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segunda-feira, 24 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24502: Antologia (92): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte III


A deputada sueca, do Partido Social-Democrata, então no poder, Birgitta Dahl atravessando um curso de água através de uma ponte improvisada, sendo auxilaida por um guerrilheiro armado de "costureirinha" (pistola metralhadora PPSH] 


Guiné-Bissau (ou Guiné-Conacri) > PAIGC > s/l> Novembro de 1970 > Algures, na Guiné Conacri  ou nas "áreas libertadas"  (sic) da Guiné-Bissau, uma foto do fotógrafo norueguês Knut Andreasson, por ocasião da visita de uma delegação sueca. Algumas das suas  fotos foram publicadas no livro Guinea-Bissau : rapport om ett land och en befrielserörelse / Knut Andreassen, Birgitta Dahl, Stockholm : Prisma, 1971, 216 pp. [Título traduzido para português: Guiné-Bissau: relatório sobre um país e um movimento de libertação].

A chefe da delegação, a deputada social-democrata e antiga presidente do parlamento sueco, Birgitta Dahl,  fez um relatório desta missão, em sueco, e que infelizmente não está disponível na Net: a visita foi à Guiné-Conacri e às "áreas libertadas" da Guiné-Bissau,  no período de 6 de novembro a 7 de dezembro de 1970 [”Rapport från studieresa till Republiken Guinea och de befriade områdena i Guinea-Bissau, 6 november–7 december 1970” (”Relatório da viagem de estudo à República da Guiné e às zonas libertadas da Guiné-Bissau, 6 de Novembro–7 de Dezembro de 1970”), Uppsala, Janeiro de 1971 (SDA)].

Fonte: Nordic Documentation on the Liberation Struggle on Southern Africa [Com a devida vénia] [
O link, infelizmente, foi descontinuado. Seleção e edição:  LG]


1. A Suécia /parceiro comercial de Portugal desde o ano de 1960, no àmbito da EFTA) e a Guiné-Bissau nunca tiveram, até ao final da década de 1960, praticamente quaisquer ligações (históricas, comerciais, ou outras). 

Tor Sellström, do Instituto Nórdico de Estudos Africanos, tem um texto de 290 páginas, sobre "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau" (publicado em 2008, em português).

No livro o autor conta-nos como é que de repente a Suécia e os suecos passama a interessar-se pelo que se estava a passar naquele pequeno país de África Ocidental, que era/é a Guiné-Bissau,  um  território então sob administração portuguesa (e com um escasso meio milhão de habitantes),  com um pequeno partido nacionalista, o PAIGC;  a lutar pela sua independência.  

E não apenas a interessar-se: a dar uma "ajuda humanitária", substancial, que se prolongou muito além da independência, até meados dos anos 90. "As exportações financiadas com doações da Suécia representavam, durante este período, entre 5 por cento e 10 por cento do total das importações da Guiné-Bissau".

 Estamos a falar de valores que chegaram aos 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c. 269,5 milhões de euros] durante o período de 1974/75-1994/95 (sendo de 53,5 milhöes de coroas suecas, ao valor actual,  ou sejam, cerca de 5, 8 milhões de euros, de 1969/70 até 1976/77).
 
Passados estes anos todos, julgamos que ainda tem algum interesse. para os nossos leitores, saber como é que  o  PAIGC caiu nas "boas graças dos suecos"… (um "namoro" de vinte anos, acrescente-se).

Vamos continuar a seguir esta história, reproduzindo, com a devida vénia, mais um excerto do livro de  Tor Sellström. Já chamámos, logo no início,  a atenção para alguns factos e dados que merecem a nossa contestação ou reparo crítico, nomeaadamente quando o autor fala do trrajeto do PAIGC e do seu líder histórico, não citando fontes independentes e socorrendo-se apenas das "lendas & narrativas" do PAIGC... 

Demos alguns exemplos desse enviesamento político-ideológico: (1) a greve dos trabalhadores portuários do Pijiguiti e o papel do PAIGC; (ii) a batalha do Como: (iii) o controlo de 2/3 do território e de 400 mil. habitantes por parte do PAIGC; (iv) as escolas, as clínicas e as lojas do povo nas "áreas libertadas"; (v) o assassassinato de Amílcar Cabral. etc.  .

O texto (na parte que nos interessa, a ajuda sueca ao PAIGC, pp. 138-172)  tem demasiadas notas de pé de página, que podem ser úteis do ponto de vista documental mas sáo fastidiosas para a generalidade dos  leitores. (Vamos mantê-las, para não truncar a narrativa.)

Os negritos são nossos: ajudam a destacar alguns dos pontos importantes do texto. O "bold" a vermelho são passagens controversas,  são uma chamada de atenção para o leitor, devendo merecer um comentário crítico (ou o recurso a leituras suplementares).

Corrigimos os excertos seguindo o Acordo Ortográfico em vigor.

Para já aqui ficam os nossos agradecimentos ao autor e ao editor, Nordiska Afrikainstitutekl (em inglês, The Nordic Africa Institute).

Ficha ténica: 

Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, 290 pp. Tradução: Júlio Monteiros. Revisão: António Lourenço e Dulce Åberg. Impresso na Suécia por Bulls Graphic, Halmstad 2008ISBN 978–91–7106–612–1.

Disponível em https://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:275247/FULLTEXT01.pdf

(Também disponível na biblioteca Nordiska Afrikainstitutekl (ou Instituto Nórdico de Estudos Africanos) aqui, em "open acess" .)


Resumo dos excertos anteriores (*):

Com base numa decisão parlamentar aprovada por uma larga maioria, a Suécia tornou-se em 1969 o primeiro país ocidental a dar ajuda oficial aos movimentos nacionalistas das colónias portugueses (MPLA, PAIGC, FRELIMO). O PAIGC vai-se tornar o principal beneficiário dessa ajuda (humanitária, não-militar). Muito também por mérito de Amílcar Cabral e da sua habilidade diplomática. Até então, e sobretudo na primeira metade da década de sessenta, o debate na Suécia sobre a África Austral tinha quase exclusivamente sido centrado na situação na África do Sul, onde vigorava o apartheid.

O êxito da campanha contra a participação da empresa sueca ASEA no projecto de Cahora Bassa em Moçambique, por volta de 1968–69, na altura em que decorria a guerra do Vietname, levou a que os principais grupos de pressão (“Grupos de África”, oriundos de cidade como Arvika, Gotemburgo, Lund, Estocolmo e Uppsala) se ocupassem quase em exclusivo da luta armada nas colónias portuguesas, com destaque para a Guiné-Bissau.

Em 3 páginas (pp. 141-143), o autor faz um resumo da "luta de libertação na Guiné-Bissau",  usando unilatereal e acriticameente informaçáo propagandística do PAIGC, alguma particularmente grosseira como a pretensão deste de controlar 400 mil habitantes...



 Excerto do índice (pág. 4)

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno

Pág.

As colónias portuguesas no centro das atenções

138

A luta de libertação na Guiné-Bissau

141

Primeiros contactos

144

Caminho para o apoio oficial ao PAIGC

147

Uma rutura decisiva

152

Necessidades civis e respostas suecas

154

Definição de ajuda humanitária

157

Amílcar Cabral e a ajuda sueca

161

A independência e para além dela

168

 

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno
(pp. 138-172)

Primeiros contactos (pp. 144-147)


A Suécia tinha variadas ligações históricas, económicas e eclesiásticas com os cinco países da África Austral que constituem o objeto deste estudo mas só quando foi criado um programa de ajuda humanitária com o PAIGC passou a haver relações com a Guiné- Bissau, até aí inexistentes.

Sendo certo que a Suécia e Portugal entraram para a EFTA em 1960 e que as trocas comerciais entre os dois países aumentaram rapidamente durante essa década, isso não se traduziu em grandes transações económicas com as colónias portuguesas em África. No caso da Guiné-Bissau, não houve investimento sueco e as trocas comerciais eram incipientes.

