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segunda-feira, 5 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18380: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 30 e 31: Se forem para a guerra, acabem com os namoros!


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CCAÇ / BART 6520/72 (1972/74) >  Beldades de Fulacunda: bajudas biafadas

Foto: © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à direita]

Nasceu em Penafiel, em 1950, foi criado pela avó materna, reside hoje na Lixa, Felgueiras. É vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa,, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura.  Tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado. Tem o 12.º ano de escolaridade. José Claudino da Silva,

Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção). Tem página no Facebook: é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante. É membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.

Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;
(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,

(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;

(viii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(ix) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(x) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(xi) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xii) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda;

(xiii) ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(xiv) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xv) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.

(xvi) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);

(xvii) começa a colaborar no jornal da unidade, e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia



2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 30 e 31

[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]]


30º Capítulo  > ENTRE FULACUNDA BULA OU BINAR

Dia 16 de Novembro de 1972 foi o dia do meu despertar. Confesso-lhes sinceramente que, neste instante, as lágrimas invadem os meus olhos. Precisei de muitos anos, 45, para reler o que vos vou relatar. O aerograma começa assim.

“Minha doce e amada Melly. Nem sempre me é possível calar que te amo loucamente, pois o amor é um sentimento estranho que subjuga e domina aqueles que dele dependem, por isso eu em dias como o de hoje sinto um frémito de emoções a percorrer-me o corpo.

Como te tinha dito veio uma avioneta para evacuar um soldado, mas de repente chegaram aqui seis helicópteros da força aérea. Dois pelotões nossos estavam no mato e soube que mais uma vez colaboravam connosco pára-quedistas e comandos, também estiveram envolvidos quatro caças Fiat e dois bombardeiros. Durante toda a manhã não se ouvia outra coisa que não fossem bombas a rebentar. o combate desenrolou-se a cerca de 10 quilómetros daqui. Não sei se houve mortos ou feridos pois não nos informam, talvez logo saiba na rádio Argel porque o locutor dessa rádio, sabe tudo que se passa na Guiné e o da nossa emissora não sabe. Por exemplo: Na estrada que liga Bula a Binar um grupo de “turras” que eles dizem são o P.A.I.G.C. (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) atacaram uma camioneta, mataram 10, feriram 14 e raptaram mulheres e uma criança. Os nossos dizem que eram civis os que morreram e na rádio Argel dizem que eram militares. Não sei em quem acreditar! Também os nossos dizem que matamos 18 “turras” e ferimos muitos e nem sei se é verdade. De concreto só o barulho dos aviões e das bombas a rebentar, já passaram umas horas e ainda tenho esse som nos ouvidos.”


De repente, o amor estava misturado com a guerra. Prezo-me porém de ter escrito muito mais vezes a palavra amor que a palavra guerra. Sem qualquer dúvida, o amor venceu.

No dia seguinte, na tabanca, houve “Manga de ronco” (em crioulo significa “muita festa”). Voltámos a rir ao som do batuque, em vez de chorar ao som das bombas.


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > Capa do jornal de caserna, mensal, "O Serrote", edição nº 1, 1973, editado pela 3ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74). Diretor: alf ml [Jorge] Pinto.

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


31º Capítulo  > SE FOREM PARA A GUERRA, ACABEM COM OS NAMOROS

O melhor mesmo é ir estudar.

O jornal da companhia ["O Serrote", dirgido pelo alf mil Jorge Loureiro Pinto, nosso grã-tabanqueiro] começou a sair e, embora eu escrevesse vários textos e versos a que chamava poesia, sabia que na companhia havia gente muito mais letrada que eu, especialmente alferes e furriéis. Destaco o alferes Pinto. (Como isso mudou! Hoje, qualquer sem-abrigo tem mais conhecimentos do que eles). Surpreendi-me por alguns dos meus textos serem publicados e, mais uma vez, tive a sorte de encontrar as pessoas certas. Professores.

Podia, se o quisesse fazer, adquirir o 1º e 2º ciclo liceal. Pois é! se pensam que em Fulacunda não se podia estudar, estão enganados. Os nossos oficiais estavam dispostos a ensinar-nos, depois iríamos a Tite fazer os exames.

Capa da revista "Plateia", nº 196, possivelmente
de janeiro de 1965. Cópia pessoal do nosso
grã-tabanqueiro  Manuel Joaquim
.
Era muito popuiar entre os militares
no ultramar, por causa do correio sentimental.-
Em  1965 custava 3$00 no continente,
4$00 no ultramar (A preços de hoje, 1,16 e 1,55 €,
respetivamente)
Em Tite, estava colocada a CCS. Era nesse local que permanecia o comando do batalhão [de artilharia] 6520.

Não sei se a ideia vingou, mas honro, neste pequeno capítulo, os meus superiores hierárquicos que o tentaram fazer. Lançaram em mim a semente que muitos anos mais tarde iria frutificar e,  se hoje tenho o 12º ano, o primeiro incentivo que recebi como adulto, para estudar, deu-se dentro do arame farpado que protegia Fulacunda.

