terça-feira, 7 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6945: Notas de leitura (145): Liberdade ou Evasão, de António Lobato (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Agosto de 2010:

Queridos amigos,


Há páginas muito curiosas neste testemunho do Major Lobato. Pena é que não tenhamos o seu relato mais detalhado da Guiné, entre 1961 e 1963. Dá que pensar o que era a implantação do PAIGC no Sul, logo em Maio de 1963. E sente-se o amadurecimento de um resistente numa prisão tenebrosa, num estatuto infame de criminosos de guerra.


Um abraço do
Mário


Major António Lobato, o mais longo cativeiro da guerra colonial

Beja Santos

Alistou-se na Força Aérea como voluntário, em 1957. Embarcou para a Guiné, em 1961. Em 1963, em consequência de uma colisão entre dois aviões, depois de uma operação na ilha do Como, foi feito prisioneiro pelos guerrilheiros do PAIGC. Começava um longo cativeiro que só iria terminar com a operação Mar Verde, em finais de 1970.

O seu relato intitula-se “Liberdade ou Evasão” (Editora Ausência, 2001). É um documento de real importância: fica-se a saber a implantação do PAIGC no sul da Guiné, logo no primeiro ano da luta armada, a sua mobilidade até à República da Guiné; as ambiguidades de ser prisioneiro de guerra e de viver em silêncio, sem poder comunicar com a família e com o país; temos acesso a conversas com dirigentes do PAIGC e o que deles pensa o prisioneiro; acima de tudo, o testemunho da tragédia do isolamento, o modo como se procura ultrapassar o abismo de viver rodeado de outros camaradas, num cocktail com presos do regime de Sékou Touré.

A despeito de diferentes contradições (como aquela de estar plenamente informado sobre a ditadura de Sékou Touré quando é enclausurado na Maison de Force de Kindia com o rótulo de criminoso de guerra, ele, sargento Lobato, que dizia nada saber de política) é um documento que de longe regista as múltiplas dores e sofrimentos de estar preso em terra alheia, sem nunca vacilar diante das propostas de desertar ou mancomunar-se com o inimigo. É um relato por vezes minucioso, confessional, dá pormenores relevantes sobre a vida em campo de concentração.

Vejamos o que diz do seu encontro com Nino Vieira, pouco depois da sua captura na região de Tombali:


“Sentado no tronco seco de uma velha árvore, o jovem chefe guerrilheiro, vestido de kaki verde-escuro, pés nus e espartilhados por sandálias de plástico, braços ornamentados com grossos anéis de madeira e couro, um pedaço de corno pendurado ao pescoço por uma tira de cabedal, mais parece a estátua inerte de um deus negro expulso do Olimpo, de que o temível turra a quem todos obedecem, porque é “imune às balas do tuga”. 

Metido numa prisão em Boké, manifesta o nojo pela degradação a que sujeitam o ser humano:

 “A luz que a grade filtra é agora um pouco mais intensa do que ontem, à minha chegada. Sento-me na cadeira-cama em que dormi e fico a olhar a parede em frente, a menos de meio metro do meu nariz… Não tem qualquer cor definida, está cheia de nódoas indecifráveis, de sulcos cavados no reboco, de matéria que sobre ela deve ter sido projectada, que aderiu à superfície e solidificou com o tempo: sangue?… escarros?… fezes?… É uma parede suja, muito suja, uma daquelas paredes de calabouço que só conhecemos através da imaginação dos romancistas”.


Começam os interrogatórios, é perguntado sobre o regime político em Portugal, o que é uma república unitária e corporativa, o que é que ele pensa sobre a guerra colonial. Depois encontra Otto, um cabo-verdiano, ex-radiotelegrafista da Aeronáutica Civil que trabalhou com ele no aeroporto de Bissau. Otto leva-o até junto de guineenses que se juntaram ao PAIGC. E escreve, sentenciador:

“Os pobres guineo-portugueses fitam-me com um ténue sorriso nos lábios gretados pelo calor e pela subnutrição e naqueles olhos esbugalhados pela surpresa, lê-se a esperança longínqua de um regresso à terra-mãe, ao doce chicote do colonizador que durante quinhentos anos lhes garantiu a banca fresca, pão, água e alguma aprendizagem técnica, científica e cultural”. 

Transferido para Conacri, é de novo interrogado: a guerra que Salazar faz em África é justa? O que sabe sobre as prisões políticas em Portugal, explique-nos a organização da PIDE, o que pensa da conferência da Adis-Abeba, quer trabalhar com o general Humberto Delgado? Nega a responder, recusa colaborar, vai direitinho para a Maison de Force de Kindia. Assim se inicia a longa etapa da sobrevivência, é um prisioneiro posto à disposição não se sabe bem de quem e como. Vai sofrer estados de revolta, sentir as entranhas corroídas pela angústia.

Um homem da Guiana, ali preso por roubo, oferece-se para mandar uma mensagem até à família. É tocante o que escreve, a revelação dos seus sentimentos. Temos depois um dos pontos mais altos do seu relato, a descrição da vida do Forte, a situação dos degredados, os seus gritos, a observação que faz para ver se pode fugir, a luta contra os percevejos, os exercícios de ginástica. Começa a receber encomendas por via da Cruz Vermelha, recebe as visitas de Amílcar Cabral, inabalável, recusa colaborar. Depois tenta fugir. É interessante comparar a sua descrição com aquela que fez o alferes Rosa, e que já aqui publicámos no blogue. Ajuíza positivamente o comportamento de dirigentes do PAIGC como Fidelis Cabral, Aristides Pereira ou Joseph Turpin dizendo que são homens bons, moderados e sensatos.

Até que chegamos a 22 de Novembro de 1970, a operação Mar Verde. Refere o seu encontro com o capitão tenente Alpoim Calvão e a partida de Conacri. E, por fim, as peripécias da chegada a Portugal e a sua amargura quanto a atitudes e comportamentos de oficiais da Força Aérea, que o desiludem. Termina o seu relato citando Emanuel Mounier: “Falta uma dimensão ao homem que não conheceu a prisão”.

