:


Último poste da série > 12 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9890: Estórias do Juvenal Amado (42): O arroz do nosso descontentamento

sexta-feira, 27 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4085: O trauma da notícia da mobilização (4): Ir em rendição individual e, para mais, 'substituir um morto'... (Henrique Matos)



Fotos: Henrique Matos (2009)

1. Mensagem do Henrique Matos, o primeiro comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé e Porto Gole, 1966/68), açoriano de São Jorge, que vive hoje em Olhão (*):

Caro Luís e co-editores:

Se achares que tem interesse para a série "O trauma da noticia da mobilização" talvez com o subtítulo: a rendição individual...


2. O trauma da notícia da mobilização (**): Ir em rendição individual...


Da inspecção apenas lembro de estarmos em pelota com cara de parvos, pois não era coisa vulgar naquele tempo, e do exame médico que foi super rápido.

Já a mobilização ficou bem marcada. Data: Julho de 1966. Local: Batalhão Independente de Infantaria 17 (BII17) em Angra do Heroísmo (foto anexa retirada da Wikipedia).

Tinha acabado de dar uma recruta e já sabia que seria mobilizado mais dia menos dia. Conservava porém alguma esperança de ir para Angola, uma vez que tinha feito um requerimento nesse sentido por ter lá a minha família e tinha uma boa classificação.

Erro meu. Chegou a dita e logo para a Guiné que já se sabia não era pera doce. Para piorar as coisas era uma rendição individual, o que significava avançar sem que fosse com alguém conhecido (faz sempre falta nem que seja para desabafar), e começou logo a falar-se que seria para substituir algum camarada morto.

Refira-se que só soube que ia para um Pelotão de Caçadores Nativos quando já estava em Bissau. Ainda no BII17, uns dias antes de ser mobilizado, chegou àquela unidade um tenente regressado duma comissão na Guiné e que mostrou a toda agente uma série de fotografias escabrosas.

Claro que isto deixa um cidadão pouco tranquilo e escusado será dizer que os dez dias de férias que me deram antes de embarcar foram passados em estado etílico.

A viagem para Lisboa foi no velho Lima (foto retirada do site Ships Insulana) e demorou três dias e três noites, o que deu para passar no BII18 em Ponta Delgada (foto anexa em que estou de casaco branco) e no BII 19 no Funchal para rever e despedir de camaradas.

Abraço grande,

Henrique Matos

3. Comentário de L.G.:

Já tinha dito ao Carlos (que hoje tem o dia livre porque faz anos, 61 se não me engano)... Vamos insistir no tema, que tem sumo (e muito álcool...) para dar. Também gostara de escrever sob esse famigerado dia, em que apanhei a minha primeira cadela da vida...

De facto, bebi não sei quantas 'moscas' (lembra-se na 'mosca' com o cafezinho ?) num botequim qualquer, parecia que o mundo ia desabar quando me atirei para cima da cama... E ia desabar mesmo: nessa noite, de 28 de Fevereiro de 1969, houve um forte abalo sísmico...

Eu estava em Castelo Branco, onde era 1º cabo miliciano e instrutor militar (passara lá um cruel inverno, com tanto frio que tive comprar ceroulas, como aquelas que usavam os nossos avós)... Pois eu, nessa tenebrosa noite, dormia que nem um justo... Houve alguns estragos no quartel, armários que caíram na nossa camarata, etc. ...Só soube no dia seguinte, já a manhã ia alta...

Quando tiver tempo, hei-de escrever sobre esse episódio. De qualquer modo, eu estou como o escritor norte-americano Mark Twain, ao comentar a notícia da sua morte...Disse ele que a notícia fora um bocado exagerada. O mesmo se podia dizer do "trauma"... da notícia da nossa mobilização.

O que quer dizer trauma ?

Do do grego traûma, ferimento, a palavra portuguesa trauma é um s.m. [Leia-se: substantivo masculino).

