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terça-feira, 12 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17759: Agenda cultural (584): Lançamento do livro do José Saúde, "AVC - Recuperação do Guerreiro da Liberdade" (Chiado Editora, 2017, 184 pp. ), no passado domingo, em Lisboa


Lisboa >  Avenida da Liberdade > Fórum Tivoli nº 180, 1º piso > Chiado Café Concerto > 10 de setembro, domingo, 17h30 / 19h00 >   Na mesa, o autor e a representante da Editora,.


Lisboa >  Avenida da Liberdade > Fórum Tivoli nº 180, 1º piso > Chiado Café Concerto > 10 de setembro, domingo, 17h30 / 19h00 >   Aspeto da assistência... Na primeira fila, da esquerda para a direita, quatro representantes da  Associação Portugal AVC.


Lisboa >  Avenida da Liberdade > Fórum Tivoli nº 180, 1º piso > Chiado Café Concerto > 10 de setembro, domingo, 17h30 / 19h00 >  O autor falando do seu livro


Lisboa >  Avenida da Liberdade > Fórum Tivoli nº 180, 1º piso > Chiado Café Concerto > 10 de setembro, domingo, 17h30 / 19h00 > O testemunho do autor...


Lisboa >  Avenida da Liberdade > Fórum Tivoli nº 180, 1º piso > Chiado Café Concerto > 10 de setembro, domingo, 17h30 / 19h00 >  O autor e outro camarada "ranger", o Cláudio Moreira, ex-fur mil da CCAÇ 11, os "Lacraus", que o J. Casimiro Carvalho veio render, em maio de 1974, em Paunca. (Foi convidado a integrar o blogue.)


Lisboa >  Avenida da Liberdade > Fórum Tivoli nº 180, 1º piso > Chiado Café Concerto > 10 de setembro, domingo, 17h30 / 19h00 >  Dedicatória, com a mão esquerda, dedicada ao Daniel Pereira, outro camarada do curso de Operações Especiais, em Lamego. Em primeiro  plano, a esposa, Sara. O Daniel Pereira, que perdeu a mão direita devido a explosão de granada, na tropa, foi depois embaixador do seu país, Cabo Verde, na Holanda, em Angola e Brasil. Está reformado e é autor de quase um dúzia de títulos ligados à história da sua terra. (É natural de São Vicente. Outro título publicado, já em 2017: Novos subsídios para a história de Cabo Verde, 284 pp., editora Rosa de Porcelana)


Lisboa >  Avenida da Liberdade > Fórum Tivoli nº 180, 1º piso > Chiado Café Concerto > 10 de setembro, domingo, 17h30 / 19h00 >  Dedicatória, com a mão esquerda, dedicada ao Daniel Pereira, camarada do curso de Operações Especiais, em Lamego... Ambos tiveram que aprender a escrever com a mão esquerda.


Lisboa >  Avenida da Liberdade > Fórum Tivoli nº 180, 1º piso > Chiado Café Concerto > 10 de setembro, domingo, 17h30 / 19h00 >  O autor e o Juvenal Amado (que também foi editado sob chancela da Chiado Editora) (**)

Fotos (e legendas) : © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. As primeiras fotos do evento (*). Publicaremos a seguir um resumo das intervenções do apresentador,  Luís Graça, e do autor do  livro, José Saúde. (**)
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Notas do editor:

(*) Vd poste de de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17738: Agenda cultural (581): "AVC - Recuperação do Guerreiro da Liberdade", de José Saúde (Chiado Editora, 2017, 184 pp.): sessão de lançamento no dia 10, domingo, às 17h30, com apresentação do nosso editor, prof Luís Graça; e hoje, dia 7, o autor vai estar no programa de Fátima Lopes, na TVI, " A Tarde é Sua", às 16h30, para falar do seu livro e da sua história clínica extraordinária

(**) Último poste da série > 12 de setembro de  2017 > seGuiné 61/74 - P17758: Agenda cultural (583): "Doente mas Previdente", por Mário Beja Santos, lançamento no Museu da Farmácia, dia 27 de Setembro, pelas 18 horas, na Rua Marechal Saldanha, n.º 1, perto do Miradouro de Santa Catarina - Lisboa

domingo, 11 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16475: In Memoriam (263): Duarte dos Santos Pereira, ex-Alf Mil da CCAÇ 4540 (Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74), falecido no passado dia 25 de Agosto de 2016, em Marco de Canaveses (Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil da CCAV 8350)

Em memória de DUARTE DOS SANTOS PEREIRA, Ex-Alf Mil da CCAÇ 4540, falecido em 25 de Agosto de 2016


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Reis (ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74):

Amigo, camarada.
Partiste.

Caro amigo, fui surpreendido pelo teu desaparecimento do nosso convívio, e é com tristeza imensa e com os olhos marejados de lágrimas que procuro escrever alguma coisa. Quem te conheceu, sabia o homem bom que havia em ti e não é fácil aceitar esta perda. De sorriso fácil, de uma delicadeza rara nos meios militares, fazias amigos em todos os camaradas, que contigo privaram. O teu espírito solidário, a tua piada sempre a propósito, com um ligeiro sotaque abrasileirado, era motivo de boa disposição para os que te acompanhavam.

Dizia-me um amigo comum: "Em 149 camaradas da Companhia tinhas 149 amigos".

Recordo os momentos que partilhei contigo. Uns bons, outros nem tanto, sempre a teu lado, tanto na recruta como na especialidade, no Curso de Cadetes para Oficiais Milicianos. Fomos cúmplices em determinadas situações mais complicadas, durante os seis meses de Mafra. A tua incorporação no serviço militar só acontece por decidires visitar a tua família, após muitos anos de ausência no Brasil, e quando não era previsível a tua chamada.

Perdi-te o rasto durante um mês e foi com grande alegria que voltei a encontrar-te em Lamego, para frequência de um Estágio de Operações Especiais. Eras a alma do grupo, admirado e bem querido por todos. Apesar da dureza da instrução tivemos belos momentos, apenas ofuscados pelo fulminante falecimento de um camarada a quem prestámos rápida assistência, mas infrutífera.

Seguimos para a Guiné em Companhias diferentes, mas colocados em aquartelamentos próximos, onde a vida não era fácil. A guerra, muito agressiva, deixou-te marcas cujas sequelas transportaste contigo o resto da vida e te influenciou negativamente.

Só nos reencontrámos passados muitos anos, quando consegui localizar-te numa aldeia do concelho de Marco de Canaveses, já nas imediações do rio Douro. O nosso reencontro foi efusivo e emocionante e os contactos mensais prolongaram-se durante 4 anos. Recordámos algumas peripécias e revisitámos amigos, mas apercebi-me, de imediato, que algo de errado se passava contigo. Vivias aterrorizado com tudo o que te rodeava e desconfiado de todos. Os problemas monetários não me pareciam prementes, procuravas amealhar, numa perspectiva de resolução de qualquer imprevisto. A ajuda médica era indispensável, mas a tua recusa era peremptória, apesar da insistência da tua mulher. Até os cuidados de saúde mais elementares desprezaste.

Neste primeiro encontro regressei a Aveiro com o coração destroçado e não consegui impedir que as lágrimas me rolassem pela face, no trajecto do Marco ao Porto. As condições de habitabilidade eram impensáveis, apesar da casinha, pequena e humilde, ser habitável. Não queria acreditar! A desordem só era explicada pela tua descompensação emocional e anímica.

Ao fim de quatro ano anos entendeste que o nosso relacionamento necessitava de tréguas. Os contactos telefónicos passaram a efectuar-se esporadicamente, sem perder a ligação. Sei, agora, que começavas a apresentar sintomas graves de saúde e que pretendias esconder.

Partiste sem ter oportunidade de me despedir de ti, tal como muitos dos teus amigos.
Trouxeste do Brasil um termo muito carinhoso com que rotulavas os teus amigos: "BAIXINHO"

Repousa em PAZ, Baixinho.
Manuel Reis
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16421: In Memoriam (262): Mário Campos Marinho, ex-sold trms, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74). O funeral é hoje na Senhora da Hora, Matosinhos, às 14h30 (Sousa de Castro, o grã-tabanqueiro nº 2)

domingo, 8 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16063: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - IX Parte: VI - Por Terras de Portugal: (iii) Lamego, Oeiras...


Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67.

Foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô.


1. Continuação da publicação do cap. VI - Por Terras de Portugal. Depois de Tavira (CISMI) e de Elvas (BC 8), faz o curso de "ranger" em Lamego e é mobilizado para a Guiné. Unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra")

Texto e foto da capa : © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados.


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > VI - Por Terras de Portugal: Tavira, Elvas, Lamego, Oeiras...> (iii) Lamego e Oeiras (pp. 30-33)

por Mário Vicente [, foto à direita, março de 2016, Oitavos, Guincho, Cascais]

Em Lamego aprende muito e sofre mais. Leva pancada por ignorância, ao tentar responder nos percursos fantasmas, só depois de muito levar compreende que o melhor é não tentar responder. Passa fome, sede, e é ensinado a matar. Com a faca aprende o golpe de cigano e com todo o tipo de armas aprende a tudo destruir, escola perfeita. 

Instrutores acabados de chegar do curso nos EUA, o Cobrinha e outros vão construindo máquinas de guerra. Na serra do Marão onde o sol qual bola de fogo, se esconde por sobre montes de róseo algodão ou alvo espelho de neve, apenas desflorados pelo saliente píncaro do Alto do Muel no Mesão Frio, à noite ouvem-se os lobos uivar. Na das Meadas, sobranceira à cidade e onde as noites gelam, as neblinas matinais, chuva miudinha “molha parvos” se infiltra pela roupa deixando os já pouco resistentes rangers como pintos de penas coladas, a quem meteram em alguidar de água. Não só estas mas também a serra do Poio e outras são calcorreadas dia e noite, socalco a socalco, até os pés sangrarem.

O rio Douro, desde o Pinhão até à Régua, é reconhecido palmo a palmo. As rochas duras buriladas por água mole da corrente nos rápidos, são acarinhadas por barcos de borracha, berços flutu­antes que rodopiam e se esfregam nelas como anfíbios cacha­lotes em louco bailado de cio. Navegando, remada a remada, aqui se assiste à trágica manipulação dos homens ignorantes e medrosos. O barco rodopia e encalha num rápido, com catorze homens a bordo. Só três sabem nadar. Num segundo, o Resende entra em pânico, ajoelha no meio do barco e, numa cena trágico-marítima, grita para os céus:
– Senhor Jesus Cristo, valei-nos!...
– Salvai-nos, Senhor!...
– Assim perdeu meu pai a vida! ...

Chora como criança em plenos terrores nocturnos. Tarragona e Vagabundo saltam do barco com o Bracarense e, nadando, puxão para a esquerda, puxão para a direita, desencalham o bar­co e levam-no para a margem esquerda. Os não nadadores sal­tam todos e metem pernas ao caminho até à Régua. O barco não podia ser abandonado. Os três nadadores tomam o comando da enorme banheira de borracha. Maravilhoso! Parecem três putos, a quem deram desejado brinquedo. 

As guerras académico-mi­licianas, entram no esquecimento, Bracarense e Tarragona inter­rompem as disputas de ginástica aplicada e forma-se a equipa. Bracarense à ré, faz de timoneiro, Vagabundo e Tarragona a meio do barco para melhor equilíbrio, vão remando quando necessário. Nos rápidos, ou quando a corrente é mais forte os três ficam mais próximos. O barco levanta a proa e atinge uma velocidade louca e estonteante que deixa os três rangers felizes. Divertindo-se, chegam à Régua como miúdos brincando com a loucura do rio.

Mais tarde, Tarragona será mostrado ao Mundo Portu­guês, recebendo a Torre e Espada no Terreiro do Paço. Oculta, ficou a estátua figura do capitão: pés decepados, gastrocnémios desfeitos por prostituta mina, erguendo-se sobre os sangrentos cotos ósseo-tibiais, e mesmo assim tentando continuar a coman­dar os seus soldados!

Nas escarpas do rio faz-se rapell e alpinismo. No rio Balsemão, volta-se a brincar para esquecer a dureza de Penude.

Há largadas em Resende, São João de Tarouca e noutros locais. A chegada a Penude não pode ser detectada. Por montes e vales, povoações, caminham só de noite e mesmo assim, o raio dos cães denunciando a malta. Salzedas, seis da madrugada. Abre-se uma porta, e uma mulher chama os três rangers que cautelosamente passavam pela rua.
–  Os senhores são militares, não são?
– Sim, sim ... somos!
– São de Lamego?
– Sim!
– Deixai-me dar-vos um beijo e que a Senhora dos Remédios  vos proteja, meus filhos. Entrem, comam qualquer coisa que vos aconchegue o estômago.

Abriu a porta e obrigou os três rapazes a sentarem-se a uma grande mesa de lavrador. Trouxe broa, presunto, salpicão e um jarro grande de vinho. A conversa da tropa começou, e ela foi dizendo que o seu António estava em Angola, escrevera havia dias e dizia estar muito bem, que faziam patrulhas como os de Lamego, e que tudo lhe corria maravilhosamente bem!

Boina dos "rangers" de Portugal. Cortesia do blogue Coisas do MR 
(, do nosso camarada e coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro)

Como António, Vagabundo compreendeu mais tarde que também teria de mentir aos pais. O
presunto era maravilhoso e o vinho também. A senhora continuava a falar do filho mas os três rapazes tinham de partir. A senhora ficou à porta com as lágrimas caindo-lhe pelo rosto e pensando no seu filho António, enquanto os rangers alegres, contentes e de barriga cheia continuaram a caminhada. Vagabundo ainda pensou, quantos Antónios não darão a alegria do regresso a estas santas mães!?

À noite, em pleno jardim, das viaturas militares em anda­mento, saltam gandulos reguilas dando o seu grito de ran­ger. As miúdas deliram e os gandulos tornam-se uns heróis. Nos jardins e nas escadarias da Senhora dos Remédios, inebria­dos pelos odores das madressilvas e jasmins, eles embrenham-se entre etéreas promessas de amor incontidas, navegando em lon­gos beijos de aventura!...

Os esgotos da cidade tomam-se caminhos conhecidos pela matula, em noites de percursos fantasmas, com petardos de trotil pelo meio.  Aqui existe outra mulher especial na vida do ranger que consegue incutir força para a resistência. Apesar dos seus dezoito anos, Maria de Deus explica ao jovem militar a razão das coisas, mas não consegue influenciá-lo a fugir das terras para Norte. No entanto aqui começou uma louca doação. Ao aquartelamento de Cufar na Guiné chegarão, mais tarde, montes de cartas e aerogra­mas, trocar-se-ão poemas, falar-se-á da vida, da guerra e da mor­te. Haveria que fazer qualquer coisa!... A jovem incute no militar a aventura da fuga para França durante as férias. O militar prepara-se para a loucura, mas… há os velhotes e, nas terras para os lados do Norte, Tânia essa estranha força mais forte que o vento, não deixa voar o pensamento acorrentado de Vagabundo. Tão forte na guerra e tão frágil pela imagem de uma mulher que nunca será sua!... Uma mulher, que possivelmente até a sua existência já desconhece.

Traição!...  Como se sentiriam António e Francisca na sua terra com um filho traidor à Pátria? E seu avô? O velhote morreria de desgosto e vergonha. Fuga anulada! Vagabundo escolhe o cumprimento do dever jurado na parada de Tavira.