Chegara a hora de recomeçar a vida, vencida estava a duríssima etapa de sobrevivência, anos e anos a viver à beira do desespero (*).

Este livro passa a pertencer à biblioteca do blogue.
__________

Notas de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6941: Notas de leitura (144): Amílcar Cabral Documentário (Mário Beja Santos)

(*) Relacionado com este poste,  vd. 27 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3246: Simpósio Internacional de Guileje: Joseph Turpin, um histórico do PAIGC, saúda António Lobato, ex-prisioneiro (Luís Graça)

(...) Depoimento gravado por Luís Graça, em Bissau, no Hotel no dia 7 de Março, por voltas 13h11, no último dia do encerramento do Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008). As condições de luz eram más e a máquina era uma digital, de fotografia e não de vídeo.

Joseph Turpin era um dos históricos do PAIGC, juntamente com Carmen Pereira e Carlos Correio, que estiveram presentes no Simpósio. Pediu-me para mandar uma mensagem para o António Lobato, o antigo sargento piloto aviador portuguesa, cujo T 6 foi abatido em 1963, na Ilha do Como .

Feito prisioneiro pelo PAIGC, o Lobato foi levado para Conacri, onde permaneceu sete longos anos de cativeiro, até à libertação em 22 de Novembro de 1970, no decurso da Op Mar Verde. "Ó Lobato, depois da tempestade, depois de tantos anos, não sei se te vais lembrar de mim..." - são as primeiras palavras deste representant do PAIGC, na altura a viver em Conacri, sendo então membro do Conselho Superior da Luta.

Neste curto vídeo, o Turpin recorda os momentos em que, por diversas vezes, visitou o nosso camarada na prisão. Não esconde que foram momentos difíceis, para ambos, mas ao mesmo tempo emocionantes: dois inimigos que revelaram o melhor da nossa humanidade... "Eu compreendia, estavas desmoralizado...Havia animosidade"... Joseph Turpin agradece ao Lobato as palavras de apreço com ele se referiu à sua pessoa, ao evocar há tempos, em entrevista à rádio, a sua experiência de cativeiro. Agradece o exemplar do livro que o Lobato lhe mandou e que ele leu, com interesse. Diz que ficou sensibilizado com as palavras e o gesto do Lobato. "Mas tudo isso hoje faz parte da história...Seria bom que viesses a Bissau" - são as últimas palavras, deste homem afável, dirigidas ao seu antigo prisioneiro português que ele trata por camarada...(...)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6944: Contraponto (Alberto Branquinho) (14): Discorrendo sobre a(s) água(s) na Guiné

1. Alberto Branquihno (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), em mensagem datada de 2 de Setembro de 2010, discorre sobre o excesso e/ou falta de água na Guiné do nosso tempo.


CONTRAPONTO (14)

DISCORRENDO SOBRE AS “ÁGUAS” NA GUINÉ

Quem leia o título pensará que vou discorrer sobre água. Não, não se trata de escrever somente sobre o composto H2O.

Trata-se de alinhavar umas recordações sobre “águas” na Guiné e sobre as diversas situações, circunstâncias e formas em que a “água” se apresentava para satisfazer as necessidades orgânicas dos combatentes (e de outros militares) ou para dificultar a sua vida. E quando escrevo “combatentes” não estou a referir-me aos muitos militares que dizem ter estado “no mato”, porque estão convencidos (ou querem convencer quem não tenha tido conhecimento da realidade) que viveram as circunstâncias e as realidades da guerra. Apesar disso, dissertam sobre a experiência da “guerra”, tendo estado somente dentro de aquartelamento(s) no interior da Guiné (com melhores ou piores condições). Mas nunca dele saíram para fins operacionais, usando as suas próprias pernas para se locomoverem. Dormiram todas as noites nas suas camas, sofrendo (talvez) algum ataque ao quartel, abrigados em trincheiras ou em abrigos de cimento, sem riscos de maior.

Ora o tema deste discurso – AS ÁGUAS – é matéria que esteve presente no dia-a-dia do efectivo combatente, embora o “combatente dentro de portas” tenha conhecido algumas dessas “águas” (as mais agradáveis). O “combatente dentro de portas” não sofreu a “sede” e a “água fora de portas”, como abaixo vão referidas.

Quando havia poço de água (propriamente dita) dentro de portas era feita a recolha e distribuição da mesma pelos depósitos do quartel (bidões habitualmente). Mas quando o poço de água era fora de portas, o “carro de água” era acompanhado/protegido na ida e no regresso por combatentes, que o enquadravam, em coluna apeada.

Este discurso terá quatro capítulos, a saber:

I – Introdução (da qual o texto acima faz, também, parte);
II – As águas dentro dos aquartelamentos;
III – A água propriamente dita, fora dos aquartelamentos;
IV – Efeitos das águas na saúde dos militares (combatentes ou não).

O evoluir deste trabalho fará (espero) aflorar recordações que estarão no sótão ou na cave da memória.
Ele destina-se, principalmente, a informar os leigos que o lerem acerca das realidades hídricas que os combatentes (e, em alguns casos, os outros militares) deparavam no seu quotidiano.

Esta ideia surgiu ao autor no dia em que lhe faltou a água na torneira. A EPAL foi, portanto, a inspiradora. Obrigado, EPAL.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) >  A cambança de uma lala ou bolanha... no decurso de uma operação.

Foto: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


I – INTRODUÇÃO

Em primeiro lugar dá-se aqui como reproduzido o texto inicial, que é, claramente, o pai (ou a mãe) desta Introdução. O que a seguir vai escrito é, portanto, uma ejaculação consequente do texto inicial e… introdutório.

