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quinta-feira, 23 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4726: In Memoriam (28): Saudades da nossa Locas (1976-2009): com a dor e o riso também se faz o luto... (Cristina Allen)

Lisboa > No eléctrico amarelo da Carris > Uma das últimas fotos da Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos (1976-2009), de chez les vivants... (*)

Foto: Cristina Allen (2009). Direitos reservados



1. Mensagens do nosso camarada Mário Beja Santos:

17 de Julho:

Meu caro Luís, oxalá não se tenha cometido nenhuma besteira no texto que acabamos de digitar. 2ª feira envio-te a fotografia que a Cristina sugere que acompanhe este agradecimento a todos os que nos confortaram. Não te esqueças do trabalho da Glória, de que ela andava tão orgulhosa. Recebe um abraço de profunda amizade e gratidão, Mário

20 de Julho:

Meu caro Luís, a Cristina pede-te a gentileza, quando lhe publicares a notícia que te enviei na passada 6ª feira que ponhas esta imagem que junto, era o lindo sorriso da nossa filha, foi seguramente uma das últimas fotografias. Tenho uma novidade para te dar: vou oferecer ao blogue, tão cedo quanto possível, as minhas recordações anotadas da minha missão na Guiné-Bissau, em 1990 e 1991. Não será para já, primeiro quero acabar a Mulher Grande e depois voltaremos à Guiné, onde procurei dar o meu melhor numa possível política de consumidores, tudo parecia ir arrancar bem, tudo falhou, com grande mágoa minha. Recebe um abraço do Mário



2. IN MEMORIAM (28) (**) > DE DOR, GRATIDÃO, ESTÓRIAS, RECADOS E RISOS SE FAZ LUTO
por Cristina Allen



Amigas e Amigos,

Pensara despedir-me de outra forma deste blogue (***). Há, numa gaveta, dois textos inacabados, um risonho, outro mais sério. Deixá-los estar na gaveta, até um dia.

No dia 26 de Janeiro deste ano atribulado, acordando de uma intervenção cirúrgica, escrevera, no tabuleiro do pequeno-almoço, uns modestos versinhos a Bissau, em modos de despedida. Posteriormente lhes dei alguma forma, já que os efeitos da anestesia me tinham obliterado sílabas. Bastava, pensei, Adeus Bissau!

Mas fui-vos acompanhado no blogue e a súbita, escancarada morte de Nino Vieira me aguçou a curiosidade. Que diriam vocês?

Eram longos – e muitos – os vossos comentários. Perdoai a minha crítica mas, se foi grande e justo o vosso louvor das capacidades de estratégia militar do Presidente assassinado, alguns de vós reflectiram uma quase irmandade de guerreiros adversos afundados no choro, o que me deixou perplexa.

É que vira na televisão a imagem de um preto gordo (assim ficara ele?!), com um anel imenso, um desmesurado “N”, em relevo, desafiando, desatento, a desgraça do seu povo, tirano e corrupto (dizem), o seu ego avassalador a trair, por longos anos, o ideário de Amílcar Cabral, que deveria ter cumprido. Não só ele o fez, mas ele mais que outros.

Conheço, no mínimo, duas vítimas suas e de muitas outras sei. “Paz à sua alma”, pensei. Quem era eu para o julgar? Também meu ego não é dos mais pequenos e sou a mulher dos 24 anéis, alguns bem desmesurados.

Pensei em enviar-vos o seco comentário de Mário Soares, de quem discordo tantas vezes: “Viveu na violência, morreu na violência”. Mas dei de ombros, não fosse despertar animosidades ideológicas, e rumei aos escritos aparentemente leves do Jorge Cabral, já que a seriedade não precisa de ser carrancuda... Adiante!

Na missa do 7º dia do passamento da minha filha e do vosso camarada Beja Santos, foi um consolo receber, cá fora, tantos abraços e gente cuja escrita conhecia, mas não rosto. A solidariedade e compaixão são, no meu sentir, das mais belas virtudes que, por dentro, nos aquecem.

Ao ver-vos ali, um pensamento súbito me acudiu – estes regressaram vivos; outros não. E um lamento de Adriano: “(...) nunca mais acenderei no meu o teu cigarro (...)”.

É que assistira, há 40 anos e alguns escassos meses, à missa de corpo ausente do melhor amigo do Mário, que cuidou de mim até partir para Moçambique, como alferes miliciano, [o Carlos Sampaio, na foto à esquerda].

Fora-se, com a estranha convicção de que lá morreria, e, terrível augúrio, a ideia de que nunca mais nos veríamos.

Tudo isso aconteceu. Uma mina (ter-se-ia ele adiantado ao picador?) desmantelou o seu delgado corpo, instante de beleza masculina, fez esvoaçar, nos ares de Cabo Delgado, os sonhos da poesia, da filosofia, de uma renovada livraria. Parou para sempre a sua mão que, à espátula, pintava texturas e tonalidades de azul. Acabou-se, para sempre, a voz irreverente do seu fado vadio. Veio de férias, ainda, e de tantos encontros combinados ao telefone, nenhum aconteceu. Soube que destruíra toda a sua pintura, restando apenas uma tela que eu guardava no meu quarto.

Outra citação poética me acode: ”(...) jaz morto e arrefece / o menino de sua mãe (...)” [, do poeta Fernando Pessoa].