Que desgraça! Zanguei-me com a namorada. Da maneira em que a troca de correspondência anda… Nessa altura, entre enviar e receber mediavam cerca de três semanas. Iria demorar muito tempo até fazermos as pazes.

A razão? Recebi uma carta a dizer-me que ela foi vista com outro. Nesses cinco meses eu já era, talvez, o 25º a ser trocado. Mas atenção! Também podia ser algum espertinho a querer engatá-la! A carta que recebi era anónima. De qualquer modo, fiquei muito fodido. É só ler o aerograma do dia 5 de Dezembro [de 1972]. Algumas frases soltas

“Maldita Guiné que me está a fazer perder tudo que mais amava  Lenta e persistentemente o tempo vai passando.  Para que eu possa viver em perfeito equilíbrio de ideias preciso de fazer coisas diferentes do habitual que actue sobre mim como um antídoto ou como uma espécie de válvula de escape. Porque hei-de estar com escrúpulos se ela não me quer? Vou pôr um anúncio na Plateia e escreverei a todas que me escreverem até pode ser que me esqueça que existe uma Maria Amélia”.

Foleiro. Foi muito foleiro eu concluir que 90% das mulheres que deixávamos, quando íamos para a guerra, procuravam noutros aquilo que de repente perderam.

Em todo caso digo:

“Se ela traiu o que de mais puro havia em mim. Também digo que o amor é mais forte que o ódio”.

Por favor, não me peçam para colocar aqui na íntegra o aerograma do dia 7. Deve ter sido a resposta mais disparatada da história da humanidade aquela que eu dei, a respeito de conter o desejo sexual, naqueles já cinco longos meses, sem ter uma mulher.

___________

Nota do editor:

ÚLtimo poste da série > 21 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18338: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 28 (O Ramadão) e 29 (A PPSH de tambor)... Ou um "estúpido" na guerra...

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18195: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulo 19 e 20: "Podemos casar à vontade e em cinco anos temos dinheiro para comprar uma casa"


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) >   O Dino, no rio  Fulacunda, junto ao "porto fluvial"...


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) >   Montando segurança próxima do "porto fluvial": o morteiro 81, na margem direita do rio Fulacunda...

Fotos (e legendas): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva:

Nasceu em Penafiel, em 1950, foi criado pela avó materna, reside hoje em Amarante. Está reformado como bate-chapas. Tem o 12.º ano de escolaridade. 

Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção). Tem página no Facebook. É membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande .
Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,

(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;

(viii) Faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(ix) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(x) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(xi)  Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que  aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xii) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda...



2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 18: Os substitutos

[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]



19.º Capítulo > AS DIFERENÇAS RIDÍCULAS

Dois. Apenas os dois sargentos tinham experiência de guerra. Era com eles que eu mais convivia, devido às minhas tarefas que, afinal, não eram tão simples, como inicialmente me pareciam. Mas para já falemos de outras coisas.

Todos os oficiais eram milicianos, incluindo o capitão, comandante da unidade. Os alferes e furriéis idem. A princípio, não me apercebi do que isso significava, mas depressa compreendi que os conhecimentos de guerra de guerrilha, que era o que se passava nas oficialmente designadas Províncias Ultramarinas, eram praticamente nulos, por parte de quem nos comandava. Creio que sabiam tanto da guerra como eu de escrever à máquina e de contabilidade. Paciência! Iríamos aprender tudo juntos.

Havia, porém, uma coisa que relatei por escrito mais tarde. Todos eles tinham nome. Sr. Alferes tal…, Sargento tal…, Furriel tal… logo, eram muito mais importantes. Acresce que a separação hierárquica, que eu aprendera na recruta, se acentuou no palco de batalha.

Ora, o Cabo de Reabastecimento… EU, tive de conviver com uma situação no mínimo estranha, atendendo ao local onde estávamos.

A messe de oficiais podia requisitar, por meu intermédio, um determinado número de produtos. A messe de sargentos podia fazer o mesmo, ou não, dependendo dos gostos. Para a cantina não podia requisitar, digamos, certos produtos, pois não éramos todos iguais. Mas o pior era que não podia confidenciar aos meus camaradas que determinados produtos só eram destinados aos chefes. Que se lixe! Nós também não gostávamos de bebidas finas, nem de, por exemplo, anchovas.

Em resumo, neste aspecto, acreditem ou não, pensei que essa situação podia dar azo a uma certa indisciplina, por não haver igualdade de direitos num campo onde importava que houvesse um grande espírito de corpo. Felizmente, para todos, nunca ocorreu qualquer ato de insubordinação.

A desculpa que eu dei foi que furriéis e oficiais queriam ter coisas diferentes para nos mimar e um Whisky velho, um Gin Beefeater ou um licor Drambuie ou Tia Maria, eram o ideal. De vez em quando, precisávamos de ser animados. Quando isso acontecia, pensava que era um privilégio que estava reservado aos chefes, o de dar-nos um mimo… e não estranhava!

Que raio! Até eu me armei em dono da loja! E era um merdas dum cabo.

Vamos lá preparar-nos para ir buscar os mantimentos que o barco vem amanhã e é a primeira vez que a responsabilidade de receber os artigos encomendados é minha.