Como Niotetos, Maria de Deus insiste com Vagabundo. Ele é em espírito e corpo inteiro uma parte dela, nesta loucura entregou-se toda e tenta modificá-lo. Não dá, ele já é prisioneiro de si próprio e à sua volta criou uma barreira, um casulo de arame farpado.

Mais tarde, Maria de Deus, com apenas vinte e quatro anos, morre jovem na pujança da vida, brutal arrancar de botão de flor ainda não aberto. Obrigado Mimê, por tudo o que por Vagabundo fizeste, mesmo pelas tontearias que tentastes e fizeste! Quem sou eu para não te aceitar como tu eras!? Que descanses em paz! Que Deus te tenha em bom lugar!

A vinte e três de Setembro os rangers Vagabundo e Almeida, apresentam-se no RI1, na Amadora unidade mobilizadora, para fazerem parte de uma Companhia de Caçadores com destino à guerra no Ultramar. Após a concentração de todo o pessoal, é dada a instrução de especialidade durante sete semanas, às quais se seguem mais duas de aperfeiçoamento operacional na região da Serra da Lua, sagrada para os Lusitanos, a bela Sintra.

A 19 de Dezembro a CCAÇ 763 é mobilizada para o CTIG Comando Territorial Independente da Guiné. De farda amarela, o furriel miliciano, segue de comboio para passar o Natal na sua aldeia. O casal espanhol, companheiro de viagem, é extraordinário. O homem andará pelos cinquenta e poucos anos e a senhorita aparentava ser um pouco mais nova. Nota-se que têm a noção do que é a guerra e abordam um pouco a política. Falam com algum conhecimento de Salazar e Franco, o militar estando muito cru nesse aspecto aprende algumas coisas. Na despedida, desejam: 
Buena sorte! La guerra es una monstruosidade!...

É o único passageiro a tomar a camioneta na velha estação da CP. Inverno, oito da manhã, faz um frio de rachar e sopra aquele vento leste que se entranha na roupa e trespassa os ossos. É reconhecido pelo revisor, velho resistente ainda dos tempos em que Vagabundo era estudante.
–  Então também te calhou,  rapaz?
– É verdade!
– Para onde?
– Guiné!
– Oh,  pá!... Olha, boa sorte!
– Obrigado, ti Chico.

A camioneta pára em terras do lado Norte. Entram quatro pessoas desconhecidas. Passam pelo militar e olhan­do para a farda amarela, dão um bom dia de misericórdia como que a um pedinte em porta de igreja, ou, talvez interiormente desejem uma boa sorte como o Ti Chico revisor. O militar olha pela janela tentando ver o impossível.

Natal sem sabor. O furriel tem de se apresentar no RAC (Regimento de Artilharia de Costa) em Oeiras, a dois de Janeiro, onde aguardará embarque.  A dezanove de Janeiro, com toda a pompa militar, a CCAÇ 763 recebe o seu Guião com o lema «Nobres na Paz e na Guerra». À noite recorda-se que no dia seguinte, comemora-se o Santo Mártir Sebastião, padroeiro de arqueiros e soldados, venerado em terras de lados do Norte. 

Recordando, pega no bloco e começa a escrever uma carta de amor contra o esquecimento. Quando o sofrimento ultrapassa o medo, a sub­missão dissipa-se e relança-nos, geralmente em força para a conquista ou reconquista. Escrevendo, verifica que é um hino à Natureza aquilo que escreve e sente-o como se uma carta de criança. Revolta-se, rasga a carta e sai para ir para Lisboa, decidindo passar a noite com uma prostituta. Quando sai tem vontade de bater em tudo, no entanto o ar da rua faz-lhe bem. Na estação encontra o Carretas de Almeirim que pertence à Companhia que também aguarda embarque na Parede.
–  E pá anda até ao Limo Verde, a malta vai lá juntar-se. Aceita o convite do colega e larga Lisboa e a puta, saltando mais esta vala de lama.

9 de Fevereiro de 1965. Sobe a rua Morais Soares devagar, atravessa a Paiva Couceiro e entra na Mouzinho de Albuquer­que, onde se encontram os pais em casa de sua irmã mais velha. António está a convalescer de uma operação delicada. Eles não sabem que seu filho, no dia onze pela manhã, embarcará no navio “Timor” com destino à Guiné. Mas apercebem-se que há algo estranho.

Como vai ser? Vagabundo não delineou nenhuma estra­tégia, mas há que resolver a questão. Entra um pouco nervoso, consegue manter conversa evitando o assunto. Sabe que sua irmã estará no Cais, mas de seus pais tem de se despedir sem o dizer. No dia seguinte seguirão de comboio, para a sua aldeia e levarão Pedrito. Mais umas palavras de circunstância, e já é hora de partir.
–  Amanhã estarei no comboio!

Mas a experiência de vivência feita, não engana os velhotes. Eles sabem que o filho não está a dizer a verdade. Aguentam-se todos sabendo que estão a fazer jogo viciado e a mentir uns aos outros. Com as lágrimas de Francisca não há problemas. Sempre assim foi, mesmo que partisse para perto. Com António não, raras vezes tinha visto as pérolas rolando naquele rosto.
–  Combinado? Amanhã lá estarei em Santa Apolónia, as melhoras e adeus!

Aguenta-se e sai. Pede a Amália para se segurar. Já no elevador não resiste, sente os olhos húmidos. Vai encontrar-se com Picolo e solicita-lhe que vá ele à estação dizer que está de serviço, pelo que não pode comparecer. Picolo, como sempre fixe, aguenta a barra.

domingo, 22 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15395: (Ex)citações (300): (i) Conheci de perto, em Alhandra, o Conjunto Académico João Paulo... Ouvi-os ensaiar vezes sem conta... Fiquei farto... Mesmo assim preferia-os a eles a ter que ouvir, até à exaustão, nos "rangers", em 1966, o "Sambinho Chato" e o "Et Maintenant" (Mário Gaspar); (ii) link com a canção "O Salto" (EPI, Mafra, 1966) (Inácio Silva)

Mário Gaspar, ex-fur mil at art 

MA, CART 1659 (Gadamael 
e Ganturé, 1967/68)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar, com data de ontem, respondendo a um apelo nosso, ao pessoal da Tabanca Grande, para nos mandar fotos, histórias e memórias de/com o Conjunto Académico João Paulo,  cujos seis elementos fizeram a tropa ao mesmo tempo, "pagando" em digressões pelo Ultramar (Guiné incluída) o tempo de serviço militar... [, Dizem que por sugestão, "cunha" ou conveniência do Movimento Nacional Feminino: na realidade, sempre era melhor tocar e cantar para os combatentes, mesmo nos quarteis do mato,  do que andar com a canhota pelos matos e bolanhas da Guiné...]



Caros Camaradas

Em abril de 1968 (*) eu estava em Gadamael Porto e tinha perdido o meu melhor amigo que ficou com um buraco na barriga, os membros pendurados por fios e pedia aos camaradas que lhe dessem um tiro. Ainda foi assistido mas morreu, ele o furriel miliciano Vítor José Correia Pestana e o soldado António Lopes da Costa. 

Para cúmulo "mortos por acidente", foi o mesmo “acidente” que levou o Lobato a sair de Conacri com os camaradas na “Operação Mar Verde”, regressar a Lisboa e voltar a Gadamael Porto, dizendo ter fugido. 

Conheci de perto o Conjunto João Paulo (*). Os ensaios deles eram ao lado do meu quarto, na casa dos meus pais, em Alhandra, mesmo ao lado do Cineteatro Salvador Marques.

Voltei a vê-los no Monumental, em Lisboa - uma boa obra arquitectónica que desapareceu por culpa de alguém - ou num Carnaval ou Fim-de- Ano. Actuou uma cantora sul-sfricana, julgo que Vicki era o seu nome. 

