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terça-feira, 14 de março de 2006

Guiné 63/74 - P608: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili

Aviso prévio:
Esta história é, no essencial, verdadeira, mas é aqui romanceada, pelo que não se garante a veracidade total dos factos descritos. Por razões de falta de memória, própria da idade e da distância com a data do que se passou... Que me desculpe o Paulo Raposo pela inconfidência... (RF) (1)


O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili (2)

Dulombi, Junho de 1970, CCAÇ 2405 (3)

O Carvalho Araújo já estava em Bissau para nos levar de volta à Metrópole… Viera cheio de tropa para substituir os velhinhos, ansiosos pelo fim da sua comissão.

O tempo custava a passar para finalmente se dar a rendição, e por isso, cada um à sua maneira ia encontrando formas de apressar o tempo, de esquecer a lentidão inexorável do relógio…

Ao cair da tarde, com a luz alaranjada do sol a começar a esconder-se na linha do horizonte poente, o Paulo Raposo, alferes da CCAÇ 2405, de quem guardo as mais pistorescas histórias, estava sentado perto do bunker do Capitão, com o olhar fixo num ponto afastado a sul do aquartelamento, perto do arame farpado.

Aproximei-me e comentei:

- Eh, pá, não estejas a pensar na morte da bezerra… Já faltou mais e não tarda estaremos em Lisboa a beber umas imperiais e a olhar as bajudas brancas que por lá abundam.

Retorquiu, pedindo-me silêncio com um gesto:

- Senta-te aí, pá, e espera até veres, mais minuto menos minuto, um daqueles jagudis que sobrevoam a tabanca, fazer um voo picado!

O jagudi é uma ave da família dos abutres que existiam em grande profusão na Guiné, para o qual tinha sido promulgada pelo Governo legislação proibindo a sua caça, dado tratar-se de um animal de grande utilidade na remoção de cadáveres, lixo, matéria orgânica em decomposição, etc…

Tinha um aspecto um tanto asqueroso, medonho, embora naturalmente não atacasse as pessoas... a menos que já fossem cadáveres, é claro...

Meio curioso, disse-lhe:

- Explica-te lá…

Apontou o dedo e acompanhei com o olhar a direcção indicada.

- Ali junto àquele poste do arame farpado está uma armadilha que montei para caçar um daqueles filhos da puta – despejou de chofre o Paulo Raposo, rindo muito…

E continuou:

- Tem um laço em arame e um naco de carne fresca perto do laço…O jagudi vai picar a carne e, ao fazê-lo, terá de enfiar a cabeça no laço…

- Depois, com o naco de carne no bico recuará e accionará o arame que se fechará em volta do pescoço…

Triunfante, exclamou, com um sorriso aberto:

- E pronto, depois já dali não sai…..

Embora conhecendo o enfant terrible que era (e ainda é… ) o Paulo Raposo, não entendia bem ainda qual era o seu objectivo. Mas não tardaria a saber.

Tal como previsto, eis que um jagudi mergulha em grande velocidade e, segundos depois, vejo-o debater-se, preso pelo pescoço na armadilha montada pelo Paulo Raposo.

Levantámo-nos de repente e segui o Raposo que corria em direcção ao jagudi, ao mesmo tempo que chamava o cabo enfermeiro, intimando-o a comparecer rapidamente no local…

Com a ajuda de vários soldados e alguns nativos que se aproximaram curiosos, o animal foi imobilizado e foi então que finalmente percebi o objectivo do Paulo.

Mandou o cabo enfermeiro trazer-lhe algodão e com ele fez dois rolos que mandou colocar e atar com adesivo por baixo das asas do infeliz jagudi

De seguida embebeu o algodão em álcool, libertou a ave do laço que a prendia, sempre com vários soldados a segurá-la, e acendeu um fósforo que aproximou do algodão…

Incendiado o álcool, o jagudi foi libertado e, em voo veloz, afastou-se em direcção a Norte, deixando um rasto luminoso na noite que entretanto acabara de cair…

Ficámos olhando a bola de fogo diminuir progressivamente de tamanho e finalmente desaparecer…

