terça-feira, 10 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5249: Estórias avulsas (56): Um tiro que tapou o sol na Ponte Marechal Carmona (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 9 de Novembro de 2009:

Caros camarigos

Pois eu, sobre a ponte Marechal Carmona, a Sul do Xitole, nada sei sobre a sua construção, arquitectura, nem a razão porque o seu tabuleiro central ruiu.

Mas tenho uma história nessa ponte!

Um dia fiz com o meu pelotão um patrulhamento até à dita cuja que, se bem me lembro, até era um passeio agradável e não muito comprido e desgastante.

Lembro-me que a ponte tinha nas suas ruínas os traços de uma bela obra de arquitectura e de estar ali a pensar como seria bom se tivéssemos ainda a ponte para passar para o outro lado, pois abria-nos uma perspectiva diferente, não só centrada em Bambadinca.

Por uma qualquer razão, da qual já não me lembro, um soldado pediu-me para fazer um disparo com a G3, (talvez algum crocodilo, sei lá), e eu perante a tranquilidade do sítio dei o meu consentimento.

Quando o soldado deu o tiro, ouviu-se um barulho ensurdecedor e uma nuvem tapou o Sol, criando ali um momento de tensão até nos apercebermos do que tinha acontecido.

A causa de tal acontecimento era muito simples!

Debaixo do resto do tabuleiro da ponte, do nosso lado, tinham-se levantado milhares de andorinhas, (acho que eram andorinhas), que originaram aquele ruído e aquela nuvem, que nos tinha assustado um pouco, claro que a uns mais do que outros.

Regressámos ao Xitole por onde tínhamos vindo, acho eu, e sem qualquer problema.

Embora houvesse, ao que sabemos, abelhas assassinas na Guiné, aquelas andorinhas eram pacíficas.

Aqui fica uma história sobre a ponte Marechal Carmona, que nada revela sobre a dita cuja, mas que é engraçada e julgo não despertará nenhuma polémica.

Aqui fica o meu abraço camarigo para todos
Joaquim Mexia Alves


2. Declaração de interesse próprio:

Há por aqui alguns camarigos, que respeito inteiramente e sem qualquer ironia, que são muito rigorosos acerca dos locais, das datas, das pessoas, etc.
Quero desde já afirmar que tudo o que escrevo tem uma dose muito grande de incerteza de memória, mas que a meu ver não impede em nada que se escreva e conte o que lembramos, desde que claro, essas incertezas memoriais não colidam com a vida de terceiros ofensiva ou injustamente.
Tenho dito!
JMA

Guiné- Bissau > Região de Bafatá > Sector de Xitole > 10 de Março de 2009 > Vista, da margem direita (lado do Xitole), da antiga Ponte Marechal Carmona, sobre o Rio Corubal, a montante do Xitole (cerca de 5 km a sul). Segundo o Carlos Silva, a ponte terá ficado inacabada por razões de deficiência na concepção ou construção ou então umas ou mais das secções terá ruído, possivelmente na sequência de uma cheia no rio... A vermelho assinala-se o segmento da ponte que caíu ou nunca chegou a ficar concluído, junto à margem esquerda.

Foto: © Carlos Silva (2009). Direitos reservados.

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5185: Convívios (171): Convívio da CART 3492 & Restante pessoal que passou pelo Xitole (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5234: Estórias avulsas (55): O ar assustado de uma prisioneira de guerra (António Tavares)

Guiné 63/74 - P5248: O cruzeiro das nossas vidas (14): Queremos o Uíge (António Dias)

1. Mensagem de António Dias*, ex-Alf Mil da CCAÇ 2406/BCAÇ 2852 (Tigres do Olossato e Saltinho), 1968/70, com data de 8 de Novembro de 2009:

Cumprimento toda a vasta tertúlia.
A grande maioria de nós viajou para as Áfricas de barco.
Durante 2 anos (menos os 2 meses de férias) ouvi os meus camaradas soldados (a sonhar/dormir) - "QUERO O UÍGE"! Em especial nos destacamentos pois era ali que estava mais perto deles naquelas noites tropicais.

Ainda tenho o folheto da "Última Ceia" no Uíge a caminho da Guiné para os que viajaram em 1.ª classe, gostarei de partilhar com aquele pessoal.

O meu companheiro de termas Henrique Matos, alferes que precedeu o Beja Santos, também achou que seria de interesse para o blogue, assim haja espaço.

António Dias,
ex-Alf Mil
Tigres do Olossato e Saltinho
19688/70




Clicar nas imagens para ampliar
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4783: Tabanca Grande (169): António Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 2406/BCAÇ 2852, Olossato e Saltinho (1968/70)

Vd. último poste da série de 15 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3894: O cruzeiro das nossas vidas (13): S.O.S., fogo a bordo do Carvalho Araújo (Luís F. Moreira)

Guiné 63/74 - P5247: Ser solidário (44): A propósito do Dia dos Veteranos em Stoughton - Estados Unidos da América (Alberto Branquinho)

1. Mensagem de Alberto Branquinho (ex-Alferes Miliciano de Operações Especiais da CART 1689 (, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 8 de Novembro de 2009:

A propósito do POST 5222 do José Câmara – “O Dia dos Veteranos” em Stoughton – Estados Unidos da América.