Ouvi-os a ensaiar, vezes sem conta, e altos berros. O representante do Conjunto era madeirense e explorava os Cinemas de Alhandra, Póvoa de Santa Iria e Sacavém, pelo menos.

Até fiquei farto. Na Gadamael queriam que visse “Rapazes de Táxi”, com Tony de Matos e António Calvário. Foi a oportunidade que tive. Verdade seja dita ser mais agradável escutá-los que aturar nos Rangers em 1966 o “Sambinha Chato” e o “Et Maintenant”.

É chato chato, muito chato o "Sambinha chato", muito chato, e o "Sambinha chato" é chato, muito chato o "Sambinha chato". Isto repetido. “Et Maintenant” era engraçado, mas repetido era uma chatice.

Abraços, 

Mário Vitorino Gaspar

2. Nota do Carlos Vinhal:

Caro Luís:

Mais uma composição do Conjunto Académico João Paulo,  enviada pelo nosso amigo e camarada Inácio Silva, também ele um ilustre madeirense, como sabes [, foi 1.º cabo, ap armas pes, CART 2732, Mansabá, 1970/72] [, foto à direita].

Caro Carlos Vinhal:

Correspondendo ao teu pedido, ainda que parcialmente, aqui vai um link (se é que já não o tens), da músico "O Salto" [, composta em Mafra, em 1966, e que tem subjacente uma crítica à instrução militar da época]: https://www.youtube.com/watch?v=sKPOmeGuDHs

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13677: Inquérito online: Sim, fomos o exército do desenrascanço (António Pimentel, ex-alf mil rec info, CCS/BCAÇ 2851, Mansabá e Galomaro (1968/70)

1. Resposta do António Pimentel, grã-tabanqueiro da primeira hora, ao desafio lançado, em 29 de setembro,  pelos nossos editores: "Sem querer abusar da vossa paciência... 'Desenrasço' no TO da Guiné... é mesmo qualidade ? Ou é treta ?"


[António Pimentel, natural da Figueira da Foz, a viver no Porto; ex-alf mil rec info, CCS/BCAÇ 2851, Mansabá e Galomaro, 1968/70; foto de L.G., tirada no Palace Hotel Monte Real, em 8 de junho de 2013, por ocasião do VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande]


Data: 30 de Setembro de 2014 às 16:28

Assunto: Sondagem: Fomos o exército do desenrascanço ?


Olá, Luís,

Eu acho que quase toda a nossa atividade militar durante a guerra colonial, não passava de uma série de desenrascanços (*).

A minha experiência é disso exemplo.

Como aspofmil [aspirante a oficial miliciano,], com a especialidade de reconhecimento e informações, e colocado no RI 6, no Porto, fui, em Dezembro de 1967, simultaneamente mobilizado para ir para a Guiné e convocado para seguir para Lamego para,  no CIOE, fazer o curso de Ranger.

Logo aqui se nota uma gritante falta de planeamento, já que atendendo à gritante falta de oficiais subalternos, me pareceu um desperdício fazer dois cursos em vez de um.

Além disso, sendo o teatro de operações em terras de África, não me pareceu ajustado fazer o dito curso em clima extremamente frio, como foi esse 1º trimestre de 1968.

Mas acabado o curso o que fui eu fazer?

Pois mandaram-me de volta para o RI 6 para dar instrução de reconhecimento a praças.

Mas eu não estava já mobilizado? Claro que estava, e o meu batalhão, que eu não sabia qual era, deveria estar em formação e instrução em qualquer sítio...

E eu a dar instrução a uma dúzia de rapazes que nunca mais vi, nem me lembro já quem eram. Isto a decorrer, até que recebo ordens para me juntar ao meu Batalhão, o BCAÇ 2851, no RI 1, na Amadora, pouquíssimos dias antes do embarque no T/T Uíge rumo à Guiné!

Chegados a Bissau, já bem de noite, fomos descarregados, é o termo, para um sítio ermo, e sem quaisquer condições, com o clima que bem conhecemos e a companhia de incontáveis mosquitos que nos deram as boas vindas. E assim passámos a primeira noite na Guiné, ao relento e em "boa" companhia. Creio que não é possível aceitar que esta ação de desembarque de tropas tivesse merecido qualquer planeamento. Seria mais lógico deixarem-nos passar a noite a bordo para sairmos de manhã cedo, por exemplo. O responsável por tal devia estar muito bem instalado em Bissau..

A meio da manhã, apareceu a escolta que nos iria levar ao nosso destino, Mansabá. Como eu era o alferes mais classificado, tinha a meu cargo o comando da companhia. Por isso procurei inteirar-me, minimamente, do que nos esperava. Fiquei impressionado, já Mansabá vinha a ser atacada todos os dias e os ataques às colunas eram frequentes, para além das minas, claro.

Então o alf Poças, da CCav 1749, disse-me ainda que não havia armas para nós. Depois as receberíamos em Mansabá... Eu pensei cá para comigo: "Então um gajo vem prá guerra e nem armas tem" ?...


A espingarda automática G3, a quem muitos militares no TO da Guiné chamavam "a minha namorada", por ser também uma arma muitop fiável.


Como já disse, fomos descarregados para um sítio ermo, mas para além de nós, géneros de todo o tipo, vinho, etc., e uns caixotes de dimensões consideráveis que me chamaram à atenção... Como já sabia que não havia armas para ninguém, a minha curiosidade adensou-se, e não demorei muito a abrir um deles, belos, de madeira muito branquinha, caixotes, que não traziam nada que desse para identificar o conteúdo, mas eu estava cá com um "feeling" ...

E não é que acertei?! Ali estavam elas, novas, reluzentes, ainda que desmontadas, as nossas queridas G3...

Mas quem passou pelos Rangers sabe que montar G3, até debaixo de água, se fosse preciso... Quem quis serviu-se... Por estranho que pareça, e a mim ainda hoje me parece muito estranho, as armas estavam sem qualquer vigilância

Munições não faltavam na coluna, claro...

Este foi o meu primeiro desenrascanço na Guiné.

Passados meses apareceu um pedido, muito tímido, a saber se alguém tinha dessas armas. Eu entreguei a minha, sem quaisquer  problema ou consequência, e não estou nada, nada arrependido!

 Felizmente a coluna deslocou-se sem incidentes de maior até Mansabá com passagem por Mansoa. Mas já depois de chegados a Mansabá,  tivemos as "boas-vindas" e a "festa" repetiu-se por quase todos esses dias de 1968!
Um abraço

António Pimentel

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 28 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13659: Sondagem: "Desenrascanço é uma qualidade nossa. Na Guiné demos boas provas disso"... Falso ou verdadeiro ? Totalmente falso ou totalmente verdadeiro ?


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12561: E fazíamos grandes jogatanas de futebol (3): O 'Jogo da Bola' nos intervalos da guerra: os craques da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) ... (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp)


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Xime > CART  3494 > Uma equipa do 4.º Gr Comb (pormenor), o grupo que sofreu duas emboscadas na Ponta Coli (22 de Abril e em 1 de Dezembro de 1972). Em primeiro plano , da esquerda para a direita, estão o Teixeira (soldado), o Manuel Rocha Bento [fur mil, natural de Ponte Sor,  morto na emboscada de 22/4/1972, a única baixa em combate ao longo dos mais de vinte e sete meses de comissão da companhia],  o Jorge Araújo (furriel, autor deste poste), o Sousa Pinto (furriel) e o Monteiro (1.º cabo).

Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Mensagem do Jorge Araújo [ex-Furriel Mil. Op Esp / Ranger, CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974)]:

Data: 18 de Outubro de 2013 às 15:16
Assunto: O "Jogo da Bola" nos Intervalos da Guerra de Guerrilha ...


Caríssimo Camarada Luís Graça,

Os meus melhores cumprimentos.

A ideia de escrever mais um pequeno apontamento histórico relacionado com as nossas vivências na Guiné, nos já distantes anos de 1972 a 1974, nasceu por influência de nova consulta ao nosso baú fotográfico, ainda que reduzido, mas onde existiam algumas imagens dos nossos tempos de lazer, em particular os registos sobre a prática do «jogo da bola», vulgo futebol.

Como eram relativas, maioritariamente, a camaradas da minha companhia (CART 3494), foi para eles
que enviei a primeira versão sobre o tema, como seria natural e normal, e publicada no blogue CART 3494 & camaradas da guiné (Vd. Msg 190).

Agora, como membro da Tabanca Grande,  entendi que se justificava dar conta, também, deste facto, independentemente de se tratar de um tema pouco abordado neste contexto, mas que merece, tal como os outros, um espaço de debate e de contraditório.

Espero merecer a V. concordância.

Obrigado pela atenção.

Jorge Araújo [, foto de então, à esquerda]


2. Comentário de L.G.:

Jorge, obrigado por te teres lembrado de que o tema da bola em tempo de guerra também nos interessa (ou deve interessar). Ou não fosses tu um homem da educação física!... Estamos de acordo sobre a importância que tem o exercício físico não só na preparção e manutenção da capacidade operacional do combatente como na proteção e promoção da saúde do indivíduo...

Por outro lado, nada do que diz respeito aos tempos passados no TO da Guiné nos é indiferente, desde a atividade operacional  à ocupação dos tempos livres entre duas operações... Dito isto, o teu texto já deveria ter sido pubklicado, atendendo á ordem (cronológica) de chegada. Estava devidamente sibnalizado (, este mais outros dois que estão  pendentes,), mas tenho que reconhecer publicamente que houve, da minha parte, uma descoordenação na atribuição de editor, assunto de que já te escclareci, internamente.

Resta-me pedir desculpa pelo lapso que não representa qualquer juízo de desmérito. Pleo contrário: o teu texto ganha atualidade com o desaparecimento do nosso ídolo de adoslecência, o Eusébio da Silva Ferreira (1942-2014), e com o início da publicação desta nova série, "E fazíamos grandes jogatanas de futebol"...O teu texto é ouro sobre azul e não haveria outra melhor oprotunidade editorial para o divulgar do que este início de 2014. Recebe o meu abraçlo fraterno, extensivo aos "heróis da bola" que tu, tão carinhosamente, aqui evocas, e que é também também uma homenagem ao único camarada da tua companhia que morreu em combate o Manuel Rocha Bento, de Ponte Sor (Passa a ter um descritor no nosso blogue, em homenagem à sua memória).

PS - Como tu bem exemplificas com o teu caso, o "jogo da bola", nas condições duríssimas da Guiné (terreno do campo de jogos, humidade do ar, temperatura, situação de guerra, falta de equipamento...) também não era isento de riscos (físicos); cabeças, braços e pernas partidas, luxações e outras lesões músculo-esqueléticas...


3. Guiné  > O jogo da bola nos intervalos da guerra: memórias de há 40 anos do Xime, Bambadinca e Mansambo (1972-73) 

Jorge Alves Araújo
ex-Furriel Mil. Op Esp / Ranger
CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)

[Jorge Araújo, foto de então, à direita]


Revisitando, uma vez mais, o baú de memórias relacionadas com as vivências e experiências que fazem parte do nosso currículo militar construído no CTIGuiné, entre 1972 e 1974, organizadas por contexto e estruturadas segundo uma classificação que varia entre factos bons e menos bons (ou maus!), eis que, pelo presente, vos quero dar conta de uma prática lúdica que, tradicionalmente, ocorria a meio da tarde, depois de cumpridas as principais tarefas impostas pela natureza dos diferentes deveres.

Era, então, o tempo da prática a que chamo do «jogo da bola», vulgo futebol, e que despertava sempre grande entusiasmo no seio da nossa companhia (provavelmente semelhante à esmagadora maioria de outras unidades, das menos às mais numerosas), estando sempre garantida elevada adesão, quer fosse na qualidade de agentes activos (os jogadores), quer se tratasse de agentes passivos (os assistentes), fenómeno que continua a ser recorrente nos dias de hoje.

Contudo, era necessário a existência do objecto que dá sentido ao jogo – a bola – suscitando, a partir de então, um desejo crescente de a pontapear, constituindo-se, por essa via, como um poderoso meio de socialização.

Esta bola mágica, como lhe chamam muitos estudiosos do fenómeno, porque tem a propriedade de entrar em movimento em função das suas cinco dimensões: direcção, colocação, velocidade, rotação ou trajectória, faz depender o seu resultado da acção exógena que sobre ela é exercida. Deste modo, esta bola (todas as bolas!) tem, assim, um movimento variável e aleatório, por via de seguir um itinerário dependente do modo como é impelida, batida ou arremessada. Daí se considerar que a bola continua a ser um brinquedo que exerce sobre o Homem, jovem ou adulto, uma atracção que se renova permanentemente.

Praticada nos intervalos da guerra de guerrilha, esta que por definição emerge da táctica que utiliza (ataques rápidos seguidos de fuga; confronto indirecto; emboscadas; ataques surpresa, por via da grande mobilidade dos seus intervenientes), o «jogo da bola» contribuiu, de facto, para o desenvolvimento de competências relacionadas com factores tácticos, técnicos, psicológicos e físicos, quando analisado numa perspectiva endógena de superação ou transcendência de que cada jogo está impregnado, e que ajudou a lidar melhor com o “jogo do gato e do rato”, driblando o melhor possível as dificuldades/adversidades e os problemas colocados em cada situação pelo IN.


Quando alguém fazia surgir um exemplar da dita «bola mágica», mesmo que o seu aspecto/estado fosse igual ou pior que a imagem ao lado, logo nascia a vontade de a fazer rolar, organizando-se de imediato dois grupos informais, ainda que alguns dos seus intervenientes se encontrassem na fase de aprendizagem, por ausência de prática anterior, garantindo, a maioria das vezes, sucessivas desforras ou “tira teimas”, em função dos resultados, em novo intervalo da guerrilha, mas que acabariam por se revelarem de importantes no reforço da coesão de todo o colectivo da CART 3494, com influência positiva em palcos (recintos) mais adversos.

Após a conclusão de cada «jogo da bola», o processo de socialização mudava de terreno de prática, sendo transferido para o bar, onde os golos tinham outro sabor, e as conservas, os enchidos, a mancarra, a castanha de caju, e outras iguarias de ocasião, eram digeridos/as, igualmente, com grande prazer e satisfação, muitas das vezes em substituição da ementa da semana «arroz de estilhaços».

Aqui a vitória estava sempre garantida, erguendo-se os diferentes troféus conquistados, ainda que o tempo de jogo não fosse igual para todos os jogadores, passe a metáfora.



Foto n.º 1 – Xime (Maio de 1972) – Fase do jogo fora das quatro linhas, em que se verificou prolongamento. Da esquerda para a direita, os furriéis: Ferreira, Godinho, Araújo.


Em função do exposto, os testemunhos fotográficos que seguidamente se apresentam por ordem cronológica, referentes a este tema, reportam a momentos onde a câmara esteve presente. A qualidade de cada um não é a melhor, mas não nos podemos esquecer que todas as fotos têm mais de quarenta “chuvas” de vida e, tal como os humanos, vão sofrendo mutações.

A todos os camaradas que estiveram na zona leste da Guiné, ou os que por lá passaram, espero que tenham recordado as boas memórias dos vários locais identificados: Xime-Bambadinca-Mansambo, em particular os camaradas da minha companhia (CART 3494), ou aqueles que, em cada ocasião, tiveram o privilégio de nelas estarem incluídos, numa época em que cada um de nós teria apenas 21/22/23 anos, pois foi esse o principal objectivo que me moveu ao escrever mais esta singela retrospectiva histórica.

FOTOGALERIA




Foto n.º 2 – Xime (Abril de 1972) – Eu com uma postura à imagem e semelhança do saudoso José Maria Pedroto (1928-1985), treinador de futebol de alguns dos mais importantes clubes portugueses (FC Porto, Académica, Leixões, Varzim, Setúbal, Boavista e Guimarães), considerado o primeiro treinador português a concluir um curso superior, nascido na Freguesia de Almacave, Município de Lamego.

A cidade de Lamego acabaria por ficar ligada ao meu itinerário militar, uma vez que foi aí que ficou traçado o meu destino de combatente, com guia de marcha para a Guiné (BART 3873/CART 3494, formado no RAP 2, em Vila Nova de Gaia), na sequência da conclusão do curso de especialização em “Operações Especiais/Ranger”, no complexo do CIOE, de Penude.



Foto n.º 3 – Xime (Abril 1972) – Uma equipa do 4.º Gr Comb, o grupo que sofreu duas emboscadas na Ponta Coli – a primeira, em 22 de Abril de 1972; a segunda,  em 1 de Dezembro d1972 (Vd. Postes: 9698 e 9802).

Na 1.ª linha, da esquerda para a direita, estão o Teixeira (soldado), o Bento (furriel), o Araújo (furriel), o Sousa Pinto (furriel) e o Monteiro (1.º cabo).

Esta imagem foi obtida três semanas antes da primeira emboscada, onde viria a falecer o camarada Furriel Manuel Bento, natural da Ponte de Sor, e que seria a única baixa em combate registada pelo contingente metropolitano da CART 3494, nos mais de vinte e sete meses de comissão.



Foto n.º 4 – Xime (Abril 972) – Uma equipa mista da CART 3494. Imagem obtida quinze dias antes da primeira  emboscada na Ponta Coli, com destaque, na 1.ª fila, para o furriel Manuel Bento (o 1.º da direita) e o furriel Sousa Pinto (o 2.º da esquerda), falecido em 1 de Abril de 2012.


Foto n.º 5 – Xime (Abril 1972) – Fase muito animada de um «jogo da bola» no centro da parada do aquartelamento.



Foto n.º 6 – Bafatá (28 de Janeiro de 1973) – Equipa da CART 3494 que se deslocou a Bafatá para realizar um jogo com um misto de militares aquartelados naquela região.



Foto n.º 7 – Bafatá (28 de Janeiro de 1973) – Imagem referente aos preparativos de regresso ao Xime, após a conclusão do jogo.



Foto n.º 8 – Bafatá (28 de Janeiro de 1973) – Imagem referente à fase que antecedeu o início do jogo.



Foto n.º 9 – Bafatá (28 de Janeiro de 1973) – Imagem após a conclusão do jogo.



Foto n.º 10 – Mansambo (Abril 1973) – Equipa de sargentos e oficiais organizada após a transferência do Xime para Mansambo, ocorrida em Março de 73, em substituição da CART 3493, deslocada para Cobumba, localidade situada em pleno Cantanhez.

Em 1.º plano, da esquerda para a direita: os Furriéis: Araújo, Ferreira, Oliveira e Godinho. Em 2.º plano, segundo a mesma ordem: Correia (Alferes), Luciano Costa (Capitão – o 3.º da Companhia), Jesus (Furriel) e Araújo (Alferes).




Foto n.º 11 – Bambadinca (30 Set 1973) – Equipa mista constituída por elementos da CCS/BART 3873 e da CART 3494, escalada para os jogos (dois) com a CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro).

Em 1.º plano, da esquerda para a direita: Costa, Ferreira, Romão, Sousa e Adérito. Em 2.º plano: Mesquita, Santos, Carrasqueiro, Alberto, Rainha, Araújo, Gonçalves e Oliveira.



Foto n.º 12 – Bambadinca (Novembro de 1973) – Imagem obtida no campo de futebol de Bambadinca (instalações do BART 3873), a meio da tarde, num contexto informal de prática lúdica.


Na sequência da nossa deslocação a Galomaro, o “prémio do jogo” foi a de me ter lesionado no rádio (osso), entre o estilóide radial e o escafóide, do braço esquerdo, obrigando-me a andar durante cinco semanas com ele engessado, como aliás, é possível observar na foto.

Do meu lado direito, e entre postes, está o ex-Furriel Comando, da 35ª CCmds, Américo Costa, colocado na CCS do Batalhão, na sequência de ferimentos em combate.

Um forte abraço para todos, com muita saúde e energia.

Jorge Araújo

Fotos (e legendas): © Jorge Araújo (2013). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12555: E fazíamos grandes jogatanas de futebol (2): Os craques da CCAÇ 12 e da CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) (Fotos de Benjamim Durães)


sábado, 2 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12237: Convívios (547): Uma jornada de confraternização de ex-aspirantes milicianos que integraram o 3.º Curso de Rangers de 1967 (Idálio Reis)

1. O nosso Camarada Idálio Reis, ex-alf mil at inf, CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana, 1968/69, enviou-nos a seguinte mensagem.


Uma jornada de confraternização de ex-aspirantes milicianos que integraram o 3.º Curso de Rangers de 1967

Caríssimos camarigos e editores da Tabanca Grande. 

O pretérito sábado, dia 26, resplandeceu soalheiro, propiciando um dia bem ameno e agradável para que alguns elementos de um curso de Operações Especiais, do longínquo ano de 1967, havido em Lamego no CIOE, convergissem para a viriata cidade de Viseu, onde o nosso anfitrião e companheiro António Albuquerque, radiantemente nos havia de acolher na sua terra natal.

Foi o curso então formado por 70 garbosos militares, já mobilizados, e que após o seu término, se partiria para a Unidade mobilizadora. Por um inextricável conjunto de motivos de generosidade, que a estada num curso daquelas características sempre incute nos formandos, criou-se uma comunhão de afinidades imperecíveis, que haveria de determinar que soubéssemos notícias de cada, aquando do cumprimento da comissão nas 3 frentes da guerra.

Efectivamente, que haveria de sobejar em alguns, mesmo depois do ciclo da tropa, laços de amizade que não se esvaeceram.

A guerra de África haveria de ceifar 3 deles, e o determinismo da Lei da Vida já terá excluído brutalmente muitos por perecimento antecipado, e que atingirá muito próximo as três dezenas. Um ror de saudades que se nos afaga. E por isso, o Albuquerque tomou o belo gesto de fazer incluir no programa, a celebração de uma missa em preito de homenagem desses que se apartaram bem cedo do nosso seio.

E da igreja de S. José, demandámos um restaurante da cidade, onde seria servido um suculento almoço. Aqui juntámo-nos mais para convivermos de perto, e em que a guerra de há 45 anos e o indagar do paradeiro dos não presentes, foram temas principais das conversas. E as esposas de muitos, embevecidas, iam tomando conta das nossas transmissões.

O Hernâni apareceu pela primeira vez, e como sempre atrasado. Chegou bem, está com bom aspecto, tendo sido premiado com uma salva de palmas.

O Soares, um duriense de gema, tomou a gentileza de nos trazer um grande bolo que encomendara em Lamego, e que vinha decorado com a fotografia de cada um de nós. Final doce, para o repasto bem terminar.

Também teve a gentileza de estar presente, um dos instrutores de então, o coronel Paiva Bastos. Bem-haja.

Seguiram-se alguns momentos de maior partilha. O prestimoso Albuquerque, que nos prometera que não choveria nesse dia e que haveria de merecer justo reconhecimento, ainda nos haveria de ofertar um bonita garrafa do milenar Dão. Agradecendo a nossa presença, tecendo loas merecidas ao António Brandão, o principal impulsionador destes encontros, comoventemente pediu-nos recolha de 1 minuto de silêncio em memória dos que irreversivelmente já se apartaram, que foi maviosamente acompanhado pelo toque de silêncio, brilhantemente interpretado por uma jovenzinha, a filha do Camilo. Momento alto, que nos embeveceu sobremaneira.

Eu próprio, acabei por ter a oportunidade de ofertar o meu livro-narrativa da história da minha Companhia, tecendo considerações sucintas sobre o mesmo.

O Soares, fez-nos uma divagação de fragmentos da sua vida. Os desenfianços possíveis durante Curso, a sua comissão em Angola, a sua actual vida de reformado tomando como lema o trabalho, e principalmente tentou definir azimutes que nos cativem guarida para a próxima confraternização.

019 - Cumprimentando 4 velhos companheiros: o pedrasrubrense Enes, o anfitrião Albuquerque, o lousadense Silva e o castelovidense Fernando

073 - A celebração da missa na igreja de S. José, sita ao Parque de S. Mateus

079 - No fim da missa, o Albuquerque agradece a nossa presença

088 - Os convivas em conjunto

107 - Os homens da Guiné ficaram juntos. O Manuel Francisco da CCaç.2313/BCaç.2834 e eu (CCaç.2317/BCaç.2835)

108 - E o ranger de vermelho é o Rocha Duarte, do meu Batalhão e da CCaç.2315

121 - O delicioso bolo oferecido pelo Soares, postado à direita do Rocha Duarte, e que andou por Angola

129 - A filhota junto ao pai Camilo, executando o toque de silêncio

Um forte abraço a toda a Tertúlia do
Idálio Reis.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 


quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7491: Tabanca Grande (257): Anselmo Garvoa (ex-Fur Mil, CCAÇ 2315 / BCAÇ 2835, Mansoa, de Janeiro de 1968 até ser ferido em combate em 30/9/1968, e evacuado para o HMP)



"ONDE ANDA ESTE PESSOAL TODO, DO CURSO DE RANGER DO VERÃO DE 1967,  NA CIDADE DE LAMEGO ? GOSTAVA DE REVER ESTE PESSOAL. MEU CONTACTO: Garvoa@gmail.com OU  964240024. VAMOS TENTAR JUNTAR ESTE PESSOAL TODO. PARA JÁ UM GRANDE ABRAÇO...


A pergunta  e o desejo são do Anselmo Reis Garvoa na sua página no Facebook  (Foto aqui reproduzida com a devida vénia...).




1. Mensagem de Anselmo Reis, conhecido na tropa pelo seu apelido, Garvoa:


Data: 20 de Dezembro de 2010 23:41


Assunto: Mais um camarigo


Caro Luís Graça




Depois de me ter tornado amigo no Facebook, e conforme o prometido,  apresento o meu pedido de adesão à grande TABANCA GRANDE.


Passo a apresentar-me:


ANSELMO REIS GARVOA


(i) Natural de Chaves, nascido em 9 de Agosto de 1943, mas,  por razões que desconheço oficialmente a data é 2 de Janeiro de 1944 ( ainda não havia abono de família);

(ii) Residente em Massamá, somos quase vizinhos, não sei se é necessário morada completa, caso seja é só pedir;

(iii) Cumpri serviço militar obrigatório entre Setembro de 1966 e Janeiro de 1970, passei por várias unidades, entre outras Caldas da Rainha recruta, Tavira especialidade e em Lamego no verão de 1967 frequentei o curso de Operações Especiais Rangers ( 2º. ou 3º. curso);

(iv) Depois fui para o R15, Tomar,  onde já estava o Batalhão de Caçadores 2835, formado pelas companhias 2315 (da qual fiz parte como furriel miliciano de operações especiais), 2316, 2317 e respectiva CCS;

(v) Depois foi aguardar a oportunidade de embarcar para a Guiné, onde chegamos em meados de Janeiro de 1968, do quartel da Amura para Binar, Bula e Mansoa;

(vi) Para mim terminou aqui porque a 30 de Setembro de 1968 fui ferido em combate e alguns dias depois fui enviado para o continente;

(vii) O resto do tempo foi passado no Hospital da Estrela entre cirurgias e recuperação...




No período que estive na Guiné, não vale a pena acrescentar nada pois todos nós sabemos como era, eu em particular, por força de várias anestesias que fui submetido, a minha memória foi e está muito afectada, por vezes quero lembrar-me de certas coisas e não consigo, inclusive nomes de camaradas.


Saudações e já agora BOM NATAL.


Anselmo Garvoa


2. Comentário de L.G.:

Obrigado por seres já nosso amigo no Facebook e agora quereres passar à categoria, mais exigente (uma espécie de posto...), de camarigo (camarada da Guiné que passa a integrar a magnífica Tabanca Grande...). Pois, sê bem vindo, camarigo. Tiveste nove meses de Guiné, deixaste lá, além de muito suor e lágrimas, o teu sangue, um bocado do teu sangue. És naturalmente credor do nosso especial carinho e, seguramente, vamos ajudar-te a recuperar as "brancas" da tua memória... O sítio ideal é o nosso blogue e a nossa blogoterapia... Aqui há aqui muita malta que passou por Lamego e por Mansoa...


Conheces as nossas regras, afixadas na coluna da primeira página, do lado esquerdo, e que basicamente dizem: Somos um blogue de memórias e de afectos... Temos, entre nós, alguma malta do teu BCAÇ 2835, mas não da tua companhia... Serás, pois, o primeiro representante da CCAÇ 2315. Na Tabanca Grande terás o nº 463.


Que este Natal te traga boas recordações e melhores perspectivas, mesmo não tendo tu passado nenhum na Guiné. Um Alfa Bravo. Luís Graça


PS - O nosso co-editor MR é que costuma ter o privilégio de apresentar à Tabanca Grande os seus camaradas "rangers"... Assim aconteceu contigo, mas houve uma embrulhada qualquer, à mesma hora eu (em Alfragide) e ele (em Matosinhos) editávamos o mesmo poste... Ficou o meu, por decisão dele, que é "pira" (cá no blogue)... Mas eu achei que a nota que ele te escreveu merecia chegar ao teu conhecimento e ao dos demais tabanqueiros. Aqui vai:


 "Camarada Garvoa, em nome do Luís Graça e demais editores, eu, Magalhães Ribeiro apresento-te os melhores cumprimentos e votos de boas-vindas a este local cibernético onde mais de 400 Camaradas-de-armas vão registando, o melhor que podem e sabem, os seus melhores testemunhos factuais dos nossos, mais ou menos, difíceis tempos passados na Guiné, mais ou menos hilariantes e/ou  dramáticos, trocam informação, discutem ideias, etc. consoante a sorte ou o azar de cada um, nas suas estadias por aquelas bandas.
"Ficamos à espera que nos envies mais alguma matéria sobre a tua comissão e fotografias desses tempos, se as tiveres, como é óbvio".


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Nota de L.G.:


Último poste desta série >  21 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7482: Tabanca Grande (256): António Duarte, ex-Fur Mil, da CCAÇ 12, da 3ª geração (Bambadinca e Xime, 1973/74)

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Guiné 63/74 – P7229: Controvérsias (108): O que era ser ranger entre 1960 e 1974? (2) (Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER do BCAÇ 4612/74)



1. Embora co-Editor neste blogue é na qualidade de camarada desta Tabanca Grande que eu - Eduardo José Magalhães Ribeiro -, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74, publico esta mensagem, julgando poder contribuir para o melhor esclarecimento das funções dos homens das Operações Especiais na guerra. Isto enquanto não surgem aqui as considerações de outros camaradas, desta especialidade, mais graduados e melhor instruídos e informados.


Camaradas,

Inicio este texto dizendo, o que ando para fazer há muito, que alguns comentários apostos em diversos postes no blogue, fazem-me rir, outros pensar, outros aprender e uns tantos vomitar… de enjoo e nojo!

Não tenho intervido sobre várias palermices que tenho vindo a ler, porque há matérias de que nada, ou pouco, sei e, assim, caladinho e quietinho tenho ganho muito tempo para outros afazeres (ainda não tenho netos), com esta minha posição, e deixado aos mais entendidos as cabais e merecidas respostas, não acrescentando qualquer mais valia ao blogue, antes pelo contrário.

É óbvio que não estou a falar dos irritáveis e traiçoeiros erros, ou incorrecções, pois como seres humanos que somos nada é mais possível de acontecer, nem das chalaças inócuas e brincalhonas de alguns amigáveis e bem dispostos camaradas.

Agora fala-se de RANGERS e, como vem sendo habitual, surgem logo uns “engraçadinhos” (quase sempre os mesmos anti-especiais e mal-intencionados), a “espetarem” as suas “agulhadazinhas” de inveja e, ou, dor de cotovelo.

Alguns RANGERS que acompanham a vida do blogue lêem as palermices e ligam-me a perguntar quem é este ou aquele “camarada”, que escreveu isto ou aquilo, e como eu nego conhecê-los “encomendam-me” recados para os mandar para sítios muito pouco recomendáveis, que não vou aqui mencionar.

Escusado será dizer que, alguns deles, enquanto não virem aqui nestas páginas respeito mútuo entre todos os participantes, negam-se a escrever e enviar-nos para publicação seja o que for sobre as suas memórias da Guiné.

Como eu JAMAIS farei qualquer comentário depreciativo ou pejorativo, seja de que especialidade for, pelo ENORME respeito que todas me merecem e nas quais conto com grandes amigos, deixo aqui registado o meu total repúdio e desprezo por quem o faz.

Posto isto, passo a expor mais algumas considerações, especificamente para os nossos visitantes em busca de informação, e para aqueles camaradas que eu penso que o merecem, e procuram saber respostas baseadas e factuais às suas mais que normais dúvidas e desconhecimentos.

Atrevo-me a tal, porque sei umas coisitas sobre o assunto – RANGERS (por experiência própria) -, pois frequentei com aproveitamento (14,63 valores) o 4º curso de 1973.

Quem foi RANGER, já leu e se apercebeu que o RANGER José M. Gonçalves foi modesto, comedido e racional q.b. na sua redacção, e só deu uma pequena ideia do que era um RANGER em tempo de guerra e para que servia.

Em tempo de guerra e nos idas de hoje, já que o CTOE continua e bem a formar e excelentes e competentes elementos nos seus quartéis para o que der e vier, quer em eventuais acções hostis ao nosso país, quer em outras missões (paz incluídas) onde e quando for preciso.

Como já foi repetido mais que uma vez aqui neste blogue, não vou voltar a contar como é que os “Operações Especiais” de Portugal, são vulgarmente conhecidos por RANGERS.

Assim, vou contar algumas pequenas lembranças minhas do meu curso, além do que foi dito pelo Gonçalves, para melhor se perceber que os RANGERS não eram, nem são, superiores nem inferiores a ninguém... apenas diferentes no modo se ser e estar na tropa e na vida.
  • Valorizar o que foi dito sobre os cursos RANGERS seria acrescentar que, por exemplo, além da instrução básica de infantaria (exercício físico, luta corpo a corpo, pistas de obstáculos, boxe, etc.) incluía imensas horas de técnicas de combate, prestadas por Alferes dos Grupos Especiais de Moçambique já com algumas comissões no pêlo. Tudo doseado criteriosa e infernalmente com simulações práticas de emboscadas, armadilhas e golpes-de-mão, rodeados de fogo real para melhor nos prepararem para o combate.

    Valorizar o que foi dito sobre os cursos RANGERS seria acrescentar que, por exemplo, só em granadas, explosivos e munições de vários calibres estoiradas na instrução de um RANGER, custava então, a preços de 1973, 137 contos em moeda antiga.

    Valorizar o que foi dito sobre os cursos RANGERS seria acrescentar que, por exemplo só nas centenas de quilómetros percorridos em caminhadas, marchas forçadas e crosses, um RANGER gastava, no mínimo, 1 par de botas ao longo do curso, que como bem se devem lembrar não eram assim tão fraquitas como isso.

    Valorizar o que foi dito sobre os cursos RANGERS seria divagar, ou pormenorizar, os cenários dantescos e macabros das diversas provas que eram lançadas, noite e dia, por vales, rios, montes, cemitérios, campos, etc. aos instruendos e cadetes: Fantasmas, Largadas, Esgotos, Calvários, Gerrilheiras, Durezas 11, 24 Horas de Lamego, etc.

    Valorizar o que foi dito sobre os cursos RANGERS, seria dizer que os seus elementos eram instruídos e adestrados nas várias especialidades militares de então (minas e armadilhas, transmissões, orientação, montanhismo, transposição de cursos de água, todas as armas ligeiras e pesadas - inclusive algumas do IN -, topografia e primeiros socorros), e ficavam prontos a substituir qualquer elemento dentro de um batalhão, inclusive comandantes de companhia como se verificou em várias ocasiões.

  • Valorizar o que foi dito sobre os cursos RANGERS, seria dissertar sobre as muitas aulas de acção psicológica que lhe eram incutidas, periodicamente, alertando-os e instruindo-os para os vastos perigos que iriam defrontar, tipos de populações e terrenos, tácticas e armas inimigas, as origens e efeitos do terrorismo, etc.

    Valorizar o que foi dito sobre os cursos RANGERS, seria elogiar uma disciplina rara até então, mesmo nas grandes empresas e escolas deste país, designada por: “SER CHEFE”.


Partes de um panfleto de acção psicológica
Se com esta bagagem "intelectual" e outra já por mim esquecida (já lá vão 36 anos que saí de Penude), os RANGERS não souberam posteriormente (por burrice, laxismo ou outra qualquer imbecilizada, ou miserável justificação), ou não quiseram transmitir (por politiquices maradas, crime omitivo, cobardia ou traição pessoal) aos seus subordinados o que foi ensinado no CIOE em Lamego, é uma coisa.

Outra coisa, como em tudo na vida, é sabermos que alguns RANGERZitos se exacerbaram e, ou, exorbitaram nas doses adequadas e necessárias a uma boa retransmissão de conhecimentos e experiência adquirida nos seus cursos, aos instruendos que lhes tocaram, daquilo que mais ou menos atenta e correctamente aprenderam, não é segredo para ninguém.

Quantas mais especialidades, além dos comandos, páras e fuzileiros (nas suas variantes e especificidades instrutivas) eram assim eram instruídas?

Na minha sincera opinião, reiterando o que o RANGER Gonçalves diz, toda a tropa foi máquina de guerra (cada um no seu poleiro) e contribuiu para o sacrifício e esforço da guerra que nos foi exigido, mas os treinos e as instruções de cada uma das especialidades eram completamente diferentes, como não podia deixar de ser.

Eram ou não importantes os homens que nos faziam chegar o correio muitas vezes a buracos no cu de judas, os que nos transportavam em barcos, os que bombardeavam com os seus aviões em situações aflitivas o IN, os que nos faziam chegar os materiais, equipamentos, alimentos, munições, etc.

Agora, quem não sabe do que fala pode é questionar e tentar informar-se dos porquês (origens, objectivos, finalidades, etc. das várias especializações), junto de quem sabe, ou conhece bem, ou então deve calar-se e não pronunciar-se leviana e cegamente sobre matérias de que nada, ou quase nada, sabe!

Como eu costumo fazer e.. bem, digo eu!

Um abraço,
Magalhães Ribeiro
ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
5 de Novembro de 2010 >
Guiné 63/74 – P7226: Controvérsias (107): O que era ser ranger entre 1960 e 1974? (José Gonçalves, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 4152)