Como crianças travessas, riamo-nos todos, meio nervosos, estranhamente orgulhosos com a façanha acabada de praticar, sem que para isso encontrássemos motivo justificativo… E nem interessava…Importante é que tinhamos deitado uma pedrada no charco da monotonia…

As questões ecológicas, hoje tão em voga, eram naqueles tempos e naquela situação de guerra, algo que não nos precoupava…

Talvez os que hoje lêem isto não consigam entender tamanha infantilidade… Mas as circunstâncias e a idade duma geração transformada à força em idade adulta sem ter tido tempo de percorrer as etapas próprias de uma adolescência despreocupada, deverão obter, senão a justificação, pelo menos a compreensão dos leitores.

Mas voltemos ao jagudi

Trata-se de um animal de grande resistência fisica, de carne duríssima e musculosa, capaz de lutar e vencer animais de maior porte e ferocidade, como é o caso de felinos selvagens e até leões (4). Não sucumbiria portanto, facilmente, ao calor do algodão em brasa…

E por isso continuou o seu voo assustado e veloz, certamente na ânsia de se libertar do fogo que o perseguia… E foi assim que poucos minutos depois sobrevoou, já noite fechada, o quartel de Madina Xaquili, a cerca de 15 kms em linha recta, onde se econtrava estacionada uma Companhia de Caçadores composta por madeirenses (5)…

Os sentinelas deram o alerta para uma estranha bola de fogo que se aproximava velozmente em direcção ao quartel e, sem mais pensar, desencadearam forte tiroteio contra aquela “arma desconhecida”…

O intenso tiroteio e alguns rebentamentos eram perfeitamente audíveis no nosso quartel e, por isso, o Capitão Jerónimo mandou estabelecer contacto rádio com aquela Companhia, indagando ao seu homólogo:

- O que se passa? Estão a ser atacados? Precisam de ajuda?

Resposta do outro lado:

- Eh, pá, só sei que estamos a ser sobrevoados por uma coisa luminosa que tem um comportamento muito estranho…

Deve ser alguma arma nova que desconhecemos…

E o nosso Capitão:

- Mas…. estranha, porquê?

A voz nervosa do Capitão de Madina Xaquili, retorquia:

- Eh, pá, parece uma coisa teleguiada, ou com sensores! Quando disparamos para a sua frente, ela recua…Quando disparamos para a sua rectaguarda ela avança! Nunca vi coisa assim…

De novo o Capitão Jerónimo:

- Mas continua? Não conseguem acertar-lhe?

Do outro lado, a resposta:

- Bom, agora já há uns minutos que desapareceu.. Mas acho melhor continuarmos a bater a zona para nos certificarmos que não regressa…

Finalmente o Capitão Jerónimo, pôs termo ao diálogo:

- Ok… Parece que vocês já eliminaram a tal arma …Se precisarem de alguma ajuda, não hesites! Basta pedires… Por agora, boa sorte e terminado!

Escusado será dizer que o Capitão Jerónimo não sabia de nada do que se tinha passado minutos antes com o jagudi

Soubemos, anos mais tarde, contado pelo mesmo Capitão Jerónimo, que ainda ficou mais uns meses em Bissau depois do nosso regresso a Lisboa, que a Companhia de Madina Xaquili teve que pedir remuniciamento dos seus stocks de material de guerra…

Prolongaram o tiroteio até quase esgotarem as munições que tinham de reserva!

Rui Felício
Ex-Alf Mil Inf
CCAÇ 2405
Dulombi
_____________

Notas de L.G.:

(1) Foi o próprio Paulo Raposo que me mandou estas histórias, à revelia do seu autor. Eis a mensagem telegráfica do nosso tertuliano de Montemor-O-Novo: "E aí vai mais fruta, é pró menino e prá menina"...

Há dias foi o próprio Rui Felício que me deu luz verde para continuar a publicar as "estórias de Dulombi" (a expressão é minha):

"Meu Caro Luis Graça: Fiquei surpreendido pelo facto do Paulo Raposo te ter enviado as minhas estóriss da Guiné...

