Mostrar mensagens com a etiqueta escola. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta escola. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2900: Blogoterapia (54): Chorar faz bem, chorar fez-me bem, camarada Jorge Félix (A. Marques Lopes)

Guiné-Bissau > Região do Oio > 10 de Março de 2008 > Samba Culo> Passando por Samba Culo a caminho de Canjambari > Mais uma recepção entusiástica...



Guiné-Bissau > Região Oio> 10 de Março de 2008 > Picada entre Samba Culo e Canjambari> "A poeira para recordar velhos tempos das colunas"...


Fotos (e legendas): Página de Carlos Silva > Guerra da Guiné 63/74 - BCAÇ 2879 > Viagens > Guiné 2008 (com a devida vénia...)


1. Mensagem do A. Marques Lopes, dirigida ao Jorge Félix, antigo piloto de helicóptero (Guiné, BA12, 1968/70):

Caro amigo:

Chorar fez-me bem, porque alimenta esta dor que eu não consigo (nem quero) apagar. Contei-te que tive de matar uma professora em Samba Culo e, como sempre que o faço, tive de chorar.Porque nunca quiz matar, porque fui obrigado a matar. Já disse uma vez, e é verdade que tentei ao longo da minha vida banir esta mágoa, mas sem o conseguir. Muitos copos bebi para tal, mas, como viste, por mais copos que beba não consigo. Disseste-me que, como piloto de helicóptero, também matas-te com certeza. Tabém eu te disse que, nas emboscadas, se calhar tinha matado também, assim como eles mataram dos meus. Nunca sabemos. Mas esta soube. Era eu que estava à frente dela e fui eu que disparei. E não queria.

Reavivou-me a dor, mas esta catarse do nosso encontro permitiu-me manifestar esta mágoa. É bom, sempre que possível.
Obrigado.

A. Marques Lopes

_________


Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 24 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - 2879: Blogoterapia (53): Falar da Guiné e verter lágrimas, faz bem (Jorge Félix)

(2) Vd. postes de:

29 Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXX: A professora de Samba Culo (A. Marques Lopes)

(...) "Tenho de partir, de voltar a Portugal. Gostei muito de falar contigo, tinha mesmo necessidade de o fazer, já que, naquele dia em que nos encontrámos pela primeira vez, só eu te disse “firma lá!” e tu não me disseste nada. Percebo que nem me quizesses ouvir... E nunca mais dormi descansado até agora. (...)

"Quero pedir-te uma última coisa, que desculpes aquele meu soldado que tentou violar-te quando estavas agonizante. Conseguiste ver ainda que não o deixei fazer isso. Perdoa-lhe, era bom rapaz, um camponês minhoto que para aqui foi lançado e, sabes, é fácil perder a cabeça numa guerra de inimigos fabricados. Talvez o encontres por aí, o teu camarada Gazela matou-o em Jobel e o corpo dele por cá ficou. Deve andar, como tu, no meio desta floresta do Oio. Fala com ele agora". (...)

7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLIX: Samba Culo II (A. Marques Lopes)

" (...) o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.

"E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o Bigodes, o Armindo F. Paulino (que foi, depois, feito
prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conakri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater. Esta é uma situação que nunca me sai do pensamento... e da minha consciência.

"Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos alunos (miúdos ou graúdos?). Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico! Lembranças que se me pegaram para toda a vida" (...).

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2824: Poemário do José Manuel (12): Ao Zé Teixeira: De sangue e morte é a picada...

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Os alunos da escola de Mampatá onde eu era auxiliar do Furriel Simões (Coimbra) a ensinar todas aquelas crianças. Grande trabalho fez o Simões, professor dedicado e que levava muito a sério a sua missão. Eu gostava mais de jogar à bola com eles.

Foto e poema: © José Manuel (2008). Direitos reservados (1).


1. Poema do dia, sem título, enviado em 24 de Abril:

Ao Zé Teixeira (*)

De sangue e morte é a picada
a escuridão encobre a verde mata
há um silêncio que magoa
um barulho que atordoa
um ruido que embriaga
e adormece os sentimentos
que endurece o coração
é o perder do sorriso
que se volta a encontrar
no sonho, na visão, na ilusão
ás vezes na recordação
da nossa moira encantada
hoje a minha moira é negra
de seios duros e firmes
de palavras e sons estranhos
que aprendo a entender
que sinto que posso amar
pois a vida é para viver
e não apenas para sonhar
renasce o pulsar da vida
em trepidante erupção
sinto regressar a mim
o que perdi na picada.