Importa dizer que muitos camaradas foram depositados na Guiné num quartel ou espaço afim e aí permaneceram (incluindo os arredores do mesmo) durante os dois anos de tempo de Guiné. Quem tenha estado assim todo o tempo e numa zona situada mais para norte, não terá consciência que no sul mais a sul dessa linha a água e a terra não estavam devidamente separadas (agravado na época das chuvas). Aí Deus, ao tempo da criação do Mundo, esqueceu-se de separar a terra das águas.

As terras a norte, onde se encontra paisagem tipicamente de savana, mesmo na época das chuvas, não se assemelham às terras do sul mais a sul, nomeadamente no que respeita às dificuldades de progressão no terreno. Nesse sul, os rios grandes, rios médios, rios pequenos, riozinhos, braços de rio, braços de mar, lodo, lodo, lodo e mais lodo e água-lodo cercavam povoações e aquartelamentos.

Os rios, devido à baixíssima altitude do terreno, divertem-se a ziguezaguear, assim como em dança africana, em que cada curva e contracurva quase tocam a curva e contracurva anteriores, criando pequenas e grandes penínsulas lodosas, com vegetação variada e exuberante. Há, também, as grandes poças de água, lodosas (chamadas “bolanhas”) que, vistas do ar, são muito agradáveis de ver. Mas quem tem (tinha) que caminhar por lá não via essa beleza e o cheiro a maresia podre permanecia no camuflado, nas meias e nas botas.

Outro aspecto é a salinidade da água. Mesmo quando a água dos rios se apresenta límpida (o que é pouco comum, porque é, habitualmente, escura e lodosa) o grau de salinidade era tal que, se um soldado “periquito” incauto e sedento a bebesse, sofria um choque que nunca mais esqueceria. À sede, assim agravada, sobrevinha um desespero incontrolado.

A minha Companhia só encontrou rio de água doce mais de um ano depois de ter chegado à Guiné – no Rio Balana, junto a Gandembel, durante a construção deste aquartelamento (Operação Bola de Fogo). Mais ou menos a dez quilómetros a sul de Aldeia Formosa (Quebo).

Por outro lado, quem tenha estado todo o tempo nessas terras mais a sul, não conheceu rios de água doce, que só podem ser encontrados a norte, onde o terreno pode apresentar-se com altitudes de... dez/quinze metros. Ora, nestas circunstâncias, as marés, mesmo as mais vivas (e inteligentes...) não conseguem subir tão alto e, portanto, a água é doce (ou, mais propriamente, não salgada). Na época das chuvas esses pequenos rios têm, como é óbvio, um caudal apreciável.


II – AS “ÁGUAS” DENTRO DOS AQUARTELAMENTOS

A água, dentro dos aquartelamentos, era absorvida pelos militares (combatentes incluídos) sob as seguintes formas:

a) Sob a forma de água propriamente dita;
b) Sob a forma de cerveja (a forma mais apreciada e consumida);
c) Sob a forma de “coca-cola” (proibida na “Metrópole”, mas tolerada pelas autoridades locais);
d) Sob a forma de “7upe”(assim mesmo pronunciado, dada a falta de inglês na formação militar e que não existia na “Metrópole”);
e) Sob a forma de dois ou três refrigerantes;
f) Sob a forma “Água de Castelo”, misturada com bebida alcoólica);
g) Sob a forma de “Pérrier” (água francesa de aparecimento misterioso, só explicável pele francofonia envolvente); era consumida misturada com bebida alcoólica ou simples, quando havia necessidade de arrotar;
h) Sob a forma de “água tónica”, também acompanhada da componente alcoólica;
i) Sob a forma de vinho, que chegava em garrafões de tamanho considerável e difíceis de esvaziar; não era uma forma muito habitual de repor os níveis de H2O no organismo; por outro lado, constava que, devido à adição de uma substância química, em vez de matar a sede, matava a fome de outra coisa...

E, parece que é tudo. Caso falte aqui a referência a alguma espécie de “água” que suprisse as necessidades orgânicas de água, faça o favor de a acrescentar à lista.

Falando de água propriamente dita, ela era recolhida de poços pelas chamadas “viaturas da água”, que tinham na carroçaria todos os bidões (sim, os de gasolina) permitidos pela volumetria da caixa. Todos os dias (e, por vezes, mais que uma vez) essas viaturas iam a esses poços e, através de bombas manuais ou moto-bombas, aspergiam a água, enchendo os bidões. No quartel, a água era passada para os bidões de reserva existentes junto às cozinhas, para bidões colocados em cima de tábuas horizontais sustentadas por tábuas verticais. Eram os... chuveiros. Onde os havia, porque muitas vezes o pessoal lavava-se (quando se podia lavar... ou devido à falta de água ou ao excesso de “fogachal”) baldeando a água para cima dos corpos com vasilhame mais ou menos adequado. Esses “chuveiros” eram, habitualmente, accionados por dois cordéis – um abria a água e o outro fechava. Quem demorasse mais que xis minutos no chuveiro quase era fuzilado.

Em certas situações não se podia usar moto-bomba na recolha da água, porque, quando o motor começava a trabalhar, havia do “outro lado” alguém que, ouvindo o barulho do motor, enviava para o local, a título de reciprocidade ou cumprimento, umas granadas de morteiro. E, claro, como quando acontece com os protestos do vizinho de baixo, desligava-se a moto-bomba e o pessoal espalmava-se no chão assim como peixe escalado. Algum tempo depois recomeçava a recolha de forma manual.

Já me perguntaram porque é que “os gajos” não envenenavam a água. Respondo que nunca lhes perguntei, mas acho que era porque “eles” tanto bebiam a água a montante como a jusante, porque andavam sempre em passeios.