"!Mandei-as para ele e para o David, mas achei que não devia inundar ou deteriorar o teu blogue com historietas muito pessoais e que pudesses achar descabidas aqui.

"Mas a publicação de uma delas demonstra que, afinal, achas que é merecedora de publicação.. Fico honrado com isso e agradeço-te a distinção.

"Aproveito para te dizer que o Vitor David me recomendou de não protelar muito o envio das minhas fotos (uma antiga e uma recente). Como ele sabe muito bem, sou muito desleixado com os arquivos destas coisas e pedi-lhe que me enviasse, dos arquivos dele, uma foto minha tirada na Guiné.

"Ele já me mandou uma há algum tempo e agora só estou à espera de encontrar uma actual para depois te enviar as duas conjuntamente.

"Um abraço. (Quero que penses numa forma de nos encontrarmos .. gostaria de te conhecer pessoalmente... E renovo os parabéns, já anteriormente dados, para o teu blog). Rui Felício."

(2) O título da estória é da minha responsabilidade

(3) Vd post de 12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXV: Paulo Raposo e Rui Felício, dois novos camaradas (CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70)

(4) Vd. post de 8 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LII: Antologia (2): A fábula do jagudi e do falcão

(5) Julgo tratar-se da CCAÇ 2446 que, juntamente com os periquitos da CCAÇ 12, sofreu um violento ataque, em Madina Xaquili, em 24 de Julho de 1969, ao anoitecer... A CCAÇ 12 teve um ferido grave; e a companhia madeirense dois mortos e vários feridos.

Vd post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969)

Madina Xaquili ficava a sudoeste de Bafatá, na direcção do Rio Corubal. Vd. mapa de Padada.

quinta-feira, 9 de março de 2006

Guiné 63/74 - P600: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (1): O nosso vagomestre Cabral


1. Começo por agradecer ao Paulo Raposo a gentileza do envio, pelo correio, de um documento, ilustrado, com a sua história na Guiné, que é também a história da CCAÇ 2405 (Mansoa, Galomaro, Dulombi...) do BCCAÇ 2852 (Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70), um relato do seu envolvimento pessoal e militar, com a sua visão (muito própia e assumida) das coisas, com as suas alegrias e tristezas (a morte do seu pai, por exemplo, durante a comissão; o desastre no Rio Corubal, no Cheche...).

É um documento notável que eu gostaria de poder partilhar com o resto da tertúlia, se ele para tanto me der autorização para tal... O Paulo esteve em Madina do Boé, no Fiofioli, conheceu camaradas que eu, o Humberto, o Tony Levezinho, o Fernandes e o Jorge Cabral também conhecemos, em Bambadinca, como o Beja Santos... O Paulo foi alferes miliciano, com a especialidade de minas e armadilhas, na CCAÇ 2405, sendo portanto camarada de outros dois membros da nossa tertúlia, o Victor David e Rui Felício (1) .

Por sua vez, o Rui, já o sabemos, é um excelente contador de estórias. O Paulo mandou-te também cópia de várias dessas estórias, que são deliciosas, e a que eu vou chamar estórias de Dulombi. Publica-se hoje a primeira dessas estórias, com a devida vénia e um grande abraço aos camaradas de Dulombi e Galomaro: Paulo, Victor e Rui...


2. O nosso vagomestre Cabral (por Rui Felício)

O Natal aproximava-se…

Antes da data prevista, chegara-nos um presente inesperado! Um periquito….

O furriel Cabral foi-nos mandado para substituir o furriel vagomestre, uns meses antes falecido em acidente de viação na estrada de Galomaro-Bafatá numa viagem de reabastecimento de viveres à nossa Companhia…

O Cabral era uma jóia de pessoa, simpatiquíssimo, um tanto ingénuo e crédulo, sempre bem disposto e que rapidamente granjeou a estima de todos.

Natural de Bissau, de etnia pepel, um verdadeiro e retinto preto da Guiné…

Estudara em Lisboa, e, incorporado no exército, fez o curso de sargentos milicianos até que foi promovido a furriel e mobilizado, em rendição individual, para a Guiné, sua terra natal…

Calhou-lhe em sorte (ou azar…), ser destacado para a nossa Companhia numa altura em que já tinhamos cumprido um ano e meio de comissão.

