domingo, 16 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2651: História de vida (10): A Luta Incessante de António Teixeira Mota (Carlos Vinhal)


António Teixeira Mota
Autor do livro Luta incessante
Edição de autor no ano de 2005
Neste livro, conta como conseguiu trazer de Angola para Portugal o corpo de seu pai



Algumas notas pessoais:

Curso Superior de Engenharia de Máquinas nos Pupilos do Exército,
Pós-Graduado em Marketing pelo Instituto Português de Administração de Marketing e em Master in Business Administration (MBA) pela Universidade Fernando Pessoa.
Trabalha desde 1988 numa empresa multinacional petrolífera.


A luta incessante de António Teixeira da Mota

Por Carlos Vinhal

Quando tanto se fala da trasladação dos nossos camaradas mortos em campanha, que por diversos motivos ficaram sepultados em terras africanas, vem a propósito falar de um caso exemplar, tanto a nível de acção como de concretização.

Justino Teixeira da Mota, 2.º Sargento de Transmissões embarcou no navio Vera Cruz, com destino a Angola, em 12 de Agosto de 1961, integrado na CCAÇ Esp. 266. Era casado, pai de um menino com dois meses de vida (o António) e de uma menina um pouco mais velha. Quis o destino que num acidente de viação, em 18 de Outubro de 1962, perto de Maquela do Zombo, perdesse a vida.



2.º Sargento de Transmissões Justino Teixeira da Mota da CCAÇ Esp 266




Em 27 de Outubro de 1962, o Comandante da CCAÇ 266, então capitão Ramiro Alves Correia de Oliveira, escreve à família comunicando o triste desenlace e após as palavras de circunstância, diz ficar a aguardar ordem da família para proceder à trasladação do corpo.

Entretanto, em 23 de Outubro já o Ministério do Exército através do Depósito Geral de Adidos (DGA)–Serviço de Passagens e Embarque avisava a família dos trâmites legais para habilitação a pensão de preço de sangue e trasladação do corpo.

Aqui começavam os problemas, pois num telegrama do mesmo Comandante do DGA, com data de 27 de Outubro, era pedido à família que para se proceder à trasladação, era necessário que fosse efectuado um depósito de 10 contos ou indicar um fiador idóneo. Que faz uma viúva com dois filhos de tenra idade nos braços? Por carência económica da família esta não procede à respectiva trasladação.


Recorte de um jornal que noticiava a morte do 2.º Sargento Mota




Telegrama onde a família é avisada de que terá de fazer um depósito de 10 contos para se proceder à trasladação do corpo



Passaram anos, o pequenino António faz-se rapazinho e, sendo filho de um Sargento, entra nos Pupilos do Exército onde se faz homem.

Lá, é contactado (reconhecido pelo nome e apelido que exibe na sua roupa) pelo então Sargento Velez, que lhe diz ter sido companheiro de seu pai na Campanha da Índia.

O Sargento Velez foi para o António, nas suas próprias palavras, durante algum tempo, o pai que nunca teve e que nunca conheceu.

Seguindo o percurso normal da vida, sai dos Pupilos e mais tarde cumpre o serviço militar como Aspirante a Oficial Miliciano. Nestes anos todos de convivência militar, conhece muita gente e movimenta-se com à vontade neste meio.

A vida foi correndo, enquanto o António mantinha um desejo secreto de recuperar o corpo de seu pai. Em 1995 a família recebe um convite, extraordinário, para participar no 13.º almoço/convívio da CCAÇ 266 a realizar em Lagoa no Algarve, nesse ano aberto aos familiares dos camaradas falecidos.

Em conversa telefónica com o capitão Fernando Brito Ramos, antigo companheiro de quarto de seu pai, recebe a confirmação de que o seu progenitor tinha sido encerrado, aquando da sua morte, numa urna de chumbo, para a eventualidade da sua trasladação imediata. Que estava sepultado no cemitério de Maquela do Zombo. Mais ficou a saber que os camaradas tinham mandado fazer uma lápide em mármore para identificar a sepultura, onde constava o seu nome e as datas de nascimento e de falecimento e as palavras “Homenagem de seus Camaradas”.

O António fez saber ao capitão Brito Ramos o desejo antigo de trazer para Portugal o corpo de seu pai. Precisava da sua ajuda. Foi-lhe respondido que o melhor seria pedir ajuda ao antigo Comandante da CCAÇ 266, o agora Coronel Ramiro de Oliveira.

No dia do convívio, o António em conversa com o antigo Comandante da CCAÇ Esp 266, ficou a saber que nunca os camaradas de seu pai tiveram conhecimento de que a trasladação não se tinha efectuado por dificuldades económicas da família. Tinha ficado no ar, entre eles, a ideia de que esta, pura e simplesmente, se tinha desinteressado.

Desconhecia o Coronel Ramiro de Oliveira também a existência do tal telegrama que exigia os 10 contos, pois se disso tivesse conhecimento na altura, entre os militares da Companhia teriam arranjado o dinheiro suficiente para o transporte dos restos mortais do Sargento Teixeira da Mota para a Metrópole.

Naquela hora ficou decidido tudo se fazer para se proceder à trasladação.

Para iniciar o processo, era preciso confirmar no cemitério de Maquela do Zombo se a campa estava em bom estado de conservação e devidamente assinalada, mas isto passa-se no auge da guerra civil em Angola entre o Governo regular e o movimento da UNITA, sendo que Maquela do Zombo era área controlada por este movimento.

Para não alongar muito a narrativa, conseguiu-se através de meios militares, contactar um Major búlgaro, de nome Alexander Alexandrov, comandante do Destacamento de Observadores Locais das Nações Unidas de Maquela do Zombo, integrado na UNAVEM (Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola), que se deslocou ao cemitério local para identificar e localizar a sepultura.

Assim o fez, elaborando e enviando relatório pormenorizado, acompanhado do mapa da cidade, planta do cemitério com o túmulo assinalado e algumas fotografias ao então Coronel João Afonso Bento Soares, seu superior hierárquico e Comandante da UNAVEM, que por sua vez encaminhou estes elementos para Lisboa.




Nesta foto o CEM da UNAVEM Coronel João Afonso Bento Soares junto à campa de Justino Teixeira da Mota, acompanhado de autoridades civis e militares de Maquela do Zombo.


Em 13 de Maio de 1995, António encontra-se de novo com o Coronel Ramiro de Oliveira e inteira-se dos elementos enviados a partir de Angola.
Daqui até ao Natal nada se fez.

Com a vinda a Portugal do Coronel Bento Soares, na quadra natalícia, acertaram-se os pormenores incluindo a entrega de uma procuração da família para a este Oficial Superior poder actuar livremente em Angola.

No dia 9 de Março de 1996 procedeu-se finalmente à exumação dos restos mortais do Sargento Justino Teixeira da Mota, que ficaram em Luanda, na Igreja do Carmo, até ao regresso definitivo a Portugal no dia 10 de Abril.

Finalmente, em 16 de Abril de 1996, quase 35 depois de ter embarcado para Angola, o Sargento Justino Teixeira da Mota regressa à sua terra natal, Amarante, onde o seu corpo finalmente repousa em paz no cemitério de Travanca.

Na freguesia onde nasceu, tem o seu nome registado em toponímia, tendo sido dado a um largo existente, o nome “Largo Sargento Justino Teixeira da Mota”, numa homenagem da Junta de Freguesia de Mancelos e da Câmara Municipal de Amarante.

Sua esposa, seus filhos, outros familiares e amigos poderão agora visitá-lo sempre que queiram.

Abstive-me de contar os pormenores que dão ao livro o seu principal interesse. Muita Fé, coincidências e ajudas inesperadas, de tudo é composta esta história que foi a concretização do sonho do António.

Hoje com mais de quarenta anos de idade, com família constituída, transmite a quem com ele fala, um sentimento de paz e harmonia interior, próprio de quem concretizou um sonho de menino.

Nem todos os sonhos são possíveis de realizar. Este, felizmente foi.



Capa do livro "Luta Incessante" onde António Teixeira Mota conta em pormenor como conseguiu resgatar o corpo de seu pai

Fotos (e legendas): © António Teixeira Mota  (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


António não quis guardar só para ele tanta alegria. Assim publicou em 2005 o livro "Luta Incessante" onde narra, ao pormenor, o seu esforço e o das pessoas que o ajudaram a trazer o seu pai para junto da família.

Parte da sua própria vida enquanto aluno dos Pupilos do Exército é também aflorada.

No fim presenteia o leitor com belíssimos poemas dedicados a seu pai que calam fundo a quem os lê, porque o sentimento de tristeza e saudade que emanam, não deixam ninguém indiferente. Deixo ao acaso, porque a escolha é difícil, quatro poemas.

Luta incessante

Nesta luta incessante
De te procurar
Também luto contra moinhos de vento,
Também com a minha espada
Desfaço castelos que existem no ar...
Nesta luta incessante
De te procurar
Vou continuar de luto
Até vencer
A minha luta de te encontrar...

Se pudesse

Se pudesse
Fazer a vida voltar atrás
E fazer com que tudo fosse diferente...
Se pudesse
Manter aquele barco parado no cais
Anular a tua viagem a Maquela
E não deixar tudo aquilo acontecer...
Ah, se pudesse
E se me fosse possível alterar o teu destino;
Regressava de novo ao ventre dela
E voltaria a nascer
Para ser outro menino.

Os teus amigos

Os teus amigos
Aqueles que te conheceram
Possuem de ti, algo para me dar.
Eu vou guardando dos teus amigos
As palavras, que me ajudam a ver
E a te encontrar.

A tua estátua

Fecho os olhos,
E com o que guardo do teu espólio
Com as palavras que ouvi
Ditas por outros,
Com o pouco que tenho
Com tudo aquilo que nunca vi;
Fecho os olhos
E faço uma estátua de ti...


Foi para mim um privilégio conhecer pessoalmente e conversar com o António Teixeira da Mota.
Li o seu livro, que aconselho vivamente, e fiquei mais rico interiormente.

Obrigado António

Carlos Vinhal

Guiné 63/74 - P2650: Uma semana involvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (6): No coração do mítico corredor de Guiledje


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Corredor de Guiledje > Tabanca (nova) de Gandembel > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > 

Um grupo de mulheres nalus, várias delas com os filhos às costas, deram-nos as boas vindas... Já ultrapassava o meio-día, quando aqui chegámos, perto do cruzamento para Guileje, vindos de da estrada Quebo-Gandembel (1). No tempo da guerra, não havia aqui qualquer povoação. O Corredor de Guiledje neste sítio era sinalizado por um enorme poilão, hoje baptizado como o poilão Aureolino Cruz.

Fotos, vídeo e texto: © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados

No tempo da guerra, não havia aqui nenhuma tabanca. O local é referenciado por um enorme poilão que hoje leva o nome de um dos combatentes do PAIGC, caído em combate na região, Aureolindo Cruz (a sua sepultura iremos visitá-la amanhã, no acampamento Osvaldo Vieira, no Cantanhez)

A estrada atravessa a aldeia. Chama-se Gandembel. Não confundir com o antigo aquartelamento das NT. No centro pode ler-se, espetada numa árvore, uma placa com os seguintes dizeres: "À memória da luta de libertação nacional, Viva o PAIGC, Viva Amílcar, Viva João B. Vieira, Vivam os Combatentes da Liberdade da Pátria"....

A placa tem todo o ar de ter sido aqui posta para os ilustres visitantes...

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Corredor de Guiledje > Tabanca (nova) de Gandembel > 1 de Março de 2008 > 

Estamos no coração do corredor de Guiledje, também conhecido como Caminho do Povo ou Caminho da Liberdade: vinha da Guiné-Conacri (Candiafra, Simbel e Tarsaiá) e entrava pela Guiné-Bissau (Gandembel, Balana, Salancaur e Unau). Por aqui passaram milhares e milhares de homens e mulheres com armas, munições, medicamentos, equipamentos e mantimentos para as diferentes frentes de guerrilha, incluindo a frente norte e a frente leste... Na foto, as viaturas estão colocadas no sentido norte-sul.



Como o Senegal não autorizava ao PAIGC o trânsito de armamento, o grosso das colunas logísticas fazia-se a partir da Guiné-Conacri, através do Corredor do Povo. Aqui travaram-se muitos combates e morreu muita gente...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Corredor de Guildje > Embora o Cantanhez seja, tradicionalmente, chão nalu, esta etnia é hoje minoritária, face aos movimentos migratórios que se deram nos Séc. XIX e XX... Representará cerca de 10% do total da população do Cantanhez, estimada em cerca de 20 mil (em 1991).


Animistas, homens da floresta, escultores, bebedores de vinho de palma, os Nalus acabaram por ser islamizados, por influência dos Fulas e dos Sossos, no início do Séc. XX. O seu modo de vida tradicional, a sua arte e os seus ritos religiosos entraram em decadência. Há tentativas, hoje, para recuperar a sua escultura, outrora famosa, em especial as suas excepcionais máscaras de madeira.

Os Fulas, provenientes do Futa Djalon, chegaram ao Cantanhez na segunda metade do Séc. XIX, tendo escorraçado os Nalus para a extremidade da península. Representarão hoje também cerca de 10% da população do Cantanhez. A sua influência é forte na região, devido a um conjunto de pontos fortes que os distinguem de outros grupos étnico-linguísticos (tolerância em relação às práticas animistas, domínio da escrita, forte organização social, controlo dos circuitos comerciais).

Também os Balantas, nomeadamente oriundos da região de Mansoa, vieram para o sul, à procura de terras para o cultivo do arroz e para fugir ao trabalho forçado (construção de estrada Bissau-Mansoa). É uma imigração mais recente, do princípio do Séc. XX. Representam 60% da população local.  Foram eles que fizeram das margens do Rio Cumbijã o celeiro de arroz da Guiné-Bissau, até ao início da luta de libertação. Nalus e balantas foram aqui a grande base social de apoio do PAIGC.

Devido à sua riqueza piscícola, a região de Cantanhez também foi procurado, mais recentemente, por gente da Guiné-Conacri, Serra Leoa e arquipélago dos Bijagós, que se dedica à pesca, e que vem pôr novas pressões e ameaças ao equilíbrio deste complexo e delicado sistema socioecológico, dotado de grandes potencialidades para um desenvolvimento integrado, sustentado e participado...

A alegria de miúdos e graúdos quando um dos visitantes abre a mala do carro e começa a distribuir pequenas lembranças: camisolas, balões, esferográficas...




Isabel Buscardini, a senhora Ministra dos Combatentes da Liberdade da Pátria, e em segundo plano Patrick Chabal, o melhor biógrafo de Amílcar Cabral que, como engenheiro agrónomo, nos anos anso 50, conheceu profundamente as terras e as gentes de Tombali, em especial dos actuais sectores de Bedanda e de Cacine.




Dois historiadores guineenes, recém-doutorados por Universidades Portuguesas: èsquerda, Julião Soares Sousa (Universidade de Coimbra, 2008); à direita, Leopoldo Amado (Universidade de Lisboa, 2007). Este último irá fazer, no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje, no painel 1, dia 4 de Março uma comunicação subordinada ao tema "Génese e evolução do sentido estratégico-militar do corredor de Guiledje no contexto da guerra de libertação nacional". O Doutor Julião Sousa, por sua vez, irá falar no Painel 3, dia 5 de Março, sobre "Fundamentos e originalidade táctico-estratégicos da acção político-militar de Amílcar Cabral e do PAIGC no contexto dos movimentos de libertação do Terceiro Mundo".

(Continua)_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores desta série:

8 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2618: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (1): Regresso a Bissau, quatro décadas depois...

9 de Março de 2008> Guiné 63/74 - P2620: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (2): O Hino de Gandembel, recriado pelos Furkuntunda

9 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2621: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (3): Pequeno-almoço no Saltinho, a caminho do Cantanhez

11 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2625: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (4): Na Ponte Balana, com Malan Biai, da RTP África

14 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2640: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (5): Um momento de grande emoção em Gandembel

Guiné 63/74 - P2649: Fórum Guileje (7): A importância do Caminho do Povo (Paulo Santiago)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cananime, frente a Cacine > Simpósio Internacional de Guiledje > 2 de Março de 2008 > O nosso camarada Paulo Santiago. Em segundo plano, do lado direito, a Catarina Ribeiro Schwarz da Silva, filha do Pepito e da Isabel Lévy Ribeiro; à esquerda, o Álvaro Basto.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados


1. Texto do Paulo Santiago:

As mensagens de alguns camaradas, já aqui publicadas (1), deixaram-me perplexo e com alguma mágoa, senti estar a ser criticado por ter participado no Simpósio Internacional de Guiledge. Muito bem, participei, e ainda bem.

Depreende-se das críticas que os participantes teriam feito frete a alguém, que se pretendeu a honorificação de Guiledje. Alvitram outros nomes para o Simpósio (por ex. , Madina do Boé ).

Não esqueçamos: foram os guineenses da AD - Acção para o Desenvolvimento que escolheram o tema do Simpósio, penso que bem, como tentarei demonstrar. Mas, antes de entrar no Simpósio, lembremos: correu muito sangue no Corredor de Guiledje, português e guineense, incluindo, caso único, dois capitães mortos em combate, o pára-quedista Tinoco de Faria e o ranger Almeida e Silva.

Voltemos ao tema do Simpósio. Porquê Guiledje ?

Fiquei a saber,com mais pormenor, que o Corredor de Guiledje, Corredor da Morte, Caminho do Povo, foi extremamente importante para toda a manobra do PAIGC. Não só importante para o Sul da Guiné, mas para toda a Colónia. Por ali entrava tudo, armamento, alimentos, medicamentos, distribuídos posteriormente por todas as FARP que combatiam no
interior da Guiné.

Desde o começo da luta era este caminho, a boca, chamemos-lhe assim, que alimentava toda a
guerrilha. Só terá perdido alguma importância ( ex-comandante Manecas dixit ) nos últimos tempos da guerra,quando o PAIGC já se movimentava com todo o avontade na fronteira do Senegal.
Mas o Simpósio não tratou exclusivamente Guiledje. Uma das intervenções mais importantes e esclarecedoras, para mim, foi feita pelo Ten-Cor Sandji Fati (também licenciado em Direito ). Intitulava-se: "A organização das FARP durante a Luta de Libertação Nacional-1964-74".

Outro exemplo: o Prof. Costa Dias fez uma interessante intervenção, cujo tema era "Papel e influência das dinâmicas sócio-religiosas e políticas nos movimentos de libertação nacional na África Ocidental :o caso da Guiné-Bissau".

Concluindo, o Simpósio não serviu para glorificar ninguém, nem qualquer das partes em conflito, nem qualquer local específico. Serviu, sim, como local de confraternização entre camaradas de armas que noutros tempos se encontravam em campos opostos de batalha. Serviu, a nós portugueses, para conhecermos melhor o outro lado da guerra. Sem polémicas, abraço para todos os camaradas do nosso Blogue.


Paulo Santiago
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Nota de L.G.:
(1) Vd. postes desta série:

Guiné 63/74 - P2648: Notícias da Associação Humanitária Memórias e Gente (Rui Fernandes/Carlos Marques dos Santos)


1. Mais uma alerta do Rui Fernandes:

Caro Virgínio Briote,

Aqui vai mais um vídeo da RTP África, desta vez relacionado com os expedicionários de Coimbra/Porto, com entrevista ao José Moreira presidente da Associação Humanitária Memórias e Gente.

http://ww1.rtp.pt/multimedia/?tvprog=10184&idpod=12386 de 13-3-2008 aos 15,40 minutos

Obrigado pelas palavras simpáticas que me dirigiu no blogue.

Quanto ao mail, estou convosco porque também concordo plenamente com este diálogo dos dois lados. Ainda existem muitos ex-combatentes nossos com dificuldades em libertarem-se do passado e já lá vão tantos anos.

Num mail que lhe escrevi anteriormente mencionei o facto de alguns que conheço terem dificuldade em se abrirem. Está lá bem presente mas tentam colocar no fundo embora não consigam. Se exteriorizassem seria como que um escape dessa tensão permanente.
Nem todos somos iguais e há que respeitar.

Quanto à AD, que direi? Aquela máquina, a avaliar pelo feedback do Simposium.
Um abraço,

Rui Fernandes
2. E do Carlos Marques dos Santos
Anexo recorte de notícia de hoje, 14 de Março, de o Diário as Beiras - Coimbra, sobre a expedição a Bissau



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Fixação de texto: vb

Guiné 63/74 - P2647: Bibliografia (27): Imagens da apresentação do Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, do Mário Beja Santos (Virgínio Briote)

Mais Imagens da apresentação do Diário da Guiné, do Mário Beja Santos

O Tino Neves, o Fernando Chapouto, o Fernando Franco e o Helder Sousa na sala do restaurante da Casa do Alentejo.



Um grupo de Camaradas troca impressões, já com os pés debaixo da mesa.



Da direita para a esquerda, o Ten Cor Helder Pereira (Cmd na Guiné), o Helder Sousa, o F. Franco e o F. Chapouto aguardam o bacalhau.


Enquanto o Mário Beja Santos conversa com o Carlos Vinhal, o António Abreu dedica o seu Diário da Guiné, Sangue, Lama e Água Pura ao Albano Costa.



O General Pezarat Correia a ser recebido pelo Mário Beja Santos.



Ainda o Mário e o General Pezarat Correia.


O António Graça de Abreu, um orador que dá gosto ouvir.



No Gabinete da Direcção da Sociedade de Geografia de Lisboa, o Carlos Cardoso, o Carlos Vinhal, a Dina, sua mulher, a Susana do projecto Ignara que nos honrou com a siua presença, o António Santos e a Eduarda, mulher do Albano Costa.



O Albano Costa (de Guidage e de Guifões) com a Eduarda.



A Susana do Projecto Ignara explica ao Rui Alexandrino Ferreira as razões e o interesse do Projecto de que é protagonista.


A ouvirmos com toda a atenção as explicações que iam sendo amavelmente prestadas por uma Senhora da Sociedade de Geografia de Lisboa.


o Mário estava assim.

Camaradas das Terras dos Soncó. Mexia Alves, Beja Santos e Jorge Cabral, em primeiro plano. Mais atrás, o Rui Fonseca (Sargento-Mor), o Helder Pereira (Ten Cor) e o João Parreira, três Comandos.


Os três não se largavam. Falariam de quê?


Aspecto da sala onde se procedeu à apresentação oficial do Diário da Guiné, Na Terras dos Soncó. A fila para as assinaturas rapidamente tomou forma, mesmo antes do início da cerimónia.


Na mesa de honra o General Lemos Pires preparava-se para a apresentação do Diário do M. Beja Santos.



A Dina, mulher do Carlos Vinhal, a Susana do Projecto Ignara e a Eduarda, mulher do Albano Costa.



O Beja Santos e o Albano com um Camarada que não consigo identificar. No canto da sala, atrás, repousa o primeiro padrão colocado em terras da Guiné por Nuno Tristão.


No Gabinete da Direcção da Sociedade de Geografia, o Beja Santos dá-nos algumas informações sobre a Sociedade, tendo à sua direita um elemento da Direcção da Sociedade de Geografia. O Helder Sousa, o Tino Neves, o Carlos Cardoso e o F. Franco.




O Helder Sousa com o João Parreira e o Artur Conceição.

Fotos: © Mário Fitas (2008). Direitos reservados.

sábado, 15 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2646: A Guiné, a Guerra Colonial e o 25 de Abril. Comentários e Nota do Coronel Gertrudes da Silva (Virgínio Briote)

Apresentação do Diário da Guiné, Na Terra dos Soncó, na Sociedade de Geografia de Lisboa. Mário Beja Santos, Jorge Cabral, Henrique Matos e Joaquim Mexia Alves, Comandantes do Pel Caç Nativos 52.

Foto: © Mário Fitas (2008) . Direitos reservados.

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A nossa História recente em debate, sem outra precaução que não seja o respeito pela opinião do outro.
Destaques da responsabilidade de vb.
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A Guiné, a Guerra Colonial e o 25 de Abril de 1974

Comentários ao artigo publicado pelo Coronel D. Gertrudes da Silva

1. de Henrique Matos:

Porque será que se omite que o movimento dos capitães tem a sua génese na contestação dos oficiais do quadro permanente ao diploma - DL 353/73 - que colocava oficiais milicianos no posto de capitão sem passar pela Academia.

2. de Joaquim Mexia Alves

A visão aqui expressa da guerra do ultramar/colonial/África, é uma visão um pouco pessoal e em certos pontos não retrata a realidade. Basta dizer, por exemplo, que ao afirmar que em Angola, também pelo facto de ali lutarem contra nós e por vezes entre si três movimentos de libertação, a situação apresentava um certo equilíbrio, se está completamente fora da realidade.

Em Angola a guerra só muito esporádicamente e por conta da UNITA, tinha alguma actividade.

3. Nota do Coronel D. Gertrudes da Silva ao comentário do Henrique Matos, enviada ao co-editor:

Mando-lhe isto a si.
Faça-lhe o que entender, mas eu tinha que reagir.
Mas não estou zangado, não.

Um abraço.

O João Parreira e o Artur Conceição, do BArt 733 (Mansoa, Bissorã, Farim, Cuntima, Jumbembem, Canjambari...), em primeiro plano na cerimónia de apresentação do Diário da Guiné, do M. Beja Santos. Na 2ª fila, o Coronel D. Gertrudes da Silva (sorridente).
Foto: © Mário Fitas (2008). Direitos reservados.

A UM ANÓNIMO

Se não se apresentasse sem dizer o nome, já que mais não fosse por razões de pertença, dirigir-me-ia a si como caro ou até como amigo ou camarada (da tropa, naturalmente). Mas aí vai.

Eu não omiti nada no escrito (*) que alguém com esse direito tratou de publicar no, já agora, nosso blogue. Não me propunha aí falar propriamente do 25 de Abril, e tão só no enquadramento desse facto (marco) histórico no contexto da Guerra Colonial.
Aliás, se se desse (ou der) ao cuidado – pode não ter tempo … ou disposição – de ler o que muitos militares que participaram no 25 de Abril escreveram sobre esse incontornável evento da história contemporânea portuguesa, se tivesse esse cuidado, prazer ou maçada, veria que nunca omitem esse determinante facto dos decretos.

Só a título de exemplo, e por de memória os ter aqui mais à mão, convido-o a passar uma vista de olhos por qualquer um dos seguintes escritos publicados:

- “Origens e Evolução do Movimento dos Capitães”, de Dinis de Almeida;
- “Alvorada em Abril”, de Otelo Saraiva de Carvalho;
(Para se conhecer tem de se ler de tudo …)
- “História Contemporânea de Portugal”, (vários), Vol. II.


E, já agora, e passe a publicidade, o livrito do autor destas pouco cuidadas linhas com “Quatro Estações em Abril” de nome de baptismo.
Porque isto não é três ou quatro mânfios, desculpe-me a expressão, marcarem um encontro no café da esquina, trocarem para ali uns blá-blá e pronto, vamos fazer um 25 de Abril.


O Capitão Gertrudes da Silva, Cmdt da CÇAÇ 2781. (Guiné, 1970/72).
Foto: © Gertrudes da Silva. Direitos reservados.

É claro que a questão dos decretos é muito importante e até determinante porque, por boas ou menos boas razões, marca o arranque do “Movimento dos Capitães”, porque levou os capitães a juntarem-se e falarem, assim uma coisa, mal comparada, com o que agora leva à rua os professores.

Diga-se ainda que o protesto dos capitães (do quadro) não era contra os capitães milicianos, mas tão só contra o Governo que pretendia resolver os engulhos em que se metera com a teimosia da Guerra Colonial, a tal “Magna Questão”, à custa dos capitães.
E também lhe posso dizer que para além do grosso das tropas, que era constituído por praças, das centenas de cabos, furriéis, sargentos, aspirantes e subalternos milicianos, também os tais capitães (milicianos) acabaram por tomar parte no Movimento Militar do 25 de Abril.


A mim, por exemplo, competia-me comandar o Agrupamento November que integrava tropas de Viseu, Guarda, Aveiro, Figueira da Foz e um grupo de capitães de Águeda. Pois, olhe, depois de abordarmos o Forte-Prisão de Peniche e continuarmos, não em direcção de Fulacunda mas de Lisboa, ficou a tomar conta daquela fortaleza uma Companhia de Atiradores reforçada com peças de artilharia comandada por um desses capitães milicianos.
Não, não é gente chegar aqui e vamos fazer um 25 de Abril, não.
Quando o capitão Vasco Lourenço e mais alguns camaradas andavam por aí a recolher as assinaturas para o telegrama a enviar ao Congresso dos Combatentes, ainda não se tratava de decretos e não tinha de certeza em mente o 25 de Abril.
Quando uns meses mais tarde, em 09Set73 cerca de centena e meia de capitães se juntaram num monte alentejano nas proximidades de Évora para discutirem as formas de atalharem às consequências dos ditos decretos, o que dali saiu foi um requerimento por todos assinado, em que veementemente protestavam junto do Governo da Nação.

Ainda muita coisa se viria a passar, muita reunião, até à que foi realizada em S. João do Estoril, em 24Nov73, em que por impulso do Sr. Ten. Coronel Ataíde Banazol, que estava para embarcar com um Batalhão (e embarcou), o Movimento resolveu avançar para o projecto de derrubar o Regime através de uma acção militar.

Por fim, que se diga aqui também que não foi por medo que estes capitães enveredaram por este radical caminho.
Ninguém poderá negar – discordar, sim – que os que naquela noite saíram das suas casas corriam grandes perigos. Medo, nos lugares, nos momentos e em tempo de medos, todos nós tínhamos. O que era decisivo, disso todos nós sabemos, não era a questão de ter ou não ter medo, mas de se ser ou não capaz de o superar.

Depois do 25 de Abril, os capitães a quem competia por escala continuaram a ser mobilizados, alguns deles para viverem bem piores momentos do que os que já antes tinham suportado em plena Guerra Colonial.

E não me levem a mal por vir para aqui defender com alguma paixão a minha dama.
Viseu,14 de Março de 2008
Gertrudes da Silva
Cor.Ref.


(*) Texto para intervenção no encontro do Blog “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, que teve lugar em Lisboa, em 06Mar2008.
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Nota de vb: ver artigo de

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2632: Coronel Gertrudes da Silva: A Guiné, a guerra colonial e o 25 de Abril (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P2645: Fórum Guileje (6): Antes que se esgote... Gandembel (Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil Av Al III, BA12, Bissalanca, 1968/70)



Cópia de duas páginas da caderneta de voo do Alf Mil Piloto Aviador de Helicóptero Alouette III, Jorge Félix (Guiné, BA12, 1968/70).

1. Duas mensagens do Jorge Félix (1), com data de ontem:


(i) Caro Luís, o nosso Blogue entranha-se. Já é um vício com muitas horas de leitura.

Antes que se esgote Gandembel (2), gostaria de entrar em contacto com o Idálio Reis, morador em Gandembel numa altura em que lá fui.

Vou juntar umas fotos da minha caderneta de voo onde se podem ver as duas evacuações [ TEvs] que fiz, nos dias 20 de Outubro de 68 e 29 de Outubro 68. No dia 10 fui duas vezes a Gand [embel] e no dia 19 de Outubro voltei a fazer TGer [Transporte Geral].

Gostaria de com ele trocar umas falas sobre estas datas para ver se se recorda de alguma coisa, antes que Gandembel acabe.

Um abraço
Jorge Félix




(ii) Luís, não fui ao Guileje, mas mato saudades de outro modo. Moro em Gaia onde há uma Rua da Guiné. Gosto daquela Rua. Segue testemunho.

Jorge Félix

Fotos: © Jorge Félix (2008). Direitos reservados.

2. Comentário de L.G.:

O Idálio Reis vai adorar falar contigo. Ele vive em Cantanhede. Não pôde ir connosco ao Simpósio Internacional de Guiledje por razões de saúde. Manda-lhe um email, a pedir mais detalhes sobre essas datas em que foste lá... Sei que os páras (o Bação Lemos, o Avelar de Sousa, o Almeida Martins, o Terras Marques e outros....) andaram por lá, em Agosto / Setembro de 1968, e houve porrada da grossa... É que Gandembel / Balana ficava mesmo em pleno corredor do povo (ou da morte, como dizíamos nós), o que não dava muito jeito ao PAIGC... Não sei se em Outubro os páras ainda lá estavam.

O Idálio e os seus Dragões Dourados (a CCAÇ 2317) estiveram menos de nove meses em Gandembel e no destacamento da Ponte Balana, de Abril de 1968 a Janeiro de 1969, como tu sabes. Não tenho tido notícias dele. De qualquer modo, ficamos todos muito sensibilizados com a informação que nos mandas e que publicamos de imediato. Gandembel, seguramente, que não se vai esgotar tão cedo... E a propósito, já ouviste o Hino de Gandembel ? Um dia destes tens que conhecer a Casa Teresa, em Matosinhos, junto ao Porto de Leixões, que tem funcionado como sede da minitertúlia do Norte...

Um Alfa Bravo. Luís

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Notas de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores:

28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III)

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2627: Vídeos da Guerra (8): Nha Bolanha (Jorge Félix, ex-Alf Mil Piloto Aviador, 1968/70)

(2) Vd. poste de 14 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2640: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (5): Um momento de grande emoção em Gandembel

Guiné 63/74 - P2644: Economia colonial: O preço da mancarra no meu tempo (Mário Dias, empregado da NOSOCO, em 1955/59)

Guiné > Bissalanca > s/d > Fotografia tirada na despedida do gerente da NOSOCO, Monsieur Boris, que nesse dia regressava a Paris (está ao centro de fato e gravata). O João Rosa, o guarda-livros, [e que foi um dos fundadores do MLG - Movimento de Libertação da Guiné e um dos primeiros contactos políticos de Amílcar Cabral, tendo feito reuniões clandestinas, na sua casa, com o próprio Amílcar Cabral e outros nacionalistas guineenses, segundo informação do Leopoldo Amado (1)], está na segunda fila à direita; à sua frente, o 2º da direita é o Toi Cabral. Os restantes elementos da foto são alguns (quase todos) dos empregados do escritório da NOSOCO em Bissau (MD)

Foto: © Mário Dias (2006) . Direitos reservados

Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura (ou de São José da Amura> Talhões dos Heróis da Pátria, ao lado do Mausoléu de Amílcar Cabral > Túmulo do Domingos Ramos (1935-1966) que fez a recruta, em 1959, com o Mário Dias, tendo os dois frequentado, juntos, com aproveitamento, o 1º CMS - Curso de Sargentos Milicianos, organizado na Guiné. Promovidos a 1ºs cabos milicianos, separaram-se em Novembro de 1959: o Domingos foi para Bolama dar uma recruta, o Mário ficou em Bissau (2).

O Mário Dias, sargento dos comandos do Exército Português, sempre o considerou como amigo. Encontraram-se pela última vez, em 1965, nas matas do Xitole. Reconheceram-se, cumprimentaram-se por sinais, e afastaram-se, com os seus homens, sem uma única troca de tiros... Uma das histórias mais bonitas da amizade em tempo de guerra, entre dois homens que as circunstâncias separaram e colocaram em campos opostos, como amigos inimigos... Foi na região do Xitole, na zona
entre Amedalai e os rápidos de Cussilinta, perto da estrada Xitole-Aldeia Formosa-Mampatá... Vale a pena reler o segredo que o Mário guardou estes todos e revelou, em primeira mão, aos seus amigos e camaradas de tertúlia. Foi um dos momentos altos do nosso blogue (2).

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados



Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > Homagem dos participantes do Simpósio Internacional de Guiledje a Amílcar Cabral e a outros heróis da luta de libertação nacional > 7 de Março de 2008

O Domingos Ramos morreu prematuramente em combate, em 10 de Novembro de 1966, em Madina do Boé, ao lado do cubano Ulisses Estrada (aqui presente, nesta cerimónia), tendo-se tornado num dos heróis da luta de libertação nacional. Sepultado no Boé, os seus restos mortais foram depois traslados para a Amura, o Panteão Nacional guineense. O Mário Dias sempre teve palavras de grande apreço e admiração pelo Domingos Ramos. Escreveu ele :"Se um dia tiver a oportunidade de regressar à Guiné, é meu firme propósito ir visitar a sua campa e prestar-lhe merecida homenagem. Não é pelo facto de termos combatido em campos opostos que deixei de ser seu amigo e de o admirar".

No dia 7 de Março de 2008, eu estive, juntamente com os demais participantes do Simpósio Internacional de Guiledje, junto aos túmulos dos heróis da luta de libertação nacional, entre eles, o Domingos Ramos. Tive um breve momento de recolhimento, em homenagem à sua memória, e não deixei de pensar nesse grande homem e grande português que é o nosso amigo e camarada Mário Dias, que viveu a sua adolescência e juventude em Bissau. Saiu da Guiné em 1966, como sargento comando (3).

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados

1. Mensagem do sargento dos comandos, na situação de reforma, Mário Dias, com data de 13 de Março de 2008. Era civil, em Bissau, quando em 1959 foi cumprir o seu serviço militar, juntamente com futuros dirigentes do PAIGC. Foi nomeadamente amigo de Domingos Ramos que desertou para o PAIGC (em Novembro de 1960).


Caro Luís e caros co-editores.

Depois de muito pensar e de muitas hesitações sempre me resolvi a "soltar este desabafo" que segue em anexo. Não é importante mas tive que fazê-lo para bem do meu equilíbrio emocional.

Um grande abraço para todos.

Mário Dias

Mário Dias


2. DESABAFO, por Mário Dias... [Ou o preço da mancarra no final dos anos 50]


Não tenho por hábito vir a terreiro debater afirmações produzidas na nossa Tabanca Grande. Acontece, porém, que um dilema se apoderou de mim pela dúvida que me tem assaltado em relação a dever, ou não, esclarecer afirmações que um tal Raul Fodé, de Empada, fez ao nosso prezado Zé Teixeira e que este reproduz num recente post (4).

Ao ler o referido post – e abro aqui um parêntese para dizer o agrado com que leio todas as intervenções do Zé Teixeira - fiquei perplexo com as afirmações do Raul Fodé no que se refere ao preço da mancarra dizendo que por um saco o comerciante de Empada lhe pagava “um peso”. Zé Teixeira, foste aldrabado. A não ser que os sacos fossem de meio quilo. Passo a explicar:

Nos meus tempos de empregado na NOSOCO, entre 1955 e 1959 ano em que fui para o serviço militar, comprei directamente aos indígenas muita mancarra, várias toneladas, sobretudo em Farim donde era escoada para os nossos armazéns em Binta e aí embarcada. Também em Bafatá exerci igual mister. Quando li que o tal comerciante de Empada pagava um peso por saco (um saco tem entre 15 a 20 quilos) fiquei, como se costuma dizer, “com a pulga na orelha”, pois me recordava perfeitamente que o preço praticado era à volta de dois pesos por quilo e era fixado anualmente por portaria do governo e publicado no Boletim Oficial.

Mas, como não gosto de fazer afirmações sem delas ter a certeza absoluta, pesquisei como pude na esperança de encontrar um Boletim Oficial da Província da Guiné. Não tive êxito mas, como quem procura sempre alcança, acabei descobrindo o sítio Memória de África onde no Boletim Semanal do Banco Nacional Ultramarino Nº 473 de 23 de Janeiro de 1958 se pode ler o seguinte no que se refere aos preços fixados para a compra e exportação de amendoim nesse ano:


Ao produtor indígena por Kg

- Nos portos de exportação.... 2$20

- Nos centros comerciais do interior

servidos por vias fluviais.....2$00

- Nas regiões fronteiriças:

Circunscrição de Gabú e Postos Administrativos

de Contuboel e de Cuntima..... 1$90


Recordo-me perfeitamente que, a quem ia entregar o produto nos nossos armazéns de Binta (porto de exportação), era paga a mancarra a 2$20 o quilo e isso acontecia tanto ao produtor directo como aos pequenos comerciantes, sobretudo libaneses, que a compravam nos seus estabelecimentos e utilizando camiões próprios ou alugados a transportavam para Binta.

Igualmente recordo de muitos dos produtores da área de Cuntima se deslocarem com os seus burros carregados de mancarra até Farim onde valia mais 0$10 por quilo do que no comércio daquela localidade.

Havia depois a cotação em bolsa que, por exemplo em 22 de Maio de 1958 (Boletim Semanal do BNU Nº 489), atingia o preço FOB de 52$50 a arroba (15 Kg.), ou seja, 3$50 o quilo. Para quem não estiver tão familiarizado com estes termos, FOB são as iniciais de free on board isto é, o preço do produto colocado a bordo e que era o pago pelo importador ficando as despesas do frete e seguro por conta deste.

Assim, conhecendo o hábito dos naturais da Guiné, capazes de andar longas distâncias só porque em determinada localidade um comerciante dava mais uns cobres pela mancarra ou os presenteava com o chamado labaremos (gorjeta ou qualquer tentadora oferta), estou em crer que o Raul Fodé faltou à verdade nas informações que prestou ao nosso querido Zé Teixeira. Não sei quem seria o comerciante a que se referiu. Eu conheci pessoalmente um comerciante de Empada, em 56 e 57, que se deslocava frequentemente a Bafatá efectuando inclusivamente alguns negócios com a NOSOCO onde eu trabalhava. Era um homem relativamente pequeno e magro. O nome já se me varreu da memória embora o seu aspecto e fisionomia estejam bem presentes. Creio ser Lúcio.

Também o referido post - até pelo subtítulo “Um exemplo de exploração colonial” - pretende reduzir a dita exploração (que de facto existiu e existe um pouco por todo o mundo) à ideia simplista de o colono rouba e o indígena é roubado. Ora, as coisas não são assim tão lineares porque a tentativa de enganar existia nos dois lados e era consequência uma da outra. Posso afirmá-lo com a relativa autoridade que me advém da experiência decorrente dos muitos anos em que na Guiné trabalhei no comércio. Alguns exemplos:

Cheguei a Farim em 1954 como empregado da NOSOCO onde na época da campanha da mancarra nós a comprávamos em grandes quantidades. No quintal do estabelecimento existia uma balança para pesar os sacos, balaios e outros recipientes com a mancarra transportada, pagando-se de seguida o respectivo valor ao proprietário. A primeira vez que fui para a balança, todo eufórico, pesei dois sacos que o agricultor transportava num burro e paguei rigorosamente a importância correspondente ao peso exacto da mercadoria. De imediato o Sissau Sama, um mandinga meu colega de trabalho, muçulmano íntegro e que sendo mais velho foi para mim como que um pai, me chamou à parte e repreendeu dizendo que o negócio não podia ser feito assim pois deveria ter tirado alguns quilos ao peso. Porquê? - perguntei-lhe. Ele colocou aqueles dois sacos à parte e disse-me que depois me explicava.