Creio que a cidade de Stoughton, onde o José da Câmara vive e trabalha, é Stougton, Massachussetts.

No final deste texto vou colocar umas questões ao próprio José da Câmara para meu esclarecimento e, também, de quem tiver a pachorra de ler isto tudo.

***

Em (Novembro?) de 1985 (tempo do segundo consulado Reagan) eu estava a viajar pelos EUA ao serviço da empresa em que trabalhava. Durante esses quase quinze dias aconteceu estarmos em Washington durante um Domingo – free time, porque as empresas e os serviços públicos estão fechados.

Passeando nas imediações da Casa Branca, nos jardins públicos das traseiras, vimos, ao longe, um grande ajuntamento de pessoas, de onde provinham gritos e vozes alteadas por megafones. Aproximámo-nos e constatámos que era a Vietnam Parade, que desfilava ao longo da Lincoln Avenue(?). Desfilava lentamente, lentamente.

No momento e no lugar em que estávamos, a cena era a seguinte:

Uma multidão, que aplaudia, enquadrava a Avenida de um lado e do outro. Nela passavam, no momento em que nos aproximámos, muitos homens vestindo partes de farda camuflada, alguns amparados em bengalas, outros empurrando cadeiras-de-rodas, alguns conduzindo as suas próprias cadeiras-de-rodas eléctricas ou manuais, outros como que bêbados ou gaseados cirandavam de um lado para o outro da Avenida, berrando para as pessoas que assistiam, seguindo em frente e voltando atrás; tentavam segurá-los para evitar confronto; havia quem estivesse sentado, absorto, no chão; outros, deitados de barriga, faziam fogo com armas imaginárias contra inimigos inexistentes, levantavam-se e agachados berravam ordens e deitavam-se de novo, a fazer fogo; muitos dos que desfilavam trajavam roupas civis, usando somente boinas de diferentes cores, bivaques verdes ou castanhos, seguindo o seu caminho ordeiramente; havia, também, quem vestisse camuflados puídos e calçasse botas militares quase desfeitas; seguiam, também, variadíssimos grupos trajando roupas idênticas (associações? familiares de falecidos em combate? grupos de ex-militares?), que desfilavam, também, de forma ordeira; alguns seguravam faixas escritas com: “WE NEED JOBS”, “WE ARE ALIVE”, “ASSISTANCE”, etc..

Eram centenas e centenas.

Por de trás da multidão, na zona dos relvados, estavam marines, que observavam em redor.

Ao ver o aspecto sofrido daqueles ex-militares como atrás descrevi, senti uma comoção muito grande e, por mais que tentasse conter-me, desatei a chorar em convulsões. Um dos meus dois colegas (que estivera em Moçambique, embora em guerra santa) compreendeu a situação e afastou-se um pouco, levando o outro consigo. Escondi-me atrás de uma árvore, tentando controlar-me, mas não conseguia. Aproximou-se um marine e agarrou-me pelo braço:

- Come on, man. Come on…. Afastei-o com rispidez.

O choro passou a ser mais suave. Fixei mais uma vez a cena e afastei-me lentamente, continuando a ouvir os megafones: “We need jobs! We need jobs! We are alive! We are alive!”.

***

Ora, ao ler o POST 5222 do José da Câmara, recordei tudo isto.

As imagens da “Vietnam Parade” de Washington, na Capital Federal dos EUA (talvez organizada a nível nacional) nada têm a ver com a “Veterans Day Parade” da cidade de Stoughton, Mass., uma cidade com cerca de 30.000 habitantes.

A gente sabe que cidades desta dimensão, mesmo nos EUA, são província bem provinciana, onde as pessoas estão mais próximas umas das outras, física e sentimentalmente. E isto apesar da grande densidade populacional, pois que, voando de Boston (Massachussetts, também) para Nova York (cerca de uma hora) o casario é contínuo, nunca acaba.

***

Ao lermos o texto da imagem publicada com o POST 5222, da “Town of Stoughton – Department of Veterans Service” / “Veterans Day Parade – Wednesday November 11, 2009”, vemos que dele consta (entre outros aspectos):

- Apelo à ajuda pública a um soldado (lá identificado), que foi gravemente ferido no Iraque;

- Que raparigas irão desfilar vendendo “baked goods” para ajudar esse soldado e a sua família.

Cada um terá a sua própria leitura destes aspectos (ou de outros idênticos), mas terão que ser entendidos à luz da mentalidade local. Alguns, vestindo a nossa própria mentalidade, chamarão a isso esmolas.

O impresso contém, também, informações sobre ajuda e assistência a veteranos e seus familiares, segundo os seus rendimentos e, também, no caso de problemas resultantes do serviço militar.

Sabemos que a perspectiva que as populações das pequenas cidades dos EUA têm do mundo e das coisas é diferente da que encontramos numa grande metrópole e, também na nossa terra, MAS, o que eu quero realçar é a FORÇA DO ASSOCIATIVISMO existente nos EUA. É desse associativismo que resulta a entre-ajuda no meio dos próprios associados (seja qual for a afinidade que têm ou o problema que os une) e a força para a ACÇÃO/PRESSÃO que, assim, podem exercer sobre a governação local.