Antes da década de setenta, a Guiné-Bissau não entrava como parcela independente nas estatísticas comerciais suecas, sendo os dados desse país registados juntamente com os de Angola, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, sob a epígrafe ”África Ocidental portuguesa”. Dentro desse grupo, pode-se, sem receios, partir do princípio que a maior parte do comércio externo se realizava com a economia angolana, a mais importante desse grupo de países. Contudo, os valores eram extremamente baixos. O valor das exportações suecas para a ”África Ocidental portuguesa” era, em 1950, de 1,8 milhões de coroas suecas, o que representava 0,03 por cento das vendas totais suecas para o exterior.

O valor das importações era, nessa mesma altura, de 2,3 milhões de coroas suecas, o que correspondia a 0,04 por cento das importações da Suécia. Dez anos volvidos, as trocas continuavam a ter um nível irrelevante. As importações suecas da ”África Ocidental portuguesa” em 1960 atingiam os 3,8 milhões de coroas suecas, uma parte estável de um total de 0,03 por cento, enquanto o valor das exportações suecas tinha aumentado para 10,7 milhões, o que correspondia a 0,08 por cento do total (25).

Com este panorama, o comércio entre a Suécia e a Guiné-Bissau deverá ter sido praticamente inexistente, o que é confirmado pelas estatísticas feitas a seguir à independência.

Entre 1975 e 1980, os valores anuais das exportações da Guiné-Bissau para a Suécia variaram entre as 2.000 e as 270.000 coroas suecas. Estes valores são demasiados baixos para terem qualquer expressão em termos da quota total de importações suecas.

As exportações anuais suecas, por seu lado, aumentaram durante este período de 3,2 para 20 milhões de coroas suecas (26).  Contudo, estes valores não espelham as transações comerciais normais, mas remessas suecas como ajuda humanitária (27).

Não havendo ligações históricas, comerciais ou outras, não admira que o encontro entre o PAIGC e a Suécia só tenha acontecido no final da década de sessenta, numa altura em que o apoio popular às lutas nacionalistas em África desfrutava de um amplo reconhecimento e em que o movimento de libertação da Guiné-Bissau já estava criado e era uma força decisiva.

 A velocidade com que tanto o governo social-democrata sueco como o movimento organizado de solidariedade, que ultrapassava as barreiras culturais e linguísticas, abraçou a causa do PAIGC é, contudo, notável, não sendo menos notável o facto de, apesar de ambos interpretarem de forma diferente a luta do PAIGC (de formas quase antagónicas, por vezes) (28), terem conseguido mobilizar as suas esferas de ação para a mesma causa. A capacidade diplomática de Amílcar Cabral foi, nesta área, muito importante.

O primeiro contacto de que há conhecimento entre o PAIGC e a Suécia teve lugar antes do início da luta armada, em janeiro de 1963, tendo como pano de fundo a Conferência das Organizações Nacionalistas nas Colónias Portuguesas (CONCP) (29), que se realizou em junho de 1961, e onde se lançou um apelo ao jornal sueco Expressen para que fosse dada ajuda aos refugiados angolanos que, em condições abjetas, atravessavam a fronteira com o Congo (Zaire) (30). Respondendo a esse apelo, o Expressen realizou uma importante campanha, chamada ”Ajuda a Angola” (31), que decorreu entre julho e setembro de 1961. Durante a campanha, o jornal, de tendência liberal, conseguiu obter cerca de 4,5 toneladas de medicamentos, sobretudo penicilina, para os refugiados na região  do Baixo Congo. A ajuda foi canalizada através do MPLA.

Na sua capacidade  [qualidade, provável erro de tradução, LG] de vice-secretário geral da CONCP, Amílcar Cabral estava bem ciente da campanha e dirigiu-se ao Expressen, apresentando um pedido semelhante para o PAIGC. Estando a preparar o lançamento da luta armada, Cabral enviou um telegrama ao jornalista e escritor sueco Anders Ehnmark, solicitando ajuda, sob a forma de medicamentos (32), e acrescentando que ”também nós nos estamos a libertar” (33). Nessa altura, o PAIGC e a situação da Guiné-Bissau eram, em geral, pouco conhecidos. Ehnmark viria mais tarde a comentar que ”eu sabia quem era Amílcar, mas nada mais aconteceu. Afinal de contas era ainda um pouco cedo” (34).

O ”muro de silêncio” (35) levantado pelos portugueses à volta das suas colónias em África foi particularmente eficaz, durante a primeira metade dos anos sessenta, no caso da Guiné-Bissau. Só em 1964 é que o jornalista e historiador britânico Basil Davidson (36) e o seu colega francês Gérard Chaliand (37) publicaram um perfil de Amílcar Cabral e uma narrativa da luta de libertação travada pelo PAIGC.

Na Suécia, foi o Comité da África do Sul de Lund e a redacção do boletim Syd- och Sydvästafrika (a conselho de Eduardo Mondlane) quem, dois anos mais tarde, conseguiu furar esse muro de silêncio, reproduzindo um resumo do programa do PAIGC e um relato feito por Cabral, num número inteiramente dedicado a Portugal e às suas guerras em África (38).  O Comité de Lund e o boletim do movimento sueco de solidariedade marcaria assim o início de um prolongado e sustentado esforço de informar sobre as lutas nas colónias portuguesas. Esse trabalho viria posteriormente a ser prosseguido pela segunda geração dos Grupos de África em Lund e pelo Södra Afrika Informationsbulletin (39).

Pouco depois desses acontecimentos, o Partido Social-Democrata no poder passou a conhecer melhor o PAIGC e a luta de libertação na Guiné-Bissau. Uma vez estabelecidas relações diretas com o presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane, e de visitar Portugal numa ”missão secreta” de apuramento de factos para a Internacional Socialista, Pierre Schori concluiu, em meados de 1967, numa edição do Tiden, jornal oficial do partido, que ”o nosso apoio aos movimentos de libertação nas colónias portuguesas pode aumentar. Devemos, acima de tudo”, escreveu o secretário internacional dos social-democratas, ”intensificar os nossos contactos com os nacionalistas do PAIGC” (40).

Mais ou menos nessa altura, houve uma série de suecos (representando o movimento de solidariedade das ONG, mas também o Partido Social-Democrata) que entrou em contacto com o PAIGC para visitar as zonas libertadas da Guiné-Bissau (41).

Dando uma publicidade muito grande às suas experiências, as primeiras visitas foram organizadas, de forma digna de nota, em 1968 (42) por Rolf Gustavsson,  do Comité da África do Sul de Lund, pelo escritor Göran Palm e Bertil Malmström, do Comité de Uppsala para a África do Sul,  em 1969 (43), pelo académico Lars Rudebeck,  em 1970 (44),  e pela deputada social -democrata Birgitta Dahl, em conjunto com o jornalista Knut Andreassen, também em 1970 (45).

 Foram feitos relatos mais tarde que, em conjunto com os relatórios tão claros que apresentaram (46), guiaram o governo sueco e ajudaram a manter elevados níveis de apoio do público à luta do PAIGC (47).

A causa nacionalista na pouco conhecida colónia portuguesa começou, pouco tempo depois, a ser comparada com a do Vietname. À falta de cobertura mediática internacional, os testemunhos diretos e pessoais feitos por suecos revestiram- se da maior importância. Em meados de 1972, o número de visitantes suecos às zonas libertadas da Guiné- Bissau excedia o de qualquer outra nacionalidade.

 [ Foto à esquerda: Birgitta Dahl, Deputada Social-Democrata e o secretário-geral do PAIGC, Amílcar Cabral, em Conacri na Guiné, em novembro de 1970. Atrás de Cabral está Lars Rudebeck, do Grupo de África de Uppsala (Foto: Knut Andreassen) ( Tor Sellström. op. cit., pág.143)] 

____________

Notas do autor:

(25) Para 1950: Kommerskollegium: Handel: Berättelse för år 1950, Volume I, Sveriges Officiella Statistik, Norstedt & Söner, Estocolmo, 1952. Para 1960: Statistiska Centralbyrån: Handel: Berättelse för år 1960, Volume II, Estocolmo, 1963.

(26) Citação de Lars Rudebeck: ”Alguns factos e observações sobre as relações entre os países nórdicos e os países africanos de língua oficial portuguesa”, palestra apresentada numa conferência sobre os países de língua oficial portuguesa em África, organizada pelo Stiftung Wissenschaft und Politik (Fundação Ebenhausen para a Ciência e Política), Ebenhausen, República Federal da Alemanha, Fevereiro de 1986.