Confesso que gostei de ir ao rio no primeiro reabastecimento da nossa responsabilidade. Tínhamos aprendido a picar a picada e a fazer a segurança ao longo da margem, como documento na foto.

O rio era de maré e a água salgada. Foi a primeira vez que vi tal. Por isso, tínhamos de ser rápidos a descarregar o barco, antes que a maré baixasse. Além de que podíamos ser atacados a qualquer momento. Nunca tive medo nem o vi nas caras dos meus camaradas, nessas operações. Inclusive, aproveitava para dar uns mergulhos.

“Vou mandar-te fotos do rio de Fulacunda. Eu e o Zé Leal parecemos cachopos a brincar na praia um dia ainda te vou trazer aqui”.

Mesmo nas situações em que as Berliets ficaram atoladas dava para rir. Afinal, desatascar viaturas tinha sido uma das minhas competências na instrução. Até sabia lidar com o bloqueio ao diferencial.

Tinha-se alterado a rotina. A guerra haveria de chegar mais tarde e nós, no dia seguinte, íamos receber o pré. Seria a primeira vez, como combatentes em África.


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > Capa do jornal de caserna, mensal, "O Serrote", edição nº 1, 1973, editado pela 3ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74). Diretor: alf ml [Jorge] Pinto.

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 
20.º Capítulo > UM DESEJO A LONGO PRAZO

Felizmente, eu já percebia de contabilidade e embora me repita por citar o que escrevia naqueles dias, o aerograma que escrevi no dia 5/9/1972, para a minha namorada, devia ter sido uma lição para toda a vida e eu, estupidamente, estou a relê-lo apenas hoje, 13/9/2017, 45 anos e 8 dias depois:

“Vamos ver se consigo juntar 300$00 por mês. Se fizer isso, em 20 meses são 6.000$00. Mando 700$00 para a minha avó. Ela deve poupar para mim, cerca de 400$00 que são 8.000$00. O total são 14.000$00. Como penso que quando regressar devo ganhar 140$00 por dia. Em 12 meses a 26 dias por mês, dá 43.680$00. Se gastarmos 2.000$00 por mês são 24.000$00. Poupamos 19.680$00 por ano. Podemos casar à vontade e em 5 anos temos dinheiro para comprar uma casa. Mesmo que tenhamos filhos eles serão fortes e robustos não nos darão muitas despesas.” (**)

Caríssimos leitores, não era necessário saber contabilidade para fazer estas contas. Como digo, não voltei a ler este texto até hoje. Lamento imenso não o ter feito. De facto, casei com a minha namorada. Temos dois filhos fortes e robustos, fiz uma casa e até tenho uma neta mas não segui o conselho que dava a mim mesmo. Talvez o adulto sexagenário tenha cometido o erro de não respeitar os compromissos de um jovem de vinte e poucos.

Faltavam ainda, pelo menos, 22 meses de comissão. Planeava o futuro e muitos dos meus camaradas faziam o mesmo. Creio que era inconscientemente uma maneira de sentir que tínhamos esse futuro.

No dia seguinte, fui convidado pelo alferes [Jorge] Pinto para participar na criação do jornal da companhia. ["O Serrote"] (***)
- Com poesia ou outras coisas - disse-me ele.

Agora sim, ia enfrentar algo muito perigoso. Ao escrever, corri muitos mais riscos do que estar numa guerra. Contudo, até comecei com um fervoroso orgulho patriótico. Que, creio, não foi publicado.

Exército imenso
Incontrolável numeroso
O das mães da terra portuguesa
Que embalam no regaço
Com doce singeleza
Futuros defensores
Dum nome glorioso


Mulheres que chorais
O pranto dá tristeza
Dá dor sem ter fim
Dá saudade sem igual
Os soldados não morrem
Podeis ter a certeza
Quando caem heróicos
Pelo nosso Portugal
A sua alma ressoa em nós
Como nos reza
E o seu nome
Soa em timbres de crista


(Continua)
_________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 1 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18164: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulo 18: Os substitutos dos 'Capicuas' [CART 2772]

(**) Em 1972, estes valores, em escudos, representariam hoje o seguinte (em euros);

300$00 = 69,74 € (mas em 1974, já com forte inflação, valeriam apenas 48,89 €)

6.000$00 = 1394,77€  (977,74€, em 1974)

24.000$00 = 5.579,07€ (3.910,97€, em 1974)

Fonte: Pordata > Portugal > Conversor

(***) Vd. poste de 18 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12467: Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte VII): Como é que a malta pssava os 'tempos livres'...

sábado, 25 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4245: Cap Cav Salgueiro Maia, director do jornal de caserna da CCAV 3420, Bula, 1971/73, Os Progressistas (Luís Graça / Jorge Santos)



O jornal de caserna da CCAV 3420 (Bula, 1971/3), Os Progressistas - Quinzenário de Divulgação e Recreio da CCAV 3420. Director: Cap Cav Fernando José Salgueiro Maia (*).

Fonte: Cortesia do
Jorge Santos (2005)


1. Participei, durante a minha instrução de especialidade de Apontador de Armas Pesadas de Infantaria, em Tavira, na elaboração de um jornal de caserna, em 1968. Em boa verdade, era um jornal de parede. Havia uma pequena equipa redactorial.

 O comandante da unidade, um tenente coronel, se não me engano, zelava pela orientação editorial do jornal e, claro, pelo moral da caserna (e a moral da Nação). Miúdas de peitos fartos, generosos e demais formas redondas, loiraças, provocantes, era bem vindas e aclamadas: afinal de contas, os instruendos estavam na flor da idade, precisavam de ter sonhos cor de rosa... e eram a fina-flor da Nação, como nos lembrava um célebre tenente, herói do norte de Angola (diziam-nos)...

Mas havia outro limites: Recordo-me de, um belo dia, ele, comandante, director, censor-mor, lídimo representante da Nação, ter-nos obrigado a mandar para o lixo uma vasta e luxosa edição, enciclopédica, dedicada à II Guerra Mundial e ao nazifascismo (que palavrão!). O argumento do censor-mor era de peso, de bom senso, definitivamente pedagógico:
- Para guerra, já basta a nossa, a do Ultramar!...

Vem isto a propósito do jornal de caserna Os Progressistas, um quinzenário de "divulgação, cultura e recreio" (sic) da Companhia de Cavalaria 3420, que esteve em Bula, em 1971/73... O director era o respectivo comandante, o jovem capitão de cavalaria, alentejano, de 27 anos, Fernando J. Salgueiro Maia, nem mais nem menos, o Salgueiro Maia (1944-1992), de quem Carlos Loures escreveu, no sítio Vidas Lusófonas, o seguinte:

"Salgueiro Maia, soldado português que à frente de 240 homens e com dez carros de combate da EPC avançou em 25 de Abril de 1974 sobre Lisboa, ocupou o Terreiro do Paço levando os ministros de um regime ditatorial de quase 50 anos a fugir como coelhos assustados, cercou o Quartel do Carmo obrigando Marcelo Caetano a render-se e a demitir-se. Atingiu o posto de tenente-coronel, recusou cargos de poder. É o mais puro símbolo da coragem e da generosidade dos capitães de Abril".

2.Salgueiro Maia foi, além disso, circunstancialmente, meu colega, no ano lectivo de 1975/76, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCPS), embora eu pouco ou quase nada privasse com ele, porque eramos de cursos diferentes (eu, de ciências sociais; ele, de antroplogia), com o estatuto de trabalhadores-estudantes.

Íamos às aulas à noite e a algumas Reuniões Gerais de Alunos (RGA), numa altura em que o ISCSP passava por um período de vida muito conturbado (saneamento de praticamente todos, senão todos, os docentes com assento no Conselho Científico, pelo menos os professores catedráticos...), o que levou no final do ano lectivo de 1975/76 (ou nas férias...) ao seu encerramento, por ordem do então Ministro da Educação, o socialista Sottomayor Cardia (1941/2006), e ao consequente início de um duro processo de luta estudantil contra a tutela e o regresso das múmias (como, depreciativamente, eram então chamados os professores, alvo de saneamentos selvagens, de natureza claramente político-ideológica, incluindo o Prof Doutor Adriano Moreira, antigo Ministro do Ultramar).

Além disso, num ambiente, claramente esquerdista como era então o ISCSP, virado do avesso, com diversas fações a digladiarem-se (da UEC ao MRPP, do MES à UDP...), o Salgeiro Maia do 25 de Abril era ofuscado pelo Salgueira Maia do 25 de Novembro... Esta ambivalência não terá facilitado as aproximações pessoais...

Salgueiro Maia, como bom alentejano e como militar da Academia, era, por outro lado, um homem reservado... O facto de ele ter estado na Guiné não me dizia nada: definitivamente eu esquecera a Guiné!... Foi um processo de denegação por que muitos de nós passaram. Vivi os cinco anos pós-Guiné com culpa e denegação: Guiné ?Não, nunca ouvi falar... Perdi, com isso, a oportunidade única de ter conhecido (isto é, privado com) um herói vivo...

2. Não me lembro na Guiné, no meu tempo de comissão (1969/71), de ter visto (e muito menos participado na elaboração de) jornais de caserna. A CCAÇ 12 não tinha caserna, éramos uma unidade de intervenção, composta por uma centena de soldados africanos e umas escassas dezenas de quadros (graduados) e especialistas (condutores, mecânicos, transmissões, enfermeiros) metropolitanos, vivendo em casa emprestada (os nossos soldados africanos, desarranchados, muçulmanos, alimentando-se a arroz, dormiam na tabanca de Bambadinca e não dentro do perímetro do aquartelamento)...

Quando regressávamos do mato, não tínhamos disposição nem pachorra para fazer jornais de parede... Além disso, eramos meia dúzia de gatos pingados... E os nossos soldados africanos não liam o português... Diferente era a situação das unidades de quadrícula (por exemplo, no Xime, Mansambo, Xitole) que tinham, pelo menos, caserna e mais algum tempo de sobra...

O jornal de caserna podia ser uma forma interessante de manter alto o moral das tropas e fazer a ligação com a Metrópole. Alguns jovens capitães do QP, como o Salgueira Maia e o Mário Tomé (mas também o Pereira da Costa,  membro da nossa tertúlia) perceberam a sua importância (**).

De qualquer modo, esta faceta do Salgueiro Maia, como director de um jornal de caserna chamado Os Progressistas( CCAV 3420, Bula, 1971), é capaz de ser um aspecto menos conhecido (e desvalorizado) do seu currículo militar. Imagino que tivesse um formato A4 e fosse feito a stencil... Nessa altura, a máquina a stencil estava muito vulgarizada na Guiné... Na secretaria da minha companhia havia uma, foi graças a ela que pude fazer um edição, semi-clandestina, da nossa história da unidade...

Algum do conteúdo, inocente, do quinzenário Os Progressistas já aqui foi revelado pelo José Afonso, que vive no Fundão e foi Fur Mil da CCAV 3420 (***).

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste da I Série do nosso blogue > 3 de Julho de 2005 >Guiné 69/71 - XCVI: Salgueiro Maia, director de jornal de caserna

(**) Lista dos Jornais militares (Guiné), disponíveis no Arquivo Geral do Exército >

DESIGNAÇÃO / UNIDADE / DIRECTOR


33 (o) / Batalhão de Caçadores 3833, Pelundo - SPM 6978, 1971/1972 /
O Comandante

Acção / Comando do Sector de Bissau, 1972 / Cor Inf António Mendes Baptista

Açor (o) / Batalhão de Caçadores 2928, Bula – SPM 6688, 1971 / O Comandante

Águas do Geba / Companhia de Artilharia 2743, Geba – SPM 6548, 1971 /
Cap Mil Ilídio Rosário Santos Moreira /

Alvo (o) / Bataria de Artilharia Antiaérea 3434, Cumeré – SPM 1868, 1971 /
Cap Art António José Pereira Costa /

Ao Assalto / Batalhão de Caçadores 2834, Bula - SPM 4668, 1968 / Ten Cor Inf Carlos B. Hipólito

Azimute / Comando Territorial Independente da Guiné, 1966 / Brig Anselmo Guerra Correia

Baga-Baga (o) / Batalhão de Caçadores 1860, Tite – SPM 2928, 1965 / O Comandante

Básico (o) / Batalhão de Cavalaria 1905, Teixeira Pinto, 1967 / O Comandante

Big / Batalhão de Intendência da Guiné, Bissau – SPM 1648, 1968 /
Maj SAM António Monteiro A. Santos

Boina Negra (o) / Companhia de Cavalaria 2482, Fulacunda – SPM 5688, 1969 /
O Comandante

Capicuas (os) /Companhia de Artilharia 2772, Fulacunda, 1971 / Cap Art João Carlos R. Oliveira

Clarim / Batalhão de Cavalaria 790, Bula, 1965 / Ten-Cor Cav Henrique Calado

Convergência / Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 1970 /

Corsário (o) / Hospital Militar 241,Bissau, 1962 / ?

Dragão Negro / Batalhão de Artilharia 733, Farim – SPM 2568, 1965 / ?

Dragões de Jabadá/ Companhia de Cavalaria 2484, Jabadá, 1969 / Cap Cav José Guilherme P. F. Durão

Duros (os) / Companhia de Artilharia 2771, Nova Sintra – SPM 6608, 1971 /
Alf Mil Castela

Eco (o) / Pelotão de Artilharia Antiaérea 943, Bissalanca, 1965 /
Alf Art Jaime Simões Silva

Estrela do Norte / Batalhão de Caçadores 1894, S. Domingos – SPM 3668, 1968 /
Ten-Cor Inf Fausto Laginha Ramos

Falcão (o) / Companhia de Caçadores 3414, Sare Bacar – SPM 1878, 1973 /
Cap Inf Manuel Ribeiro Faria

Gato Preto (o) / Companhia de Caçadores 5, Canjadude – SPM 0028, 1971
O Comandante

Jagudi (o) / Companhia de Caçadores 2679, Bajocunda – SPM 1058, 1971 /
Cap Inf Rui Manuel Paninho Souto

Jamtum (o) / Batalhão de Caçadores 3872, Galomaro – SPM 2188, 1973 /
O Comandante

Lenços Vermelhos / Companhia de Artilharia 2521, Aldeia Formosa– SPM 5888, 1970 / Cap Mil Jacinto Joaquim Aidos

MFA na Guiné / MFA da Guiné, Bissau, 1974 / ?

Macaréu / Batalhão de Caçadores 2856, Bafatá – SPM 5438, 1969 /
O Comandante

Manga de Ronco / Batalhão de Caçadores 1932, Farim, 1968 / Alf Capelão Tourais Ferreira

Nova Vida / Batalhão de Caçadores 697, Fá Mandinga, 1965 / ?

Padrão / Batalhão de Caçadores 1877, Teixeira Pinto, 1966 /
Ten-Cor Inf Fernando Costa Freitas

Pentágono Manjaco / Batalhão de Caçadores 3863, Teixeira Pinto – SPM 1458, 1973 / O Comandante

Pica na Burra / Companhia de Cavalaria 2765, Nova Sintra – SPM 6438, 1970
Alf Mil Pedro Duarte Silva

Põe-te a Pau / Companhia de Artilharia 2775, Jabadá – SPM 6628, 1971 / O Comandante

Prá Frente / Companhia de Artilharia 3332, Piche, 1972 / ?

Progressistas (os) / Companhia de Cavalaria 3420, Bula – SPM 1898, 1971 /
Cap Cav Fernando J. Salgueiro Maia

Ronco / Centro de Instrução Militar, Bolama – SPM 0058, 1969 /
O Comandante

Saltitão (o) / Companhia de Caçadores 2701, Saltinho – SPM 1268, 1971 /
Cap Inf Carlos Trindade Clemente

Santo (o) / Companhia de Polícia Militar 2537, Bissau – SPM 5948, 1969 /
Cap Cav Hernâni Anjos Moas

Seis de Cantanhês (o) / Companhia de Caçadores 6, Bedanda – SPM 0038, 1973 / Cap Inf Gastão Manuel S. C. Silva

Sentinela de Catió / Batalhão de Artilharia 2865, Catió – SPM 5618, 1969 /
Ten-Cor Art Mário Belo Carvalho

Sete (o) / Batalhão de Cavalaria 757, Bafatá, 1965 / O Comandante

Soquete (o) / Bataria de Artilharia de Campanha 1, Bissau – SPM 0048, 1970 / Cap Art José Augusto Moura Soares

Tabanca / Companhia de Cavalaria 2721, Olossato – SPM 1318, 1970 /
Cap Cav Mário Tomé

Trópico / Batalhão de Intendência da Guiné, Bissau – SPM 1648, 1972 /
O Comandante

Voz do Quínara (a) / CCS do Batalhão de Artilharia 2924, Tite, 1971-1972
Cap Mil Pinto Madureira

Zoe / Agrupamento Transmissões da Guiné, Bissau – SPM 0228, 1973
Cap Trms Jorge Golias

Fonte: ”Imprensa Militar Portuguesa – Catálogo da Biblioteca do Exército”. Direcção de Alberto Ribeiro Soares (Coronel). Lisboa 2003.

Lista gentilmente cedida pelo nosso camarada Jorge Santos.


(***) Vd. postes de

23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4240: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (1): Era uma vez... (José Afonso)

24 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4242: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (2): Curiosidades (José Afonso)

Vd. também o poste de 26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1213: A CCAV 3420, do Capitão Salgueiro Maia, em socorro a Guidaje (José Afonso)

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4240: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (1): Era uma vez... (José Afonso)

1. Mensagem de José Afonso, ex-Fur Mil da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia, com data de 22 de Abril de 2009: 

 Pois, amigo Luís, há muito que não dava notícias sobre a minha passagem pela Guiné, de Julho de 1971 a Outubro de 1973, relatando alguns episódios passados com a CCav 3420, de Salgueiro Maia. 

 Assim envio-te alguns excertos dum trabalho que estou fazendo sobre a História da 3420, valendo-me de documentos da Companhia, do conhecimento dos factos por em muitos deles ter sido interveniente.

 Estou tentando ilustrar essa história com fotos dos vários locais por onde passámos. Sobre Salgueiro Maia (vd. foto a seguir), que dizer mais além de tudo quanto foi dito? Vale neste momento lembrar a resposta à entrevista dada ao Centro de Documentação da Universidade de Coimbra, entrevista transmitida após a sua morte e que a uma pergunta que lhe foi feita sobre se nunca havia sido convidado para desempenhar nenhum cargo politico, ele soube dizer que sim, mas que para aceitar teria de fazer outro 25 de Abril, pois que os nossos políticos tinham mais preocupação em ser bem reformados a ser bem formados. 

 Nos anexos que envio, junto a cópia do cartão que me enviou em resposta a um telegrama que lhe enviei a felicitá-lo pela intervenção no 25 de Abril.

 
ERA UMA VEZ … 


 Assim começam todas as histórias e a minha também, para não fugir à tradição. Certamente estão a pensar que vão ter uma história de Natal, mas enganam-se: esta história é um sumário de muitas histórias, começadas em Março de 1971 em Santa Margarida, e continuada em Bula, Mansoa, Cacheu, Capunga; Pete e Ponta Consolação. 

 A minha história refere a existência de uma colecção de cracks, são eles “OS MAIS…” dos PROGRESSISTAS

 A abrir, o camarada “BIGODES”, assim chamado por ter possuído em tempos um farfalhudo bigode, estilo Gengis Khan, e ter uma maneira de viver que o faz andar sempre de pelos eriçados; não é mau tipo apesar de não topar o Lino nem os turras; nas horas vagas faz versos que até costumam rimar. 

 Vem depois o "VELHINHO", a instituição mais respeitável de Capunga City; é sapateiro remendão, mata vacas, esfola porcos etc. Tem um ar de Golias de trazer por casa, usa os calções mais Pop em todo Teatro de Operações. Há tempos por causa de um macaco; bem, ia sendo o fim da macacada.