É aí que está a força da sociedade civil norte-americana.

Recordo-me (já que se fala de veteranos de guerra – expressão de que não gosto por não ser nossa e porque temos a expressão ex-combatentes), recordo-me dos grandes armazéns KORVETS, na 5.ª Avenida, em Manhatan, que mais não eram que o resultado da associação de KOR(ean) VET(era)S.

Por outro lado, a força desse associativismo vai exercer pressão nas municipalities e, através destas, nos governos dos Estados. Chamem-lhe lobby ou outra coisa que queiram, o que interessa é o efeito final.

***

Porque da parte final do anúncio publicado junto ao POST, da autoria do “Department of Veterans Service”, consta o apelo à ajuda dos cidadãos para a constituição de fundos de apoio aos veteranos, termino colocando ao José da Câmara algumas questões que me parecem importantes para o entendimento da realidade (pelo menos em Stoughton):

- A entidade promotora da “Veterans Day Parade” e gestora dos fundos de apoio aos veteranos, ou seja, o “Department of Veterans Service” é:

a) – Um departamento público, que gere os dinheiros públicos e os donativos privados?

b) – Um departamento público que integra representantes dos veteranos na sua gestão?

c) – Um departamento gerido exclusivamente por representantes dos veteranos, apesar de ter, também, dinheiros públicos?

d) – Um departamento gerido exclusivamente por representantes dos veteranos e sem quaisquer dinheiros públicos?

e) – Outra figura de gestão não incluída nas anteriores?

Alberto Branquinho
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5195: Histórias de heroísmo (2): O meu herói de... Bissau (Alberto Branquinho)

Vd. último poste da série de 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5229: Ser solidário (43): A Tabanca de Matosinhos constitui Associação de Apoio e Cooperação ao Desenvolvimento Africano (Editores)

Guiné 63/74 - P5246: Memórias de Jolmete (Manuel Resende) (1): A visita dos Deputados a Jolmete em Julho de 1970

1. Mensagem de Manuel Resende*, ex-Alf Mil da CCaç 2585, BCaç 2884, que esteve em Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, (1969/71), com data de 6 de Novembro de 2009:

Caros amigos Luís Graça e Carlos Vinhal:

Em relação ao Post 5162 e 5176TRÁGICO ACIDENTE AÉREO EM 25 DE JULHO DE 1970, devo acrescentar o seguinte: não sei até que ponto posso ajudar, mas acho que devo mostrar os fotos que ainda guardo da visita dos deputados à Guiné em 1970, para os interessados tentarem descobrir as pessoas que conhecem.

Estive em JOLMETE desde Maio de 1969 até Março de 1971.
Vim de férias em Julho de 1970. Embarquei no 707 da TAP que levou os Deputados para visitarem a Guiné, conforme fotos que mostro abaixo.
No Aeroporto de Bissalanca havia grande agitação. Esperava-se a chegada do avião da TAP com os deputados da metrópole que vinham visitar a Guiné. Tirei algumas fotos, mas como a minha meta era embarcar, não liguei muito a essa visita.

Aguardando a chegada do 707 da TAP

Saída dos passageiros

Sessão de cumprimentos

Chegado a Jolmete, depois das férias, fui informado que os tais deputados tinham ido lá visitar o aquartelamento, e que no regresso, um dos helicópteros tinha caído antes de chegar a Bissau, com um tornado. Como havia fotos da visita tiradas pelo Furriel Rodrigues da minha Companhia, eu adquiri cópias, que são as que mostro a seguir.
Terminada a visita os helis saíram de Jolmete para Teixeira Pinto depois do almoço, para deixarem o pessoal do CAOP. Como não estive lá, não sei quem foi do CAOP, mas pelo menos o Sr. Coronel Alcino, comandante, esteve lá, como se pode ver em quase todas as fotos. Ainda estava próxima a dor pela morte dos Majores e do meu colega Alferes Mosca. Depois seguiram para Bissau, e nessa viagem aconteceu o acidente.

Abre-se a porta e vê-se o Gen Spínola. No banco de trás o Cor Alcino, CMDT do CAOP

Do outro heli saem outras individualidades

Cap Almendra CMDT da CCAÇ 2585 cumprimenta e dá as boas-vindas ao Gen Spínola

Cumprimentos ao Oficial de Dia, Alf Mil Marques Pereira, pelo Ministro Silva Cunha e Gen Spínola. Vemos distanciado, à esquerda, o Cor Alcino

Visita da comitiva à Cozinha. Além de Siva Cunha e Coronel Alcino, vemos dois Furriéis dos helis e dois repórteres

Visita à Capela

Despedidas finais


JOLMETE era um aquartelamento exemplar no mato. O Sr. General Spínola tinha um fraquinho por Jolmete; esta mensagem foi-nos transmitida logo à chegada. Os nossos antecessores, CCaç 2366 comandada pelo Sr. Cap. Barbeites, construíram o quartel de raiz, nós continuamos e aperfeiçoamos. Eles tiveram uma forte actividade militar, nós continuamos e aumentamos, com saídas praticamente diárias, o que nos privou de ataques ou flagelações ao aquartelamento durante toda a comissão. Construímos, entre outras coisas dois abrigos, a vala de defesa em volta do quartel, uma escola e 24 casas para a população civil, graças à nossa equipa de pedreiros, como o Firmino (Régua), o Ramos, o Lima, o Spínola (não confundir com o nosso General), o Risadas e outros que não me recordo os nomes, mas que de seu modo, deram o corpo ao manifesto, erguendo obra que após a independência foi toda destruída.