Em termos médicos, é sinónimo de traumatismo; contusão; lesão local devida a um agente exterior accionado por uma força; para os psicólogos, trauma quer dizer "choque emocional violento que modifica a personalidade de um sujeito, sensibilizando-a em relação a emoções da mesma natureza e podendo desencadear problemas psíquicos" (Dicionário de Português Priberam).

Em suma, parece-me ser forte o termo trauma usado no título desta série. De qualquer modo, toda a gente tem hsitórias para contar desse dia (ou dia da inspecção, o ir ás sortes...). São essas histórias que a gente quer ver no blogue. E se houve alguns excessos etílicos, tanto melhor. Quem não bebeu uns copos nesse dia, que atire a minha pedra, perdão, garrafa.

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste do Henrique Matos > 13 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4023: Memória dos lugares (19): Porto Gole, 1966, muito antes das tristes valas comuns... (Henrique Matos)


(**) Vd. postes anteriores desta série:

26 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4079: O trauma da notícia da mobilização (3): Calma rapaz, nem tudo há-de ser mau (Carlos Vinhal)

24 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4075: O trauma da notícia da mobilização (2): No dia da minha inspecção, ali estava eu, em pelota... (Joaquim Mexia Alves)

24 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4072: O trauma da notícia da mobilização (1): A minha mobilização para a Guiné acagaçou-me (Magalhães Ribeiro)

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3921: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (8): Um poema chinês do Séc. VIII com dedicatória à malta de Matosinhos (A. Graça de Abreu)

O nosso camarada António Graça de Abreu, "disfarçado de mandarim", no Palácio Imperial, em Pequim. Ele viveu e trabalhou na China entre 1977 e 1983. É um notável poeta e tradutor de poesia, nomeadamente chinesa clássica. Neste preciso momento, ele está em Pisa, Itália, num encontro internacional de poesia, de onde nos manda um abraço para toda a Tabanca Grande.

O A. Graça de Abreu, "em traje comunista", em Shanghai.

Fotos: © António Graça de Abreu (2009). Direitos reservados

Os Seres, Saberes e Lazeres (8) > Du Fu (712-770), um poeta chinês, e a nossa Guiné (*)

por António Graça de Abreu (**)


Há umas três semanas atrás, quando da apresentação do site da Guerra Colonial, da Associação 25 de Abril, na Academia Militar, disse ao nosso comandante e tertuliano-mor Luís Graça que me diluo pelos dias atarefado, assoberbado com as esplendorosas dificuldades de traduzir mais um dos maiores poetas da China, de nome Du Fu (leia-se Tu Fu).

Esta é a minha quinta tradução, depois dos Poemas de Li Bai (701-762), Poemas de Bai Juyi (774-846), Poemas de Wang Wei (701-761) e Poemas de Han Shan (sec. VIII), todos editados em Macau, excepto o último que aguarda publicação.

Mas o que é que isto ver com a nossa Guiné?

Du Fu, o poeta que agora traduzo, nasceu em 712. A primeira parte da sua vida estendeu-se por uma existência de simples e depurados prazeres, anos requintamente vulgares. Depois, a partir de 750 e até 765 - Portugal então não existia, andávamos às voltas com os visigodos nos espaços que hoje são Aveiro, Santarém, Beja, etc. - o império chinês viveu uma das mais cruentas guerras da sua História. Du Fu testemunhou tudo isso.

A China contava com 56 milhões de almas, e nesse período, as rebeliões, os grandes combates, (chegavam a morrer cem mil homens numa só batalha!), mais a fome e a miséria do povo provocaram 12 milhões de mortos.

Qualquer semelhança com a nossa guerra da Guiné é estulta e insensata, quer dizer, está demasiado longe das realidades que vivemos em África.

Mas, com muitos séculos de permeio, homens made in China ou made in Portugal, todos somos gentes do mundo.

