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segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18216: Historiografia da presença portuguesa em África (106): a história desconhecida da Guiné dos anos 60-70 do séc. XIX: Alfa Moló e Alfa Mussá, heróis dos fulas-pretos (Armando Tavares da Silva)


Mussá Moló, tendo à sua direita Dembá Dançá, e à sua esquerda Maransará, chefe-de-guerra deste último (in Francis Bisset Archer, The Gambia Colony and Protectorate. An Official Handbook, London, 1906)-Cortesia de ATS.


[A vermelho, a atual fronteira da Guiné-Bissau. Cortesia de ATS]


1. Mensagem de 11 do corrente, do nosso grã-tabanqueiro Armando Tavares da Silva:


Assunto - Blogue: Guiné Séc. XIX

Caro Luís Graça,

Para quem se interessar pelos acontecimentos que se foram desenrolando na Guiné no decorrer do tempo, o texto que envio poderá ser útil e esclarecedor.

Há quem se queixe que em meados do século XX nada se sabia sobre aquele teritório. Tal não era também possível, pois não havia escritos que o pudessem permitir. Pouco mais se sabia além de que a Guiné tinha sido descoberta por Nuno Tristão.

Se percorrermos as “Histórias de Portugal”, mesmo, e sobretudo, as mais recentes, nada se encontra. E alguns trabalhos onde sumariamente se referem acções militares, confundem factos e apresentam erros. Acresce ainda que, quando se fala da Guiné, é quase sempre para denegrir. Talvez isto seja consequência do que ainda hoje leva a que se oiça dizer: “Mas aquilo tem algum interesse?”.

Parabéns ao blogue e seus editores, e... vida longa!

Abraço

ATS



2. Em comentário ao Post P18172  de 4-01-2018 (*), relativo à identificação do topónimo Gan Sancó, muito possivelmente um antigo regulado mandinga, Cherno Baldé menciona as contendas em que estiveram envolvidos mandingas e fulas. A menção destas contendas  levou-me a rever o que havia escrito em “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926” [, imagem da capa à esquerda,],  sobre a própria emancipação dos fulas-pretos do domínio de mandingas e beafadas.

O alferes Francisco António Marques Geraldes, que havia sido comandante do presídio de Zeguichor, e que era chefe do presídio de Geba, relatando o que fora acção de Alfá Moló, diz-nos em 1886 que este, fula-preto, era chefe de uma “raça que há muitos anos vergava sob o jugo da escravidão. Beafadas, mandingas, fulas-forros e futa-fulas eram seus senhores e, enquanto estes descansavam das fadigas da guerra a que sempre se dedicaram, os fulas-pretos, largando as armas com que defenderam seus senhores, pegavam nos instrumentos agrícolas e ei-los curvados sobre o solo tirando do seu seio, à custa de trabalhos insanos, o alimento preciso para sustentar as tribos guerreiras de que dependiam.” 

Este estado de escravidão resultava da ausência de um chefe enérgico e audaz que se opusesse ao poder dos mandingas e beafadas. Moló, porém, entendeu fazer um esforço sobre-humano para tentar tal milagre e, à frente de um punhado de fulas, edifica a ocultas uma tabanca em lugar inculto e cheio de denso arvoredo, tabanca pequena e povoada só por homens. À distância de duas léguas existia uma outra de mandingas com suas famílias e haveres. “Os fulas-pretos atacam uma madrugada e de improviso esta tabanca; matam os homens, tomam as mulheres e cavalos; alargam a sua tabanca para assim haver cabimentos para as famílias entradas”.

Marques Geraldes situa em 1864 o começo da emancipação dos fulas-pretos, conseguindo Moló, que lutou até ao último dia da sua vida, destruir quase todo o poder dos beafadas e mandingas nos territórios de Geba até Gâmbia.