Manuel Resende junto ao Memorial da CCAÇ 2366 e 2585

Vista aérea do nosso aquartelamento como nos foi entregue pela CCAÇ 2366

Vista aérea do aquartelamento e casas civis como deixamos para a CCAÇ 3306

Grupo de Combate da colher e da gamela

Não sei nada da companhia que nos sucedeu, a 3306. Se alguém souber algo desta Companhia, agradeço que me informe, pois gostaria de saber, pelo menos, o que foi feito do Rádio-receptor de OM e OC, a válvulas e com retransmissor em OM, para que todo o pessoal nas casernas pudesse ouvir a Emissora Nacional a partir das 17/18 horas e não só, que eu deixei para eles. Também fazíamos programas em directo de discos pedidos, com os poucos recursos que tínhamos. O estúdio era montado no quarto do nosso primeiro Vinagre, no edifício do Comando. O locutor principal era o colega Alf Mil Marques Pereira e Alf Mil Godinho, além de outros, como o Furriel Pargana (ilusionista que engolia agulhas), o Furriel Meireles, que cantava o Alfredo Marceneiro, etc.
Por falar nisto, era muito bom que alguém tivesse alguma cassete gravada desses programas e que se dispusesse a emprestar para que, com as tecnologias de hoje, pudessemos todos ouvir neste blog. Resta dizer que este aparelho foi totalmente construído e adaptado para retransmissão por mim. Muitas das peças usadas foram retiradas de rádios apanhadas aos nossos agora amigos da Guiné.

Rádio a válvulas do Curso da Rádio escola

Rádio anterior,mas já adaptado para retransmissão


Olá João Tunes
Lembras-te do Alferes de Jolmete que mexia nos Rádios? Sou eu. Se me quiseres dar a porrada, ainda estás a tempo. Um grande abraço.

Disse atrás que o Sr. General Spínola enchia a boca com Jolmete, e era verdade. Tivemos algumas visitas de estrangeiros e militares de outras zonas que iam lá ver como se trabalhava. Não esqueço uns repórteres do Washington Post que foram fazer uma reportagem filmada, de que tenho fotos, mas que comentarei em outra altura, para não tornar este apontamento muito pesado. Também o Sr. Major do SM António Goulartt Branco, após visita ao aquartelamento no Natal de 1969, fez o seguinte relatório:

Relatório (clicar para ampliar)

Fotos © ex-Alf Mil Manuel Resende e ex-Fur Mil Rodrigues (2009). Direitos reservados.
Legendas: Manuel Resende
Edição das fotos: CV


Um abraço para o Luís Graça e Carlos Vinhal
Manuel Resende
Manuel Resende
Alf Mil
CCaç 2585/BCaç 2884
1969/1971
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4228: Louvores e punições (6): Alf Mil Cav Joaquim J. Palmeiro Mosca, morto a 20/4/1970 no chão manjaco (Manuel Resende)

Guiné 63/74 - P5245: Parabéns a você (40): António Garcia de Matos (ex-Alf Mil Minas e Arm da CCAÇ 2790 - Bula - 1970/72 (Editores)

PARABÉNS
AMIGO & CAMARADA

«««« 61º Aniversário »»»»

António Garcia de Matos (ex-Alf Mil Minas e Arm da CCAÇ 2790 - Bula 1970/72)

1. Transmontano (Vila Real), calcorreou este país fora atrás dos pais, por inerência da profissão do patrono, tendo ficado sentimentalmente ligado a Amarante (instrução primária), à Póvoa de Varzim (o 1º primeiro namorico), ao Porto ( o liceu Alexandre Herculano e o atleta ), a Guimarães (o casamento) e a Lisboa (os filhos e os netos).


Desde cedo ligado a actividades desportivas (atleta de ginástica do Futebol Club do Porto) praticou com algum afinco o judo, o karaté, a natação, o futebol (o de salão na representação, ainda que pouco assídua, na empresa onde trabalhava), o cycling e finalmente o karting.

A este último, ainda hoje lhe dedica muito do seu tempo livre, quer como piloto, quer como organizador de troféus.A sigla da sua companhia de caçadores na Guiné (CÇac 2790) era IHSV (In Hoc Signo Vinces) que transportou para a sua vida desportiva sendo o lema e logotipo do seu troféu kartista actual.

Casado há quase 37 anos com a sua namorada da altura da guerra do ultramar e a quem lhe escrevia quase diariamente um aerograma, tiveram, juntos, 3 filhos dos quais já descenderam outros tantos netos.

Numa situação de pré-reforma, é com este núcleo duro familiar que desfruta dos grandes prazeres da vida.