Traduzi o mês passado mais um poema de Du Fu, falecido em 770, e lembrei-me dos nossos camaradas da Guiné, e do álcool que então bebíamos às pázadas, era o nosso modo bem português de, fodidos, refodidos, “dar de beber à dor”.

Fernando Pessoa (1883-1935) dizia: “Boa é a vida, mas melhor é o vinho.” Como a nossa vida não era boa, o álcool era excelente.

Leiam o poema de Du Fu escrito em 754, e digam-me se estas palavras já com treze séculos têm ou não a ver connosco, camaradas da Guiné. E, mais importante do que todas as guerras, têm ou não a ver com a amizade que nos une.

Este (meu) poema de Du Fu (712-770), vai com dedicatória para os camaradas da Tabanca de Matosinhos.

Um forte abraço, meus amigos!
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Bêbado, uma canção

Muitos ascenderam ao topo da hierarquia,
tu, meu amigo, continuas a padecer ao frio.
Nas grandes mansões, empanturrados com iguarias,
tu, meu amigo, mal consegues uma malga de arroz.
A tua filosofia, um coração cristalino, pouca ambição,
o teu talento, superior ao dos letrados do passado.
Respeitado pela tua virtude, condenado, sem glória,
a deixar o teu nome para além dos séculos.
És um rústico que não é desta terra,
de cabelos finos, motivo de mofa e zombaria.
Queres arroz, vais ao celeiro imperial,
obténs ainda cinco colheres por dia,
mas se queres abrir o coração,
vem ter comigo, meu amigo.

Quando ganho umas tantas moedas,
cuido de ti, vamos gastá-las em vinho.
Que nos interessa a pompa, o luxo, as cortesias,
somos gente simples, descuidada e livre!...
Meu mestre, enchemos, bebemos as taças até ao fim,
em silêncio na noite da Primavera.
Lá fora, a chuva fina como flores
caindo dos telhados, apagando as lanternas.
Entoamos cânticos, animados, iluminados
por espíritos a montante, a jusante do rio.
Para quê pensar tanto no destino?
Sim, a fome, e por túmulo, uma vala qualquer.
Outrora, um grande poeta lavava canecas de vinho,
um ilustre letrado lançou-se de uma torre.
Quem somos nós, no fim de tudo?
Melhor retirarmo-nos cedo, voltar a lavrar a terra,
cuidar dos telhados de colmo, dos caminhos, do musgo.
Os ensinamentos de Confúcio, afinal para que servem?
Sábio, salteador de estradas, todos regressam ao pó.
Para quê tanta tristeza, tanto queixume?
Estamos vivos, vamos beber umas taças de vinho.



Du Fu (712-770)

(tradução: António Graça de Abreu)

__________


Notas de L.G.:

(*) Vd. últimpo poste da série > 7 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3579: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (7): A Toque de Caixa, com o Abílio Machado, ex-baladeiro de Bambadinca (Luís Graça)

(**) O António Graça de Abreu nasceu no Porto, em 1947, tendo-se licenciado em Filologia Germânica. É também Mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

Entre 1977 e 1983 leccionou Língua e Cultura Portuguesa nas Universidades de Pequim e Shanghai. Investigador da presença portuguesa na China, foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação Oriente.

Tem uma dúzia de livros publicados na área da Sinologia, da poesia e dos estudos luso-chineses. Vive no Estoril. É actualmente professor, na Escola de Ensino Secundário José Saramago, em Mafra. Disse-me recentemente que ia (ou estava a) tratar da reforma.

Traduziu para português O Pavilhão do Ocidente (1985), teatro clássico chinês, e os Poemas de Li Bai (1990) - Prémio Nacional de Tradução do Pen Club Português e da Associação Pirtuguesa de Tradutores, 1991 - , além dos Poemas de Bai Juyi (1991) e Poemas de Wang Wei (1993). É autor de China de Jade (1997), China de Seda (2001), Terra de Musgo e Alegria (2005) e China de Lótus (2006).