No fim do dia de trabalho pegou nos dois sacos e despejando-os numa tarara procedeu à sua limpeza. Quando terminou, o autêntico lixo daí resultante (pauzinhos, cascas, pequenas pedras, etc) foi pesado: 4 quilos. Fiquei pasmado! Vês? - disse ele. - Temos sempre de tirar alguns quilos no peso porque depois de limpa a quebra é grande e, como antes do embarque em Binta, toda a mancarra é passada na tarara porque os importadores são exigentes, a diferença, em muitas toneladas, seria grande e o gerente da firma responsabilizava-nos.
- Há ainda outra coisa que devemos ter em conta - acrescentou- A mancarra quando é trazida para cá está ainda muito húmida e por vezes até a molham para pesar mais. Depois ela seca no armazém e ao ser pesada para o embarque (a pesagem era fiscalizada pela guarda fiscal e alfândega) não corresponde ao que está registado no livro de aquisição.Por isso temos que nos defender das inevitáveis quebras.

Sabiam os camaradas que a Guiné foi exportadora de apreciáveis quantidades de cera e borracha até finais dos anos 50? E que essa exportação terminou porque os importadores deixaram de adquirir devido às vigarices dos produtores?

No que se refere à borracha, era apresentada no formato de novelos, como os de lã –salvaguardadas as devidas proporções. Os fios eram bastante grossos, sensivelmente com dois ou três centímetros de espessura, e com eles eram feitos novelos que atingiam as dimensões de uma bola de futebol. Recordo-me que eram bem pesados. Pois essa exportação terminou porque os inocentes produtores enrolavam a borracha em torno de uma pedra e até de pedaços de ferro para aumentar o peso. Com este estratagema causaram graves prejuízos à indústria pois alguma maquinaria que processava a borracha foi danificada. E assim a Guiné deixou de exportar borracha.

Algo de semelhante se passou com a cera. Os importadores exigiam que fosse exportada em blocos com dimensões normalizadas e isenta de qualquer tipo de impureza. Aí começou a “dor de cabeça” dos comerciantes exportadores porque quando a compravam aos indígenas ela era tudo menos limpa. Assim, viam-se na necessidade de a purificar.

Em Bafatá –certamente alguns estarão recordados- havia um comerciante, de seu nome João Batista Pinheiro, cujo estabelecimento comercial e residência se situava na parte baixa da vila numa casa de primeiro andar ao lado do mercado. No estabelecimento vendia-se e comprava-se de tudo como era hábito (ainda será?) na Guiné mas com a particularidade de ser também a farmácia lá da terra. Aí pontificava um sobrinho dele, o Albino, sensivelmente da minha idade e de quem eu era grande amigo. Aliás, a amizade era uma constante entre todos nós.

Voltando ao assunto da cera. No quintal, para onde os camiões podiam entrar através de um pórtico que passava por baixo da casa, o velhote João B. Pinheiro arranjou a sua fabriqueta para a depuração da cera. Sistema um tanto artesanal mas eficiente, consistia num enorme bidão de ferro onde era colocada a cera e seguidamente aquecido com uma fogueira por baixo a fim de que fosse derretendo. Quando esta já se encontrava no estado líquido era retirada cuidadosamente com o auxílio de um enorme caço de cabo bem comprido e vertida numas formas de madeira de formato e dimensões semelhantes às de fabricar blocos de cimento e previamente untadas com óleo de palma para facilitar a extracção uma vez arrefecida e solidificada. Desta maneira, como só era retirada a parte que se encontrava no estado líquido, ficavam no fundo todas as impurezas.

Parece que ainda estou a ver o velho João B. Pinheiro a vociferar impropérios cada vez que verificava a enorme quantidade de resíduos acumulados no fundo do bidão (terra, pregos, casca de árvores etc.) depois de retirada a cera aproveitável. O homem quase chorava e só não arrepelava os cabelos brancos porque os usava rapados. Lamentava o prejuízo enorme que a comercialização lhe dava e acabou por desistir. Como ele, muitos outros comerciantes deixaram de comprar cera e assim acabou a exportação.

Poderia citar outros casos mas estes são suficientes para lançar a pergunta: - Afinal, quem enganava quem?

Um outro assunto que merece reparo é o que está contido na frase “A Avenida principal de Empada estava plena de palacetes de estilo colonial...” (O sublinhado é meu)

O termo palacete é exagerado. As casas onde residiam os colonos eram sem dúvida melhores e mais confortáveis do que as palhotas dos indígenas mas não poderão considerar-se “palacetes”. Aliás, a questão da habitação está relacionada não exclusivamente ao poder económico mas também à própria maneira de ser e à cultura tradicional dos povos.

Eu conheci vários naturais da Guiné, africanos, que viviam em casas em tudo semelhantes às dos europeus. Outros mantinham-se na moranças tradicionais por opção própria. Cito um caso regressando ao Sissau Sama de Farim.

O Sissau tinha por mim grande estima e foi um conselheiro, um mestre que muito contribuiu para a formação do meu carácter. Tendo eu chegado com a bonita idade de 16 anos, ele preocupou-se com o meu comportamento que poderia não ser o mais adequado devido à falta de experiência e bom senso próprio dos verdes anos. Levava-me à sua morança situada na Morocunda (saída de Farim na estrada para Cuntima) depois de terminado o trabalho. Ensinava-me a forma como devia tratar as pessoas, a distinguir o certo do errado e apoiava-me em tudo. Jamais o esqueci nem esquecerei.

Pois o Sissau, como em geral todo o bom muçulmano, tinha 3 mulheres e era dono de enormes lugares de mancarra. (Aproveito para esclarecer que os campos onde era cultivada a mancarra se chamavam “lugares de mancarra”. Nas bolanhas cultivava-se o arroz). Acontecia que ele, melhor dizendo, as mulheres dele, só cultivavam uma pequena parte desses lugares. O suficiente, dizia ele, para ter algum dinheiro que lhe desse para a roupa, comida e mais nada.

Um dia sugeri-lhe que, se lavrasse a totalidade dos seus campos arranjaria dinheiro mais que suficiente para ter uma casa melhor. Poderia colocar telhas ou zinco em vez de colmo, pavimentar o chão, instalar electricidade, comprar um frigorífico (que na Guiné chamávamos geleira, djeladêra em criolo) e outros confortos semelhantes. Respondeu-me que não queria nada disso. Essas coisas eram para os brancos e eles gostavam mais de viver assim conforme estavam habituados.

Que dizer disto? Nada a não ser que não podemos forçar ninguém a viver segundo os nossos padrões e que por vezes pessoas que invejam o viver de outrem nem sempre se esforçam por melhorar a sua própria vida. Não precisamos de ir muito longe. Cá em Portugal existem muitas pessoas a viver em barracas de péssimas condições com grandes carros à porta, tv satélite e outras mordomias que muita gente que habita em casas normais e decentes, segundo os nossos padrões de vida, não têm.

Por aqui me fico porque esta lenga-lenga já vai longa e não quero aborrecer os caros tertulianos com as minhas lamentações. Acrescento que não pretendo de forma alguma criticar seja quem for mas somente prestar alguns esclarecimentos na tentativa de fazer ver que muitas das coisas que se dizem sobre a colonização não passam de estereótipos. Que houve erros, houve, nem tudo foi bom, não foi. Porém a colonização – prefiro chamar-lhe acção civilizadora - não pode ser posta em causa por eventuais erros de alguns porque, globalmente, não temos de que nos envergonhar. Por exemplo nos finais de 1974 Luanda, quando já lá se encontravam os líderes dos movimentos de libertação, recebeu vários jornalistas africanos curiosos para ver como se iria processar o futuro de Angola. A um jornalista do vizinho Congo perguntaram a sua opinião sobre o desenvolvimento daquelas terras bem como o ambiente do dia a dia. (Ainda não tinham começado os confrontos que depois opuseram MPLA, FNLA e UNITA). Pois o referido jornalista mostrou-se admirado com tudo o que viu dizendo: quem nos dera termos sido colonizados pelos portugueses.

E chega por hoje.

Mário Dias

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(1) Vd. postes de:

12 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXV: Antologia (24): Elisée Turpin, co-fundador do PAIGC (Élisée Turpin)

(...) "Para além das células, estabeleceram-se pontos focais, ou seja, elos de ligação no interior do País. Por exemplo, o elo de ligação em Farim era o Dionísio Dias Monteiro; em Bolama era Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai); em Catió era Manuel da Silva.

"Lembro-me de algumas pessoas que se movimentavam na altura como activistas políticos e muitos deles envolvidos na criação do Partido: Amilcar Cabral, Aristides Pereira, Rafael Barbosa, Luís Cabral, Abílio Duarte, Fernando Fortes, João Rosa, Inácio Semedo, Victor Robalo, Júlio Almeida, João Vaz, Domingos Cristovão Gomes Lopes.

Contudo, no dia 19 de Setembro de 1956, na fundação (criação formal do Partido, denominado PAI - Partido Africano da Independência), compareceram apenas 6 pessoas: Amilcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, Fernando Fortes, Júlio Almeida, Elisée Turpin" (...)

26 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXIX: Pidjiguiti: resposta do Mário Dias ao Leopoldo Amado

(...) "Reiterando os meus agradecimentos e admiração ao Leopoldo Amado, termino respondendo à sua estranheza por eu não ter referido a presença no cais do Pidjiguiti do Domingos Ramos, Constantino Teixeira e outros soldados africanos. Claro que eles lá estiveram, não no recinto do cais propriamente dito, mas nas imediações do mesmo tal como os restantes soldados. Eles faziam parte da companhia que regressava do aeroporto e para lá foi desviada.

(...) "Como tem sido recentemente muito referido o João Rosa, guarda-livros (actualmente designados contabilistas ou técnicos de contas) da NOSOCO, resolvi anexar uma fotografia tirada em Bissalanca na despedida do gerente da referida firma, monsieur Boris, que nesse dia regressava a Paris (está ao centro de fato e gravata). O João Rosa está na segunda fila à direita; à sua frente, o 2º da direita, é o Toi Cabral. Não sei se será o mesmo que o Luis Cabral refere como um dos principais obreiros na fuga do Carlos Correia. Gostaria obter essa confirmação mas não sei como consegui-la. Os restantes elementos da foto são alguns (quase todos) dos empregados do escritório da NOSOCO em Bissau (...).

Segundo o historiador e membro da nossa tertúlia Leopoldo Amado, o nacionalista João da Silva Rosa terá morrido às mãos da PIDE, em Abril/Maio de 1961.

João Rosa começou por ser um dos fundadores do MLG - Movimento de Libertação da Guiné, que antecedeu a criaçõ do PAIGC: Vd. poste de 25 de Fevereiro de 2006 >
Guiné 63/74 - DLXXXVI: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte

(...) " João Rosa, um dos líderes históricos do MLG lembra (segundo o seu auto de interrogatório na PIDE datado de 1962) de ter integrado este movimento a convite de José Francisco Gomes e de ter participado na primeira reunião do MLG em princípios de 1958, na qual estiveram igualmente César Fernandes, Ladislau Lopes, este último mobilizado por Rafael Barbosa, elemento que viria a revelar a grande veia mobilizadora, chegando mesmo a protagonizar em entre 1959 e 1959 uma rotura que praticamente definhou a estrutura residual do MLG em Bissau" (...).

(...) "Na sua meteórica passagem por Bissau, Amílcar Cabral acordou com os seus principais colaboradores, na altura Aristides Pereira, Luís Cabral, Fernando Fortes, Rafael Barbosa e João da Silva Rosa em como largaria tudo e seguiria para a República da Guiné (Conakry) de onde enviaria directrizes. Efectivamente, a decisão de Amílcar Cabral de escolher um poiso de apoio na Guiné-Conakry foi devidamente sustentada com o exemplo de Pindjiguiti, pois que para ele era a prova iniludível da natureza permanentemente violenta do sistema colonial que, sintomaticamente, tinha maior força nos centros urbanos, donde a razão porque era preciso proceder a uma extensa e meticulosa preparação para a guerra de libertação e a mobilização dos camponeses para responder com violência à violência colonial" (...)..

(2) Vd. postes do Mário Dias (e outros) sobre o Domingos Ramos:

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCI: Domingos Ramos, meu camarada e amigo (Mário Dias)

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIII: Domingos Ramos e Mário Dias, a bandeira da amizade (Luís Graça / Mário Dias)

2 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIV: O segredo do Mário Dias, ex-sargento comando

12 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2343: PAIGC - Quem foi quem (5): Domingos Ramos (Mário Dias / Luís Graça)

20 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2461: Blogoterapia (38): Dois heróis, dois homens com valores, Domingos Ramos e Mário Dias (Torcato Mendonça)

(3) Vd. outros postes do Mário Dias:

(i) Memórias de Bissau:

9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXII: Memórias do antigamente (Mário Dias) (1): Um cabaço de leite

19 de Fevereirod e 2006 > Guiné 63/74 - LDXVI: Memórias do antigamente (Mário Dias) (2): Uma serenata ao Governador

15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXX: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau


(ii) Op Tridente (Ilha do Como, Janeiro-Março de 1964):

15 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLI: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)

17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)

(4) Vd. poste de 17 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2545: Blogoteria (41): Guileje, Gadamael, Mata do Cantanhez... e a memória das gentes (José Teixeira)

(...) Disse-me ele:
- A região do Tombali, tal como a de Forreá, foram outrora muito ricas em arroz, milho, madeiras, peixe, etc. As etnias tinham os seus chefes, as suas normas e conseguiam entender-se de modo a que tudo estava bem. Chegaram os brancos vindos de Bissau, a produção aumentou muito, desenvolveu-se a produção da mancarra, que deu cabo da terra. A população começou a trabalhar para os brancos, dividiu-se e lentamente empobreceu, apesar de trabalhar e produzir muito mais. Os brancos, esses, ganharam muito dinheiro. Repara, eu, Fodé, vou na bolanha, com mulheres e filhos, rasgo a terra e semeio mancarra. Arranco as ervas más, cavo a terra para amolecer e provocar o enraizamento, passo lá todo o tempo a defender de animais e do bandido. Quando está seco, corto separo e ensaco, transporto para loja do branco, que me paga um peso [moeda antiga que correspondia a um escudo] por saco. Quando chega o barco, tenho de fazer o transporte desde a loja do branco. Isto é tudo trabalho meu. Agora sabes quanto recebe o branco por cada saco de mancarra ?
- Dois pesos - disse eu convictamente.
- Dois? Era bom! Por cada saco de mancarra, cultivada, secada, ensacada e embarcada por mim, o branco recebe quinze pesos" (...).

Guiné 63/74 - P2643: III Encontro Nacional da Tertúlia em Monte Real (1): Abertura de inscrições (C. Vinhal e J. Mexia Alves)

Caros Tertulianos

Temos que começar a pensar no nosso III Encontro Nacional.

O Joaquim Mexia Alves, que se propõe organizar tudo o que disser respeito ao almoço, estadia para quem quiser ficar uma ou mais noites na zona de Monte Real e um local de convívio e trabalho durante a tarde para discutir assuntos do Blogue, tem livres os dias 19 de Abril, 3; 17 e 24 de Maio.

Porque o tempo urge, aceitamos desde já inscrições com indicação do número de acompanhantes e escolha da data preferida. Esta escolha é para auscultação da tertúlia e a data do encontro deverá ser a mais votada. Devem indicar também se necessitam de estadia e em que noites.

Lembro que os nossos amigos tertulianos não ex-militares, fazem parte desta grande família, pelo que a sua presença no Encontro será para nós uma honra.

As inscrições podem desde já ser enviadas para o camarada Joaquim Mexia Alves, e-mail joquim.alves@gmail.com com conhecimento a mim, para o meu endereço carlos.vinhal@oniduo.pt

Ao vosso dispor para qualquer escarecimento ficamos

Carlos Vinhal e
J. Mexia Alves

Guiné 63/74 - P2642: Fórum Guileje (5): Que sentido dar a esta vaga de fundo ? Da guinefobia à guinefilia (Hélder de Sousa / Luís Graça)

Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > Simpósio Internacional de Guiledje > 7 de Março de 2008 > Piquete de dia, prestando homenagem aos grandes Combatentes, já falecidos, da Liberdade da Pátria, junto ao mausoléu de Amílcar Cabral... (LG)

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados

1. Mensagem do Helder Sousa , ex-Fur Mil de Transmissões TSF (Bissau e Piche 1970/72), que me foi enviada há já algum tempo, ainda antes da minha partida para a Guiné, como participante do Simpósio Internacional de Guileje...

Nota do editor:

Sinto que há uma certa oportunidade editorial em publicar esta mensagem neste momento (1). Espero que isso nos ajude a gerir melhor as nossas emoções e gerar mais e melhores ideias para o futuro... O Hélder Sousa, que vive em Setúbal e que nunca mais voltou à Guiné (nem sei se tem vontade de lá voltar), toca aqui, com sabedoria e serenidade, nalguns pontos sensíveis, em que facilmente nos revemos. Por exemplo, a nossa amizade para com a Guiné e a população guineense pode (e deve) ser mais proactiva, mais solidária ? Seria bom reflectirmos sobre isso... LG

Luís:

Em anexo remeto um pequeno texto que tinha a pretensão de ser o início das histórias que queria enviar para o Blogue.

Como tem o aspecto de ser mais um texto de reflexão do que descritivo, acabei por não o desenvolver e não o utilizar.

Entretanto, ao reler o que lá está, e tendo em conta o Simpósio [Internacional de Guileje] e a viagem de inúmeros camaradas à Guiné e particularmente a Guiledje, decidi partilhá-lo porque me parece que estão lá dois ou três aspectos relevantes e que têm a ver com o momento e a envolvência do evento que irá ocorrer.

Trata-se de avançar com possíveis explicações para o rememorar da guerra em geral e da Guiné em particular, do efeito que o Simpósio pode ter no lançamento de novas e consistentes iniciativas e também do ricochete que toda esta dinâmica e este envolvimento não deixarão de fazer no Blogue.

Um abraço


Hélder Sousa


2. Contributo: Alguns antecendentes,
por Hélder Sousa:


Antes de relatar a minha passagem pela Guiné devo fazer algumas considerações sobre um conjunto de questões e circunstâncias que acho que têm relevância para o enquadramento, tanto mais que alguns desses aspectos são, de vez em quando, abordados no Blogue, nomeadamente as questões da consciência política dos militares nossos contemporâneos e o problema dos refractários e desertores.

Por outro lado há um outro fenómeno que muito me tem interessado. Trata-se da aparente vaga de fundo que a questão da guerra colonial tem conhecido recentemente, nos seus vários aspectos, traumáticos, saudosistas, gloriosos, heróicos, altruístas, generosos, solidários, etc., de que o nosso Blogue (e não só) tem feito eco.

É claro que o efeito Guiné é fortemente aglutinador pois aquele pequeno território teve (tem) o condão de não permitir que quem lá esteve, viveu, lutou e sofreu, lhe seja indiferente. Marcou muito profundamente todos os que por lá passaram, fossem quais fossem as suas circunstâncias, pelo que, mais do que qualquer outro lugar por onde os jovens portugueses foram chamados a cumprir o serviço militar, a Guiné une, e o seu apelo faz com que muitos dos que até aqui optaram pelo silêncio, por tentar esquecer, por evitar falar daquilo que se viveu no nosso vietnamezinho, venham agora relatar em apontamentos autênticos, sofridos, em livros, em memórias, etc., aquilo que finalmente pode constituir o verdadeiro levantamento da História da Campanha da Guiné, no Século XX.

O facto do território ser relativamente pequeno, das acções abrangerem praticamente toda a sua extensão, de ser facilmente do conhecimento geral os problemas, dificuldades, desaires e êxitos, passados em qualquer um desses lugares, principalmente dos mais badalados cujos nomes eram sempre pronunciados com respeito (Morés... Oio... Guileje... Guidaje... Gandembel... Aldeia Formosa... e tantos outros), faz com todos se sintam fraternamente unidos, para além dos limites das suas próprias Unidades, e daí o êxito do nosso Blogue que teve a feliz ideia de criar a Tabanca Grande onde todos podem caber.

Essa é uma das razões pelas quais o Blogue terá que perspectivar, mais cedo ou mais tarde, o sentido que todo este entusiasmo, este querer, esta maneira de dizer presente, irá tomar.

Sabemos que não devemos, não podemos nem queremos imiscuir-nos nas questões internas de outros povos (além disso, temos também muita coisa para fazer por cá, certamente), mas lá que talvez se possa contribuir para dar um novo impulso àquela terra isso certamente também haverá muita vontade, e acho que o famoso Projecto Guiledje poderá ser a porta de entrada para o caminho a percorrer.

Entrando agora nas questões mais pessoais devo dizer que, quando fui para a tropa, já a guerra ia com os anos suficientes para que várias fornadas de jovens tivessem passado por lá, já se conheciam bem os efeitos que isso ia fazendo nas famílias, já tinha passado o entusiasmo com que alguns responderam ao apelo de para Angola, já, e em força!... Por altura do Verão de 1969, quando ingressei em Santarém para o 1º Ciclo do CSM, a palavra Guiné era pronunciada com toda a reverência e era sinónimo de local de grande sofrimento e de temor por parte das famílias.

Em Santarém, na minha recruta, a preparação parecia ser feita de modo orientado para a actuação na Guiné, disso mesmo os oficiais que nos instruíam faziam alarde, quando passávamos o tempo enfiados nos charcos à beira-Tejo da Quinta das Ómnias, nos lameiros e mesmo nos paúis, sempre nos iam dizendo que era para não estranharmos quando chegássemos à Guiné, que seria certamente o nosso destino mais provável. Neste aspecto devo confessar que, do ponto de vista militar, psicológico e preparatório, e mesmo operacional, quem fez a 3ª incorporação de 69 do CSM em Santarém teve uma preparação bastante mais adequada do que sei que foi ministrada noutros locais e em outras ocasiões.

3. Comentário de L.G.:

Tens faro de sociólogo, camarada!... De facto, como interpretar esta tendência, esta aparente vaga de fundo, como tu lhe chamas ? Será que a Guiné passou a estar na moda ? Redescobrimos a Guiné, 500 anos depois ou 50 anos depois ? Passámos da guinefobia (com a guerra colonial ou guerra do ultramar) para a guinefilia (com o desencanto dos guineenses, e de nós próprios, com os últimos trinta anos da Guiné-Bissau como país independente) ? Guinefilia ou paixão serôdia, extemporânea, quiçá patológica... ? O que leva alguns de nós a voltar à Guiné, uma, duas, três e até mais vezes ?

Eu tenho a minha teoria, mas não quero estragar o efeito surpresa, não quero, com a minha opinião, enviesar o debate, não quero que me interpretem como sendo politicamente correcto, cinzentão, asséptico... Não quero muito simplesmente ser ideólogo de coisa nenhum... Não quero sobretudo desencantar os que nutrem pela Guiné e pelo seu povo uma genuína amizade, uma grande compaixão, a par de uma crescente preocupação pelo seu futuro como país independente, respeitável e respeitado, no seio das Nações...

Continuo, de resto, a fazer votos para que a nossa Tabanca Grande seja isso mesmo: uma aldeia suficientemente grande, onde todos nós (ou quase todos nós) possamos caber e sentirmo-nos relativamente confortáveis, na presença uns com os outros... Como aconteceu na semana de 29/2 a 7/3/2008, em Bissau e em Iemberém (um verdadeiro oásis no deserto!), a umas largas dezenas de portugueses e outros estrangeiros convidados por guineenses... Ao terceiro dia, e antes do galo cantar, eu já estava a lembrar ao Pepito:
- Há um provérbio português que diz Ao fim de três dias, o peixe e o hóspede fedem... E há outro que acrescenta, mais sibilamente: Duas alegrias os hóspedes nos dão: quando chegam e quando se vão...

Pois os nossos amigos guineenses, que têm um elevado sentido da hospitalidade africana, quase ficaram ofendidos... Mas eu sei que a AD, a ONG do Pepito que arcou com a principal responsabilidade da organização do Simpósio, praticamente ficou paralizada, nas últimas semanas, com a mobilização total dos seus quadros, colaboradores e funcionários e a sua afectação ao planeamento, organização e realização do Simpósio...

Agora é a altura de fazer o balanço e voltar à normalidade. Para uns e para outros... Da nossa parte, ficam responsabilidades acrescidas... Para alguns, quiçá mais pessismistas e agoirentos, não é bom libertar as abelhas selvagens no mato: podem cair-nos em cima... Ou, continuando a falar em termos metafóricos, senhores ex-combatentes, não brinquem com o fogo, não abram a caixa de Pandora, que os mortos estão enterrados, as feridas saradas e os vivos já arrumaram... as botas...

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Nota de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores:

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2626: Fórum Guileje (1): E Cameconde ? Cabedu ? E a nossa Marinha ? (Manuel Lema Santos / Jorge Teixeira / Virgínio Briote)

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2628: Fórum Guileje (2): Nunca uma guerra foi feita de uma só batalha (Mário Fitas)

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2629: Fórum Guileje (3): A Marinha esteve como peixe dentro de água no CTIG, e teve um papel logístico fundamental (Pedro Lauret)

14 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2638: Fórum Guileje (4): Minas aquáticas em Bedanda (Ayala Botto)