Muita gente morreu nas “saídas” para ir recolher água, caindo em emboscadas. Quando digo isto a alguém que quer saber “coisas” sobre esses tempos, ficam a olhar-me com ar entre o incrédulo e espantado. Aí, remato:
- Não havia água canalizada…

A terminar, há que dizer, quanto às várias formas de água acima referidas, que:

(i) Água (propriamente dita) era, mais ou menos, como ficou dito acima;
(ii) Sob a forma constituinte de cerveja, lá ia aparecendo, quase nunca faltando;
(iii) Sob a forma de “coca-cola”, e “7upe”, era um luxo (nem sempre havia em muitos quartéis);
(iv) Sob a forma de “Água Castelo” ou “Pérrier”, abundava nas messes das sedes de Batalhão (no “mato”);
(v) Vinho, havia em muitíssimos garrafões nos depósitos, arrumados em pilhas.

Parece que está tudo dito. No entanto, se alguém desejar colmatar alguma lacuna, faça o favor de entrar.





Guiné > Zona Leste > Sector L1 > CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) > Destacamento do Rio Udunduma > 3º Grupo de Combate da CCAÇ 12, no "refeitório": Na foto reconheço, à esquerda, o 1º Cabo Carlos Alberto Alves Galvão (o homem que foi ferido duas vezes na mesma operação, vivendo hoje na Covilhã) e o Alf Mil Abel Maria Rodrigues, transmontano de Miranda do Douro; à direita o o Fur Mil At  Inf Arlindo T. Roda (natural de Pousos, Leiria; residente hoje em Setúbal) ...  Lembro-me da cara (mas não recordo o nome) do camarada  (sold condutor auto ?) que guarda o recipiente que continha a famosa "água de Lisboa" (segundo os africanos; para nós, era simplesmente  "água do Poço do Bispo" ou "vinho a martelo") ...

O famoso garrafão de vinho da Intendência era uma versão superior (10 litros ?) do nosso alegre e saudoso "palhinhas" dos piqueniques do tempo dos nossos pais e avós... O vidro era revestido, não a verga, mas a tiras de madeira, de modo a protegê-lo das muitas andanças e cambanças, voltas e baldrocas que tinha de fazer desde o produtor ao consumidor final...

O produtor era o o mixordeiro do Poço do Bispo (que da água do Tejo fazia vinho "pró preto"...); o consumidor final era o pobre Zé Soldado que, segundo o regulamento, tinha direito a uma caneca  por refeição dessa mistura hidro-alcoólica que chegava, quando chegava, às margens dos rios da Guiné, como o Udunduma (afluente do Geba), um dos muitos miseráveis e solitários destacamentos das NT... (LG)

Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010) & Blogue Luis Graca  e Camaradas da Guine. Todos os direitos reservados.
 
 
 
III – A ÁGUA FORA DOS AQUARTELAMENTOS

a) A progressão no terreno

Fora dos aquartelamentos, para além da necessidade de repor os desejáveis níveis de água no corpo, aquilo que um homem mais recorda daqueles tempos são as dificuldades de movimentação no terreno durante as operações ou as colunas auto. Terreno? Nessas terras mais a sul poderia falar-se em terreno, principalmente durante a época das chuvas? Era lodo, lodo, lodo, lama e água-lodo. A falar das águas (e dos lodos) convém não esquecer que aqueles rios do sul mais sul da Guiné, porque a altitude do solo está quase ao nível do mar, invadem a terra/lodo em cada maré-cheia. Na baixa-mar deixam à vista as grandes margens lodosas que os enquadram. Qualquer riacho, braço de rio ou braço de mar exibe a sua moldura lodosa de muitos metros, na margem esquerda e na margem direita. Aí um homem atasca-se, com risco, em alguns casos, de ser engolido. Certo foi que, devido ao esforço de tentar levantar cada pé para tentar avançar ou fugir dali, esse esforço continuado foi a causa de, com o decorrer do tempo, rebentarem hérnias inguinais. Surgiam, também, fungos e micoses entre os dedos dos pés e nas virilhas.

É impossível atravessar a pé o mais pequeno braço de água na maré-cheia, arriscado durante o encher da maré e, principalmente, durante o vazar, porque o risco de ser arrastado é grande. Em certas zonas há que esperar a baixa-mar total e aproveitar zonas mais baixas de lodo ou troncos de árvores caídos para atingir o centro da linha de água e caminhar ao longo dele (que não tem lodo ou tem pouco) até descobrir outro espaço que permita passar para a outra margem. Esta manobra é chamada CAMBANÇA. A mesma designação é, também, usada para o atravessamento de um braço de água, feito em canoa.

Muitas vezes o atravessamento de rios (com centenas de metros de largo) era efectuado, por razões de sigilo operacional, durante a noite e a canoa ia engolindo água pela borda esquerda e pela direita, à medida que avançava. Era um susto contínuo. Nem sempre uma canoa... “é uma passagem para a outra margem”.

Imagine-se o cuidado a ter no planeamento de operações, de modo a que o acesso a uma determinada zona fosse ser feito, por cambança, em maré baixa e o regresso (depois da “fogachada” habitual) também em maré baixa, no mesmo dia ou dias depois para evitar que a tropa ficasse encurralada entre “os gajos” e a água em maré alta.

Também as zonas baixas (alagadas e lodosas – “bolanhas”), cobertas de vegetação rasante à água, eram perigosas de ser atravessadas devido à exposição ao fogo inimigo colocado na orla das matas circundantes e porque a água ficava, pelo menos, à altura da cintura ou do meio do peito de um homem médio. Quando surgiam “baixios” ou a água tinha níveis superiores, havia que retirar a arma aos mais pequenos e levantá-los pela gola do “bibe” para evitar que engolissem água. Água que, além de salgada, era lodosa e insalubre.

Como se vê, os homens colocavam o “chispe de molho” logo ao sair do quartel e só o podiam secar no quartel, depois do regresso, que podia ser na noite desse dia, no dia seguinte ou dias depois. Tudo isto na época das chuvas ou imediatamente a seguir.
Depois ia baixando o nível das águas, mas ela (a água) continuava sempre presente.