Emociona-se com as alegrias e os desgostos do mundo e associa a um espírito crítico compulsivo e arrebatador, uma vontade imensa de solidariedade na pessoa de crianças portadoras de deficiência, levando a efeito acções de apoio que minorem os seus sofrimentos.

Bisneto, neto, filho e hoje pai de seres invulgarmente dedicados à coisa cultural e jornalística, tem, na escrita (não cuidada, não trabalhada, não inócua, é certo, despretensiosa, humilde, não seguidista, não alavancadora de favores e/ou bajulações, etc., etc., etc.) um dos seus grandes hobbies.

Dedica-se a causas de alma e coração e assumiu o blogue Luís Graça e Amigos como uma causa!

Vibra com os relatos duma época que viveu com a intensidade com que toda a mocidade o fez igualmente - guerra do ultramar - ainda que a particularidade "Guiné" lhe cause sempre um calafrio acrescido quando o tema é lançado para a mesa.

Tem a este respeito, uma visão própria, vivida, sofrida, e alicerçada na coerência dos seus princípios morais.

Fez a guerra não por convicção, mas uma vez lá, assumiu, como missão prioritária, trazer de volta os homens que lhe coube comandar.

Frustrado esse desígnio, sofreu e sofre na convicção de que aquelas baixas foram em grande parte devidas ao facto de não ter estado presente naquela altura (de baixa no hospital de Bissau), não por demérito dos graduados que comandavam o pelotão naquele fatídico dia mas sim por um conjunto de circunstâncias que impunha como imperativas comportamentais no mato (neste caso numa coluna motorizada) e que não foram observadas.

Não sofre (julga) de stresse pós-traumático da guerra mas tem a noção de ter deixado de ser o homem que se preparava ser há 40 anos atrás.
Para o bem e para o mal...

A 10 de Novembro reunirá fisicamente os seus familiares; juntos cantarão os "Parabéns a Você"; os adultos farão os discursos de circunstância e as crianças farão a algazarra.
Às tantas da madrugada, esticar-se-á no sofá, olhará em volta, assenta mentalmente os locais onde há restos de mousse de chocolate lambuzados pela paredes para no dia seguinte lavar, abrirá as janelas para arejar dos odores e dos fumos de tabaco sorvido pelos fumadores-conspurcantes, espreguiça-se e vai-se deitar a dizer: este já cá está! Venham mais outros 61!

António Garcia de Matos
ex-Alf Mil Minas e Arm da CCAÇ 2790

2. Foi assim nestes prestimosos moldes que, gentil e generosamente, o nosso Camarada Matos respondeu à minha solicitação (a quem deixo aqui os meus melhores agradecimentos), para me ajudar a dizer algo mais sobre ele próprio neste poste, que pretende, à semelhança de outros da mesma série, prestar a nossa singela e justa homenagem a este nosso activo Camarada tertuliano, neste seu 61º aniversário.

3. Vou relembrar a seguir que o António Matos, se juntou à Tabanca Grande, em 1 de Novembro de 2008, através de uma mensagem apresentada no poste "Guiné 63/74 - P3390: Tabanca Grande (95): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula (1970/72)", que deixo à vossa leitura e consideração na íntegra:

É um verdadeiro turbilhão de recordações de imagens...

do embarque em Ponta Delgada no Carvalho Araújo,

da viagem, mares fora, e do cerco do nosso barco por uma miríade ameaçadora de outras embarcações, mar alto, e o aparecimento dum submarino a estibordo, da chegada a Cabo Verde para reabastecimento de água,

da chegada a Bissau,do cais do Pijiguiti,

do calor daquela noite em que desertei do Carvalho Araújo e fui, a bordo dum bote, para um café andar à volta duma ventoinha de tecto e beber cerveja enquanto destilava suor por quantos poros tinha,

da ida para o Cumeré a fim de fazermos o IAO,
de grandes ocasiões (na pequenez do sentimento individual),

de pequenos nadas,

de camaradas precocemente desaparecidos,

de outros a quem a morte poupou ainda que lhes tivesse arrancado partes do seu corpo,

das gentes,

dos locais,

dos mosquitos,
das tabancas,

do mato,

das minas,

dos combates,

das ganas de viver,

das horas da distribuição do correio,

da imagem do avião da TAP a levantar voo quando me encontrava algures entre o Choquemone e Ponta Matar e sonhava com o regresso,

da noite do ataque de mísseis a Bula,

das tempestades tropicais,

da Nave dos Loucos,da aterragem do heli do General Spínola após um ataque ao meu destacamento em Augusto Barros,

do Capitão Sucena,

do Capitão Gertrudes da Silva,

do Batalhão 2928 humoristicamente apelidado de batalhoa devido ao seu conselho de administração constituído por um Coronel e dois Tenentes-Coronéis,

do ataque de abelhas ao quartel de Bula,
da nuvem também de abelhas que sobrevoaram a malta que comigo estava na montagem do campo de minas e de onde uma delas desarvorou em voo picado saindo da sua formação e aterrou dentro da bota do Luís Sampaio Faria que, entretanto, conseguiu resistir à tentação de lhe mandar um soco demolidor mas que traria, com certeza, a vingança do enxame que se mantinha em sonoro e ameaçador voo sobre as nossas cabeças,