 A seguir temos o “CAJADO”, rapaz esbelto, guerrilheiro de todas as panelas, usa faca na liga, que já fez manga de ”mortos”. Passa a vida a refilar com todo o mundo, nunca se sabe bem porquê. 

 Continuemos com o “MOUCO” que em tempos o foi, até um certo dia! Bem não falemos de coisas tristes. Pois o Mouco é homem que trabalha com o morteiro 81, a arma mais técnica que a Companhia possui; é só olhar para o seu aspecto de homem conhecedor de mort. 81, por não se impressionar com o barulho das granadas a sair do tubo. O Mouco é um homem desiludido: passou 17 meses a convencer o pessoal de que é Mouco e ninguém acreditou. 

 Temos a seguir o “TERRINAS”, o homem mais trabalhador da Companhia, e o mais comedor, também conhecido por “RUÇO”; será por isso que é o homem mais procurado pelas bajudas de Pete? É um trabalhador nato, domina todos os ofícios mas considera-se com pouco valor comparado com o da sua noiva. É um homem feliz. 

 Temos ainda o clarim “MATA”, não toca a lavar mas quase. Há 17 meses que toca o clarim que faz uivar todos os cães das redondezas, e não consegui ainda deixar de nos mimosear com as suas fífias. É um homem calmo no tipo dos barmam dos bares do Texas, talvez por isso seja “o homem do tosco”. É especialista em convencer os “gaseados”, para não arranjarem problemas. 

 Vem agora o “RATO” o homem que não gosta de andar de Jeep e que está perto de lerpar o cabelo, porque não fez ainda o “Menino Jesus” para o presépio de Pete. Gosta pouco de beber e é sem dúvida o mais crava da Companhia. Passa o mês a cravar, no fim deste, paga a quem deve e, como fica sem dinheiro volta ao princípio. Bem esperamos que com o 13.º mês o rapaz acerte a escrita. 

 Ao falar do Rato temos que falar no “BARBEIRO”, a alma gémea do Rato, que é o único no género, pois só corta cabelos quando está sem patacão. É o protótipo do soldado do futuro, pequeno para criar pouco alvo; com um capacete onde ele cabe quase todo, cheio de granadas à volta do corpo parece o homem dos pneus Michelin. Com o dinheiro ganho a cortar os cabelos já poderia ter ido à Metrópole, mas como é possuidor das maiores sedes do CTIG, só foi à cerveja; passa a vida a dizer para lhe darem ferramenta nova, pois não tem dinheiro para a comprar. 

 Temos agora o “BARTOLO”, especialista em sopa de nabos, e que afina quando lhe dizem que é triste 
que deixem entrar miúdos para a tropa, ou que ele vai fazer de Menino Jesus no Presépio. 

 Já me esquecia do “GRÁCIO”. Este é o das mil e umas maneiras para conseguir ir a Bula, ou jogar futebol. É sempre voluntário quando a coisa dá para o torto, mas fora disso anda sempre a tentar desenfiar-se. 

 Estes são “OS MAIS”, e por hoje ficamos por aqui, mas, há muitos mais, desconhecidos de que daremos público conhecimento oportunamente. Esta foi a prenda de NATAL publicitária para os crack

Aos simples mortais desejamos um BOM NATAL e um MELHOR ANO NOVO. Em resumo: QUE A COMISSÃO NÃO NOS PESE

. __________ 
UM PROGRESSISTA, 

CAPITÃO SALGUEIRO MAIA 

JORNAL DE 24 de DEZEMBRO DE 1972.

COMENTÁRIO 

 Os Progressistas assistiram estupefactos aos acontecimentos no campo do Sporting num dos últimos domingos. Era visível em todos a consternação e incredulidade. Seria possível? Um árbitro a comer no toutiço ainda por cima daquela maneira? Fizeram-se mesas para comentar o caso e a opinião foi unânime, aqui no campo dos PROGRESSISTAS nunca sucedeu nem pode suceder tal coisa. E, no entanto, todos nós somos profissionais e desejamos ganhar o nosso campeonato. Mas entre nós cada jogador para além do elevado grau de tecnicismo que possui, dispõe também de uma correcção impecável. 

 Mas concretizemos para ver que não falamos de cor: antes de entrarmos em campo, uma das equipes, formada por oficiais e sargentos do QP já vai a ganhar entre 3 a 5 bolas à outra, a dos furriéis. Ora desta maneira já não há aquela ansiedade que estraga e destrói o verdadeiro desporto. Uma equipe ganha e a outra já sabe que perde até porque quando por qualquer motivo imprevisto começa a reduzir a diferença, o nosso Capitão acaba logo com o jogo porque entretanto já se está a fazer noite e a qualidade dos jogadores perde-se. 

 E há exemplos admiráveis de jogadores natos de correcção estrema: é o Monteiro fazendo triangulações e passo dobles; é o Almeida, autêntica locomotiva em ataques furiosos e que terminam algumas vezes no chão por placagem sempre serena do nosso Capitão; é o 1.º Beliz guarda-redes magnífico que com alguns empurrões e muita ciência acaba por dominar a situação; o sargento Pascoal sempre à frente, à espera da bola e nunca consegue terminar nenhuma avançada e, sou eu cuja importância é tão grande no desenrolar do jogo que noutro dia o nosso capitão até me disse: - Saia daí que você está a atrapalhar tudo! 

 Temos ainda o sargento Carreteiro muito bom em discussões futebolísticas mas, uma negação na defesa; o furriel Sancho “el ninho d’ouro”, o máximo que se pode exigir em técnica, pena que ande constantemente com os calções a cair-lhe, não fosse isso, o rapaz daria que falar; também o que nos vale é não haver por estes lados uma “liga dos costumes”. 

 Bem ainda não falamos do “Seringa” que quer que os golos dos furriéis sejam golos quando o nosso capitão considera que, como ninguém pediu autorização para marcar, o golo seja anulado! 

 Depois temos o alferes Mendonça “El Olívia Palito” que cada vez que entra no jogo, arranja um paludismo para os dias seguintes. Esclareço que cada falta ao prélio é paga com um garrafão de verde. 

 Pois é assim. Cá os PROGRESSISTAS não vão em agressões ao árbitro. E, para mostrarem bem que isso nunca sucedeu nem poderá suceder, continuarão a fazer como até aqui. Jogar com delicadeza e quanto a árbitro, “Cá Tem”. 

 Se quer praticar bom brutibol, se quer desenvolver as nódoas negras e os joelhos descascados, se enfim quer ser um homem, então frequente às terças, quintas e domingos, no extraordinário complexo desportivo do estádio “ERVA” em Pete. (BIGODES) 9 de Novembro de 1972 

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  O TEMA É CRITICA 


 Antes de mais quero dizer a quantos lêem o Jornal dos PROGRESSISTAS que não sou crítico de rádio ou televisão. Sou crítico em exclusivo deste jornal, de que é propriedade a CCav 3420, comandada pelo Capitão de Cavalaria: Fernando José Salgueiro Maia 

 A crítica que vou fazer é sobre a nossa equipa de futebol, já que no último jornal se falou muito de futebol, mas ao que parece o autor do artigo não falou daquilo que devia falar. 

 Falando no valor individual de cada elemento, começo já pelo guarda-redes, o nosso sargento Carreteiro, sem dúvida, bem constituído e com grande poder de elevação mas, pareceu-me que é altura de ser substituído e, o melhor substituto é o Bartolo do depósito de género ou o Paulo, o cozinheiro. A defesa central tem um elemento com longa experiência adquirida ao longo de 4 comissões que já fez no ultramar. 

Trata-se do 1.º sargento Beliz que, quanto a mim parece ter uns quilos a mais mas, como o campeonato está ainda em princípio parece-me ter possibilidades de recuperação. 

Quanto ao sargento Pascoal, é pedra base na equipe, porque consegue estar os 90 minutos no mesmo sítio à espera que a bola lhe venha ter aos pés. Dos furriéis, Sancho e Moreira, prefiro nem falar. 

Quanto ao furriel Gomes consegue ser superior em todos, mas em bigode; temos ainda os furriéis Monteiro, Almeida e Marques. O primeiro em vez de pensar no futebol anda mas é a pensar como pode acontecer faltar o frango aos domingos. 

Estou mesmo a ver que qualquer dia o Santos cozinheiro fica sem os seus frangos que parecem andar a mais cá no destacamento. O segundo é um elemento também muito habilidoso mas muito rafeiro, entrando sempre em falta, mas suponho eu, que um jogador com a sua classe não precisa de fazer tantas faltas sobre o adversário. 

 Temos ainda o Marques, o jogador mais disciplinado que entra em campo, é bom também em técnicas Resta apenas falar no trio da avançada que é composto pelos jogadores: Alferes Simões, Alferes Mendonça e Capitão Maia e, ao que me parece ser este ultimo, o capitão da equipe porque para além de dar ordem para terminar o jogo quando está a perder, está constantemente a dizer aos espectadores para que saiam para fora do arame farpado. 

 Quanto ao alferes Mendonça que nem mesmo a tomar leite em pó com flocos de cereais, não consegue dar um pontapé certeiro. O alferes Simões, é um jogador de cabeça e que joga sempre à vontade, talvez por daqui a uns meses ir no “gosse” para a Metrópole. O capitão Salgueiro Maia, parece-me ter medo da disputa de bolas de cabeça. Talvez seja derivado, a trazer sempre o cabelo curto, não deixa, no entanto de ser um bom extremo esquerdo e cheio de dinamismo e iniciativas que, por vezes são perigosas para o guarda-redes. 

 Resumindo e fazendo um balanço colectivo, parece-me que toda a equipa precisa de preparação física adequada e, essa preparação podia ser dada da seguinte maneira: Juntar todos os jogadores em grupos de 4 e fazerem talvez uns blocos de cimento pelo menos, sempre contribuíam para o bem estar de todos e, ainda para uma “GUINÉ MELHOR” 

 Eu peço desculpa quanto à crítica. Não foi feita para prejudicar ninguém mas sim, para que o jornal em vez de 4 folhas comece a ter 6, se possível. Para isso, precisamos de mais colaboradores. (SOLDADO JOÃO RIBEIRO) SETEMBRO de 1972

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