Convirá dizer que havia algumas situações preocupantes nas circunstâncias descritas – progressão de noite (mesmo com luar), debaixo de chuva intensa, em caso de emboscada ou flagelação à distância.


b) A chuva

No fim da época seca a chuva anunciava-se com pequenas nuvens no horizonte. A seguir vinham as trovoadas semelhantes a rebentamentos de morteiro, consecutivos. Ventos e as primeiras chuvas.
Começava a formação das lamas nos quartéis, que durariam meses, enlameando tudo e todos e então:

(i)  surgiam, como por encanto, milhares de formigas de asa, que, depois de um voo efémero que as salvava de afogamento, se atravessavam à frente dos rostos, chocavam com as pessoas, com os objectos e a construções, em voo irregular, caindo de seguida por terem perdido as asas. Deixavam tapetes e tapetes de asas que, ou se amontoavam nos cantos ou andavam em redemoinhos provocados pelo vento, que acabava por empurrá-las para longe. As que ficavam tinham que ser apanhadas à pá, molhadas pela chuva ou permaneciam durante vários dias;

(ii) quando a chuva já continuava, verificava-se a “aparição” de centenas de rãs e sapos (e outros exemplares afins) que ocupavam todo o espaço enlameado, procurando abrigo em qualquer canto, com os seus saltos contínuos e nada elegantes, invadindo até os espaços habitados; mas o momento mais desagradável era à noite, porque tornavam impossível o sono com o coaxar ininterrupto, com vozes de tenor, barítono, contralto…

No que respeita à actividade operacional, a chuva, que, por vezes, caía em cortinas de água, dificultava o contacto (visual) entre os homens e os que os antecediam, quebrando, assim, a coluna, impossibilitando a progressão e causando o risco de serem confundidos amigos com inimigos. Imaginem como seria, então, em progressões nocturnas.

Apesar de a chuva ter uma temperatura idêntica à da nossa chuva de Verão, no meio da mata sentia-se como fria e quando era necessário parar, evitava-se até agachar por ser desagradável sentir o camuflado molhado totalmente colado às costas, o que poderá parecer estranho para quem tenha frequentado os Rangers durante o Inverno de Lamego. Mas quando se tratava de salvar a pele…

Caminhando debaixo daquela chuva persistente (que se mantém durante os meses dessa estação), havia um pingo de água irritante. Baloiçava da esquerda para a direita e da direita para a esquerda (Não estou a falar de políticos…), à frente do nariz de um homem, obrigando-o a sacudir, repetidamente, a cabeça, para o fazer cair no chão. Mas logo outro surgia, ocupando o lugar do expulso. Nova sacudidela… e assim sucessivamente. Não, não era o pingo do nariz. Era o pingo na pala do quico, que passeava de barlavento para sotavento e de sotavento para barlavento, num movimento sem fim e irritante. Solução – passar a pala para trás da cabeça, até porque não iria haver sol durante muitos meses.

Já me perguntaram se debaixo daquela chuva tropical, as armas encharcavam ou se a pólvora encharcava. Não, isso não acontecia, porque os canos das armas eram virados para baixo e graças à Fábrica de Braço de Prata.

Muitos pormenores poderia escrever sobre a água, as chuvas durante a “ época das chuvas”, mas o sentimento que mais me apetece transmitir a quem não viveu essas situações (ou mesmo a quem as viveu) – ao andar pelos terrenos alagados, bolanhas, debaixo daquelas chuvas que nunca mais paravam, sempre dentro de água – é que nunca na minha vida desejei tanto ser peixe…


c) - A sede

A matéria deste texto é, exactamente, a antítese do que trata o texto imediatamente anterior.

Cada homem tinha distribuído um cantil. Teria uma capacidade de, mais ou menos, um litro. Mesmo durante as operações de um só dia havia que saber doseá-lo. No caso de operações de dois, três, quatro dias TALVEZ em algum momento pudesse haver reabastecimento. As instruções eram para chegar o cantil aos lábios, assim como quem beija. Mas a tropa nova esgotava-o em dois actos.

A sede (sede, sede, sede, sede…) era uma coisa horrível. Na época seca, claro.
- Eh pá, dá-me uma pinga de água.

A palavra ÁGUA (água, água, água…) era equivalente a ouro. A palavra era pronunciada, pensada com a cabeça tonta de sol e sede. Era qualquer coisa de divinal, longínqua. Além disso, havia uma música de sons graves, muito graves e repetitivos na cabeça dos homens. E soava como se ecoasse num espaço cavo, oco e profundo.

Um caso conheci em que o soldado urinou no cantil e bebeu a própria urina. O que mais doía era ouvir feridos e moribundos pedir água, por vezes já com o soro a correr nas veias.

Devido à absoluta necessidade, chegámos a beber de poças de água que tinham excrementos de animais lá dentro e que, portanto, também dela tinham bebido. No caso de excrementos de vaca era duplamente perigoso – pelo facto de a bebermos e porque, se havia vacas, havia população, o que, em terreno longe dos quartéis, significava a presença próxima de guerrilheiros. Enquanto uns bebiam, outros montavam segurança, alternando-se depois. Tal como acontecia junto de rios de água doce, para beber e para encher cantis.


d) – O macaréu

Atrás foi já dito que as marés afectavam os rios e o território da Guiné muitos quilómetros para além da foz dos rios. Ora, no tempo das marés vivas, a massa de água que sobe o rio pode ser tal que a primeira onda de maré e as primeiras a seguir (em movimento contra as águas descendentes), tenham uma força e altura tais que podem perigar a navegação, principalmente de pequenas embarcações. É o macaréu, que no Brasil é chamado pororoca.


IV – EFEITOS DAS “ÁGUAS” INGERIDAS

Estando este discurso a atingir o seu final, compreensível será para o leitor quais poderão ter sido os efeitos das “águas” ingeridas nas circunstâncias já descritas.

Quanto aos compostos “cerveja, vinho ou às “Castelo”, “Pérrier” ou água tónica (estas últimas não elas mesmas, mas o respectivo aditivo alcoólico), claro que poderão ter causado efeitos a médio ou a longo prazo, mas é da outra agua (a propriamente dita) que importa, agora, falar.

O facto de a tropa combatente ter ingerido aquelas águas fora dos aquartelamentos (voluntária ou involuntariamente), acarretou, por vezes, problemas de saúde. Não esquecer as involuntárias goladas ou “pirolitos” no atravessamento de rios e bolanhas. Estas águas transportaram para o interior do corpo micro organismos que causaram ou poderiam vir a causar enfermidades em futuro próximo.

No final da comissão, cada um foi obrigado a fazer aquilo que, na gíria de caserna, era denominado “cagar no frasquinho” – acto que exigia grande pontaria, mais facilitado, portanto, para os atiradores especiais... Analisadas as fezes (se é que eram todas analisadas...), ficávamos a saber a densidade de oxiúros, triquinas e outros familiares que, gratuitamente, transportávamos. E foi então que, mais uma vez, se manifestou um dos tais “combatentes de dentro de portas”, que só bebia águas engarrafadas, comentando com ar desdenhoso:
- Não percebo tanta preocupação. A minha análise é negativa!.

Como terapêutica para matar aquela bicharada toda, transportada clandestinamente nas entranhas, eram distribuídos comprimidos, engolidos a custo e à custa de cerveja. Porquê? – Porque eram grandes, maiores e mais volumosos que a antiga moeda de um escudo, em níquel. Era o sinal que a guerra estava a acabar e que, em breve, estaríamos navegando sobre outras águas, fazendo a GRANDE CAMBANÇA de regresso a casa.

Tenho dito!
(Embora mais houvesse a dizer).
Alberto Branquinho
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6803: Contraponto (Alberto Branquinho) (13): Cambança com Caronte, ou A última viagem do soldado

Guiné 63/74 - P6943: Em busca de... (142): 1.º Cabo Dório da CCAÇ 2571, Guiné, 1969/71 (João Manuel Mascarenhas)

1. Mensagem de João Manuel Pereira Mascarenhas com data de 31 de Agosto de 2010:

Caros amigos,
Sou um antigo combatente e venho interceder junto de vós por um natural da Guiné que gostava muito de encontrar um antigo combatente da CCAÇ 2571, que esteve nessa antiga colónia entre 1969 e 1971.
Esta Companhia foi mobilizada pelo BII 19 do Funchal.
Só sei que ele era conhecido por 1.º Cabo Dório e estava a prestar serviço na messe dos oficiais.

Sem outro assunto desde já agradeço a vossa colaboração.
João Manuel Pereira Mascarenhas
mascarenhas_faro@hotmail.com


2. Notas de CV:

- A CCAÇ 2571 foi mobilizada pelo BII 19 do Funchal

- Teve como Comandantes:
Cap Inf José Maria Teixeira de Gouveia
Cap Mil Art Francisco José Galier Lindergrun

- Partiu para a Guiné em 13 de Agosto de 1969
- Regressou em 4 de Junho de 1971

- Esteve colocada sucessivamente no Cacheu, Pirada e COMBIS


Pede-se a quem tiver alguma informação acerca do 1.º Cabo Dório da CCAÇ 2571, o favor de a fazer chegar ao camarada Mascarenhas ou a nós.

Entretanto, consultando a página do nosso camarada Jorge Santos (http://guerracolonial.home.sapo.pt/encontroguine.htm), encontrei um pedido de contacto de Orlando Figueiredo, com o telemóvel 964 142 373 e e-mail orlando.figueiredo@fct.mctes.pt
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Vd. último poste da série de 31 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6913: Em busca de... (141): Informações sobre o meu pai, Juvenal Frutuoso Fernandes Dantas, Sold At Inf, CCAÇ 3518, Gadamael 1972/74 (Juvenal Dantas)

Guiné 63/74 - P6942: Memória dos lugares (97): Bolama, a antiga capital colonial, um património em ruínas (Patrício Ribeiro)


Guiné-Bissau > Região de Bolama / Bijagós > Bolama > Agosto de 2010 > Antigo Palácio de Bolama, vai cair brevemente. [Sede da antiga Câmara Municipal, onde Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai,  foi vereador em 1957; em Bolama, em 1949, nasceu o actual 1º Ministro, Carlos Gomes Jr.; aqui também viveu na infância o nosso amigo Prof Leopoldo Amado, cujo pai era chefe dos correios...].



Guiné-Bissau > Região de Bolama / Bijagós > Bolama > Agosto de 2010 > Antigo Banco de Bolama, já caiu.



Guiné-Bissau > Região de Bolama / Bijagós > Bolama > Agosto de 2010 > Futura Sede da AMI em Bolama, em recuperação.



Guiné-Bissau > Região de Bolama / Bijagós > Bolama > Agosto de 2010 > Antiga fonte com minas, casa de bombagem de água de Bolama, em recuperação. “Muitos antigos combatentes, por aqui namoraram as lavadeiras”.


Fotos (e legendas): ©  Patrício Ribeiro (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1.Mensagem do nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro (antigo grumete fuzileiro especial, em Angola, 1969/72; cooperante, primeiro, empresário, depois, na Guiné, há mais de um quarto de século; "pai dos tugas": o nosso agente em Bissau, secretíssimo...) (*)

Olá, Luís:

Junto algumas fotos recentes dos edifícios de Bolama, feitas no meu último passeio por estas bandas, em Agosto de 2010. Destinadas aos que por lá passaram, para poderem recordar. Os morcegos, esses, ainda lá estão…

Alguns destes edifícios são Monumentos Coloniais Portuguese, que se vão perdendo (*)…

Para lá chegar, o mais prático é utilizar as canoas públicas, ou de aluguer.

Há lugar para dormir e comer, no Projecto de Pesca Artesanal PRODEPA, com água corrente e com energia solar 24 horas.