Mampatá 1974
josema

(*) Nota do JML:

Ontem conheci o José Teixeira e parte do seu grupo de Matosinhos. Relembrámos locais onde vivemos embora em datas diferentes. Havia referências comuns e o mesmo sentir por uma população entre a qual vivemos. Gostei do carinho com que ele falou daquela gente, como o receberam tantos anos depois quando lá voltou, por isso o poema de hoje é dedicado a ele.


2. Comentário, muito sentido e sincero, do nosso Zé Teixeira, com data de 27 de Abril de 2008:

Há momentos na vida em que o escorrer das lágrimas pela face abaixo sem que as possamos conter, reflectem a alegria que vai no coração. Este foi um deles, num fim de tarde de Domingo. Obrigado, Luís, por te lembrares de mim em primeira mão. Obrigado, Zé Manel, pela bela lição de esperança, escrita com raiva e dôr pelo sangue e morte que viste na picada, a picada que eu, antes de ti , trilhei e amargurei, e, só depois de voltar a vê-la, descansei.

Fraternal abraço do
J.Teixeira_______________

Nota de L.G.:

(1) Vd. último poste da série: 2 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2806: Poemário do José Manuel (11): Até um dia, Trindade, até um dia, Fragata

segunda-feira, 10 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2623: Estórias cabralianas (34): O Alferes, o piano e a Professora (Jorge Cabral)

Lisboa > Casa do Alentejo > 6 de Março de 2008 > O Henrique Matos (ex-Comandante do Pel Caç Nat 52, 1966/68) e o Jorge Cabral (ex-Comandante do Pel Caç Nat 63, 1969/71), no almoço organizado pela nossa Tabanca Grande no dia do lançamento do livro do Beja Santos (1)


Foto: © Albano Costa (2008). Direitos reservados (Foto editada por L.G.)



1. Mensagem do Jorge Cabral:

Querido amigo:

Espero que já estejas refeito de tanta emoção!

Lá estive no lançamento, que correu muito bem (1).

Gostei imenso de conhecer o Henrique Matos, com quem logo senti uma grande empatia.
Contei-lhe a estória que hoje envio, a qual devo ao Beja Santos, que me fez recordar do tal piano.

Grande, Grande Abraço
Jorge

2. Estórias cabralianas > O Alferes, o piano e a Professora (2)


Em Maio de 71, o apanhanço do Alferes excedera todos os limites. Os Amigos da CCAÇ 12 haviam partido e ele, com os seus vinte e três meses de mato, refinara a excentricidade, espantando agora os periquitos de Bambadinca.

Naquele dia resolvera visitar a Professora (3). Com que intenção, não sei. Líbido? Mera curiosidade? Alguma aposta? Talvez de tudo um pouco… e se viesse à rede… pois então…

Bateu à porta e logo a amarelenta dama, que parecia saída de um filme de Fellini, lhe franqueou a entrada, num sorriso de Admiração.
- O Senhor Alferes de Missirá! Entre!
- Venho pedir conselhos sobre a Escola. (... Depois blá, blá, blá, da didáctica, dos fulas, dos mandingas, da Guiné antes da Guerra…)
- E que fazia o Senhor na vida civil? - perguntou ela.
Nem hesitou o Alferes. Com um ar sonhador, apontou o piano que ali jazia ao canto, e disparou:
- Pianista!!!
Quase pulou a Professora. Brilharam-lhe os olhos e, como uma criança, bateu palmas.
- Vai tocar! Vai tocar!
Subitamente, ao Alferes, deu-lhe a pressa e encaminhou-se para a saída.
- Hoje não posso. Venho cá outro dia. E até lhe prometo um recital.
Cá fora, vociferou consigo próprio.
- Porra! Sou duro de ouvido. Não sei uma nota. Porque não lhe disse que era massagista?

A partir desse dia, assim que chegava ao Cais de Bambadinca, enfaixava a mão direita e punha o braço ao peito, para passar diante da Escola, com receio que a dama o fizesse cumprir a promessa.

Já em Julho o Polidoro (4) chamou-o. A Professora perguntara-lhe se o Alferes estava melhor.
Coitado, um tiro na mão. E sendo pianista… ainda pior… já não há recital.
- Cabral, você está doido! Que história é essa? Do tiro, do pianista, do recital?
- Boatos! Invenções! Delírios! Coitada da Dona Violete. Imaginou!

Jorge Cabral


PS - Envio foto (da autoria do Albano) tirada enquanto falava do prometido recital...
_______

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 8 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2617: Lançamento do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

(2) Vd. post de 4 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2612: Estórias cabralianas (33): Quatro Madrinhas de Guerra (Jorge Cabral)

(3) Vd. poste de 11 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2431: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (15): Oficial e cavalheiro em Bambadinca, às ordens de Dona Violete

(4) Tenente-coronel, comandante do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72). Já falecido.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1938: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (4): Catunco



Guiné > PAIGC > Catunco. In: O Nosso Primeiro Livro de Leitura, p. 51. Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC > 1966

Foto: © A. Marques Lopes / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


Katungo ou Catunco ? Parece evidentemente tratar-se de grosseira gralha tipográfica: o que não admira, o livro terá sido impresso na Suécia (1). A sul da Catió, temos as Ilhas de Catunco, Como e Caiar.

Na ilha de Catunco (vd. carta da Ilha de Caiar) há pelo menos duas povoações, Catunco Papel e Catunco Balanta, que ficam na margem esquerda do Rio Catunco. A Ilha de Catunco fica, por sua vez, na margem direita do Rio Cumbijã. OU melhor, e como diz o Mário Dias, a chamada Ilha do Como é, na realidade, constituída por 3 ilhas: Caiar, Como e Catunco (" na prática formam na prática um todo, já que a separação entre elas é feita por canais relativamente estreitos e apenas na maré-cheia essa separação é notória").

No nosso blogue, há duas ou três várias referências a Catunco, embora numa delas apareça, também certamente por gralha, Catungo (também é possível que o João Parreira tenha sido atraiçoado pela memória) (2).

Confronte-se entretanto o texto do manual escolar do PAIGC, acima inserido, com a descrição que o nosso camarada Mário Dias fez da actuação das NT durante a Op Tridente (Ilha do Como, Jan-Mar. 1964). Tudo indica que o manual escolar do PAIGC faça referência ao que se passou nessa operação de grande envergadura, cujo desfecho não teve a mesma leitura, quer da parte dos portugueses, quer da parte do PAIGC. O Como tornou-se, para Amílcar Cabral e o seu movimento, um ícone da luta de libertação.


(...) As vacas e o arroz

Um agrupamento constituído pelo grupo de comandos, 8º Dest Fuz, e um grupo de combate da CCAV 489, iniciaram, por volta das 8 da manhã de 12 de Março [de 1964], uma acção sobre Catunco Papel e Catunco Balanta a fim de cercar e bater todas a zona destruindo tudo quanto possa constituir abrigo ou abastecimento para o IN e que não seja possível recuperar pelas NT.

Cercada a tabanca de Catunco Papel e de seguida Catunco Balanta, foram as casas revistadas e destruídas, tarefa que demorou quase 5 horas. Foram recuperadas 5 toneladas de arroz; capturado um elemento IN e apreendidas 2 granadas de mão, livros escolares em português, cadernos, fotografias, facturas, recibos de imposto indígena, e um envelope endereçado a BIAQUE DEHETHÉ, sendo remetente MUSSA SAMBU de Conakry.

Terminamos este dia com a acção que mais me custou durante toda a permanência no Como. Têm que ser abatidas cerca de uma centena de vacas que por ali andavam na bolanha bucolicamente pastando. Não havia forma de podermos transportá-las connosco. Começado o tiro ao alvo, iam caindo sem remédio. Pobres bichos. E que desperdício. Enquanto fazia pontaria ia ironicamente pensando naquela carne que por ali ia ficar para os jagudis enquanto nós tínhamos andado 23 dias a ração de combate.

- Que desperdício!... - E pensava:
- Olha aquele lombo como ficava bom num espeto a rodar, bem temperado com sal, limão e malagueta!...(pum) e aquela, que belo fígado deve ter para uma saborosas iscas !...pum… e pum… e mais pum até chorar de raiva.

Coisas da guerra... sempre impiedosa.

Concluída a mortandade, ainda alguns esquartejaram pernas e extraíram lombos para uma refeição extra. Deve ter sido fruto desta acção, a oferta pelos fuzileiros de carne de vaca à CCAV 489 a que se refere o Joaquim Ganhão na sua ”Cónica do soldado 328”. (...)
(3)
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1899: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (1): O português...na luta de libertação

1 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1907: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (2): A libertação da Ilha do Como (A. Marques Lopes / António Pimentel)

4 de Julho de 2007Guiné 63/74 - P1920: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (3): O mítico Morés

(2) Vd. posts de:

15 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P961: No dia em que fui ferido pelos homens de Pansau Na Ina (João Parreira, Gr Cmds Fantasmas, Catungo, Maio de 1965)

13 de Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXV: Brá, SPM 0418 (3): memórias de um comando (Virgínio Briote)


15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

23 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLV: Virgínio Briote, ex-comando da 1ª geração (1965/66)

(3) Vd. post de 17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)