Na área da história, é co-autor de Sinica Lusitana, vol. I e II, (2000 e 2003). Escreveu também a biografia de D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim, (1751-1808), Lisboa, Universidade Católica, 2004.

Pertenceu, entre 1996 e 2002, à direcção da European Association of Chinese Studies (Heidelberg e Oxford). Também eccionou Sinologia na Universidade Nova de Lisboa (1986/88) e no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (1997/99).

Como alferes miliciano, teve uma visão privilegiada da escalada da guerra da Guiné, entre 1972 a 1974, a partir do CAOP 1 a que pertenceu (Teixeira Pinto ou Canchungo, Mansoa e Cufar). Dessa sua experiência, do seu diário e dos mais de 300 aerogramas que escreveu, resultou o seu 12º livro, Diário da Guiné - Lama, Sangue e Água Pura, lançado em 2007. (Lisboa: Guerra e Paz, Editores. 2007. ISBN: 9789898014344. Preço: € 22.

Na resposta a um pergunta sobre os seus heróis, do famoso questionário de Proust, conduzido pelo PEN Clube Português de que é sócio, o António respondeu:
- Os soldados que morreram a meu lado na guerra da Guiné.
(***).

Li Bai, poeta chinês do Séc. VIII (701-762), é um dos seus poetas preferidos, a par de Camões e de Wang Wei.

É casado com uma médica chinesa, de quem tem um filho, hoje estudante universitário. A mulher da sua vida não é, pois, a mesma a quem escreveu centenas de aerogramas quando estava na Guiné.

Tive o grato prazer de conhecer pessoalmente em 28 de Abril de 2007, em Pombal, no 2º encontro da nossa tertúlia. Depois disso, temos já nos encontrámos várias vezes. O António autografou-me e ofereceu-me boa parte dos seus livros, distinção que me honra, como camarada e amigo. Disse-me, na altura em que o conheci, que não desejava voltar à escrita sobre a guerra da Guiné, o que não é inteiramente verdade, já que o António tem sido um atento leitor do nosso blogue e um activo colaborador.

(***) Vd. Pen Clube Português > 30 PERGUNTAS A PARTIR DO QUESTIONÁRIO DE PROUST:


1. O que é para si a felicidade absoluta?
R- Paz, serenidade, amor


2. Qual considera ser o seu maior feito?
R- A minha tradução dos Poemas de Li Bai (701-762), Prémio Nacional de Tradução1990.


3. Qual a sua maior extravagância?
R- Amar.


4. Que palavra ou frase mais utiliza?
R- Não sei.

5. Qual o traço principal do seu carácter?
R- Generosidade, ingenuidade.


6. O seu pior defeito?
R- Teimosia.


7. Qual a sua maior mágoa?
R- Amores desavindos


8. Qual o seu maior sonho?
R- Amores não desavindos.


9. Qual o dia mais feliz da sua vida?
R- Aldeia Branca, início de Junho de 1985.


10. Qual a sua máxima preferida?
R- Se conheces, actua como homem que conhece, se não conheces, reconhece que não conheces. Isso é conhecer. (Confúcio disse!)


11. Onde (e como) gostaria de viver?
R- Canedo, Vila da Feira, numa casa sobranceira a um regato, na floresta com a mulher da minha vida.


12. Qual a sua cor preferida?
R- Verde.


13. Qual a sua flor preferida?
R- Lírios, rosas.


14. O animal que mais simpatia lhe merece?
R- O panda.


15. Que compositores prefere?
R- Beethoven, Mozart, Débussy.


16. Pintores de eleição?
R- Greco, Leonardo, Miguel Ângelo, Goya, Ingres.


17. Quais são os seus escritores favoritos?
R- Eça, Camilo, Cao Xueqin,


18. Quais os poetas da sua eleição?
R- Camões, Li Bai, Du Fu, Wang Wei.


19. O que mais aprecia nos seus amigos?
Honestidade, alegria de viver.


20.Quais são os seus heróis?
R- Os soldados que morreram a meu lado na guerra da Guiné.