Jazeu morto e não tiveram sua mãe, e irmãs, aquela necessária e crua certeza dolorosa de afagar, beijar a sua gélida face, de enovelar nos dedos os seus belíssimos de ouro quente.

Nós, pais e irmã, mais venturosos fomos no cumprimento inexorável fio de dor, caminho aberto ao luto que a benigna natureza manda. Não afagámos, na imaginação e nas memórias, a dureza da notícia, mas um corpo, carne da nossa carne, sangue do nosso sangue, num frio e sempre eterno sono, rasando o infinito.

Falo-vos dessa missa terrível do corpo ausente, porque ela ocorreu na véspera da celebração do contrato civil, por procuração, das minhas núpcias com o pai das minhas filhas. A minha mãe convidara para o almoço escassos parentes e amigos. Veio o notário.

Mas arrastara-me penosamente da cama e penosamente me cuidara, tremendo de frio e em lágrimas banhada. E, em lágrimas, fiz o necessário. Naquele mudo pranto, já nem sequer as limpava, estranha noiva!

O Mário tinha telefonado, contente, e eu só lhe perguntava, ansiosa, se recebera a minha carta. Receava estragar-lhe a festa que, em Bambadinca, se fazia. Não sei se disse ou não, mas ele sabe. Sei apenas que a carta cautelosa chegou num outro dia.

Fui ao blogue, no passado fim-de-semana.

As condolências, a vossa poesia, o belíssimo comentário da liturgia desta outra missa, a vossa capacidade de estar perto e reconfortar foram um benfazejo lenitivo. Ser gregário compensa e salva-nos, por vezes, do mais aterrador solipsismo em que a alma se estilhaça.


E, inesperada e súbita, estala no blogue uma violenta briga de homens que a tecnologia temperou. Mas a ira estava lá, senti-a. E também eu fui contagiada. Mas passou.

A mente vagueou, rápida. Quem seria o “Pirata Vermelho” que teria escrito, a ponto de ser censurado? Conjecturas...Talvez tivesse achado excessivo tantos escritos, por causa de uma rapariga morta. Quiçá antigos diferendos, ideológicos ou pessoais, alguma rejeição das emoções à solta. E lá descobri, por fim, um nome: Salvador. Nome belíssimo.

É chegado o momento dos recados.

É exactamente para o Salvador que ora escrevo:

“Sabe que também a minha filha gerava a controvérsia? Em tempos em que era muito esbelta e estranhamente bela, por causa da sua exuberância e pressa de viver, andaram à briga forte e feia (Ria-se, ando agora a tentar ajudar no concerto de corações partidos...). O Salvador contribuiu para evocar, em mim, um quase divertido, mas arriscado cenário, que faz pano de fundo às suas estranhas “epifanias”.

Por isso, do coração lhe perdoo esta “pedrada no charco” por dentro do meu luto. Faltava neste doloroso puzzle uma peça solta. E o Salvador colocou-a ou fê-la surgir na mansidão latente. Não fez de “Pirata”, fez de Peter Pan!

Aceite, por favor, um conselho de uma mulher pouco sábia e, também ela, controversa – não se esconda nunca, pois não é preciso. E, com esse belo nome que lhe deram, salve-se, por si próprio, de si próprio. Corre o risco de ser menos amado, ou não ser tão generosamente reconfortado em suas penas, se e quando as tiver, pois jamais se sabe quando elas chegam.

Outro recado para o Luís Graça, desta vez.

Sabe que, na minha família há uma tradição em pompas fúnebres e momentos lutuosos, de gafes, informações corrigidas, risadas abafadas? Por algumas respondo eu, atrapalhada. Por outras, não. Carinhosamente, aqui vão os meus reparos e informes.

- A minha filha chamava-se Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos (deve estar a rir-se desta troca de apelidos!).

- A senhora que leu aquela curta e comovente passagem e não vos desejou, por ora, dar o texto, é alentejana, de Grândola, a meio caminho entre esta sua amiga e o Torcato. Faz voluntariado nos hospitais e até em favelas brasileiras. Tem uma voz lindíssima, foi – e talvez ainda seja – solista no coro da Igreja do Campo Grande. Chama-se Maria da Graça Espada Gersão Lapa.

- O Abudu Soncó não é neto do régulo Malã mas o seu filho “mais menino”. A poligamia é uma coisa complicada, quando se trata de genealogias. Era professor, sonhou dar melhor futuro aos filhos, trabalhou duro na construção civil, já sofreu dois enfartes. Mas continua a sonhar, o filho mais velho vai estudar em Argel, em breve.

- Por favor, não se arme em casamenteiro! A Sofia Arede, realizadora da SIC, na “Grande Reportagem” e jornalista, e o Pedro Calhau, igualmente jornalista, não são casados. Talvez um deles quisesse, mas o outro não (Risadas dos amigos e também minhas! Quem sabe se a picaresca Glória, amiga de ambos, não estará, também, a rir-se!).

A todas e a todos deixo um abraço de agradecimento e uma charada em italiano medieval, mesmo para os não crentes:

“(...) Laudato si, mi Signore, per sora nostra
Morte corporale, da la quale nullo ome vivente
po´ scampare. Guai (1) a quelli che morranero
ne le peccata mortali! Beati quelli che troverà
ne le tue sanctissime voluntati,
ca la morte seconda no li farrá male.”



S. Francisco de Assis, “Cantico delle Creature”
Versão original (*****)


Até breve! Cristina Allen

(1) ”Guai” – guiai. S. Francisco não foi Doutor da Igreja. Não havia nele qualquer traço de maniqueísmo teológico da negra Idade Média. Como conversará ele, um dia, com Herr Ratzinger?


2. Comentário de L.G.:

Obrigado, Cristina, pelo teu soberbo texto, pela ternura contida com que falas de nós, pela grande dor que mal consegues conter ao evocar a tua Locas, pela altiva nobreza com que desancas o ex-Pirata Vermelho que seguramente nunca foi camarada da Guiné nem sabe o que é a compaixão, enfim, pela fina ironia com que elencas (e brincas com) as nossas gafes, a começar pela troca de apelidos da tua Locas... Já fiz as correcções que a leitura do teu texto me sugeriu... As nossas desculpas... Espero que a nossa blogoterapia te ajude, de algum modo, a superar este tremendo vazio que te deixou, a ti, ao Mário, à Joana, aos demais familiares e amiogos, a perda da Locas. Um chicoração do Luís Graça.


____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4644: In Memoriam (24): Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos: "Morte, onde está a tua vitória ?" (Mário Beja Santos / Luís Graça)


6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4645: In Memoriam (25): Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos (1976-2009): Missa do 7º dia, 4ª feira, 19h, Igreja do Campo Grande

9 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4660: In Memoriam (26): Fazendo o luto pela Maria da Glória e agradecendo a todos a solidariedade (Mário Beja Santos)

10 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4664: Blogoterapia (116): Os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são (José Martins)

(**) 14 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4685: In Memoriam (27): Recordando o Major Raul Passos Ramos (José Borrego)

(***) Postes da Cristina Allen, que é membro da nossa Tabanca Grande, publicados no nosso blogue:

9 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3713: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (1): Just married...

8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3850: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (2): Quarto, precisa-se, por favor!

19 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3913: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (3): Quanta chuva, Mário ?

24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3933: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (4): Cenas, pouco edificantes, de caserna, que não contarei...

24 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3667: As Nossas Mulheres (2): De Bissau a Lisboa, com amor (Cristina Allen)

(****) Citação, julgo eu, retirada de:

Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar (1903-1987), romance publicado pela primeira vez em França em 1951.

(*****) Tentativa de tradução:

Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã,
a morte terrena [corporal], da qual nenhum homem vivo
pode escapar. Guiai [ou ai d'] aqueles que morrerem
em pecado mortal! Bem-aventurados aqueles
que seguirem as tuas santíssimas vontades
pois a segunda morte não lhes fará mal
[ou não morrerão uma segunda vez].


Francisco de Assis (c.1181-1226), Cântico das Criaturas

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4645: In Memoriam (25): Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos (1976-2009): Missa do 7º dia, 4ª feira, 19h, Igreja do Campo Grande

1. Falei ao fim da manhã com o nosso camarada Mário Beja Santos. Tivemos uma longa conversa que nos fez bem, aos dois, e onde falámos longamente da Locas (última, foto à esquerda), que morreu durante o sono de embolia pulmonar, no passado dia 2 (*).

Perante o irreparável, perante a dor devastadora que nos causa a morte de um(a) filho(a), aos amigos pede-lhes apenas que saibam ouvir, escutar, entender, ter compaixão, e ajudar o(s) outro(s) a começar a fazer o luto... Fui encontrar o Mário agarrado ao trabalho. Obstinado como um poilão secular do Cuor... É dele a mensagem que agora publico:

É para vos informar que a missa do 7º dia da minha Adorada Locas será celebrada na Igreja do Campo Grande, [Lisboa,] dia, 8, pelas 19:15 horas. Escuso de vos dizer como nos comoverá a vossa presença.

Recebemos, a minha família e eu, provas de um enorme carinho de todos aqueles que amavam a Locas e nutrem por nós estima intensa, consolaram-nos muito, mitigaram o nosso indescritível sofrimento.

A Locas adorava Sintra, será ali que depositaremos as suas cinzas. Depois, dou-vos notícias dessa romagem.

Como no poema de Manuel Bandeira, a Locas nem precisou de pedir licença para entrar no Céu (**).

Mário


2. Comentário de L.G.:

Lá estaremos, Mário, Cristina e Joana, no dia 8, 4ª feira, às 19h, na Igreja do Campo Grande...

_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4644: In Memoriam (24): Maria da Glória Alln Revez Beja dos Santos: "Morte, onde está a tua vitória ?" (Mário Beja Santos / Luís Graça)

(**) Irene no céu, de Manuel Bandeira (Recife, 1886 - Rio de Janeiro, 1968)

IRENE NO CÉU

Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão [bonacheirão]:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.


In Libertinagem (1930)

terça-feira, 31 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4117: A tragédia do Quirafo: 37 anos para fazer o luto pelo António Ferreira (Paulo Santiago / Cátia Félix)

Cópia do Bilhete de Identidade Militar do malogrado António Ferreira, ex-1º Cabo de Trms da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74), morto na emboscada da picada do Quirafo, em 17 de Abril de 1972.

Foto: © Cátia Félix / Paulo Santiago (2009). Direitos reservados.


Guiné-Bissau > REgião de Bafatá > Saltinho > Novembro de 2000 > Restos de uma pedra onde se lê a seguinte inscrição, gravada: ... cozinheiros da 3490. A esta unidade, a CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74) , do Batalhão 3872 (com sede em Galomaro), pertenceu o António Ferreira, um dos mortos da emboscada do Quirafo. O nosso camarada Albano Costa, de Guifões, Matosinhos, visitou o Saltinho em Novembro de 2000.

Foto: © Albano Costa (2005). Direitos reservados

Maia > Moreira > Cemitério local > Foto do Jornal de Notícias, edição de 18 de Setembro de 1974, mostrando o soldado António da Silva Batista, a visitar a sua própria campa. A notícia do jornal era: "Morto-vivo depôs flores na sua campa". Na lápide pode ler-se: Em memória de António da Silva Batista. Falecido em combate na província da Guiné em 17-4-1972".

A foto, de má qualidade, foi feita pelo nosso camarada Álvaro Basto, com o seu telemóvel, na Biblioteca Pública Municipal do Porto, e remetida ao Paulo Santiago. O Álvaro Basto, ex-FurMil Enf da CART 3492 (Xitole, 1971/74) constatou, pessoalmente, no Saltinho, a impossibilidade de reconhcer os cadáveres dos nossos camaradas, da CCAÇ 3490, que morreram na emboscada do Quirafo, inckuindo o Antonio Ferreira, . O Batista, dado como morto, foi afinal o único desaparecido: foi feito prisioneiro pelo PAIGC e só libertado em Setembro de 1974.

Foto: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Paulo Santiago:

Camarada Vinhal:

Após ter estado no Sábado, juntamente com o Santos Oliveira, com a Cidália, viúva do 1º Cabo Radiotelegrafista António Ferreira, e com a Cátia, pensei em escrever um post mais ou menos longo. Hoje, recebido o mail que reencaminho, acho que terei muito poucas palavras a dizer. O mail da Cátia tem lá tudo.

Em todo o caso, tenho algo que deverá ser dito agora. Começo pela Cátia, que nos encantou, a mim e ao Santos Oliveira. Esta jovem, também bonita, dá uma lição de Solidariedade que fascina. Ela não tem ligações familiares com a Guerra Colonial, não é uma estudante de História ( frequenta Ciências Farmacêuticas ) que tivesse vindo ao nosso blogue para se documentar para os seus estudos, não, ela vem ao blogue porque está Solidária connosco, ex-combatentes na Guiné, vive as nossas angústias e também as nossas alegrias. Ela tem uma relação fraternal com a Cidália e foi ela que desencadeou toda esta acção em que nos envolvemos.

A Cidália, uma pessoa sofrida, mas serena, ouviu-nos, deixou-nos falar TUDO sobre o Quirafo, viu as fotos da GMC, no fim da conversa disse-nos:
- Este ano o dia 17/04 vai ser diferente, agora tenho CERTEZAS.

E no dia 17 lá estarei com outros camaradas, e o António Ferreira, lá onde estiver, gostará de nos ver.

Paulo Santiago

P.S. – Em anexo a foto do Ferreira, poderás publicar outras se quiseres (Saltinho, GMC, por ex)


2. Mensagem da Cátia Félix:


Caro Paulo Santiago e Santos Oliveira

Como prometido junto envio em anexo a foto do Ferreira (à esquerda).

Mais uma vez o nosso muito obrigado por toda a dedicação e principalmente amizade que tiveram em toda esta história.

Foi muito importante terem esclarecido a dúvida de 37 anos da Cidália, ela está muito grata por isso (*).

Possivelmente no dia 17 de Abril vai realizar-se uma missa em honra do António Ferreira, e onde teríamos todo o gosto de vos ter presente. Era para ser no Mosteiro de Águas Santas mas este encontra-se em obras, por isso será numa outra igreja a combinar. Caso queiram estar presentes depois dou mais pormenores.

O luto começou a ser feito passado todos estes anos e a muito se deve a vocês. Vejo que a Cidália está determinada em fazê-lo e, como não poderia deixar de ser, com atitudes muito nobres que tanto a caracterizam.

Espero receber notícias vossas em breve, pois estarão sempre no meu coração "jovem".

Cumprimentos

Cátia Félix
___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

19 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4050: (Ex)citações (21): A esperança de que o António Ferreira ainda esteja vivo...(Cátia Félix)

18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)

terça-feira, 22 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2785: Ninguém Fica Para Trás: Grande Reportagem SIC/Visão (3): Sabemos ao menos quem foram e onde estão ? (Luís Graça)

Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério Municipal de Bissau > Talhão Central dos Ex-Militares Portugueses > Março de 2008 > Um dos três talhões atribuídos aos militares portugueses, mortos durante a guerra colonial > No Talhão Esquerdo, estão as campas não identificadas: Estes serão porventura os restos mais dolorosos do que restou do nosso Império... Na Guiné haveria mais de uma centena de cemitérios improvisados (locais de enterramento), onde repousam restos mortais dos nossos camaradas... A dúvida é: esse trabalho de levantamento, sério e exaustivo, está feito ? Se sim, por quem ? E ainda se sim, como e quando foi divulgado ? Se não, porquê ? (LG).

Foto : ©
Nuno Rubim (2008) . Direitos reservados.

1. Texto do editor do blogue, L.G.:



“Ninguém fica para trás” ? Algumas dúvidas legítimas...


A reportagem SIC/Visão (1) teve, pelo menos, o mérito de lembrar-nos que também há em Portugal antropólogos forenses, capazes de identificar (ou ajudar à identificação de) restos humanos em forma de esqueletos, para além de geofísicos, arqueólogos, etc.

Ficámos também a saber que, durante a guerra colonial (ou do ultramar), cerca de 2/3 (ouvi bem ?) dos nossos mortos, militares (num total de cerca de 9500), ficaram sepultados, longe da Pátria. Só na Guiné haveria mais de 100 locais diferentes, segundo percebi, da entrevista com o general Lopes Camilo, vice-presidente da Liga dos Combatentes, e mais de 700 militares sepultados, sendo na maior parte dos casos tecnicamente difícil a sua identificação.

Não sei se o general está a incluir, neste número, os mais de 350 antigos combatentes portugueses que estão, segundo o Nuno Rubim, sepultados nos 3 talhões militares do Cemitério Municipal de Bissau, atribuídos a Portugal (2). Penso que não, o que fará disparar os números dos que ficaram em solo guineense para os mil e poucos… Se assim for, não se verifica a esperada proporção de 2/3.


O que é o programa Conservação da Memória da Liga dos Combatentes ?


Estes números carecem de confirmação: desgraçadamente não encontro dados oficiais ou oficiosos sobre esta questão controversa, nos sítios onde era esperado encontrá-los: Liga dos Combatentes, Ministério da Defesa, Exército Português… No mínimo, é estranho. Eu direi: é inadmissível…

Este dossiê (doloroso) tem que ser tratado com rigor e frontalidade. Estamos a falar de um passado ainda recente. Há famílias inteiras que ainda não fizeram o luto (ou fizeram um luto patológico, na ausência, física ou simbólica, de um cadáver). Há pais e mães, irmãos e irmães, filhos e filhas... que ainda choram os seus queridos filhos, irmãos ou pais, mortos em combate ao serviço da Pátria, como anunciava o seco, burocrático e tenebroso telegrama do cangalheiro do exército... Não podemos continuar a especular, a fantasiar números, a tirar a água do capote, a explorar emoções, a cantar sempre o fado da desgraça, etc.

Tal como não encontro, no sítio da Liga dos Combatentes, o seu proclamado programa da Conservação da Memória.... Gostaria de conhecer (e de poder divulgar, no nosso blogue) os seus objectivos, metas, prazos, horizonte temporal, meios humanos, técnicos e financeiros, metodologia, orçamento, cronograma, resultados esperados, etc.

Sabia-se que até 1968 o Estado português não procedia, a suas expensas, ao transporte dos restos mortais dos soldados mortos no ultramar… Na altura, esse preço era elevado: cerca de 11 mil escudos, cerca do dobro do soldo, na Guiné, de um furriel miliciano (em 1969/71) (3)... Os mortos das famílias pobres - ou seja, da maioria - eram os que tinham mais probabilidade de ficar enterrados na terra vermelha da Guiné. Nalguns casos, foram os próprios camaradas de unidade que se quotizaram para pagar as despesas de trasladação (!). Isso aconteceu, por exemplo, com um primo meu, em 3º grau, o José António Nogueira Canoa (4), natural da Lourinhã, morto em Ganjola, em 1965 (9).


7o mil euros: o custo da operação Guidaje, Março de 2008


Enfim, soube-se, através desta reportagem SIC/Visão, que numa operação inédita em Portugal - que decorreu na Guiné-Bissau, em Guidaje, no norte, junto à fronteira com o Senegal, de 7 a 21 de Março último, e que custou 70 mil euros à Liga dos Combatentes, tendo envolvido a colaboração do Ministério da Defesa, da Universidade de Coimbra e do Instituto de Medicina Legal -, foi possível proceder-se à localização, identificação e exumação dos esqueletos dos militares portugueses que em Maio de 1973 ficaram enterrados naquele terrível campo de batalha.

Foram localizados, no perímetro do antigo aquartelamento de Guidaje, 11 sepulturas de combatentes portugueses. No final, os restos mortais foram trasladados para o talhão militar do cemitério de Bissau.

E três foram identificados, sem necessidade de recorrer, de imediato, a provas laboratoriais: os três pára-quedistas da CCP 121 / BCP 12 que morreram na sequência da emboscada do PAIGC em 23 de Maio de 1973, na tristemente famosa bolanha do Cufeu. Eram eles, o Manuel da Silva Peixoto, de 22 anos, natural de Vila do Conde; o José de Jesus Lourenço, de 19 anos, natural de Cantanhede; e o António das Neves Vitoriano, de 21 anos, natural de Castro Verde.

O relato da sua morte já aqui tinha disso dado, em primeira mão, pelo notável testemunho presencial de um dos seus camaradas, o ex-1º Cabo Pára-quedista Victor Tavares (vd. foto, à esquerda), da mesma companhia e do mesmo grupo de combate, sob o comando respectivamente do Capitão Pára-quedista Armando Almeida Martins e do tenente Hugo Borges (4).

Eram, ao que parece, os únicos pára-quedistas portugueses, mortos em combate e, até hoje, sepultados fora do solo pátrio. Depois de identificados e exumados os restos mortais destes três nossos camaradas, a respectiva trasladação (incluindo o transporte) para Portugal será custeada pela União Portuguesa de Pára-Quedistas, com sede em Vila Nova da Barquinha. Faz-se assim juz à famosa palavra de ordem dos páras: “Ninguém fica para trás”…

Enfim, 35 anos depois, o corpo pára-quedista português honra a sua palavra. Mas, naturalmente, que para se chegar até aqui, até ao sucesso desta operação, houve muitas outras diligências que não foram sequer mencionadas na peça da SIC, a começar pelas encetadas pelo nosso camarada Manuel Rebocho - sargento pára-quedista da CCP 123 / BCP 12 (Guiné, Maio de 1972/Julho de 1974), hoje sargento-mor pára-quedista, e doutorado em sociologia pela Universidade de Évora (vd. foto à esquerda) -, e que de resto já deixou expresso, no nosso blogue, o seu ponto de vista (polémico) sobre este caso e estas mortes, que ele atribui a um grave erro no planeamento e execução da Op Mamute Doido, senão mesmo a um maquiavélico plano de pressão spinolista (ou dos spinolistas...) contra Marcelo Caetano (5).

Fiquei a saber, além disso, que dos restantes 8 mortos, sepultados no perímetro do aquartelamento de Guidaje, junto ao arame farpado, três eram da CCAÇ 3518, e pelo menos um da CCAÇ 19 e um outro de uma outra unidade. Três eram guineenses. Um dos mortos portugueses era o madeirense Gabriel Telo, de 23 anos, talentoso jogador de futebol da União da Madeira.


Os camaradas do exército, mortos em 25 e 26 de Maio de 1973


Há tempos a página Moçambique - Guerra Colonial (que tem dado muito destaque ao caso dos mortos de Guidaje, em Maio de 1973) já tinha divulgado os seus nomes, citando um jornal da região centro, o quinzenário Aurinegra:

Manuel Maria Rodrigues Geraldes., Sold, 2ª Companhia do BCAÇ 4512, natural de Vimioso (morto em 25 de Maio de 1973);

José Carlos Moreira Machado, Fur Mil, CCAÇ 3518 (Natural de Valpaços);

João Nunes Ferreira, Sold, CCAÇ 3518 (natural de Câmara de Lobos);

Gabriel Ferreira Telo, 1º Cabo, CCAÇ 3518 (natural da Calheta, Madeira):

António Santos Jerónimo Fernandes, Fur Mil, CCAÇ 19 (natural de Vimioso);

(Todos mortos em 25 de Maio de 1973, excepto o último, morto no dia seguinte. Não tenho qualquer elemento de identificação dos três camaradas guineenses).


A localização das sepulturas foi facilitada pela existência de um croquis, feito em finais de Maio de 1973 pelo Alf Mil, madeirense, Luciano Dinis, que pertencia à CCAÇ 19 (?) e que viu morrer a seu lado quatro camaradas, em 25 de Maio de 1973, quando uma granada de morteiro perfurante atingiu o abrigo onde estavam. Ele ficou ferido nas pernas. É hoje Coronel DFA, reformado, segundo percebi. Contou à equipa de reportagem que numa só semana o quartel foi atacado 26 vezes. No total, Guidaje, durante o período do cerco do PAIGC, teria sofrido quatro dezenas de ataques e flagelações.

Na reportagem SIC/Visão aparecem três antigos militares portugueses: o general Hugo Borges, de 60 anos (que na altura era tenente, comandante do pelotão a que pertencia o nosso camarada, o ex-1º Cabo Pára-quedista Victor Tavares, e os três, ou melhor quatro, infortunados camaradas do seu grupo que morreram); e ainda o sargento-mor, açoriano, Manuel Oliveira, que pertencia à CCAÇ 19 e que escapou, por milagre, de ser morto, quando a secretaria do aquartelamento foi atingida em cheio por uma roquetada.

Outro dos militares presentes foi o Cor Pára-quedista Moura Calheiros, na situação de reforma, e hoje empresário, que em 23 de Maio de 1973 acompanhava, do ar, na DO – Dornier 27, Op Mamute Doido e a própria emboscada do PAIGC. Era então major de operações do BCP 12. “Vi muitas desgraças durante a guerra, mas aquela emboscada chocou-me particularmente, tal era o poder de fogo do inimigo”, disse o coronel, de 71 anos, à equipa de reportagem da SIC/Visão.

Na reportagem, o Cor Pára Moura Calheiros (6) aparece como o cérebro da operação de resgate, tendo coordenado mais de meia centena de pessoas.

Foi com apoio aéreo que os pára-quedistas da CCP 121 chegaram finalmente a Guidaje, rompendo o cerco do PAIGC (6), mas com dois mortos às costas e dois feridos graves, um dos quais virá a falecer, já dentro perímetro do aquartelamento, o Peixoto (O outro ferido grave, o Melo, ainda será evacuado para Bissau e depois para a Metrópole, onde não conseguirá sobreviver aos ferimentos recebidos, segundo nos contou o Victor Tavares) (4).

Moura Calheiros e os outros militares portugueses conheceram então, in loco, o comandante da força do PAIGC – pertencente ao 3º Corpo do Exército – que liderou o cerco da Guidaje: Gabriel Guindoco, hoje coronel. Não se percebe como é que apareceu ali, e em representação de quem (provavelmente convidado pelo Cor Pára Moura Calheiros). Segundo o antigo guerrilheiro, ou melhor, segundo o jornalista português que assina a reportagem (Ricardo Fonseca), o PAIGC dispunha de cerca de mil homens na região fronteiriça, prontos a entrar em acção contra Guidaje. É capaz de ser um número fantasioso... Ou talvez não: o PAIGC concentrou o máximo de forças em Guidaje, no norte, e em Guileje, no sul, esperando obter um grande efeito político, militar e diplomático com repercussões internas e externas, em resposta ao assassínio de Amílcar Cabral e na expectativa da proclamação unilateral da independência, na região libertada do Boé...

O PAIGC contava, além disso, com novas armas, como o míssil terra-ar Strella, fornecido pelos soviéticos e já anteriormente prometido a Cabral... Infelizmente, a reportagem SIC/Visão não deu, ao leitor ou espectador, o contexto da ofensiva do PAIGC sobre Guidaje (e sobre Guileje).


Uma equipa de luxo: 3 antropólogos forenses, uma arqueóloga e um geofísico


A equipa de técnicos, mobilizada para esta investigação no terreno, era constituída pelos antropólogos forenses Eugénia Cunha, de 45 anos, Teresa Ferreira, de 31, Sónia Codinha, também de 31, a arqueólogo Conceição Maia, de 45, anos (irmã do Vitoriano) e ainda o geofísico Hélder Hermosilha, de 33 anos.

A nível técnico-científico, a missão foi coordenada pela antropóloga forense Eugénia Cunha, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCT/UC). Sobre o processo de exumação de restos mortais, a antropóloga da da FCT/UC já tinha explicado, em 22 de Março de 2008, ao Diário de Coimbra, que a operações se processavam em três fases distintas: (i) detecção dos restos humanos, feita pelo geofísico, operando um radar com computorizado; (ii) a seguir, vem o trabalho do arqueólogo que consegue encontrar os limites das sepulturas no local sinalizado pelo radar; e, por fim, (iii) depois de delimitadas e definidas as áreas das sepulturas, entra em cena o antropólogo que faz a escavação, em condições de maior ou menor dificuldade, dependentes de uma série de factores (tipo de solo, humidade, temperatura, estado de conservação do corpo, etc.) (7).

Sobre a relativa rapidez do processo e do sucesso da operação, Eugénia Cunha - também conhecida por, em 2006, ter pretendido fazer o levantamento do túmulo do Rei D. Afonso Henriques e do estudo do esqueleto para fins científicos - , comentou ao Diário de Coimbra que “cada caso é um caso”… e que a operação não foi rápida quanto ela desejaria. “Conseguimos conjugar na mesma equipa competências diversas da geofísica, da antropologia e da arqueologia e tivemos uma equipa da missão que foi para o terreno uma semana antes e que preparou tudo, ou seja, em termos logísticos nós não nos preocupámos com nada” (7).


Os restos mortais exumados foram trasladados para o talhão militar do cemitério de Bissau


Os restos mortais dos antigos militares portugueses serão (ou já foram) trasladados para o cemitério de Bissau. O vice-presidente da Liga dos Combatentes anunciou entretanto que a exumação de restos mortais de ex-combatentes portugueses na Guiné-Bissau vai continuar e que a próxima missão será na localidade de Farim, onde estão sepultados vinte e um militares (7).

Questionado sobre a eventual trasladação de corpos para Portugal, o general Lopes Camilo explicou que o que está definido politicamente (leia-se: definido pela tutela, o Ministério da Defesa), e que é seguido pela Liga, é que "devemos recuperar e manter com dignidade os locais onde se encontram sepultados os combatentes que tombaram no estrangeiro” (7).

Durante esta operação de resgate só foram identificados os três pára-quedistas acima mencionados. Amostras dos restos mostrais dos restantes corpos exumados foram enviados para laboratório para se efectuar o competente teste do ADN, testes que são mais morosos que o trabalho dos antropólogos forenses e cujo custo não é revelado.

Também não se sabe quem irá pagar o eventual transporte das ossadas dos restantes oito militares – cinco da Metrópole, e três da Guiné. Ou se elas vão ficar, num ossário a construir no cemitério de Bissau. A Liga dos Combatentes já veio dizer que essa responsabilidade caberá às famílias que o queiram fazer. A Liga limita-se a "dar apoio logístico"...

Recorde-se que a Liga dos Combatentes é “uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, sem fins lucrativos, de ideal patriótico e de carácter social, dotada de plena capacidade jurídica para a prossecução dos seus objectivos”, e que, além disso, “exerce a sua actividade sob a tutela do Ministério da Defesa Nacional. A sua missão é “honrar os mortos e dignificar os vivos”.


Identificar e exumar os nossos mortos poderá custar 8 milhões de contos ? A eventual trasladação será por conta das famílias interessadas...


Considerando que esta operação de investigação forense custou 72 mil euros à Liga de Combatentes, e que através dela foi possível a localização e a exumação dos restos mortais de 11 antigos combatentes portugueses, o custo médio, terá rondado os 6500 euros por sepultura. Estamos só a considerar custos directos (pessoal, equipamento e logística), não incluindo portanto os custos de exames laboratoriais e de transporte dos restos mortais para Portugal.

Se multiplicarmos este custo médio por seis mil sepulturas, teremos uma verba total de 39 milhões de euros, ou arredondando e convertendo em escudos, teríamos no mínimo que gastar 8 milhões de contos para localizar, identificar e exumar todos os nossos camarados, mortos na guerra do ultramar / guerra colonial. É uma estimativa muito por baixo, até por que os custos logísticos em Angola e Moçambique serão superiores aos da Guiné-Bissau.

Naturalmente que a Liga dos Combatentes não terá esta verba, nos anos mais próximos, nem muito possivelmente teríamos equipas profissionais, suficientes, com a experiência e a competência da que foi possível reunir em Guidaje… Ou terá ? E, se sim, quem financiará estas operações ?

Mas há também aqui um desafio ao país, ao Estado português, à sociedade civil, à nossa geração que combateu em África… Os nossos mortos merecem muito mais do que algumas lágrimas de crocodilo, alguns discursos falsamente patrióticos, alguma inusitada e serôdia atenção dos meios de comunicação social (que, tal como os jagudis da Guiné, sabem que a exploração da morte e da morbidez, é também negócio…).

Aprendamos, antes de mais, com os outros povos e Estados envolvidos em guerras no Séc XX. Infelizmente abundam por esse mundo fora, os túmulos ao Soldado Desconhecido. Mas, em muitos casos, sabe-se quem foi quem e onde está sepultado, fora do solo pátrio, no campo de batalha, de uma parte dos que morreram em combate. Entre nós, esse trabalho, exaustivo, de inventariação não sei se está feito, ou se foi feito. É por aqui que temos que começar.

Por eles, os nossos mortos, e pelas suas famílias (muitas das quais ainda não fizeram o luto!), mas também por nós, devemos lutar para que este país tenha uma política, coerente e integrada, de reabilitação da memória dos seus mortos em combate e dignificação dos seus locais de sepultura. Directa e indirectamente, também podemos ajudar os povos e os Estados da Guiné-Bissau, de Angola e de Moçambique (as três principais frentes da guerra do ultramar / guerra colonial) a preservar a memória dos seus combatentes e a dignificar os locais (que devem ser muitos milhares) onde repousam os seus restos mortais.

Que Guidaje, ao menos neste capítulo, seja um bom exemplo. E que de facto ninguém fique para trás, mesmo se nos for materialmente impossível identificar todos os nossos camaradas que morreram em África, na guerra do ultramar / guerra colonial. Parafreando o slogan da Liga dos Combatentes, saibamos honrar os nossos mortos, não os esquecendo, não os abandonando. No mínimo, dignificando os locais onde a foice da morte os arrancou à vida.... (7).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 20 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2781: Televisão: Hoje, na SIC, às 21h: Grande Reportagem: Ninguém Fica para Trás: O regresso a Guidaje, Maio de 1973


(2) Vd. poste de 26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2687: Cemitério militar de Bissau: homenageando os nossos 350 soldados, uma parte dos quais desconhecidos (Nuno Rubim)

(3) 2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1488: Vídeos (1): Reportagem da RTP sobre os talhões e cemitérios militares no Ultramar (Jorge Santos)


Vd. Portal RTP > Informação > Programa Em Reportagem > 20 de Serembro de 2006 > Dor Adormecida >

(...) Sinopse: Trinta anos depois do fim da guerra colonial, existem famílias que estão interessadas em transladar os restos mortais dos seus parentes e pretendem pedir ajuda ao Governo português. A última trasladação dos restos mortais de um militar falecido nas ex-colónias ocorreu em 2003.(...)

(4) Vd. poste de 25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

(5) Vd. postes de:


14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)


28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

(6) Vd. poste de 23 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1624: Bibliografia de uma guerra (17): A geração do fim ou a palavra a 21 oficiais de infantaria, de 1954/57 (Miguel Ritto)


(...) "Nessas páginas está o subcapítulo 'Guidaje - Rompendo o cerco', escrito pelo Coronel Pára Moura Calheiros. Disseram-me que recentemente o Coronel Moura Calheiros (já reformado) apareceu na televisão a falar no empenho dos paraquedistas em trazerem os corpos dos 3 soldados (...).

(7) Vd. poste de 22 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2672: De Guidaje para Bissau, trinta e cinco anos depois (Diário de Coimbra / Carlos Marques dos Santos))


(8) Vd. também:

28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1468: Mortos que o Império teceu e não contabilizou (A. Marques Lopes)

30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)

(9) Vd. postes de:

24 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXV: Homenagem aos mortos da minha terra (Lourinhã, 2005)

8 de Setembro 2005 > Guiné 63/74 - CLXXXI: Antologia (18): Um domingo no mato, em Ganjolá (Luís Graça / José António Canoa Nogueira)

22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira

8 de Março de 2007 > Guiné 63/74 -P1574: Uma estória dos Gringos de Guileje (CCAÇ 3477): Estás f..., pá! (Amaro Samúdio)