Depois da morte de Alfá Moló, será um dos seus filhos –Mussá Moló – possuidor de grande energia e superior inteligência, que chama a si os principais guerreiros jalofes, saracolés e mesmo antigos fidalgos mandingas que foram possuidores daqueles territórios e, devido às suas liberalidades, premiando os mais valentes, dando-lhes cavalos e mulheres, soube criar um tal prestígio que se tornou o ídolo dos fulas-pretos. Assim, Mussá soube vencer aqueles restos dos grandes povos que dominaram na Guiné e, em poucos anos tinha suplantado beafadas e mandingas, ficando possuidor de ambas as margens do rio de Geba desde a sua embocadura.

O território do Forreá povoado por fulas-forros estava igualmente cheio de escravos fulas-pretos. Em 1879, quando Agostinho Coelho inaugurou o governo da província, decorria a luta sangrenta entre os fulas-forros e os fulas-pretos, altura em que o Rio Grande mantinha o seu esplendor, ostentando as suas cinquenta e três feitorias prósperas e ricas, e em que a população de Buba era numerosa. 

Por espírito humanitário Agostinho Coelho, na difícil situação de procura da pacificação entre os povos que se digladiavam, e portanto da pacificação da província, recebeu na sua praça de Buba todos os fulas-pretos que quisessem ser livres, arrostando assim com uma guerra que lhe trouxe o completo definhamento do comércio e agricultura. Vendo-se os fulas-forros repentinamente privados dos seus escravos, não tiveram em mira senão vingar-se, o que deu começo a uma guerra no território de Forreá, que aniquilou o comércio e agricultura em Buba e feitorias do Rio Grande.

Joaquim da Graça Correia e Lança, que fora governador interino entre 1888 e 1890, referindo-se também, em relatório de 1890, aos povos que ocupavam a província, escreve: 

“Toda a região do alto Geba era ocupada pelos fulas-pretos, que se estendiam até ao Forreá, onde dominavam os fulas-forros. Era uma enorme área, outrora ocupada por mandingas e beafadas. Estes estendiam-se pela margem esquerda do rio Geba até à povoação deste nome e ocupavam o território de Bricama, Corubal e o Forreá. Aqueles, estendiam o seu império desde Farim até ao Futa-Djalon”. 

Ora, tanto a grande nação mandinga do interior, como os mandingas de Geba viram entrar no seu território “sem desconfiança os inofensivos pastores fulas que, com os seus rebanhos caminhavam sem cessar na direcção do oceano, apenas pedindo pastagem para os seus gados e sal para as suas comidas”. Vivendo sujeitos aos mandingas e beafadas, os fulas haviam sido objecto de “inúmeras extorsões e violências, vivendo uma vida verdadeiramente servil”, até que, em 1863, se dá um primeiro movimento de revolta, tendo-se verificado o primeiro combate em Cabucussará.

Como aqui se vê, Correia e Lança situa o primeiro combate de emancipação dos fulas-pretos em 1863, em Cabucussará.


Atlas da Guiné (1914): posição relativa de Gam Sancó e Ber[e]colon. Cortesia de ATS

Mas os mandingas também sofreram ataques e pesadas derrotas infligidas por futa-fulas, como se infere do referido comentário de Cherno Baldé ao Post P18172 (*).  Segundo este, a fortaleza mandinga de Berecolon foi destruída pelos almames do Futa-Djalon no início de uma guerra que se iniciara em 1852, e que terminaria com a derrota dos mandingas na batalha de Cansala em 1864. Marques Geraldes diz-nos que fora o almame Ibráhima, denominado o Sory, que maiores vitórias alcançara contra os mandingas, e eu faço notar que em 1882, na praça de Buba, circundada por uma paliçada, existia uma autêntica aldeia mandinga, onde se terão acolhido, provavelmente fugidos dos ataques de futa-fulas.    

Houve, porém, um território – o Oio – onde mandingas soninqueses conseguiram resistir aos avanços fulas. É o governador Júdice Biker que, em 1903, mais demoradamente se vai referir a este facto, começando por notar que por muitos anos durou a luta entre fulas e soninquezes, ficando aqueles vencedores tomando posse do chão dos soninquezes, à excepção da região chamada Oio, ainda hoje pertencente aos soninquezes.

Acrescenta Júdice Biker:

“Depois, os fulas passaram a conquistar o território pertencente aos beafadas, luta que igualmente durou bastantes anos, mas sendo os beafadas expulsos do seu chão que igualmente ficou pertencendo à raça fula, refugiando-se os beafadas em Quinará e Cubissegue, que ainda hoje conservam devido à protecção do governo”.

E continua:

 “Relativamente ao Oio, os fulas empregaram todos os esforços para ocupar aquela região. A tabanca de maior nome do Oio é a de Gussará; cinco vezes foi atacada pelos fulas que foram sempre derrotados sofrendo perdas enormes”. Por isso, “para os fulas o Oio passou a ser considerado como território com feitiço”.

Vai ser na sequência de uma incursão no Oio em 1902, e do “prestígio” de que dela resultara, que Júdice Biker, devidamente autorizado, vai proceder a título provisório à primeira cobrança do imposto de capitação (que antecedeu o imposto de palhota), o que realiza durante uma extensa digressão, entre Fevereiro e Março de 1903, em que percorreu de Buba a Geba 275 quilómetros. (**)
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sexta-feira, 9 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17449: Notas de leitura (966): Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 - Um documento histórico incontornável (2) (Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
Que ninguém espere encontrar aqui uma caraterização das etnias guineenses com o rigor antropológico e etnológico. Tudo aqui é observação de quem pensa que está a falar de primitivos, gente que precisa de ser civilizada, aculturada. Não que falte algum rigor em certas apreciações, mas neste documento o autor não esconde que fala de civilizado para indígena, os pobres coitados têm costumes bizarros, a cultura do branco ainda não os moldou para a cidadania. Só décadas depois é que o olhar do cientista se despiu de preconceitos raciais.

Um abraço do
Mário


Um documento histórico incontornável: Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 (2)(*)

Beja Santos

Estes anuários tinham a apresentação de um mostruário do território, dos seus transportes, da natureza da sua administração, fazia-se uma incursão pela cidades e vilas e depois passava-se para as atividades económicas, neste tempo ainda se falava pouco do turismo mas fazia-se sempre menção da fauna e flora, eram requisitos obrigatórios do feitiço africano; e por último, mostrava-se um pouco da história da pacificação e referiam-se os usos e costumes dos indígenas.

Deixei exatamente para este texto a descrição do anuário sobre as etnias existentes na Guiné. Não se perca de vista estamos em 1925 e a antropologia e a etnologia ainda não são consideradas ciências. De acordo com o anuário, na Guiné Portuguesa o tipo de raça dominante é o negro e o negroide e o hamita cruzado. Segue-se um pálido resumo dessas raças, os usos e costumes e o autor adverte que não há intuitos “de que nos tomem por senhores doutores no assunto”.

Fulas – a sua índole é boa, se bem que de feitio concentrado. Pouco robustos em geral, são bastante atreitos a doenças. Quase todos praticam a tatuagem, nos lábios, as mulheres e os homens no rosto. Devido a esta prática absurda, acontece vermos tipos de mulheres verdadeiramente cativantes, prejudicados em absoluto pela deformação dos beiços. O Fula usa lavar-se, mas nem todos empregam o sabão, por ser crença entre eles que tal emprego faz diminuir a virilidade. São supersticiosos à sua maneira. Logo que lhes morre um filho ou parente mudam em regra de povoação, transportando para longe os seus penates. Têm a vaidade de que são grandes progenitores.

Mandingas – têm boa índole, são alegres, expansivos, hospitaleiros e obedientes. São atraídos pelo comércio e a agricultura. Têm duas castas: a dos ferreiros e a dos sapateiros, não podem juntar-se com castas diferentes. Têm os Mandingas também a sua autoridade religiosa que denominam almarne (penso que o autor confundiu, a palavra própria é almani). Ele é ao mesmo tempo conselheiro político, goza de muito prestígio. É curioso como se transmitem entre eles as heranças: por morte do pai herdam os irmãos, começando pelo mais novo que tenha família. Os filhos e as mulheres fazem parte do legado, e neste caso elas ficam sendo pertença do herdeiro. Quando este tem mulheres a mais, a mulher herdada pode passar para o outro irmão, desde que ela concorde, e dividem-se os filhos entre os irmãos.

Felupes – são bem constituídos, robustos, musculados, sadios e resistentes. Quando novos e solteiros, usam várias contas nas pernas e diversas penas na cabeça. Quanto a trabalhar, não se matam muito, apenas produzem o suficiente para comer e pagar o seu imposto. Só depois dos 20 anos é que se casam e não se divorciam, separam-se do modo mais simples quando não se dão bem. Crêem em Deus e nos espíritos malignos.

Papéis – são muito vivos e espertos, musculosos e resistentes. Quase todos de caráter concentrado. Têm um costume interessante: deformar os dentes, tornando-os pontiagudos. Exímios montadores de bois ou de vacas, é costume passarem nos caminhos a trote, ou a galope. No que respeita a bebidas, apreciam o álcool e o vinho de palma. As raparigas Papéis, logo que nascem são pedidas em casamento por qualquer homem, que desde logo tem que auxiliar o pai dando-lhe aguardente e trabalhando na sua lavoura. Uma vez chegadas à idade 10 ou 12 anos, vão as raparigas para casa das mães dos seus futuros maridos e só se juntam com estes depois de atingida a puberdade.

Manjacos – são considerados como uma divisão dos Papéis, com que se assemelham fisicamente e até pelos costumes. Náuticos por temperamento, são os que mais contingente fornecem para o pessoal de embarcações. A mulher Manjaca é ordinariamente esbelta e agradável. Adora os lenços de cores vivas e ornamenta-se, como os ídolos, de bizarros colares de pontas e manilas. Os Manjacos constituem uma população densa e obedecem aos régulos, que são senhores absolutos.

Banhuns (Brames ou Mancanhas) – não crêem na alma, nem sabem o que isso seja, mas acreditam na transmigração. Há Banhuns que se caracterizam pelas horas mortas da noite em hienas e onças para exercerem pequenas vinganças. Para os Banhuns, a mulher não é bem um ser, um farrapo desprezível, sem vontade própria, que eles negoceiam como negociariam a vaca ou uma cabra. Reconhecem que precisam dela mas não se lhe dedicam. Por este facto estão sempre prontos a tê-la em casa e a recebê-la, mesmo que saibam que os filhos que ela lhes traz não lhes pertencem. Ela lavra a mancarra, corta o chabéu (cacho de coconote), lavra o milhinho, que é uma espécie de alpista ou painço; ela prepara os terrenos, sacha e monda as culturas, colhe a mancarra e quebra o coconote.

Balantas – as suas crianças, mal nascem, são lavadas e podem chorar à vontade. Hão de esperar que as mães tenham leite. Se estas morrem em resultado do parto, ou mesmo muitos meses depois, os filhos têm também de morrer por não haver quem os amamente. Quando nascem gémeos, um é abandonado junto de qualquer montículo de bagabaga e lá morre, tomando a mãe conta do outro. Aos mancebos (blufos) tudo é permitido. Praticam a circuncisão, para eles a maior festa. Escolhem as mulheres com que hão de casar. A mulher Balanta, é em geral, infiel ao marido, o que não admira, visto este normalmente ser muito mais velho do que ela. Há entre eles um costume muito curioso: se duas famílias são inimigas, fazem as pazes trocando os filhos em casamentos.

Beafadas – são uns verdadeiros amorosos de batuques. É a mulher que trabalha; é ela que trata da apanha dos produtos, ela que põe em fio o algodão, ela que o tinge, enquanto homem descansa à sombra da árvore.

Cassangas – são considerados uma espécie de Beafadas, havendo quem neles encontrasse muitas semelhanças.