21. Quais são os seus heróis predilectos na ficção?
R- Becky, de Tom Sawyer, (Mark Twain), Bao Yu do Sonho do Pavilhão Vermelho de Cao Xueqin (sec. XVIII).


22. Qual a sua personagem histórica favorita?
R- D.João II.


23. E qual é a sua personagem favorita na vida real?
R- Wang Hai Yuan.


24. Que qualidade(s) mais aprecia num homem?
R- A honestidade, a coragem, a lealdade.


25. Que qualidades mais aprecia numa mulher?
R- As mesmas, mais a beleza.


26.Que dom da natureza gostaria de possuir?
R- Uma enorme aptidão para ler e falar bem chinês.


27. Qual é para si a maior virtude?
R- A honestidade.


28. Como gostaria de morrer?
R- Em paz, de repente, concluídos todos os grandes trabalhos.


29. Se pudesse escolher como regressar, quem gostaria de ser?
R- Um grande mandarim chinês do século XVIII.


30. Qual é o seu lema de vida?
R- Amar, trabalhar, descansar.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3554: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (12): Há momentos em que um homem sente culpa e angústia...

Fuga para Lá (Menor?)

Alberto Branquinho




O capitão miliciano Silvério estava sentado na mesa de canto da denominada “messe de oficiais” com um copo de whisky entre as mãos, assente na mesa. Tinha o olhar fixo no vazio e repetia, repetia em surdina:
- E matavam-se por não saberem…/ por que… por que… os mandavam matar/ sem saberem as razões/ por que matavam… matavam… matavam…

Calou-se durante uns segundos. Depois, elevando a voz, começou a cantar:
- Heróis do mar, nobre povo…
- Oh capitão Silvério! – interrompeu o comandante do batalhão olhando para ele, enquanto segurava, com a mão direita, a carta que ia jogar. – Pare lá com isso!

O capitão parou subitamente de cantar e ficou a olhá-lo com ar apatetado:
- Meu comandante, desculpe. São erupções…

Sempre que não estava ausente em operações, o capitão Silvério ocupava aquela mesa depois do jantar, quase sempre sozinho. Não gostava de jogos de cartas. Bebericava whisky, dose atrás de dose. Quando a visão se lhe turvava, falava baixo, dizia poemas e pedaços de textos sem nexo, que pareciam não ter fim.

Voltou ao texto, repetiu, repetiu. Tinha a certeza que não era bem assim, mas, afinal, dava quase no mesmo.

Relacionava-se melhor com os alferes milicianos, mas estes, à noite e quando não tinham saídas, também eram jogadores de cartas. Ficava só. Ou quase.

Tinha dois inimigos de estimação. Um era o major do planeamento de operações, acusando-o de ele ver o terreno (bolanhas, rios, tarrafos, matas, etc.) como se tudo fosse um mapa plano, sem dificuldades nem obstáculos à progressão da tropa. O outro era o agente da PIDE, instalado junto ao quartel, que, solenemente, desprezava. Chamava-lhe o “homem das antenas”.

Com o correr dos meses tornou-se cada vez menos comunicativo e bebia cada vez mais.
- Capitão Silvério, você está a precisar de umas férias - aconselhou o comandante.
- Pois – respondeu secamente.

Foi de férias. Mas não regressou. O alferes Matos, por ser o mais antigo, passou a comandar a companhia, aguardando o capitão substituto.

Passados quase três meses sobre a data em que o capitão Silvério deveria ter regressado, o alferes Matos recebeu uma carta, enviada por alguém que não conhecia. Abriu o envelope e reconheceu a letra:

"Olá, Matos. Pedi ao meu amigo para te enviar esta carta para o SPM. Dá-me notícias vossas. Escreve para este meu amigo, para o endereço que está no envelope. Ele enviará a carta ou o aerograma para mim. Diz-me o que se vai passando com vocês, com todo o pessoal. Espero que não tenham tido azares.