Patrício Ribeiro

2. Comentário de L.G.:

Mano Patrício, e não se pode fazer nada ? Muita malta nossa passou por Bolama (a antiga capital da colónia da Guiné, até 1941, se não me engano). Chegou a ser uma centro de instrução militar importante. Sobre Bolama temos mais de meia centena de referências no nosso blogue. O património edificado pelos povos é pertença da humanidade. Muitos destes edifícios, de traça colonial, falam de uma época, que não pode ser, pura e simplesmente apagada da memória de todos nós, guineenses e portugueses... Não sei se iremos a tempo de os salvar da ruína... Felicitemos, ao menos, o exemplo da AMI que recuperou um destes edifícios... 

Há mais fotos (antigas) de Bolama, do tempo dos portugueses, no blogue Rumo a Fulacunda, do nosso camarada Henrique Cabral. Veja-se também a página de Medeiros Franke. E, naturalmente, a nossa carta militar de Bolama (temos as restantes, do arquipélago dos Bijagós, e demais ilhas, à espera de melhores dias para aparecerem na Internet)...

Obrigado, Patrício, pelo teu cuidado e sensibilidade. Vai mandando as "chapas" e "apontamentos" das tuas andanças por aquela terra verde e vermelha que nos ficou no coração. A terra e as suas gentes.  Um abraço. Luís (PS - Apita, quando voltares a Lisboa: o João Graça e eu  devemos-te um almoço ou jantar).

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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P6941: Notas de leitura (144): Amílcar Cabral Documentário (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Agosto de 2010:

Queridos amigos,
Era obrigatório uma referência a esta antologia, abarca em grande angular o homem, o intelectual e o lutador que foi Amílcar Cabral.

Agora vou dirigir o meu olhar para outras leituras.

Um abraço do
Mário


Amílcar Cabral: profissional, ideólogo, lutador, líder

Beja Santos

A reputada e económica Biblioteca Editores Independentes deu à estampa uma antologia intitulada “Documentário (textos políticos e culturais)”, de Amílcar Cabral, apresentada por um categorizado estudioso do líder do PAIGC, António E. Duarte Silva (Biblioteca Editores Independentes, 2008).

A principal curiosidade desta antologia tem a ver com a lógica da selecção dos textos. O organizador é autor de livros fundamentais sobre a Guiné-Bissau e domina perfeitamente todas as etapas de Cabral na actividade profissional, na intervenção internacional da luta de libertação, conhece na íntegra toda a reflexão publicada pelo ideólogo consumado. Neste “documentário” encontramos, como é óbvio, textos que figuram nas principais antologias do seu pensamento, mas houve igualmente o cuidado em seleccionar um Cabral prismático, comunicador, político de primeira linha, agitador de massas. Nessa vertente, esta antologia de pouco mais de 200 páginas cobre satisfatoriamente as diferentes facetas de Cabral.

Logo o primeiro texto, alusivo ao seu relatório final de curso de engenheiro agrónomo, a sua tese de licenciatura incidiu sob o estudo da região de Cuba (Alentejo) ou problema da erosão do solo: “A defesa do solo, condição indispensável a um processus racional de exploração da terra, não é um problema meramente técnico. Implica necessariamente a subordinação dos interesses individuais ao interesse geral, da conservação. O uso da terra, na dependência absoluta de quem a possui, tem-se mostrado incompatível com a defesa do solo. Surgem as contradições.

E o problema transcende os limites da técnica, revelando-se a sua faceta principal: tem as raízes mergulhadas na própria estrutura agrária do meio em que surge. No seu conjunto, comporta, portanto, dois aspectos distintos: um, económico e social, pelas suas causas e consequências; outro, técnico, por a sua solução carecer, em parte, da aplicação prática de conhecimentos científicos. Por isso que a sua solução não pode ser simplesmente técnica. Esquecer este facto é esquecer a raiz do problema”.

Em 1960, em Londres, com o nome de Abel Djassi, publica um libelo anti-colonial intitulado The facts about Portugal’s African colonies. Usa uma linguagem incisiva, prima pelas imagens chocantes, da mais fina pedagogia política. Um só exemplo: “99,7% da população africana de Angola, Guiné e Moçambique é considerada “não civilizada” pelas leis coloniais portuguesas e 0,3% é considerada “assimilada”. Para que uma pessoa “não civilizada” obtenha o estatuto de “assimilada”, tem de fazer prova de estabilidade económica e gozar de um nível de vida mais elevado do que a maior parte da população de Portugal. Tem de viver à “europeia”, pagar impostos, cumprir o serviço militar e saber ler e escrever correctamente o português. Se os portugueses tivessem de preencher estas condições, mais de 50% da população não teria direito ao estatuto de “civilizado” ou de “assimilado”. E com uma carga panfletária bem doseada escreve, desafiador: “Os africanos das colónias portuguesas destruirão o colonialismo português. Será talvez o último regime colonial a desaparecer, assim como é o último em desenvolvimento económico e técnico e o último a respeitar os direitos do homem. Mas, de qualquer modo, o colonialismo português tem os dias contados”.

Todo o ideário de Cabral assentava, como é sabido, no lema da unidade e luta em torno da Guiné e Cabo Verde. Profundamente culto e com uma estrutura de pensamento de matriz europeia, Cabral procedia a todos os malabarismos para provar que a Guiné e Cabo Verde eram dignos de emparceirar no mesmo Estado. Obviamente, sabia impressionar pela qualidade das denúncias, mas o que escreveu, lido cuidadosamente, denota o desequilíbrio da sua argumentação. Em Dezembro de 1962, perante uma comissão da ONU, queixa-se da repressão das autoridades portuguesas, insensíveis aos apelos dos nacionalistas. Refere o acréscimo de tropas, a repressão da polícia política, a destruição de bases como Morés e Salancaur, fala em prisões, torturas e assassinatos políticos como os de Bernardo Soares e Vitorino Costa, menciona 2000 patriotas presos e 250 deportados, milhares de vítimas em S. Domingos, Farim, Oio, Bafatá, Gabu e Bissau. Na mesma sequência, e como se estivesse a falar do mesmo espaço e das mesmas pessoas escreve: “Em Cabo Verde, em especial nas ilhas de S. Tiago e S. Vicente, a repressão foi também aumentada. No mês de Outubro, 14 patriotas foram presos e deportados para o campo de concentração do Tarrafal”. Ao que parece, ninguém se preocupou com estas disparidades.