Nalus – atingindo a idade de 18 anos, podem casar e terão tantas mulheres quantas forem as irmãs que tiverem. Praticam a circuncisão. As mulheres são consideradas, em geral, como escravas, não havendo nenhum cuidado com elas quando estão grávidas, chegando até a ser espancadas pelos maridos. Entre os Nalus herdam os filhos, e na falta destes, os sobrinhos.

Bijagós – são os únicos indígenas que não praticam a circuncisão. Untam os corpos com azeite de palma e, nas ocasiões das festas, juntam a este um barro branco. São bons nadadores. Alimentam-se de macacos, ratos, jibóias, cães ou outros bichos domésticos. As suas casas, em regra, são caiadas com barro branco. Algumas têm vários desenhos informes, feitos com barro vermelho e amarelo ou com uma tinta preta. Crêem todos numa entidade suprema.

E o artigo termina assim: acrescentaremos agora que, a par do Balanta, é talvez o Fula o mais corajoso na investida, de uma intrepidez mais calma.


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Nota do editor

(*) Poste anterior de 5 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17433: Notas de leitura (964): Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 - Um documento histórico incontornável (1) (Beja Santos)

Último poste da série de 6 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17437: Notas de leitura (965): Guiné: um rio de memórias, "alegres e doridas"... Porque regressar é preciso: "costuma(-se) dizer que tem mais dores aquele que nunca regressa completamente"... E quem o reafirma é o Luís Branquinho Crespo, que lá voltou quarenta e tal anos depois...

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16777: Antropologia (25): Um sonô, o mais valioso tesouro artístico da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52)

1. Em mensagem do dia 24 de Novembro de 2016, o nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) enviou-nos este artigo sobre  o valor atingido por um sonô, ceptro real, da Guiné-Bissau.


O mais valioso tesouro artístico da Guiné-Bissau

Beja Santos

Em 1969, estava eu no Cuor e Avelino Teixeira da Mota em Bissau (era Chefe do Estado-Maior do Comando da Defesa Marítima da Guiné, recebi deste um aerograma em que a dada altura me perguntava se conhecia a existência de algum sonô na região, visto que os Mandingas do Cuor eram Beafadas mandinguizados. E explicava-me que eram os cetros reais Beafadas de que havia notícia desde o século XVII. E adiantava alguns elementos, curiosamente coincidentes com a apresentação que sobre os mesmos fez num colóquio internacional de antropologia, documento que me ofereceu mais tarde. Todas as diligências junto do régulo foram infrutíferas, mesmo em Bambadinca e Bafatá. Um velho, em Bambadinca adiantou que há muitos anos um comerciante alemão que circulava no Xime e no Xitole também procurava semelhantes objetos.

Imprevistamente, ao folhear um catálogo da conceituada leiloeira Christie’s, de um leilão de arte africana e da Oceânia que se realizou em Paris em Dezembro de 2015, deparou-se-me um sonô cuja base de licitação oscilava entre os 10 e 15 mil euros. Não resisto a mostra-vos esta jóia disputada pelos colecionadores mais exigentes de arte africana, são peças que constam dos mais importantes museus do mundo, como o Moma. Dá vontade de rir quando se diz que a Guiné-Bissau está fora do mapa da melhor arte africana.



































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Nota do editor

Último poste da série de 18 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15636: Antropologia (24): Esculturas e objectos decorados da Guiné Portuguesa (João Sacôto)

domingo, 9 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16579: Álbum fotográfico de Adelaide Barata Carrêlo, a filha do ten SGE Barata (CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71): um regresso emocionado - Parte XII: Buba-Fulacunda, 24/10/2015: Fulacunda, local inóspito onde a Guiné é mais dela, o tempo parou, as crianças quase não existem e... os mais velhos falam dos portugueses de outros tempos...


Foto nº 1 > República da Guiné > Comissão Nacional de Eleições > Comissão Regional de Eleições de Quínara


Foto nº 1A > Comité do Estado da Região de Quínara


Foto nº 2 > Sede regional do  PAIGC


Foto nº 3 > Poilão grande


Foto nº 4 >  Memorial, assinalando a morte de dois militares portugueses:  sold nº 17765, Saliu Djassi, natural de Fulacunda, CCAÇ 1624 / BCAÇ 1860, morto em combate, em 13/1/67, sepultado em Bissau; e sold nº 9028766, Guilherme [Alberto] Moreira,  natural de Mirandela, CCAÇ 1624 / BCAÇ 1860, morto em combate, em 21/1/68, sepultado em Milhais, Mirandela.

Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 24 de outubro de 2015

Fotos (e legendas): © Adelaide Barata Carrêlo (2016), Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico e das notas de viagem de Adelaide Barata Carrelo, à Guiné-Bissau, em outubro-novembro de 2015 (*):

24 de outubro de 2015... Viagem Buba-Parque Natural das Lagoas de Cufada-Fulacunda... a caminho de Bafatá

(...) Fulacunda.

Local inóspito 
onde a Guiné é mais dela, 
o tempo parou 
e as crianças quase não existem
e os mais velhos 
falam  dos portugueses de outros tempos.


2. Comentário, de 28 de setembro p.p.,  do nosso amigo e camarada Jorge Pinto, a quem
demos conhecimento,  em primeira mão,  das fotos acima publicadas:

[Jorge Pinto , ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; natural de Turquel, Alcobaça; é professor do ensino secundário, reformado; foto em baixo: o Jorge Pinto, desarmado, em pose de grande senhor, em julho de 1974, acompanha a visita, a pedido expresso,  de um grupo de combatentes do PAIGC ao porto de Fulacunda, por onde era feito o reabastecimento das NT [, porto fluvial, no rio Fulacunda, vd, poste P12368]

Luís:

Agradeço a iniciativa de me enviares fotos de Fulacunda. Confirmam-se as notícias que recebi no último encontro da Tabanca Grande, através de um camarada da minha companhia (1º Cabo Oliveira), que por lá andou nos inícios deste ano. 

A terra está mesmo em decadência. O isolamento da terra, a inexistência de actividades produtivas e a endémica indolência daquela comunidade de Beafadas fazia prever esta evolução, caso não houvesse uma acção externa de iniciativa governamental. 

Das fotos enviadas apenas identifico as campas e o grande mangueiro [ou poilão?] , entre a tabanca e a estrada de acesso à pista. Dava mangas para todos e era sob a sua protecção que se celebravam as cerimónias sociais designadamente religiosas e festivas. Também era na copa desta grandiosa árvore que abutres e morcegos se reuniam em grandes concentrações...

Sobre as campas não tenho memória das circunstâncias em que ocorreram as mortes. Como sabes, cheguei a Fulacunda em julho de 1972. Sei no entanto, que aquelas mortes ocorreram numa época de grandes confrontos entre as NT e o IN.

Abraço, Jorge

quinta-feira, 3 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15818: (De)caras (32): Visita a Fulacunda, em julho de 1974, de Bunca Dabó e do seu bigrupo, "armado até aos dentes"... (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 4A



Foto nº 4 B


Foto nº 5


Foto nº 5A


Foto nº 6


Foto nº 6 A

Foto nº 6 B


Foto nº 6C


Foto nº 6 D


Foto nº 7 A


Foto nº 7

Fotos: © Jorge Pinto (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Mensagem, de 15 de fevereiro último,  do Jorge Pinto [, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; natural de Turquel, Alcobaça, foto à esquerda; é professor do ensino secundário, reformado]:


Aqui vai o segundo pacote de fotos:

(i) As duas primeiras (Fotos nºs 1 e 2) retratam um patrulhamento das NT, feito ainda em junho de 1974;

(ii) As outras retratam a primeira visita dos militares do PAIGC à tabanca de Fulacunda, com destaque para a 3ª e 4ª foto, onde a população ouve atentamente o comissário politico, sobre as "mudanças" que se avizinham;

(iii) Nesta sessão também é visível o Administrador de Posto, Sr, Norberto  (Fotos nº 4, 4A e 4B) ;

(iv) As fotos nºs 5 e 6 retratam a visita, a pedido expresso, dos militares do PAIGC ao porto de Fulacunda, por onde era feito o nosso reabastecimento [, porto fluvial, no rio Fulacunda, vd, poste P12368];

(v) A última foto (nº 7) retrata, à entrada da messe de oficiais, o comandante de bigrupo, Bunca Dabó, que atacou várias vezes o aquartelamento e a tabanca de Fulacunda, durante os dois anos em eu que lá estive.

As fotos evidenciam que a "confiança", por parte dos militares do PAIGC, ainda estava para nascer!!! ....(Já estávamos em Julho de 1974...)  Também ficou por explicar a utilidade desta visita, pois não fomos fazer nada nem ver nada de novo.

Recebe o meu forte abraço amigo e desejos de que a semana te corra otimamente bem 

  JPinto

2. Comentário de um leitor distraído:

Manda-me o editor dizer que corrigiu o nome do comandante do bigrupo, Bunca Dabó... Jorge, na tua mensagem, o apelido vinha grafado D'Abó... Ele julga que seja apelido beafada, Dabó. Se estiver errado, ele depois corrige... Parece que eles têm, na Tabanca Grande, um tal Cherno Baldé, que é o assessor científico deles, em Bissau,  para as questões étnico-linguísticas e religiosas... Ele poderá confirmar ou  infirmar essa suposição do editor...

Jorge, ele manda dizer que o título do poste não é teu, mas que não ofende ninguém (nem foge à verdade factual) quando ele diz que o bigrupo do tal Bunca Dabó vinha "armado até aos dentes"... Pelo menos, para uma visita de "cortesia a ti", aos teus camaradas e aos teus fregueses de Fulacunda... Porra, só RPG, a contar pelos tubos,  são mais do que os elementos do bigrupo (que parece muito reduzido)...

O editor tem outra dúvida: o comandante... será mesmo o comandante ou o comissário político ? É um "caixa d' óculos", tem ar "citadino", de "intlectual", parece demasiado novo para ser comandante... Deve ter vindo da URSS, ou da Europa de leste, ou de Conacri, ou do liceu de Bissau, ou de Dacar... E, pelo apelido, seria um beafada...

Pergunta o editor, e eu só transmito o recado que ele me pediu para te dar, já que sou teu conhecido e vizinho e tu és amigo do meu pai: como é que aquele homem (, parece-me mais novo do que eu, que tenho 30), se sentiria, uns tempos antes, atacando Fulacunda onde provavelmente teria parentes ?...

Enfim, reflexões serôdios de um "tuga" (,diz o editor, ) que passou, há quase meia centena de anos, por tabancas fulas, mandingas, balantas, e andou no mato aos tiros contra homens armados de Kalash, "costurinhas" e de RGP, e já se interrogava, "in loco",  nessa altura, em 1969/71, sobre o raio do sentido da guerra, em geral, e daquela guerra, em particular... "Guerra de libertação" ou "guerra civil" ?... Guerra, "tout court", meu estúpido, diz ele, o editor: pior que a peste (do latim, "peius", a pior doença), é a guerra... (Enfim, o raio do vosso editor parece que gosta muito de ir à origem etimológicas das palavras).

E mais manda dizer,  por este leitor distraído que sou eu: lembras-te, Jorge, tu que foste professor de história, e és da terra dos monges, Alcobaça, lembras-te da ladaínha que o nosso povo rezava na santa missa de domingo,   "Da peste, da fome e da guerra [, em voz alta,] ,... e do bispo da nossa terra [, baixinho,], 'libera nos, Domine'!" [... livrai-nos, senhor!]...

O que terão dito, nessa altura, os teus habitantes de Fulacunda que estavam sob a tua proteção?...  Em tempo de peste, fome e de guerra, bispo, comissário político, senhor da guerra, comandante de bigrupo, chefe de posto, e tropa... são tudo a mesma coisa, mensageiros de  desgraça e de morte... "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" (Luís de Camões)...

Agora , Jorge, amigo do meu pai e meu vizinho,  deix-me, a mim, leitor distraído, fazer-te uma pergunta e um agradecimento: que será feito deste  Dabó ? E dos outros Dabós ?... E da tua tropa que passou por Fulacunda ? E daquela pobre gente que lá "vivia" em Fulacunda, e que era tão portuguesa como os tipos da tua terra, Turquel, Alcobaça ? Ou que vivia no "mato" a que o Bunca Dabó chamava "zona libertada" ?

Olha,  Jorge, obrigado na mesma, mas as fotos da guerra, com gente fardada e com armas, fazem-me sempre impressão. Não fiz tropa,  nasci em 1985, no meu tempo, felizmente, já tinha acabado a guerra. Mas o meu pai também andou nessa guerra.... e não sabe (ou, melhor, não quer) explicar-me certas coisas....

É talvez por ele, que não é nada dado a estas coisas da Net, que eu às vezes paro por aqui, neste blogue, e fico a ver e a ler estas merdas... O meu pai ralha-me: "Ó filho, deixa-te disso e trata mas é da tua vida. A guerra nunca existiu. Ou então foi  como um pesadelo: tens um  sonho mau, de noite, mas no dia seguinte acordas, felizmente vivo e inteiro, e não te queres lembrar mais dessa merda, desse pesadelo"...  Eu acho que ele não razão, a guerra existiu mesmo, estas fotos são prova disso...

Cumprimentos lá em casa,  A.
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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de março de 2016 >  Guiné 63/74 - P15813: (De)Caras (31): José Manuel Lopes (Josema), o poeta duriense de Mampatá... Relembrando um dos seus poemas de antologia, Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

sábado, 5 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13367: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte I: Distribuição da população e dispositivo das NT e do IN no setor L1


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > 1970 > Uma excelente foto aérea do quartel e posto adminidtrativo de Bambadinca, tirada de heli AL III, do lado da pista (e do campo de futebol)... Ao fundo, vê-se uma parte da extensa bolonha de Bambadinca.

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]











1. O António Duarte, ex-fur mil da CART 3493 / BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972/74), esteve também na CCAÇ 12 (em 1973/74) [foto atual à esquerda,].

O António Duarte é um membro sénior da nossa Tabanca Grande, acompanha-nos, pelo menos, desde 11/5/2006,  mas sempre com grande discrição.  Economista, é quadro superior bancário, refoirmado, e tem participado ativamenmte, nos últimos tempos,  na formação de quadros bancários em Angola. Encontrámo-nos  em novembro passado no aeroporto de Lisboa a caminho de Luanda, onde fomos no mesmo avião da TAP.

Teve a gentileza de me mandar uma cópia, em pdf, da história do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74), que veio render o BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), o qual por sua vez substituiu o primeiro batalhão ao qual o pessoal da CCAÇ 12  esteve adido como subunidade de intervenção (BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70).

Temos trocado  impressões um com o outro  não só  sobre a "nossa" CCAÇ 12 (, ele pertenceu à 3ª geração de quadros da CCAÇ 12, de 1973/74, de rendição individual, e eu à primeira, 1969/71) como sobre o BART 3873.  O António Duarte participou em operações como a Op Trampolim Mágico. Comprometeu-se, há dias,  a escrever alguns apontamentos sobre esta dramática operação, logo que venha de Luanda para onde parte este sábado.

Da história desta unidade, o BART 3873,  vamos selecionar e publicar alguns excertos com informação relevante não só para os camaradas (e são muitos!) que estiveram no importante setor L1 (a porta de entrada da zona leste) como para os muitos mais que por lá passaram, vindos de LDG (de Bissau até ao Xime ou até Bambadinca) a caminho dos restantes setores do leste: L2 (Bafatá), L3 (Nova Lamego), L4 (Piche), L5 (Galomaro) e  L6 (Pirada).(LG)


2. BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) > História da Unidade > Cap II > pp. 1-7 + mapas 1, 2, 3 e 4