"Há momentos em que acho que não deveria ter vindo para França, que deveria ter voltado para aí. É assim como uma espécie de culpa e fico angustiado. Principalmente à noite.

"Fica ao teu critério falares disto a quem tenhas confiança, mas acho que devia ficar só entre nós dois. Até para tua segurança.

"Escreve, está bem? E vai dando notícias de tudo.

"Um abraço do
Silvério ".


__________


Notas de vb:

1. Artigos do Alberto Branquinho em

26 de Novembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3521: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (11): Um cabo que conheceu Bissau vinte e três meses depois... (Alberto Branquinho)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2556: Estórias de Bissau (16) : O Furriel Pechincha: apanhado ma non troppo (Hélder Sousa)


Helder Sousa
ex-Fur Mil de Transmissões TSF
Bissau e Piche
1970/72


1. Mensagem do camarada Helder Sousa

Caros Amigos

Vou procurar continuar a relembrar a minha passagem pela Guiné (*), depois de vos ter relatado como foi a partida e como foi a chegada.

Como vos disse cheguei a 9 de Novembro [de 1970], quase na véspera do S. Martinho, e o desembarque deu-se um dia antes de todos aqueles que foram no Carvalho Araújo.

Fiquei alojado num quarto das instalações de Sargentos em Santa Luzia, em Bissau, num espaço cedido para colocar uma cama articulada facultada pelos meus amigos, colegas e conterrâneos vilafranquenses, Furriéis José Augusto Gonçalves (o Bate-Orelhas, como carinhosamente lhe chamávamos na Escola Industrial de Vila Franca de Xira por causa da sua (dele) habilidade de movimentar as orelhas como um abano com um simples esticar de queixo) e Vitor Ferreira, os quais compartilhavam o quarto também com o Furriel Pechincha (só me lembro do apelido), que estava em comissão no QG e tinha estado durante meses numa Companhia nativa, também não me lembro o nome (naqueles dias iniciais os nomes não assumiam personalidade, como já vos disse antes) mas que creio que me pareceu que alguns camaradas presentes durante a apresentação do filme As duas faces da guerra se referiram a ele como tendo estado na zona de Bambadinca.

Pois este amigo Pechincha, que era, salvo erro, de Moscavide e trabalhava como desenhador na Câmara Municipal de Lisboa, tinha fama de estar um bocado apanhado e com uma pancada enorme, mas acho que aquilo era mais para ganhar fama e beneficío dela.

Digo isto porque tive com ele algumas conversas, muito interessante e educativas, que me elucidaram bastante sobre a situação que se vivia e como ele pensava que se iria desenvolver, o que, no essencial, não divergiam muito do que eu pensava.

Mas também não deixava a sua fama por mãos alheias e logo na noite de 11 para 12 de Dezembro fui testemunha privilegiada duma dessas situações.

Nessa noita comemorava-se o S. Martinho. Eu fui portador para os amigos vilafranquenses de alguns quilos de castanhas e de um garrafão de água-pé (por sinal, bem forte!), além de outros mimos. Com um bidão, em frente às camaratas onde os quartos se encontravam, fez-se o assador e então vá de comer chouriços assados, salsichas e castanhas, tudo bem regado com a dita água-pé e outras bebidas estranhas, em grandes misturadas (cerveja, uísque, coca-cola, etc.), tudo a animar uma simulação de uma emissão de rádio protagonizada pelos camaradas das Transmissões com jeito para a coisa, como por exemplo o Furriel Roque.

Com o avançar das horas era tempo de serenar, descansar os corpos e retomar forças para o dia seguinte. Acontece é que, como sempre sucede em situações semelhantes, nem todos estavam pelos ajustes e com a previsão para breve da viagem de regresso do Carvalho Araújo havia alguns, cujos nomes não ficaram registados na minha memória, que integrariam essa viagem final para a peluda, como diziam, e estavam dispostos a prolongar a sua festa, até com atitudes menos próprias e profundamente negativas, principalmente para quem tinha fortes experiências no mato, como seja arremessar as garrafas vazias para cima dos telhados de zinco dos quartos o que, como calculam, a mim ainda não produzia efeito mas para quem já tinha reflexos condicionados era bastante aborrecido.