do rebentamento de minas ali ao nosso lado e que nos davam a incerteza de termos sido nós próprios os acidentados,

da desmontagem daquelas minas,

de duas ocasiões em que, na neutralização dessas minas, a cavilha de segurança não aguentou o disparo do percutor tendo nós sobrevivido devido ao estado de destruição que o tempo provocou naqueles objectos,

da trágica recordação dos relatos da emboscada sofrida pelo meu grupo de combate na estrada Bula-S.Vicente,
da protecção à Engenharia na construção da estrada Bula-Binar,

e de tantas outras coisas que o tempo não faz esquecer mas que a geração dos nossos filhos (para não falar da dos nossos netos) necessita de ter plena consciência para compreender este discurso das liberdades e o valor que as mesmas têm para quem viveu do outro lado da cortina...

Eu fui Alferes Miliciano.

António Garcia de Matos, Guiné, Setembro de 1970 a Setembro de 1972 na CCaç 2790 que ostentou o lema In Hoc Signo Vinces!

Os sinais dos tempos vão-se notando e as fotos aí estão para nos trazer à realidade!

Aqui vos deixo (em anexo) a evolução implacável, ainda que prazenteira, da imagem deste vosso camarada de armas.

António Matos
Amadora
01NOV2008

O António Matos numa operação de neutralização de uma mina Anti-pessoal colocada pelo IN
Foto: António Matos (2008). Direitos reservados.
Emblemas: Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Guiné 63/74 – P5244: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (20): Patrulha a Santancoto - Quando os homens de camuflado choram...


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos a sua 20ª história, com data de 6 de Novembro de 2009:

Patrulha a Santancoto - Quando os homens de camuflado choram...

5 de Agosto de 1964

Amanhecia.

Uma coluna auto deixara o acampamento às 06h00, comandada pelo Alf. Mendonça dirigindo-se para a estrada de Bigene, que iria percorrer até Santancoto, limite do sector onde dois grupos de combate, chefiados pelo nosso comandante de companhia se lhe reuniriam. Até lá, limparia o itinerário de abalizes enquanto os dois grupos de combate que saíram á mesma hora, mas a pé, em direcção á bolanha de S. João, bateriam as matas entre o Rio Cacheu e a estrada em referência, mantendo em relação á coluna uma distância nunca muito superior a 2 km.

Até ao cruzamento para Guidage a coluna seguiu sem dificuldades, já que o itinerário se encontrava desimpedido. Daí para a frente a progressão tornou-se mais lenta, não só porque se entrava em terreno desconhecido mas também pelos obstáculos que foram surgindo. Um pouco acima de Sansancutoto encontrou-se uma ponte destruída passando-se no entanto o obstáculo com uma relativa facilidade, utilizando umas pranchas que se levavam já para o efeito.

Começou-se a bater a estrada mantendo-se assim uma segurança afastada, á frente, enquanto se foram retirando as primeiras abalizes, uma das quais gigantesca.

Antes de Banhima a mata fechadíssima, que ladeava a estrada, era interrompida por uma bolanha por onde o caminho seguia, sobrelevando-a, durante cerca de uns 300 metros.

Era surpreendentemente bonita esta língua de água, ora negra ora esverdeada, que interrompia a floresta e donde emergiam lindíssimas flores aquáticas de cores delicadas.Embora não nos pudéssemos distrair contemplando as belezas que nos cercavam não podíamos evitar um olhar mais demorado para aquela paisagem maravilhosa que só o cinema até então nos tinha revelado.


Um pensamento acudia ao espírito …«que pena haver terroristas»!

Entretanto a secção que seguia à frente, e que se atolou quase até ao pescoço naquela água lodosa, que vista de perto perdia muito da sua beleza, não seria exactamente da mesma opinião já que os seus homens, quando completamente encharcados puseram pé em terreno mais firme, praguejavam contra a Guiné e todas as suas bolanhas mal cheirosas.

Voltámos a passar entre tufos de vegetação frondosa. Dos galhos e lianas que se entrançavam por cima desciam longos fiapos e raizados inverosímeis. A água da bolanha ia dando a espaços um outro matiz á selva que nos rodeava impondo o negro, o amarelo e o castanho. O capim invadia a estrada que seguíamos e dir-se-ia impossível existir outra vida na selva que nos rodeava que não a de aves e répteis que a todo o momento se nos atravessavam no caminho.

Mas nós sabíamos que não era assim e não descurávamos um momento que fosse a segurança.

Parou-se por momentos para entrar em contacto com os grupos que seguiam apeados.

Ouviram-se rebentamentos ao longe e o matraquear de armas automáticas.

Estabelecida a ligação rádio soube-se não serem da nossa companhia os disparos ouvidos.

Houve ordem para avançar até junto de uma nova ponte. Passou-se a mata e entrou-se num terreno mais aberto onde os abalizes começaram a aparecer com mais frequência, indicio seguro que o inimigo não estava longe.