(27) As exportações financiadas com doações da Suécia representavam, durante este período, entre 5 por cento e 10 por cento do total das importações da Guiné-Bissau (Rudebeck op. cit.).

(28)  Para os Grupos de África e para a esquerda socialista sueca em geral, a luta armada do PAIGC fazia parte da batalha global contra o imperialismo e o capitalismo. A luta contra o colonialismo na Guiné-Bissau e a luta contra o capitalismo na Suécia, na qual participava o governo social-democrata, eram vistas como fazendo parte integrante da mesma causa. Num relatório apresentado numa conferência internacional de solidariedade realizada em Oxford, em Inglaterra, os AGIS apresentaram em abril de 1974 a sua perspetiva, que era a seguinte: ”nos Grupos de África suecos centramos o nosso trabalho sobre o facto de a Suécia ser um estado imperialista, no qual os trabalhadores são oprimidos pelo mesmo sistema que oprime os povos de África. Daí que não apelemos prioritariamente a um sentimento de pena pelos povos oprimidos, mas destaquemos a justiça da luta armada e a construção, nas zonas libertadas, de uma nova sociedade, não baseada na exploração. Destacamos também o interesse comum que existe à volta da luta contra o sistema imperialista” (AGIS: ”Relatório sobre os Grupos de África suecos”, Conferência de Solidariedade com África, Oxford, Páscoa de 1974) (AGA).

(29) A Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP) foi uma espécie de organização catalisadora, que representava os movimentos nacionalistas das colónias portuguesas, sobretudo os de África, mas também, por exemplo, de Goa, na Índia. Os agentes mais ativos para a constituição da CONCP foram o MPLA e o PAIGC. Com origens que remontam ao MAC (e, antes disso, ao Centro de Estudos Africanos de Lisboa), o CONCP foi formado numa conferência em Marrocos, realizada em Casablanca em abril de 1961, ou seja, pouco depois do início da guerra de libertação em Angola. Mário de Andrade do MPLA foi o presidente do Comité Consultivo.

O Secretariado da CONCP foi criado em Rabat, em Marrocos, tendo Marcelino dos Santos de Moçambique como secretário-geral e Amílcar Cabral (que tinha a sua base de operações em Conacri, na República da Guiné) como vice secretário geral. Em 1968, sete anos depois da campanha do Expressen em prol de Angola, o Partido de Esquerda Comunista apresentou uma das primeiras moções ao parlamento sueco, para que fosse concedido apoio oficial aos movimentos de libertação na África Austral, visando a CONCP.

(30) O antigo Congo Belga alterou a sua denominação, passando a chamar-se Zaire em 1965. Em 1997, passou a chamar-se República Democrática do Congo.

(31) Em língua sueca, Angola-Hjälpen.

(32) Anders Ehnmark: Resan till Kilimanjaro: En essä om Afrika efter befrielsen (”A viagem ao Kilimanjaro: Um estudo sobre África depois da libertação”), Norstedts, Estocolmo, 1993, p. 8 e Anders Ehnmark, carta ao autor, Taxinge, Janeiro de 1997.

(33) Carta de Anders Ehnmark ao autor, Taxinge, Janeiro de 1997.

(34) Ibid.

(35) Prefácio por Amílcar Cabral para Davidson op. cit., p. 9.

(36) Basil Davidson: ”Profile of Amílcar Cabral” em West Africa, 28 de Abril de 1964.

(37) Gérard Chaliand: Guinée ”portugaise” et Cap Vert en Lutte pour Leur Independance (”A Guiné ”portuguesa” e Cabo Verde em luta pela sua independência”), Maspero, Paris, 1964.

(38) Syd- och Sydvästafrika, No. 4, 1966, pp. 11–14.

(39) Como reflexo do aprofundamento da atenção dada pelo movimento de solidariedade sueco, o boletim informativo Syd- och Sydvästafrika (publicado em Lund desde Janeiro de 1964) viu o seu nome ser mudado em 1967 para Södra Afrika Informationsbulletin (e em 1975 para Afrikabulletinen, órgão oficial dos Grupos de África da Suécia).

(40) Pierre Schori: ”Portugal”, em Tiden, no. 8, 1967, p. 495.

(41) Em contraste com outros movimentos de libertação, o PAIGC era ”particularmente aberto e acessível a visitantes estrangeiros”, nomeadamente jornalistas, escritores, equipas de filmagem, advogados e académicos, e ”fez todos os esforços para conseguir que esses visitantes pudessem viajar pelo país durante a guerra” (Chabal op. cit., p. 6).

O acesso a partir da Guiné-Conacri e do Senegal era fácil e a reduzida dimensão do país tornava possível que os visitantes se deslocassem a pé por grandes extensões do território, num espaço de tempo relativamente curto. 

Enquanto primeiro jornalista internacional de sempre a visitar o território, Anders Johansson,  do jornal liberal sueco Dagens Nyheter,  visitou em Fevereiro de 1968 as zonas libertadas do norte de Moçambique, na companhia do presidente da FRELIMO Eduardo Mondlane. Além disso, em julho-agosto de 1969, o jornalista e vice presidente da Liga da Juventude Liberal Olle Wästberg acompanhou a FNLA numa missão no norte de Angola. As frequentes visitas de jornalistas e ativistas suecos às zonas libertadas das colónias portuguesas em 1968–70 contribuíram muito para centrar a atenção pública nesses territórios.

(42) Rolf Gustavsson: ”Besök hos gerillan 1968” (”Visita à guerrilha em 1968”) em Södra Afrika Informationsbulletin, no. 7, 1970, pp. 9–13. Para além de dedicar alguns programas de rádio e artigos de jornal à Guiné-Bissau, Gustavsson (um africanista bem conhecido e repórter da televisão sueca) publicou mais tarde uma importante antologia, chamada Kapitalismens utveckling i Afrika: Studier i Afrikas moderna ekonomiska historia (”O desenvolvimento do capitalismo em África: Estudos sobre a história económica moderna de África”), Cavefors, Lund, 1971.

(43) Göran Palm: ”Besök hos Gerillan 1969: Kampen Enar Folket” (”Visita à guerrilha em 1969: A luta une o povo”) 1970  em Södra Afrika Informationsbulletin, Nº 7, 1970, pp. 37–41. Palm editou posteriormente um livro em sueco, com textos da autoria de Amílcar Cabral: Vår kamp er kamp (”A nossa luta a vossa luta”), Bokförlaget PAN/Norstedts, Estocolmo, 1971. O líder do PAIGC foi trazido ao conhecimento do público sueco em geral através da antologia de Anders Ehnmark com o título Guerrilla (Bokförlaget PAN/Norstedts, Estocolmo, 1968), que incluía o texto de Cabral chamado ”Kampen i Guinea” (”A luta na Guiné”).

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G ]

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de;

17 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24482: Antologia (90): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte I

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24489: Antologia (91): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte II


Guiné-Conacri  > PAIGC > Novembro de 1970 >  Coacri > Escola Piloto do PAIGC  (criada em março de 1965, para acolher os filhos dos combatentes e os órfãos de guerra), dirigida pela dra. Lilica Boal (Maria da Luz Boal), cabo-verdiana, formada em Portggal na Faculdade de Letars da Universidade Clássica de Lisboa; era ta,mbném ela  (aqui na foto), a responsável pedagógica pelos conteúdos nos manuais escolares, publicados na Suécia. 

Imagem do fotógrafo norueguês Knut Andreasson (com a devida autorização do Nordic Africa Institute, Upsala, Suécia). A fotografia não traz legenda.  O fotógrafo fez parte de juntamente com uma delegação sueca (tendo à frente a antiga líder do parlamento sueco, Birgitta Dahl) que visitou as "regiões libertadas" da Guiné-Bissau, em novembro de 1970.

Mo interior, nas "regiões libertadas", não havia estruturas, escolas, hospitais ou outros equipamentos sociais, de pedra e cal... Pela simples razão, que eram um alvo fácil para a aviação portuguesa, e porque eram difíceis os caminhos que levavam às bases de rectaguarda, tanto no Senegal como na Guiné-Conacri. Além disso, sabemos que eram duríssimas as condições de vida tanto das populações controladas pelo PAIGC como pelos guerrilheiros... A propaganda para consumo externo, naturalmente, contava outra história...  