Ora o nosso bom Pechincha avisou solenemente os meninos que ou paravam imediatamente a graçola ou tinham que se haver com ele à sua maneira. Dada a fama que tinha, que não regulava lá muito bem e que era bem capaz de usar arma, os ânimos serenaram quase de imediato e na generalidade mas, também como sempre sucede, há sempre alguém que procura forçar a sorte e um deles, que também me disseram que estava apanhado (afinal, quem é que não estava?, acho que dependia do grau) resolveu irromper no nosso quarto com uma panela na cabeça e a bater com duas tampas como se fossem pratos duma banda de música.

Entrou, com ar de quem estava muito contente da vida e satisfeito por desafiar as ordens, mas o que eu vi de imediato foi o nosso amigo Pechincha, que estava estendido sobre a sua cama e que era logo a primeira à entrada, estender o braço sobre a cabeceira da cama, agarrar numa espécie de um dos dois machados nativos que estavam lá a enfeitar e sem mais explicações nem argumentos arremessou-o para o intruso, acertando-o na panela que estava na cabeça, deixando-o com o ar mais aparvalhado de perplexidade que vi até hoje, deixar o quarto a tremer e a balbuciar "este gajo está de facto mais apanhado do que eu!".

Uma outra vez, estava com o Pechincha na zona da baixa de Bissau, passámos junto ao Taufik Saad que, naquela ocasião, tinha tido a boa iniciativa de efectuar uma promoção de um artigo qualquer que já não me lembro, mas a infeliz ideia de dizer que era "uma autêntica pechincha"....Estão a ver a cena? O Pechincha resolve entrar de rompante na loja, cartão de identificação na mão, onde se podia confirmar que Pechincha autêntico era ele, portanto a "falsificação" teria que ser imediatamente retirada da montra!

E não é que foi mesmo!?

Era assim o Pechincha! Para muitos foi mais uma demonstração do seu apanhanço mas eu, que estava com ele, e éramos só nós os dois naquela ocasião, percebi muito bem que foi tudo encenado.... Ah, ganda Pechincha! se por acaso nos visitares e leres isto, junta-te a nós!

Uma outra recordação dos meus contactos com ele tem a ver com o que se chamou Operação Mar Verde. Cheguei à Guiné cerca de duas semanas antes da sua ocorrência mas bem em tempo da sua preparação em fase avançada. Nas longas conversas que tinha com o Pechincha, fosse pela minha habilidade em saber coisas, fosse pela habilidade dele em me transmitir coisas, pela necessidade de desabafar e aliviar a pressão a que estava submetido ou por ter percebido algum do meu posicionamento em relação à guerra e à participação nela, a verdade é que fiquei a saber algumas coisas (que pude confirmar depois quando li o livro que relata aquela operação) as quais, com alguma prudência e alguma imaginação, relatei em inocente aerograma para uma amiga vilafranquense, do género fazendo todas as afirmações que queria fazer mas dizendo para não acreditarem nelas, pois certamente as iriam ouvir dos inimigos da nação mas tudo não passariam de atoardas....

E foi tudo com o Pechincha. No início de Dezembro fui para o mato, para Piche, voltando em Junho de 1971 para Bissau para integrar o Centro de Escuta mas nessa altura já o Pechincha tinha voltado e nunca mais soube nada dele.

Cumprimentos e até breve

Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
1970/72
____________________

Nota dos editores:

(*) Vd. último poste desta série de 6 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2509: Estórias de Bissau (15): Na esplanada do Pelicano, a ouvir embrulhar lá longe (Hélder Sousa)