A coluna voltou a parar já que havia de retirar uma série de 6 abalizes que interrompiam uns 50 metros de estrada. Montou-se a segurança ficando a secção do Furriel Gomes para lá das últimas árvores abatidas, começando-se a retirar essas sem o auxílio do Unimog, já que as árvores abatidas sobre o caminho não eram de grande porte.

Foi exactamente esse facto – a não utilização dos guinchos das viaturas – que nos levou a pressentir um pequeno grupo inimigo que, oriundo dos lados de Santancoto, vinha pela estrada. Apesar de termos sido os primeiros a fazer fogo não fomos suficientemente rápidos para surpreendê-los, pois abrigaram-se com as árvores existentes no local, tentando envolver a coluna, e fazendo até alguns tiros contra as viaturas.

O nosso fogo e o «cantar» de uma metralhadora «Breda», instalada num Unimog, calou bem depressa o inimigo que só esporadicamente disparava algum tiro de pistola.Uma canhangulada inimiga passou perto da capota do jipe das transmissões, que ainda chamuscou, facto que atrapalhou um pouco o radiotelegrafista que lançou um S.O.S desesperado para os dois grupos de combate, que correram cerca de 3 kms julgando que estaríamos cercados.

Quando o nosso capitão Tomé Pinto chegou estava tudo completamente calmo e, na verdade, só a excitação momentânea do radiotelegrafista tinha causado uma situação de alarme injustificado.

Percorridos uns 300 metros, e chegando a um local onde a estrada faz uma curva pronunciada para a direita e desce em direcção a Buborim, avistou-se um numeroso grupo de inimigos a cerca de uns 200 metros. Diminuiu-se a distância que nos separa do inimigo e talvez a uns 60 metros da bolanha e da ponte que precede a tabanca foi dada ordem para fazer fogo de morteiro.

Apesar de recomendado ao soldado do morteiro para ter cuidado com as árvores de grande copa que ladeavam a estrada, o seu excesso de zelo e ardor combativo para cumprir rapidamente a ordem, levou-o a disparar a morteirada com tal precipitação que a granada foi rebentar contra um ramo alto de uma árvore do lado esquerdo, crivando de estilhaços o local onde se encontrava o nosso capitão e alguns soldados.

O estoiro foi medonho e por momentos a poeira levantada e o fumo da explosão não deixava ver nada.Logo se pensou no pior e o Alferes Santos e outros militares entre os quais o Cabo Enf. Martins, que se encontravam mais atrás, acorreram ao local para ver se havia feridos.

O chão, alguns metros em redor, encontrava-se completamente crivado de estilhaços. Encostado ao tronco de uma árvore, com a mão no seu ombro esquerdo, o nosso capitão deixou-se escorregar lentamente para o chão. Um jacto de sangue saía em repuxo do local que comprimia com a mão, sem poder evitar um esgar de dor.

Prontamente socorrido e amparado pelo enfermeiro conseguiu levantar-se e depois de estancada a hemorragia e feito um penso provisório, começou a caminhar em direcção á coluna auto, onde lhe poderia ser feito um tratamento mais eficiente pelo Furriel enfermeiro.

No meio da infelicidade do momento houve a sorte de não haver mais vitimas.Embora combalido o nosso Capitão enquanto caminhava tranquilizava os que o acompanhavam e que se sentiam manifestamente impressionados com o acontecimento.

Prevenido o Furriel Enf. Oliveira, este dirigiu-se ao encontro do ferido que ajudou a transportar até ao Unimog onde estava instalada a «Breda» e no qual, depois de deitado numa maca, lhe foram prestados socorros mais completos. Renovado o penso e depois de avaliar a extensão do ferimento e da sua gravidade, pediu-se um helicóptero para a sua evacuação urgente.

O estilhaço tinha penetrado profundamente e poderia ter lesado algum órgão importante.Organizada a coluna, voltaram-se as viaturas já com todo o pessoal montado, iniciando-se o regresso o mais depressa possível pois o estado do nosso capitão inspirava sérios cuidados.

Recusando-se a tomar sedativos, que lhe aliviariam as dores mas que o tornariam inconsciente, continuou a dar ordens que eram transmitidas pelo Furriel Enfermeiro.

Apenas umas centenas de metros tinham sido percorridos quando, no meio de uma mata fechadíssima, o inimigo emboscado atacou.Um tiro de pistola inicial e depois rajadas de pistola-metralhadora.

As viaturas pararam imediatamente saltando os seus ocupantes que, instalando-se com rapidez na berma da estrada, ripostaram ao fogo inimigo. O 2º grupo de combate, que vinha nas ultimas viaturas, suportou a parte mais violenta da emboscada, sentindo algumas dificuldades quando, já com a coluna em andamento, se levantou do local onde se tinha instalado.

Por duas vezes o Alferes Santos, que deve ter sido referenciado pelo inimigo (por ter dado ordens em voz alta) foi particularmente visado, passando uma rajada de pistola-metralhadora bem perto da sua cabeça. De salientar no momento, a calma e sangue frio do nosso Capitão que foi sempre transmitindo ordens, insistindo pelo afastamento da coluna o mais rapidamente possível da zona de morte da emboscada.

