Caro amigo Luís Graça,
Na apresentação do Poste 4468, dava como anos de intervenção da minha Companhia na Guiné, 1968/70, quando na verdade é 1966/68.
Não me admiro do lapso, pois, pelo que tenho lido, parece que todos os camaradas que estiveram lá nestes anos, 1966/68, já morreram. Eu já estive quase, mas cá me vou aguentando.
Quanto ao tempo que passei na Guiné não é muito o que tenho para contar. Logo a seguir ao desembarque, em 5 de Outubro de 1966 e depois de me apresentar na minha Companhia estacionada em Stª Luzia (600), fomos fazer uma incursão para os lados de Nhacra.
Depois de muito andar e nem sequer o IN cheirar, quando chegámos ao local onde as viaturas nos deviam ir recolher, deparámos com um Unimog que tinha caído do pontão de troncos ao rio que, felizmente, nessa altura do ano, só levava água que nos dava pelo peito.
Ora toda a gente foi para dentro do rio incluindo o Cmdt da Companhia e, à força de braços, lá conseguimos recolocar o “bicho” na estrada.
Depois seguimos para o aquartelamento de Nhacra, que estava sobre o comando do Capitão Carlos Fabião. Era um dos oficiais de que se falava nessa altura pois, quando era atacado pelo IN, ia às tabancas que circundavam o quartel e, se não lhe dissessem de onde tinha vindo o IN, ele, ou os seus oficiais, não tinham problemas em disparar sobre o pessoal, para eles falarem.
Se era para o ar ou para as pessoas, é que eu não sei.
Ali descansamos uns dias tendo voltado a Bissau.
Passados mais uns dias fomos destacados para fazer segurança a uma coluna que ia partir do Batalhão de Engenharia, com destino a Mansoa. Quando a coluna arrancou em marcha lenta pela estrada, que levava a Mansoa, uma das viaturas da frente avariou.
Num dos Unimogs da coluna seguiam vários colegas da companhia, indo dois deles sentados no banco atrás e levando como habitualmente o taipal deitado para baixo, prontos para saltarem para o chão o mais rapidamente possível, em caso de ataque do IN. Só que tiveram azar, pois o veículo que seguia atrás, era um auto-tanque de água e, como o condutor ia a conversar com o Alferes sentado a seu lado, quando deu fé da paragem, devido ao veículo avariado, travou a fundo, mas o balanço da água impulsionou-o para a frente e, este por sua vez, foi bater nas traseiras do Unimog.
Disto resultou que um dos soldados ficasse logo sem uma das pernas e, outro soldado, ficou com as pernas partidas, sendo de imediato evacuados para o HM 231, em Bissau. O primeiro depois de socorrido, foi evacuado para o Hospital da Estrela, em Lisboa, e nunca mais soube nada dele. O segundo voltou, passado algum tempo, à Companhia.
Passados uns meses, em Fá Mandinga, apareceu um Médico que vinha fazer a avaliação do estado físico deste último soldado. Como o nosso Furrel Enfermeiro tinha saído da Companhia, por ter sido castigado, tive de ser eu a confirmar o veredicto do Médico, que me disse que o ia passar para os serviços auxiliares do exército.
Foi então que eu disse, para o médico, que isso era o mesmo que o mandar passar a operacional, obrigando-o a participar em todas as operações que houvessem na Companhia. Ele perguntou-me porquê. E eu expliquei-lhe, que eu tinha sido apurado para os Serviços Auxiliares do Exército, e ali estava a fazer a mesma coisa, que os outros camaradas-de-armas faziam nas operações.
Ele ripostou logo, que não podia ser, e eu disse-lhe para dizer isso ao meu Capitão. Foi o que ele fez e, por esse motivo, nunca mais fui escalado para fazer patrulhas sequer.
De pouco me valeu, pois eu fui para Béli e a restante Companhia para Madina.
Felizmente que Béli só foi atacada 4 vezes (era atacada de 3 em 3 meses), e só numa delas com forte intensidade de tiroteio de armas ligeiras.
Não sei como era o caminho para a fronteira, mas não devia ser bom, pois nunca ouvimos armas pesadas.
Sabíamos que o PAIGC tinha um acampamento muito perto, pois de madrugada víamos o helicóptero deles. Além de silencioso só lhe víamos a luz que ele projectava para o solo onde ia aterrar. Nunca o vimos de dia.
Mas como eles não se metiam connosco, nós também não nos metíamos com eles.
O pior de Béli era a época das chuvas, pois durante esse tempo nenhuma DO lá aterrava e, quando os mantimentos acabavam, tínhamos que “improvisar” alimentos.
Fora disso nem me queixo muito.
Um abraço para todos do,
Armandino Alves
Ex 1º Cabo Enf da CCaç 1589 (1966/68)
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Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4468: Memória dos lugares (28): Beli e Madina do Boé, CCAÇ 1589, 1966/68 (Armandino Alves)