Fonte: Nordic Africa Institute / Foto: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a autorização do NAI)




1. Pensamos que terã ainda algum interesse. para os nossos leitores,   saber como é que um pequeno partido revolucionário (o PAIGC) de um pequeno país de África, a Guiné-Bissau, território sob administração portuguesa (e então com cerca de meio milhão de habitantes) caiu nas "boas graças dos suecos"… 

Tor Sellström, do Instituto Nórdico de Estudos Africanos, num texto de 290 páginas, publicado em português, em 2008, conta-nos essa história, uma história que interessa, pelo menos, aos suecos, aos portugueses e aos guineenses... 

Vamos continuar a segui-lo, reproduzindo, com a devida vénia,  mais um  excerto do seu livro. Aproveitamos para  chamar a atenção para alguns factos e dados que merecem a nossa contestação ou reparo crítico, nomeaadamente quando o autor fala do trrajeto do PAIGC e do seu líder histórico, não citando fontes independentes e socorrendo-se apenas das "lendas & narrativas" do PAIGC... Eis alguns exemplos:  (1) a greve dos trabalhadores portuários do Pijiguiti e o papel do PAIGC; (ii) a batalha do Como: (iii) o controlo de 2/3 do território e de 400 mil. habitantes por parte do PAIGC; (iv) as escolas, as clínicas e as lojas do povo nas "áreas libertadas"; (v) o assassassinato de Amílcar Cabral.  etc.

O texto, de 290 páginas, tem muitas, demasiadas, notas de pé de página, úteis (do ponto de vista documental) mas maçadoras, que o leitor poderá dispensar ou apenas ler na diagonal.. Em todo o caso, mantivemo-las. 

Os negritos são nossos: ajudam a destacar alguns dos pontos importantes da narrativa. O "bold" a vermelho são passagens controversas, que são uma chamada de atenção para o leitor, devem merecer um comentário crítico (ou o recurso a leituras suplementares). 

Corrigimos os excertos seguindo o Acordo Ortográfico em vigor.

Para já aqui ficam os nossos agradecimentos ao autor e ao editor, Nordiska Afrikainstitutekl (em inglês, The Nordic Africa Institute).

_______________

Ficha ténica: Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, 290 pp. Tradução: Júlio Monteiros. Revisão: António Lourenço e Dulce Åberg. Impresso na Suécia por Bulls Graphic, Halmstad 2008ISBN 978–91–7106–612–1.

Disponível em https://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:275247/FULLTEXT01.pdf

(Também disponível na biblioteca Nordiska Afrikainstitutekl (ou Instituto Nórdico de Estudos Africanos) aqui, em "open acess" .)

Resumo do excerto anterior (*):

Com base numa decisão parlamentar aprovada por uma larga maioria, a Suécia tornou-se em 1969 o primeiro país ocidental a dar ajuda oficial aos movimentos nacionalistas das colónias portugueses (MPLA, PAIGC, FRELIMO). O PAIGC vai-se tornar o principal beneficiário dessa ajuda (humanitária, não-militar). Muito também por mérito de Amílcar Cabral e da sua habilidade diplomática.  Até então, e sobretudo na primeira metade da década de sessenta,  o debate na Suécia sobre a África Austral  tinha quase exclusivamente sido centrado na situação na África do Sul, onde vigorava o apartheid.

O êxito da campanha contra a participação da empresa sueca ASEA no projecto de Cahora Bassa em Moçambique, por volta de 1968–69, na altura em que decorria a guerra do Vietname, levou a que os principais grupos de pressão (“Grupos de África”,  oriundos de cidade como Arvika, Gotemburgo, Lund, Estocolmo e Uppsala) se  ocupassem quase em exclusivo da luta armada nas colónias portuguesas, com destaque para a Guiné-Bissau.



 Excerto do índice (pág. 4)

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno

Pág.

As colónias portuguesas no centro das atenções

138

A luta de libertação na Guiné-Bissau

141

Primeiros contactos

144

Caminho para o apoio oficial ao PAIGC

147

Uma rutura decisiva

152

Necessidades civis e respostas suecas

154

Definição de ajuda humanitária

157

Amílcar Cabral e a ajuda sueca

161

A independência e para além dela

168

 

A luta de libertação na Guiné-Bissau
(Tor Sellström, op cit., pp. 141-143)




(...) Tal como os outros territórios em África submetidos ao controlo de Portugal, a então chamada ”Guiné portuguesa” e as ilhas de Cabo Verde (13) foram, em 1951, constitucionalmente incorporadas enquanto ”províncias ultramarinas” na metrópole portuguesa.

Esta démarche, que, no fundo, foi uma manobra do regime português destinada a perpetuar o domínio colonial, não se traduziu em qualquer benefício para os habitantes desses territórios, antes pelo contrário. 

Comentando o ”absurdo da nossa situação”, Amílcar Cabral declarou em 1961 que os colonialistas portugueses tentam convencer o mundo de que não têm colónias e de que os nossos países africanos são ”províncias portuguesas”. [...] Quando o país colonizador tem um governo fascista, quando o povo desse país é em grande parte analfabeto e não conhece nem usufrui de direitos humanos fundamentais [...]; e quando, para além disso, a economia da metrópole é subdesenvolvida, tal como acontece em Portugal, a violência e as mentiras atingem níveis sem paralelo e a falta de respeito pelos povos africanos não conhece limites( 14).

Tal como em Angola e Moçambique, Portugal governou com punho de ferro na Guiné-Bissau e quaisquer protestos foram esmagados sem contemplações. Em finais dos anos cinquenta, a polícia secreta do regime, a infame PIDE (15), estava já instalada em Bissau e começava a constituir a sua rede de informadores, semelhante à que já funcionava em Portugal. Daí resultou que a ”Guiné portuguesa” não tenha sido poupada à violenta repressão levada a cabo pela polícia e aos massacres que as populações da parte austral do continente conheceram em 1959–60. 

Em agosto de 1959, cerca de 50 estivadores em greve no Pijiguiti foram mortos pela polícia portuguesa. Tal como aconteceu em casos deste tipo na África Austral, o massacre teve consequências muito profundas.

Um mês a seguir aos assassinatos, os militantes do PAIGC realizaram uma reunião em Bissau, na qual se decidiu libertar a Guiné e Cabo Verde ”por todos os meios possíveis, incluindo a guerra” (16).

O PAIGC era o mais antigo de todos os movimentos de libertação nas colónias portuguesas em África. Inicialmente designado Partido Africano para a Independência (PAI), foi formado em Bissau em Setembro de 1956, por um pequeno grupo de ativistas, sobretudo de origem cabo-verdiana, em torno da figura de Amílcar Cabral, três meses antes da fundação do MPLA de Angola.

Apesar de existirem e se terem feito notar outras organizações nacionalistas, nomeadamente a FLING (Frente para a Libertação e Independência da Guiné), tinham quase todas a sua base no vizinho Senegal e não tinham atividade na própria Guiné-Bissau (17).  Tal como acontecia com a FRELIMO de Moçambique, mas em contraste com o MPLA de Angola, o PAIGC era o movimento de libertação claramente dominante. Por isso, juntamente com o facto de levarem a cabo uma estratégia baseada em preceitos político-militares claros (18), a organização de Cabral veio dar grande coesão ao movimento de libertação.

Importante neste contexto foi o facto de a causa anticolonial não ter sido nunca complicada de forma importante por questões relacionadas com colonos. O número de residentes portugueses era extremamente baixo, nunca tendo ultrapassado os 2.000 civis europeus no território, sendo a maioria eram administradores coloniais, mais do que colonialistas (19)

Sob a liderança de Amílcar Cabral (20), o PAIGC adquiriu grande visibilidade na altura da greve do Pijiguiti, na qual participou intensamente. Contudo, a repressão que o movimento viria a sofrer a seguir obrigou a liderança do movimento a sair do país. Cabral fundou o quartel do PAIGC no exílio em 1960 em Conacri, capital do país vizinho ao sul da Guiné-Bissau, a francófona República da Guiné (21).

Seguiu-se um período de intensa mobilização política junto dos camponeses no sul da Guiné-Bissau, em combinação com atos de sabotagem e de desobediência civil. Em janeiro de 1963, o PAIGC deu início à fase de luta de libertação nacional por via armada, com um ataque ao quartel do exército português em Tite.

As vitórias militares do PAIGC seguiram-se umas às outras muito rapidamente. Seis meses depois de começar a guerra, o Ministro português da Defesa, o general Gomes de Araújo, espantou o seu governo ao admitir publicamente que os nacionalistas tinham tomado o controlo de uma parte significativa da colónia (22).  

No início de 1964, o moral em Lisboa sofreu um novo revés quando o PAIGC rechaçou um contra-ataque em larga escala contra a ilha de Como, anteriormente ocupada pelos nacionalistas na sua ofensiva militar. Nessa operação tomaram parte pelo menos 3.000 efectivos do lado português (23).

A batalha pelo controlo de Como marcou um ponto de viragem. A partir dessa altura, as zonas libertadas do sul da Guiné-Bissau permaneceram firmemente nas mãos do PAIGC, enquanto os portugueses, que acabariam por atingir uma presença de cerca de 30.000 efetivos num país com um pouco mais de meio milhão de habitantes, concentraram a sua atenção na defesa da capital, num conjunto de posições fortificadas e na utilização do seu poder aéreo.

Por volta de meados dos anos sessenta, altura em que a situação militar começou a estabilizar-se, o PAIGC controlava cerca de metade do território nacional, onde tinha em funcionamento uma administração e serviços sociais próprios, incluindo cuidados de saúde e educação.

Para que fosse possível desenvolver estas atividades era essencial que o movimento obtivesse ajuda de fora (24) e foi em resposta a esse pedido que o governo sueco decidiu, em meados de 1969, aumentar o nível de ajuda humanitária ao PAIGC.

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(11) Ethel Ringborg: Memorandum (”Stöd till befrielserörelser”/”Apoio aos movimentos de libertação”), Ministério dos Negócios Estrangeiros, Estocolmo, 7 de Setembro de 1971 (MFA). A fazer fé numa nota manuscrita, fica a sensação de que foi escrito como ”informação de base” para o Ministro dos Negócios Estrangeiros, que se fez representar na reunião do Comité Consultivo da Ajuda Humanitária (CCAH), realizada duas semanas depois.

(12) A ajuda oficial, ainda que reduzida, ao ANC (iniciada em 1973), à SWAPO (1970), à ZANU (1969) e à ZAPU (1973) antecedeu o reconhecimento, dado a esses movimentos pelos AGIS entre três e seis anos depois.

(13) Situadas no Atlântico, a cerca de 600 quilómetros a nordeste da Guiné, as ilhas de Cabo Verde tinham, no início dos anos sessenta, uma população total de pouco mais de um quarto de milhão de pessoas, maioritariamente de origem mista africana e portuguesa. A partir de finais do século XV, o colonialismo português ligou estas ilhas, de uma forma íntima, à Guiné, no continente africano. Muitos cabo-verdianos participavam ativamente no PAIGC, a nível da liderança, mas não só. Apesar de ter nascido na Guiné, o próprio Amílcar Cabral era de origem cabo-verdiana.

Tal como o nome indica, o PAIGC destacava a unidade dos dois territórios mas, além da propaganda política e de algumas atividades, o movimento de libertação nunca tentou incluir as ilhas na luta aberta pela libertação. Cabo Verde continuou sob domínio português até ao golpe de estado em Lisboa, em Abril de 1974, o que contribuiu para alargar o fosso entre Cabo Verde e a Guiné-Bissau após a independência, e acabaria por levar à separação formal no início de 1981.

(14) Amílcar Cabral: Revolution in Guinea: An African People’s Struggle (”Revolução na Guiné: A luta de um povo africano”), Tomo 1, Londres, 1969, p. 10.

(15) Polícia Internacional e de Defesa do Estado.

(16) Basil Davidson: The Liberation of Guiné: Aspects of an African Revolution, Penguin African Library, Harmondsworth, 1969, p. 32.

(17) A FLING concentrou uma grande parte das poucas energias que tinha na crítica da liderança ”não-africana” do PAIGC, ou seja, o facto de Cabral e outros líderes serem mestiços cabo-verdianos. Sediada em Dakar, capital do Senegal, a FLING recebia um apoio considerável do presidente Léopold Senghor que, durante toda a guerra de libertação na Guiné-Bissau, manteve as suas opções políticas abertas, distribuindo os seus favores entre a FLING e o PAIGC.

(18)  Ver Lars Rudebeck: Guiné-Bissau: A Study of Political Mobilization, Scandinavian Institute of African Studies, Uppsala, 1974.

(19) Norrie MacQueen: The Decolonization of Portuguese Africa: Metropolitan Revolution and the Dissolution of Empire, Longman, Londres e Nova Iorque, 1997, p. 37.

(20) Nascido na Guiné-Bissau em 1924, Amílcar Cabral foi para Lisboa em 1945 para estudar no Instituto Superior de Agronomia, formando-se em 1952 com notas extraordinárias. Em Portugal, Cabral participou ativamente em grupos políticos e culturais africanos clandestinos e formou em 1951, juntamente com Mário de Andrade e Agostinho Neto, de Angola, e Marcelino dos Santos, de Moçambique, o Centro dos Estudos Africanos em Lisboa. Descrito como o ”berço dos líderes africanos”, o Centro de Estudos Africanos juntou os futuros líderes do PAIGC, MPLA e FRELIMO e abriu o caminho para a constituição de outras organizações, tal como o Movimento Anti- Colonialista, formado por Andrade, dos Santos e Cabral em 1957 e, mais tarde, a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), no ano de 1961.

Depois de se formar, Cabral foi para a Guiné para chefiar uma estação de pesquisa próxima de Bissau, tendo levado a cabo um estudo agrícola da colónia em 1953–54. A missão, bem como as repetidas visitas a Angola como consultor agrícola para várias empresas entre 1955 e 1959, puseram-no em contacto direto com as realidades dos camponeses africanos, experiência da maior importância para o desenvolvimento do seu raciocínio político. Cabral, em conjunto com Aristides Pereira, o seu irmão Luís e mais algumas pessoas, fundou o PAI/PAIGC em Bissau, em setembro de 1956, acabando por ser nomeado seu secretário-geral. Nesse mesmo ano, participou também no processo que acabou por conduzir à formação do MPLA em Luanda, a capital de Angola.

Após o massacre do Pijiguiti, em agosto de 1959, os líderes do PAIGC foram forçados a exilar-se e, em maio de 1960, Cabral fixou-se em Conacri, capital da vizinha República da Guiné, de onde liderou a luta de libertação. Cabral viria a ser assassinado a 20 de Janeiro de 1973, em Conacri.

Para mais informações sobre a vida de Amílcar Cabral consulte Amílcar Cabral: Revolutionary Leadership and People’s War de Patrick Chabal, African Studies Series, Cambridge University Press, Cambridge, 1983.

(21) Para distinguir a República da Guiné, país independente, da Guiné ”portuguesa”, referimo-nos à segunda como Guiné-Bissau e à primeira apenas como Guiné. O MPLA de Angola também criou o seu quartel-general no exílio em Conacri em 1960, transferindo-o no ano seguinte para Léopoldville (Congo).

(22) MacQueen op. cit., p. 38.

(23) Chabal op. cit., p. 59.

(24) Além do mais, o PAIGC foi responsável pelo aumento constante do número de refugiados tanto na Guiné como no Senegal.

 [ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G ]

2. Em contraponto leia,-se estes excerts do 1º livro da CECA:


CECA (1988) > Campanhas de África (1961-1974)  – Breve síntese


(…) c. Guiné (pp. 116- 121)

A partir de 1958, constituíram-se, no estrangeiro, diversos Movimentos que visavam obter a independência da Guiné Portuguesa.

Alguns deles usufruíam do apoio de Dacar: União Popular da Guiné (UPG), fundada em 1958; União Democrática Cabo-verdiana (UDC), em 1959; Movimento de Libertação da Guiné (MLG), em 1961, e a União dos Naturais da Guiné Portuguesa (UNGP), em 1962. Outros apoiavam-se em Conakry: o Movimento de Libertação da Guiné e Ilhas de Cabo Verde (MLGCV), fundado em 1959 e o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), fundado em 1956 por Amílcar Cabral .

Após várias vicissitudes, que incluíram reagrupamentos de alguns destes Movimentos, a partir de 1962, ficaram atuando apenas o PAIGC e a Frente de Libertação para a Independência da Guiné (FLING). Pode dizer-se mesmo que, a partir desta data, a luta armada assou a ser conduzida exclusivamente pelo PAIGC, que acabou por ser o único a lutar em todos os campos.

Contudo, é o Movimento para a Libertação da Guiné (MLG) que efetua, em 1961, as primeiras acções terroristas em S. Domingos e, uns dias depois, em Susana e Varela. Ainda que sem outra finalidade aparente que não fosse a de roubar, estes atos provocaram a saída de muitos nativos para a República da Guiné e para o Senegal (97).

Há, porém, antecedentes. Em 3 de Agosto de 1959, ocorrera a greve de estivadores de Pijiguiti (Bissau), reprimida pelas forças da ordem. Embora se considere que este acontecimento não teve uma relação direta com os movimentos nacionalistas, tanto o MLG como o PAIGC se atribuem a responsabilidade deste incidente, que tem vindo a ser reivindicado por qualquer destes partidos. A data é celebrada pelo PAIGC como o dia nacional da revolução e os elementos grevistas, que foram mortos, são glorificados como os primeiros "mártires da Pátria".

De qualquer forma, pode dizer-se que este acontecimento ateou o rastilho que vai fazer eclodir, dois anos mais tarde, a luta contra a autoridade portuguesa (98).

Em princípios de 1963, voltaram à atividade os grupos do MLG com várias incursões na Província. Revelaram-se de novo em fevereiro e março de 1964 em ataques a tabancas, mas devido à ação enérgica dos moradores, apoiados pelas NT, estes não resultaram (99).

Em meados de 1962 e no Sul da Província, o PAIGC tinha feito a sua estreia com armas e intensificava o seu já grande esforço de propaganda e de aliciamento das populações, iniciado clandestinamente na década de cinquenta. Na noite de 30 jun / 1 jul desse ano, desencadeia as primeiras ações no Sul da Província partindo da República d Guiné (100).

Em 1963, aumenta a sua atividade no Sul e executa as primeiras ações contra as nossas tropas (ataque ao aquartelamento de Tite e emboscadas) (101). Em meados desse ano, coloca os primeiros engenhos anticarro e leva a efeito ações a N do rio Geba (Oio).

Em 1964, alarga a sua atuação para o Norte a partir do Oio, até à fronteira com o Senegal, criando assim condições para poder ser reabastecido a partir deste território. Iniciou também a sua atividade no canto NE da Província e na área do Boé, visando pressionar a etnia fula, pouco recetiva à ação subversiva do PAIGC, e surge pela primeira vez com o chamado "exército popular", numa ação sobre Guileje (102).

Nos anos que se seguiram, o PAIGC, que sempre beneficiou de um indiscriminado apoio de diversos países (principalmente os de Leste e os Africanos), intensificou a sua ação alastrando a sua influência militar a novas áreas, obrigando as nossas tropas a um constante esforço que exigiu apreciáveis reforços.

O PAIGC foi dispondo sempre de melhor armamento e de maiores efetivos em pessoal. E foi melhorando também as suas formas de atuação. Pela colocação constante de engenhos anticarro e antipessoal em todos os itinerários por onde se deslocavam as nossas forças ·e pela frequente flagelação dos meios terrestres, aéreos e navais que tinham de atuar na Província, os deslocamentos das nossas forças, quer para atividade operacional quer por simples razões administrativas e  logísticas, tornaram-se, com o correr dos anos, sucessivamente mais difíceis e dispendiosos.

Facilitaram o desencadear da insurreição e o desenvolvimento da luta alguns fatores que, num território de tão diminutas dimensões como a Guiné, assumiram especial importância. Entre eles, destacam-se:

  • grande densidade populacional (exceto no Sul) e fraca estrutura administrativa enquadrante;
  • enorme variedade de grupos étnicos, bem diferenciados e independentes e com dialetos próprios;
  • rede de vias de comunicação muito pobre e escassa;
  • arborização densa, na maior parte do território;
  • densa rede de rios e canais, dificultando extraordinariamente a movimentação por terra e tornando as deslocações por via aquática morosas e cheias de perigos;
  • amplitude diária de marés invulgarmente grande, que fazia sentir s seus efeitos não apenas no litoral mas muito para o interior, ao longo dos cursos de água, criando importantes problemas diários para deslocações, quer em terra quer nos rios;
  • recursos locais escassos, sobretudo para alimentação;
  •  clima depauperante e grande risco de doenças tropicaisterritório pequeno e extensa fronteira terrestre, permitindo rápidas incursões e a fuga para os países vizinhos apoiantes. 

Em 1969, a luta que o PAIGC nos impunha era, sem dúvida, muito dura. Todavia, as tropas portuguesas - brancas ou pretas – ocupavam todo o território e, embora com dificuldades nalgumas zonas, movimentavam-se em todo ele.

Por toda a parte continuavam a existir populações fiéis às autoridades, ou junto aos nossos aquartelamentos ou isoladas - e, conforme as zonas, constituídas ou não em autodefesa.

A partir de 1970, é incrementada a construção de aldeamentos, onde se proporcionava assistência escolar e sanitária às populações nativas. Ao mesmo tempo, são lançados os "Congressos do Povo", onde, por duas vias diferentes (a regional e a étnica) e em escalões diferentes (local e provincial) as populações expõem os seus anseios e preocupações e apresentam sugestões para a sua valorização social. Os congressos - o último dos quais se realizou entre 21 de Fevereiro e 10 de Abril de 1974 - eram autênticos elos de ligação entre o povo e o governo e, através deles, os povos participavam na vida da comunidade.

Em 1973, com o início do emprego dos mísseis terra-ar, o PAIGC atingiu o auge da sua atuação, tornando difíceis os movimentos da nossa força aérea, o que se refletiu no desenvolvimento das operações terrestres.

Ao mesmo tempo que o apoio internacional dado ao PAIGC lhe foi permitindo reforçar e alastrar a sua ação, fomos impondo e alterando o nosso dispositivo militar na Província e desencadeando medidas para acelerar o progresso da população da Guiné. Tais medidas de carácter militar, político-administrativo, social e psicológico, permitiram que a defesa fosse conduzida com a colaboração de uma boa parte da população.

O próprio inimigo o reconheceu. E, em diversas alturas, houve mesmo claras e importantes manifestações do desejo de interromper a luta por parte de elementos proeminentes das forças que se batiam contra nós, chegando a efetuar-se contactos importantes para estudo da forma de se avançar nesse campo.

Mas estas intenções não resultavam, porque outros elementos inimigos, pela força, faziam calar aquelas vozes. O próprio dirigente do PAIGC, engenheiro Amílcar Cabral, que tinha, por mais de uma vez, manifestado abertura para um determinado tipo de solução para o conflito, chegando a estabelecer alguns contactos com as nossas autoridades, acabou por ser eliminado em 1973 por elementos radicais do seu partido.

Em abril de 1974, a situação na Guiné requeria um maior reforço do nosso potencial militar e o inimigo beneficiava de uma cada vez  maior ajuda de diferentes países, nomeadamente dos que queriam afastar de vez a África da Europa Ocidental.

 Acoitava-se em certas zonas de refúgio, que considerava "áreas libertadas", e cuja superfície exagerava para efeitos de propaganda, dizendo que elas atingiam, na totalidade, dois terços da área do território.

A verdade, porém, é que, apesar de todas as dificuldades, as NT · tinham acesso a todo o território, embora com medidas de segurança variáveis conforme as regiões. Também havia outros aspetos que nos eram favoráveis, de que se salientam:

  • generalizada ausência de ódios raciais, sendo fácil a convivência do português europeu com os nativos da Guiné e apreço por parte destes pelo esforço que ia sendo feito para melhorar as suas próprias condições de vida e a humanidade e generosa igualdade com que, sobretudo no meio militar, eram tratados;
  • coesão em cada um dos diferentes grupos étnicos e validade da sua estrutura hierárquica tradicional, que tinha consciência das características positivas da atuação dos portugueses:
  • participação, na maioria dos casos voluntária, de muito importantes efetivos humanos naturais da Guiné (importantes pelo número e pela qualidade) que não atuaram apenas enquadrados nas unidades normais do Exército destacadas para a Guiné.

De facto, quanto a este último ponto, havia unidades em que, sendo os oficiais e sargentos pertencentes aos quadros normais do Exército, todas as praças eram naturais da Guiné..

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 1.º Volume;  Enquadramento Geral. Lisboa, 1988, pp. 116-121 (Com a devida vénia...).

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terça-feira, 9 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24301: Manuscrito(s) (Luís Graça) (224): Um pais pequeno e periférico que, até 2005, cabia em mil negativos do arquivo da Magum Photos


  • Foto de uma imagem de Koudelka (1976), exposta no CCB. Talvez o melhor retrato do Portugal que nascia e renascia. Exposição no CCB (Centro Cultural de Belém, Lisboa) > Espelho Meu: Portugal visto por fotógrafos da Magnum.  Data: 1 de Julho a 28 de Agosto de 2005. Comissariado: Alexandra Fonseca Pinho e Andrea Holzherr (Magnum Photos Paris). Produção: Centro Cultural de Belém e Agência Magnum Photos Paris. Texto e foto: Luís Graça (2005) (*)



 Um país pequeno e periférico que, até 2005, cabia em mil negativos do arquivo da Magum Photos 

por Luís Graça (*)


1. Um país tão pequeno e tão periférico (em relação ao centro do mundo, da notícia, do acontecimento, da história, da geopolítica, da economia global, da produção do conhecimento científico, da arte da guerra e de todas as outras artes, em suma, tão longe da objectiva do fotógrafo) que cabia em mil negativos do arquivo de uma das mais célebres agências de fotojornalismo do mundo: a Magnum Photos, criada em 1947 por Henri Cartier-Bresson, Robert Capa e demais cooperantes. (Nomes incontornáveis da história do fotojornalismo.)

Havia registos de 1955, da década de 60, do 25 de Abril de 1974, do PREC… Depois disso, os fotógrafos foram "assobiar" (neste caso, "disparar as objetivas")  para outro lado. Que o mundo é vasto e fotogénico, mesmo quando feio, horrível, mau, chato, sujo, violento e perigoso.

Portugal e os portugueses deixaram definitivamente de estar na moda quando a festa acabou. (Aliás, nada nem ninguém pode estar em festa permanentemente.) 

Os ratos abandonaram o navio. Na ressaca da festa, pá, ficaram os bêbados, os loucos, os marginais, os místicos, os poetas, os retornados, os deficientes das forças armadas, os cacimbados da guerra, os ex-soldados africanos alistados no exército colonial (e a quem Amílcar Cabral chamava os "cães do colonialismo")... Mais os desempregados da reforma agrária, os cães que ladravam à lua, as mulheres de preto, os descendentes de Vasco da Gama, enfim, os pobres, os velhos, os eternos perdedores…

Trinta anos depois era preciso "bater umas chapas" para fazer o upgrade do arquivo da Magnum Photos, Vieram cã a Susan Meiselas, o Miguel Rio Branco, o Joseph Koudelka. Com as suas credenciais da praxe, as suas obsessões de estimação, o seu portfólio, o seu prestígio, os seus mitos, os seus medos, a sua vaidade, o seu génio, os seus tiques e os suas "superzooms", mais o o seu código de ética e deontologia profissionais,   Afinal,são eles que entram pelas nossas ruas e casas e lugares e nos captam a alma... ( Os africanos não gostavam de ser fotografados, porque lhes roubávamos a alma.)


2. Não era de surpreender a desconfiança com que os meus passos eram seguidos enquanto percorria as ruas da Cova da Moura, mas na Cova são propriedade privada. Cada esquina tem uma personalidade distinta” (Susan Meiselas dixit).

A exposição, no CCB - Centro Cultural de Belém, começava nos Nos Kasa, a 10ª ilha de Cabo Verde, com seis a sete mil habitantes, incluindo gente oriunda de Angola e de S. Tomé e Príncipe, parte dela imigrantes ilegais. Com um fabuloso som de fundo: o coro das mulheres da Cova da Moura. Meiselas teve vontade de lá ir porque ouvira a notícia do "arrastão" na BBC ou noutra estação global qualquer.

De repente, Portugal dera de novo a volta ao mundo. O "arrastão" de Carcavelos (lembram-se ?) fora notícia...
Um "fait- divers".... à falta de Tsunami, vulcão, terramoto, atentado terrorista, regicídio,  prémio Nobel ou castigo divino. 

Há males que vêm por bem, dirão uns. As fotos da Meiselas, penduradas nas janelas, nas varandas e nos estendais da roupa do gueto da Cova da Moura, acabaram por dar-lhe uma outra dimensão mediática e contribuir para a melhoria da sua imagem e da autoestima dos seus habitantes, náufragos do império, filhos de um deus menor...

Os jovens do bairro (e as suas associações, como a "Associação Moínho da Juventude") perceberam que a fotografia 
 e não apenas a cantiga...) podia ser uma arma Que uma foto de Meiselas (e da Magnum) valia mais do que uma presidência aberta ou o estafado discurso de um presidente da câmara.   Ou as promessas populistas dos partidos que se aventuravam a lá ir em campanha eleitoral....

As associações locais comentavam, por sdua vez,  que a notícia (da participação de jovens desta comunidade local no já famoso "arrastão" de Carcavelos), fora um "exagero", mas que acabou por ter um efeito positivo na socioconomia da ilha (que pouco ou nada conta para o PIB português).

Por 5 euros,  sem fatura, os estrangeiros passaram a poder entrar, sem passaporte, na Cova da Moura, com direito a visita guiada e guarda-costas. Por mais 7 euros e meio, o turista podia inclusive provar os sabores da gastronomia local, a melhor cachupa da diáspora crioula.  Ou ir aos  cabeleireiros do bairro. Ou até  aos videntes.

O período de tréguas, boa vontade e estado de graça, terá acabado no dia 17 de julho de 2005, mas a exposição do CCB continuou aberta até final de agosto desse ano da "sorte grande" de 2005..

Entretanto, a polícia veio depois dizer, pelo seu serviço de relações públicas, que afinal o "arrastão de Carcavelos" nunca existira: fora uma figura de retórica.... 

País de inventonas, de polícias que gostam de fazer notícia e de jornalistas que dão demasiado crédito aos polícias. País de minorias que a maioria nega, escamoteia, ignora, esconde em guetos como a Cova da Moura. Todos iguais, mas uns mais do que outros, não diz a Constituição.


3. Miguel Rio Branco (n. 1946), de ascendência lusitana, era o único dos fotógrafos que falava com o coração: 

“Portugal, o berço dos meus antepassados, das primeiras memórias com significado, dos meus primeiros amores, deixa-me sempre profundamente emocionado. Mais uma vez, procuro as raízes que perdi…”. 

E quem pode viver sem raízes, Miguel ? É preciso o trabalho do arqueólogo, do paleontólogo, do geólogo, do etnólogo, do antropólogo, do linguista, etc., para voltar a aprender a ler as sucessivas camadas que compõem a realidade (física e humana) de Portugal e dos portugueses: um coração talhado na pedra, a pedra, o chão, a sombra, a penumbra, as castanhas quentes e boas, o silêncio, a cruz, o mistério, o profano e o sagrado...

4. Também nada tinha de fotojornalismo puro e duro o olhar de Josef Koudelka… Aqui não havia mais tropas, tanques, botas a esmagar a primavera de Praga, os cravos checos. Aqui já não havia império, nem do mal nem do bem. Apenas uma paisagem calcinada pelos incêndios que lavravam desde o 25 de Abril de 1974 e que nunca mais se extinguiram. Portugal estava a arder em lume brando, em fogo lento. Portugal já havia ardido. Portugal era consumido por uma trágica paixão

Foi, pelo menos, a mensagem que eu li nas legendas que podiam ser em checo ou noutra língua qualquer, desde que falada pelos humanos:

 “Passei seis semanas em Portugal. Viajei de norte a sul, de este a oeste. Segui um caminho que eu próprio tracei. Tentei ver o máximo. Fiquei surpreso. Com o que Portugal mudou desde os anos setenta. Mas eu também mudei” (Josef Koudelka).

Todos nós mudámos, camarada checo (mas já não eslovaco, depois da dissolução,. pacífica da Checoslováquia, em 1993). E connosco, Portugal, a Europa, o mundo... Mas em 1979, cinco anos depois do poder ter sofrido "o risco de cair na rua", o que atraía o fotógrafo era a Ladeira do Pinheiro, a santa, a “Procissão dos milagres”, o Portugal no seu pior, o Portugal do (pro)fundo, o Portugal sacro-profano (Bruno Barbey, n. 1941). 

Mas se esse Portugal não tinha raça nem fotogenia, tinham-nas, uma e outra, os ciganos, as minorias, os marginais. Registe-se as cenas de um casamento cigano, em 1998 (Bruce Golden, n. 1946). Havia ainda o olhar, eslavo, franco-russo, de Georgui Pinkhassov (n. 1952), sobre o Barro Alto, o Chiado, Alfama (1998), a Lisboa saloia, mourisca, judaica, cristã, exótica, pitoresca, labiríntica, que sempre seduziu o olhar do outro, o estrangeiro, desde os francos, os cruzados, o Bráulio no Séc. XVI ou o Byron no Séc. XIX.

5. Afinal, o único núcleo temático desta mostra (decepcionante, nalguns casos; provocadora, irritante, estimulante, noutros) que se podia qualificar de fotojornalismo propriamente dito era o do 25 de Abril de 1974.

Portugal despertava a curiosidade (romântica ? voyeurista ? oportunística ? interesseira ?) dos fotógrafos e de alguns revolucionários profissionais, sem esquecer os perdedores do Chile de Allende, da França do Maio de 68, da contestação à guerra do Vietname, dos cientistas da revolução social…

Guy de Querrec (n. 1941), Jean Gaumy (n. 1948) e Gilles Peress (n. 1946) eram os três fotógrafos da Agência Magnum que estavam de serviço ao Portugal do PREC de 1974/75.

Venez, copains et copines, il ya une révolution qui marche, là bas au Portugal. Viva Portugal, o laboratório social! ... Devem-se ter fartado de depressa das sardinhas assadas no pão e dos copos de très de vinho tinto em tascas cheias de moscas.

A fotografia que melhor retratava os anos sombrios de 1976,  tão sombrios como o day-after de todas a s euforias, de todas as orgias (sociais, sexuais, guerreiras...) em todas as épocas e sociedades, ainda era  a de Koudelka, a do homem, o n"maneta", que saía do mar, enquanto uma "criancinha" berrava ao colo da mãe que teimava em levá-la ao banho (vs. foto acima).  

O Portugal futuro, parafraseando o Ruy Belo, em confronto com o do passado, que acabava de ser "liquidado"… Confronto ? Nem isso, havia um Portugal que saía de cena, o do "maneta", e outro que entrava, a da "criança" que tinha a fobia do mar… Medo de entrar na água ? Mais do que medo, diria que era pânico. O pânico de ter que lidar com o futuro, o "buraco preto" do futuro, as suas oportunidades e as suas ameaças, . 


6. O alemão Thomas Hoepker conheceu o Portugal dos anos 60. Um certo Portugal, o da minha, nossa, adolescência. Trás-os-Montes, que eu só conheci mais tarde. Quem viajava nessa época ? Por que estradas ? "A salto", para França, por terras de Espanha, usando os trilhos dos contrabandistas. 

Havia, nessa época já lonmgínqua,  uma revolução silenciosa, em marcha, que nenhum fotojornalista da Magnum captou.  Mas também se viajava de comboio, pela calada da noite, desde o Campo Militar de Santa Margarida até ao barco que nos esperava no cais Conde de Óbidos. Destino: o Ultramar, Angola, a jóia da coroa, depois da perda dos brasis, das índias. Mas também a Guiné ou Moçambique... A minúscula Guiné, colónia de Cabo Verde...

Em 1964, era ainda o que restava  do Portugal rural, pobrezinho, mas feliz q.b., tão bem retratado nas fotos do casamento popular ou do latifundiário, sozinho que nem um cão rafeiro, sentado à mesa. Ou ainda do "fascismo serôdio", o "fascismo dito "portuguès suave",  tão podre que iria cair da cadeira com o seu velho criador, uns anos depois. Ainda em 1964, os padres (católicos, não havioa outros) entronizavam as criancinhas nos ritos e ritmos patrioteiros da Mocidade Portuguesa. Que a Pátria (n)os chamava: “Para Angola, rapidamente e em força!”...

7. Cartier-Bresson e Inge Morath tinham fotografado os portugas de 1955, o Portugal ronceiro dos campos e o Portugal engravatado do salazarismo, recauchutado e recuperado pela NATO, três anos antes do furacão chamado General Sem Medo, Humberto Delgado:”Obviamente, demito-o” (referia-se a Salazar). 

Os fotógrafos da Magnum não voltaram: tinham mais que fazer do que documentar o simulacro de eleições livres para a presidência da república das bananas. A estética do realismo social fixava, enquadrava, recortava, emoldurava, aquilo que era o Portugal very typical do Secretariado Nacional da Propaganda (mais tarde, Informação), ainda e sempre pela batuta do 'modernista' António Ferro, amigo de Pessoa, admirador de Salazar.   Enfim, os estereótipos, a Nazaré, o Toinho, de pé descalço, a Maria das sete saias… 

É ainda e sempre esta pobreza envergonhada dos pobres envergonhados que um dia, expulsos da terra e engolidos pelo mar,  ousaram sonhar ser donos dos Oceanos e da Terra.

8. Paralelamente à exposição, era exibido um vídeo (uma reportagem que já passado na RTP há alguns anos) sobre os documentários (quatro dezenas) que foram feitos por estrangeiros sobre o PREC (o período que vai do 25 de Abril de 1974 a 25 de Novembro de 1975). Vários dos jornalistas e realizadores são entrevistados: Robert Kramer, Thomas Harlan… Já o tinha visto na altura. Mas não desgostei de o rever. 

Registe-se a intervenção do cineasta Thomas Harlan, que filmou o processo de ocupação da Torre Bela, e que veio falar em “suicídio” das forças armadas portuguesas. Nunca se tinha visto isso. Uns meses antes, no Chile, um exército de estrutura prussiana, nazi, esmagava Allende e subjugava o seu próprio povo. Esse suicídio (colectivo, institucional), a ter acontecido, aconteceu ou teria começado a ser preparado na Guiné. 

Mas a Magnum nunca esteve, com os seus fotógrafos, na Guiné Portuguesa, hoje Guiné-Bissau.... Não estava na Guiné para testemunhar o princípio do alegado suicídio coletivo das Forças Armadas Portuguesas. Só Deus podia estar em todo o lado... Mas nem Deus estava lá. Nessa época também Ele devia andar muito distraído.

PS - Apetece-me, no fim, depois de ter (re)visitado  a exposição  e (re)lido o que escrevi sobre ela, citar o Álvaro de Campos / Fernando Pessoa:

(...) Pertenço a um género de portugueses
Que depois de estar a Índia descoberta
Ficaram sem trabalho. A morte é certa.
Tenho pensado nisto muitas vezes. (...)

In Opiário (1914)

In: Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). - 135. (citado por Arquivo Pessoa > Obra Édita)


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Notas do editor:

(*) Originalmente publicado no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (I Série) > 24 de julho de 2005 > Socio(b)logia - XVII: Espelho Meu... ou os portugas vistos pelos fotógrafos da Magnum...

Revisitado/revisto nesta data, 9 de maio de 2023.  Eliminaram-se os links, que é a coisa mais irritante que há  na Net, porque ao fim de algum tempo estão quebrados...