Todo o pessoal, apesar de inquieto e um pouco desmoralizado com o estado do nosso comandante de companhia portou-se valentemente saindo da «zona de morte» com decisão e coragem.

Passada a bolanha de Banhima, os grupos de combate passaram a bater as zonas mais fechadas, abrindo caminho para a coluna auto.

Com frequência, soldados abeiravam-se do Unimog onde seguia o nosso Capitão perguntando pelo seu estado, não conseguindo ocultar uma lágrima teimosa, que descia pelos seus rostos sujos de terra e suor. Cerca do meio-dia, quando seguíamos na região de Sansancutoto, surgiu dos lados de Binta o helicóptero pedido para a evacuação do nosso capitão que, já há cerca de duas horas ferido, começava a sentir-se enfraquecido e com dores que os solavancos da viatura tinham aumentado.

Aqueles homens de camuflado, que já tinham vivido e ultrapassado algumas provações bem duras, choravam agora como crianças despedindo-se do seu Capitão.Não menos comovido este deixava correr livremente pelo seu rosto, marcado pelo sofrimento, lágrimas de que um homem não se envergonha.

Todos queriam pegar na maca para o transportar; um despia o casaco camuflado para lhe aconchegar melhor a cabeça na maca; outro dava-lhe o seu concentrado de frutos da ração de combate para comer pelo caminho; outro ainda quase que o obrigava a beber água do seu cantil.

Todos lhe queriam tocar, apertar a mão, desejar-lhe as melhoras para que voltasse depressa.


Será difícil para um mortal comum, cujas emoções fortes nunca passaram para além da discussão com um polícia por causa do estacionamento do carro ou de um momento mais emotivo de um desafio de futebol, avaliar o que se sente num momento destes, quando se vê sofrer um homem, que além de chefe de excepção é um amigo, a quem se quer como a um pai, e pelo qual todos nós daríamos um pedaço da nossa vida, um pouco do nosso sangue.

Lentamente o helicóptero elevou-se no ar e vimos da maca um último adeus do nosso Capitão.

Com as mãos sujas do óleo da arma, da terra e do suor, aqueles homens de camuflado, de máscaras tensas e fatigados, limparam as lágrimas que não tinham conseguido suster e aperraram de novo as G3 prontos a seguir pois Binta ainda estava longe.

E todos desejavam com uma raiva surda que o inimigo se voltasse a manifestar.

Uma hora depois chegávamos ao estacionamento.

Tinha sido bem comprido aquele dia 5 de Agosto de 1964.


Quarenta e alguns anos depois... Memória de orfandade...

Para quem viveu a patrulha de Santancoto de 5 de Agosto de 1964 a imagem dos homens de camuflado a chorar... ficou para toda a vida.

Cada qual à sua maneira viveu e recordará as horas dramáticas de ter o Comandante de Companhia ferido e ser emboscado no meio de uma mata fechadíssima.

Passei a maior parte desses compridos minutos junto do capitão por «dever de ofício». Era o Furriel Enfermeiro.

A esta distância no tempo consigo brincar um pouco com a situação. O meu Capitão não era um doente fácil pois...recusava-se a tomar sedativos que lhe aliviariam as dores... sendo certo que eu, na altura, não lhe conseguia arranjar nem sossego nem tranquilidade...

O barulho era ensurdecedor e o doente continuava (felizmente) a dar ordens e... não parava de comandar.
Refere-se no «Diário da 675» que «... continuou a dar ordens que eram transmitidas pelo Furriel Enfermeiro... insistindo pelo afastamento da coluna o mais rapidamente possível da zona de morte da emboscada...»

«...Com frequência, soldados abeiravam-se do Unimog onde seguia o nosso Capitão perguntando pelo seu estado, não conseguindo ocultar uma lágrima teimosa que descia pelos seus rostos sujos de terra e suor.»

Vinte nove anos depois destes acontecimentos tive a felicidade de estar numa homenagem ao General Tomé Pinto na terra da sua naturalidade.

Se a memória não me falha... em 4 de Abril de 1993 o Cine-teatro de Torre de Moncorvo rebentava pelas costuras.
Eu era um dos oradores inscritos.

Falaram ex-militares de outras Companhias, que tinha servido sob as suas ordens.

Quando subi ao palco para falar em nome da «675» o «Capitão de Binta» sabia que... eu ia falar da Patrulha de Santancoto.

Foi um momento de grande cumplicidade e, no que me diz respeito, de grande emoção. Quando não me deu um enfarte dessa vez...

Quando no final o General Tomé Pinto agradeceu, leu um longo discurso, que previamente tinha preparado, para não correr o risco de esquecer alguém.

Quando chegou à vez da «675» já lá estava escrito tudo que tinha acontecido nos minutos anteriores...

Dava a ideia que tinha feito o discurso de agradecimento naquele mesmo momento!

Também importa recordar que aqueles momentos vividos em 5 de Agosto de 1964, em cima da viatura da «Breda», nos aproximaram para toda a vida...

Era um mau doente mas... um grande Comandante.

Transmontano, com tudo o que isso quer dizer: valente,

determinado... "antes quebrar que torcer"!

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675

Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: