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sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Guiné 634/74 - P13501: A propósito de praxes e do Polidoro Monteiro que eu conheci, em Bambadinca, quando fui instrutor de mílícias: "O médico está preso!" (Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt, Pel Caç Nat 53, Saltinho e Bambadinca, 1970/72)

1. Um texto do Paulo Santiago, já de 26 de fevereiro último, mas que esteve em "stand by", por decisão dos editores já que fazia referência explícita a um camarada nosso, que ainda está vivo, e que foi alf mil médico... Omite-se o seu nome, de acordo com as nossas regras editoriais. Não faz parte da Tabanca Grande. (LG

Polidoro Monteiro, em Bissorã, 1971.
Foto de Armando Pires (2014)
Assunto: Polidoro

Luís:
Ainda a propósito do poste do Armando Pires (*), e também do muito que se tem falado de praxes (**), lembrei-me de uma história do Polidoro [, ten cor inf, último comandamte do BART 2917, Bambadinca, 1970/72, e entretanto já falecido], aflorada em tempos, muito pela rama. Se achares interessante, publica.
Paulo Santiago.

2. O Polidoro Monteiro que eu conheci:  
"O médico está preso!"

Quando em outubro de 1971 cheguei a Bambadinca, havia lá um médico que conhecia de vista e de nome, melhor de alcunha...

No meu tempo, na Escola Agrícola de Coimbra, não havia praxes, tinham sido proibidas uns anos antes no seguimento de uma situação que tinha corrido mal. Os alunos dos liceus, e os caloiros da Universidade de Coimbra, ao contrário, viviam num certo "terror", evitando ter encontros, após o toque  da "cabra" com os "praxadores mores". Nestes, os mais conhecidos, e mais temidos, eram o nosso futuro médico, e o "Mata-Gatos", assim chamado por maltratar gatos, naqueles dias em que se sentia frustrado por não efectuar "rapanços".

Foi o ex-praxador coimbrão  que eu fui encontrar em Bambadinca como médico.

Um dia, estava a fazer um "cross" com a companhia de milícias, repentinamente caí redondo. Meio reanimado, trouxeram-me para o posto médico. Diagnóstico: tensão arterial situada em 4-7,5. O clínico manda uma caralhada, diz que estou bastante fodido, e receita-me... whisky, em bastantes tomas durante o dia. Também aconselhou descanso.

Pedi ao ten cor Polidoro para me dispensar de duas ou três formaturas matinais, mas não lhe disse qual tinha sido a receita para a subida da tensão arterial. Esta normalizou ao fim de uns dias e, claro,  bebi mais que aquilo que já bebia. Soube mais tarde que não faltavam medicamentos para a baixa tensão.

Num dia de novembro, há uma coluna de abastecimentos ao Xitole, e um Unimog 411 vira-se. O condutor, um militar da CCAÇ 12, suicida-se dando um tiro na cabeça. Trouxeram o corpo para a capela de Bambadinca, onde numa pseudo autópsia aconteceu algo que não devia ter acontecido.

Pela mesma altura, o Pelotão Daimler foi rendido. O alferes médico em questão tinha lá a mulher (a primeira) mas quase todos os dias à hora de jantar, deixava-a no quartel e vinha comer e beber (bastante) para casa do gajo da PIDE/DGS, ou para casa do Rendeiro [, comerciante,] de quem era conterrâneo.

Na primeira noite de serviço dos "periquitos" do pelotão de cavalaria, o soldado de sentinela no posto, ao cimo da rampa, vê a altas horas um civil, branco,  a aproximar-se, manda-o parar e pede-lhe a identificação. O civil era o médico, vinha bem "carregado" e pôs-se a disparatar com o militar. Felizmente, apareceu o sargento de dia, que informou o soldado:
- É o nosso alferes médico.

Tudo acalmado, o nosso alferes médico vira-se para o soldado de sentinela, dizendo:
- Andas com uma cor muito pálida, amanhã passas no posto médico para te dar um medicamento.

"Periquito", ingénuo, cumpridor da ordem de um superior, no dia seguinte lá estava no posto médico. Neste existia um soldado maqueiro, bruto, meio sádico... Quando o médico  topou o militar de sentinela na noite anterior, disse:
- Oh Fulano Tal, este gajo necessita levar cinco ampolas de Vitamina C, subcutâneas dadas como tu sabes, e hoje leva duas e nunca mais vai esquecer a minha cara.

Diziam que aquelas injecções eram extremamente dolorosas, o certo é o militar ter ficado cheio de dores, nem sentado, nem deitado podia estar durante mais de um dia.

Acabou o curso de formação de milícias, fui passar o Natal e Ano Novo ao Saltinho. No dia 6 de janeiro de 1972, fui de heli para Bissau e,  passados três ou quatro dias, regressei de avioneta a Bambadinca, juntamente com o 2.º comandante, o major Anjos de Carvalho. Na pista, à nossa espera, estava o ten cor  Polidoro:
- Só vim aqui para vos dizer que o médico está preso. Está no quarto, a mulher foi embora e ele,  quando terminar os dez dias, vai recambiado.

O pelotão de cavalaria, no fim do ano, fez uma festa convidando o comandante. Veio à baila a cena das injecções de Vitamina C. Parece que a tampa do Polidoro saltou, já havia os rumores da "autópsia" e outras cenas pouco edificantes. No dia seguinte, arranjaram transporte para a mulher do médico, e na Ordem de Serviço saiu a punição...

Julgo que ninguém ficou admirado com o sucedido.

Paulo Santiago

[ex-alf mil, cmdt, Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72. instrutor de mílícias em Bambadinca; engenheiro técnico agrícola reformado; natural de Águeda]
_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 19 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12742: Furriel Enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (12): Chegou Polidoro, "O Terrível"

(**) Vd. poste de 15 de agosto de  2014 > Guiné 63/74 - P13498: "Francisco Caboz", um padre franciscano, natural de Ribamar, Lourinhã, na guerra colonial (Horácio Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1913, Catió, 1967/69): Parte III: Um periquito praxado com pornografia à mesa do comandante... E as primeiras impressões (más) de Catió e do destacamento de Ganjola...

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13176: Efemérides (156): Ainda a propósito do baile dos alunos finalistas da Escola Técnica de Bissau na Associação Comercial, Industrial e Agrícola, em 5 de junho de 1965: Apanhei 3 dias de prisão simples, dados pelo comandante militar, brig Gaspar de Sá Carneiro (Virgínio Briote, ex-alf mil cav, cmd, cmdt Gr Cmds "Diabólicos", CCmds / CTIG, Brá, 1965/66)


Guiné > Bissau > Quartel General > 24 de agosto de 1965 > Despacho, em papel azul,  do brigadeiro Gaspar de Sá Carneiro,  comandante  militar, punindo com 3 dias de prisão simples o alf mil inf Virgínio Briote, da CCAV 489 [, e na altura, comandente do Gr Cmds "Os Diabólicos", pela sua participação nos incidentes ocorridos na Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau, por ocasião do baile dos alunos finalistas da Escola Técnica de Bissau, em 5 de junho de 1965. Ao alto, no lado esquerdo, o comandante da CCmds / CTIG, sediafa em Brá, o cap art Nuno Rubim, dá conhecimentoao interessado, em 2/9/1965,  do despacho do Comandante Militar.Em baixo, o Virgínio Briote, no mesmo dia, decalara que "tomou conhecimento"...


Fonte: Imagem digitalizada e disponibilizada pelo Virgínio Briote (2014). [Edição e legenda: LG]

1.Troca de emails, com data de ontem, entre o Virgínio Briote 
e o editor L.G.:

(i) 1º mail do Virgínio Briote [, foto à direita, Brá, set 1965]:

Caros Camaradas,

Fiquei muito surpreendido quando hoje ao abrir o blogue deparei com a história passada em Junho de 1965 no baile dos finalistas da Escola Técnica de Bissau. (*)

Passadas estas décadas tenho a dizer que não me sinto nada confortável por ter interrompido a festa dos finalistas. E para completar o assunto envio-vos o despacho do Brigadeiro Sá Carneiro e uma imagem da Plateia daqueles anos, em que o correspondente em Bissau, um 1º Sargento, relata os acontecimentos, documentos que encontrei ainda há poucos meses.

Um abraço a todos do


vb

(ii) Resposta do editor L.G.:

Meu caro Virgínio:

Há coisas nas nossas vidas passadas de que hoje nos arrependemos. Mas eu procuro recusar essa perspetiva. Arrepender ? Não faz sentido... Com 50 anos de diferença, não temos nem podemos ter a mesma leitura dos factos... Felizmente, não houve vitímas mortais (como acontecerá, dois anos depois, entre camaradas páras e fuzos!...) nem, espero bem, reações de stress póstraumático (RSPS)...

Caro amigo e camarada, são os nossos "pecadilhos" de juventude... Quem não os teve, é porque não viu nem viveu...

Os documentos que me mandaste e que eu vou apreciar, posso publicá-los em teu nome ?

Outra coisa: vejo que a saúde está melhor e que vamos ter o privilégio da vossa presença, tua e da Irene, em Monte Real, no dia 14 de junho... Eu cá "andando e recuperando" da minha artroplastia total da anca da perna direita...

Um xicoração. Luis

(iii) 2º mail do Virgínio Briote:

Viva Luís,

Podes publicar, claro. Quando há um ano vendemos a casa que era dos meus pais, perto de Apúlia, tive que arrumar e dar destino à tralha toda que lá havia. E numa mala grande encontrei mais alguma papelada da Guiné. Nem sei como lá foram parar esses papeis. Julgo que a última vez que os vi foi em Bissau...

Vamos gostar de vos ver em Monte Real. Que te adaptes bem às novas suspensões.

Um abraço

vb

PS - Também tenho a ideia que o director da Escola Técnica de Bissau era o Dr. Amaro Pereira (o António Estácio deve tê-lo conhecido bem). Foi este senhor que pôs água na fervura, minutos depois da nossa entrada, e num gesto de grande generosidade aceitou a nossa presença nos trajes em que nos encontrávamos. E eu em conversa com o Godinho lá o convenci a ficarmos para uma dança, agradecer e sair. E não me lembro de ter visto ou ouvido alguém do nosso grupo a discordar. O problema foi depois, fomos ultrapassados pelos acontecimentos e a situação ficou incontrolável.



Guiné > Bissau > Associação Comercial, Industrial e Agrícola > 5 de junho de 1965 >O baile dos alunos finalistas da Escola Técnica de Bissau. Imagem da revista Plateia, de julho de 1965, digitalizada e gentilmente cedida pelo Virgínio Briote.

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Nota do editor:

Vd. poste anterior da série > 21 de maio de 2014 >  Guiné 63/74 - P13171: Efemérides (152): O baile dos alunos finalistas da Escola Técnica de Bissau na Associação Comercial, Industrial e Agrícola, em 5 de junho de 1965: "Alto lá e pára o baile!" (depoimentos de Virgínio Briote, João Parreira e Luís Rainha)