Portanto já éramos, claramente, velhinhos experientes, com tudo o que de bom e de mau isso significava.

Ora um periquito no seio de tantos velhinhos era coisa que prometia animar a rotina e que não se podia desperdiçar.

O Sargento Vargas, que já tinha feito uma comissão em Angola como furriel miliciano e que metera o chico no fim da mesma, combinou pregar uma partida ao Cabral, de conluio com os seus camaradas (furriéis Veiga, Ribas, Trombinhas, Rebelo e muitos outros… ).

Deu conhecimento disso aos alferes e explicou-lhes o plano.

O cabo Xico, responsável pelo bar da messe conjunta de oficiais e sargentos, foi avisado que depois de jantar lhe seria pedida uma rodada de aniz escarchado, bebida incolor, em tudo semelhante à água, excepto no sabor muito doce e no grau alcoólico, como é evidente.

E o cabo deveria satisfazer o pedido colocando à frente de cada um dos presentes sentados à mesa, um cálice cheio da referida bebida….

Só que…(!)… apenas o cálice do furriel Cabral deveria conter aniz! Todos os restantes seriam cheios com água……..

E assim foi feito…

Sempre que os comparsas engoliam os repectivos cálices, alguém se prontificava a pagar mais uma rodada para todos…. E o cabo Xico lá ia levantando os cálices trazendo-os de novo cheios, um com aniz para o Cabral e um para cada um dos restantes, com água…

O Cabral foi perdendo a timidez, ganhando alegria, e com a voz entaramelada era já ele próprio que ordenava ao cabo Xico:

- Mais uma ( hic.. ) rodada que pago eu agora ( hic… ), se fachabôri, rrr…rápido e com ( hic…) bons modos! Hic..hic…
E gargalhava sem ele próprio perceber a razão de tão súbita e inusitada alegria….

Muitas rodadas depois, o Sargento Vargas, resolveu acabar por ali com a brincadeira, receoso de que o Cabral não resistisse muito mais aos efeitos de tanto aniz…e aconselhou a que todos fossem para a rua tomar o ar fresco da noite…

Quem não estava muito pelos ajustes era o Carbral que queria beber mais um cálice… Confessava ser a primeira vez que tinha bebido aniz e que nunca sonhara que fosse uma bebida tão deliciosamente doce…

E intimou o cabo Xico, socorrendo-se de toda a autoridade que as suas divisas lhe conferiam:

- Ou trazes mais uma ( hic… ) rodada ou levas uma ( hic… ) porrada!... Escolhe!

Como o cabo Xico, por indicação do Sargento Vargas, não cumprisse a ordem, o Cabral deu um impulso para se levantar e para coagir o Xico a cumprir a ordem.

Mas o peso do aniz foi mais forte que o impulso… e o Cabral caiu de borco no chão …inanimado!

O furriel enfermeiro Ribas, ali presente, apercebeu-se, primeiro que todos, da gravidade da situação e foi rápidamente buscar uma injecção de coramina que de imediato ministrou no corpo inanimado do Cabral…

Alguns segundos depois o Cabral retomava os sentidos e foi ajudado a dirigir-se ao seu abrigo onde o deitaram e o adormeceram….

Entre risos e alguns suspiros de alivio por a brincadeira não ter resultado em tragédia, todos se dirigiram para os respectivos abrigos, remoendo as peripécias do sucedido…

A noite passou…

E o alvorecer, marcado pelo som ritmado dos pilões a descascar o arroz e pelas orações matinais dos homens grandes da tabanca, foi acordando os militares que, a pouco e pouco começavam a sua azáfama diária.

Uns a irem buscar água para abastecer os diversos bidons espalhados pelo aquartelamento, transformados em reservatórios, os das transmissões e da secretaria para os respectivos locais de trabalho e os operacionais em preparação do próximo patrulhamento ou na limpeza das armas.

Na messe, alguns alferes, sargentos e furriéis matavam o bicho matinal e recordavam as cenas da noite anterior e, especialmente, reviviam os pormenores da bebedeira do Cabral.

Com os olhos encovados, ar de ressaca ainda mal curada, e alguma vergonha pelo sucedido, surge o furriel Cabral, que com um sorriso amarelo cumprimentou os presentes:

- Bom dia!

Quase em coro, com um largo sorriso, os presentes retribuiram:

- Bom dia pá! Passaste bem a noite?

- Nem me lembro bem…. Só sei que estou com uma sede terrivel.. e umas náuseas e dor de cabeça insuportáveis….- retorquiu o Cabral

E continuou:

- Mas já falei com o Ribas e ele diz que isso é natural e que mais umas horas tudo voltará ao normal...

E, ainda confuso, perguntou:

- Quantos anizes a gente bebeu ontem?... Eu acho que até 15 contei.. mas depois a minha memória não tem mais nada registado… Vocês contaram-nos ?... O cabo Xico deve ter tomado nota, com certeza….

O Xico, atrás do balcão, matreiro, antecipou-se na resposta:

- Apontei 17, meu furriel, e dessas rodadas, 3 são da sua conta… Logo que puder, agradeço-lhe que salde a dívida….

E o Cabral, pressuroso, puxando da carteira:

- Eh pá, desculpa lá… Vamos a contas… Eu ontem nem me preocupei com isso…

O Ribas, ali presente é que atalhou o diálogo:

- Nada disso, tu apanhaste a bebedeira, mas quem paga somos nós, fica tranquilo…

- Há uma coisa que me tem metralhado o cérebro desde que acordei – confidenciou o Cabral…

E continuou:

- Sei que de todos nós, o único que realmente se embebedou a sério fui eu… Reparei, segundo me lembro, que vocês todos não aparentavam estar tão mal como eu...pelo contrário…

Os circunstantes mordiam o riso, mas tentavam manter a compostura para não denunciarem toda a tramóia.

E deixaram o Cabral continuar o seu devaneio:

- Sou forçado a concluir que branco aguenta vinho como o caraças!

Resposta imediata do Vargas:

- Claro.. há diferenças entre brancos e pretos… Essa é uma delas: a capacidade de aguentar a bebida…

E perante o rebentar de gargalhadas dos presentes, incapazes de se conterem por mais tempo, sentenciou:

- Por alguma razão somos brancos! Já devias ter compreendido isso!

[Abro um parentesis para garantir que neste diálogo não há o menor resquício de racismo! O à vontade com o que o Vargas assim falou só se explica exactamente porque não havia racismo entre nós. Se o houvesse, penso que jamais teria sido dito de uma forma tão inocent]

EPÍLOGO

Durante vários dias o segredo manteve-se e o Cabral devia continuar a matutar se de facto existiam diferenças fisicas e morfológicas entre um branco e um preto, que justificassem tal diferença na capacidade de aguentar bebedeiras.

Descansámo-lo quando, um certo dia, o Ribas se prontificou a contar-lhe a verdade Que o Cabral aceitou com a maior desportivismo! Era de facto uma jóia de pessoa…

Vim a encontrá-lo uns anos mais tarde em Lisboa, por mero acaso, e perguntei-lhe o que fazia na Grande Tabanca.

Disse-me que cursava Economia para depois regressar à Guiné e colaborar na consrução do seu País independente.

Soube que, passados poucos anos, já licenciado, morreu de doença, em Bissau, por falta de assistência médica, medicamentosa e hospitalar…

Como a dele, também a ilusão de muitos outros guineenses, bem intencionados, que se deixaram enganar pelos ineptos e corruptos politicos que invadiram o poder daquela bela terra… Que a têm continuadamente destruido, em prol das suas ambições e do seu nepotismo!

Mas enfim.. A terra é deles.. Centremos as nossas preocupações em Portugal…

Nesta nossa terra que cá vai andando… cantando e rindo… umas vezes para os lados, outras para trás e poucas , muito poucas vezes, para a frente…

Rui Felício

DULOMBI
CCAÇ 2405
Ex-Alf Mil Inf
______________

Nota de L. G.

(1) Vd post de 12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXV: Paulo Raposo e Rui Felício, dois novos camaradas (CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70)