Duarte Silva fez bem em publicar longamente o extracto do seminário de quadros realizado em Novembro de 1969, e de que já aqui se fez a recensão a propósito do título “Análise de alguns tipos de resistência” (Seara Nova, 1974). É uma palestra que prima pelo fulgor, capacidade oratória, talento para comunicar com as massas. É um político confiante que transborda essa confiança para o verbo. Na mensagem de ano novo, em Janeiro de 1973, documento que é conhecido por testamento político revela uma coesão impressionante entre o pensamento e a acção. Deixando sem mais comentários o seu importante texto “A Arma da Teoria”, discurso pronunciado em Havana, em 1966, faz-se referência, por último à sua intervenção lida na UNESCO, em 1972, em que justifica o papel da cultura na luta pela independência: “Uma apreciação correcta do papel da cultura no movimento da pré-independência ou da libertação exige que se faça uma nítida distinção entre cultura e manifestações culturais. A cultura é a síntese dinâmica, ao nível da consciência do indivíduo ou da colectividade, da realidade histórica, material ou espiritual, duma sociedade ou de um grupo humano, das relações existentes entre o homem e a natureza, como entre os homens e as categorias sociais. As manifestações culturais são as diferentes formas pelas quais esta síntese exprime, individual ou colectivamente, em cada etapa da evolução da sociedade ou do grupo humano em questão. Verificou-se que a cultura é a verdadeira base do movimento de libertação, e que as únicas sociedades que podem mobilizar-se, organizar-se e lutar contra o domínio estrangeiro são as que preservam a sua cultura. Esta, quaisquer que sejam as características ideológicas ou idealistas da sua expressão, é um elemento essencial do processo histórico. É nela que reside a capacidade (ou a responsabilidade) de elaborar ou de fecundar elementos que assegurem a continuidade da história e determinem, ao mesmo tempo, as possibilidades de progresso ou de regressão da sociedade”.

Qualquer antologia, por definição, é uma mostra. O que está em casa é a substância da mostra. Neste caso, toda a antologia é substância, como numa sala de espelhos mostra o antologiado em diferentes revérberos, ângulos e matizes. Amílcar Cabral nas principais dimensões da sua vida.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6937: Notas de leitura (143): Três Tiros da PIDE, de Oleg Ygnatiev (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6940: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (2): Luís Cabral e a TECNIL não fizeram a cerimónia ao Irã no Poilão de Brá e a autoestrada Unidade Guiné - Cabo Verde jamais seria terminada!



Guiné-Bissau > Bissau > Planta da cidade, no período pós-independência.... Assinalada a azul a então projectada Av Unidade Guiné-Cabo Verde.

Imagem: A.Marques Lopes / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2005).


1. Texto do António Rosinha (*), com data de 1 do corrente:



Quando um país africano adquiria a independência, dizia-se - pensava eu que por brincadeira  - que a primeira obra que o seu presidente mandava fazer era uma autoestrada desde o Palácio ao Aeroporto...para fugir do Golpe de Estado.

Luís Cabral tambem mandou construir essa estrada, mas não para fugir, mas para modernizar a Capital.


Uma pequena observação: Todos os portugueses, brancos pretos ou mestiços quer fossem de origem angolana ou caboverdeana ou outros, sempre consideraram que eram mais competentes e com mais capacidade para desenvolver os futuros países africanos, porque os caputos, tugas, eram muito tacanhos sem ideias.

E diziam como faziam se fossem eles a mandar. (Embora, em geral também dizia-se que o Salazar era um atraso, logo que ele se fosse, modernizávamos Portugal.)

Com o que vi na Guiné ao Luis Cabral e ministros, e o que sei que se faz em Angola, após a guerra destes anos todos, tinham razão. É tudo em grande. (E, nós com Sócrates e Cavaco e Guterres, tambem fizemos SCUT e vamos ter TGV e pinturas rupestres.)

Uma metamorfose acontecia e deu-se também comigo: Nós,  os rurais do nosso país pequeno e atrasado, quando embarcávamos com carta de chamada para as Áfricas, desinibíamo-nos quando chegávamos à Madeira e tirávamos a gravata e o fatito feito à medida no mestre alfaiate da vilória. E começava uma identificação com os portugueses locais. Fim da observação.

Depois deste àparte, tenho a dizer que Luís Cabral procedia com a desenvoltura e determinação e vistas largas, exactamente dessa ideia que transmitiam os jovens portugueses/africanos, que mais tarde vi aparecerem no PAIGC, MPLA e FRELIMO. Grandes projectos, investimentos enormes, até uma fábrica de automóveis...!

Ora acontece que me calhou a mim, e fiz por isso, fazer a topografia da Avenida UNIDADE GUINÉ BISSAU-CABOVERDE, já tinha começado 2 anos antes e estava atrasadíssima e o dinheiro previsto já estava quase todo gasto, empresta(dado) pela Holanda / CEE, em 1976/7. O projecto, embora de um engenheiro português, era grandioso e bonito.

Mal iniciei o meu trabalho, fui logo avisado pelos pedreiros, operadores de máquinas, mecânicos e ajudantes, da TECNIL,  guineenses com muitos anos de casa, que já vinham das estradas de Gabu/Pitche/Buruntuma, Bambadinca/Xime e ruas de Bissau, que aquela estrada nunca seria terminada, porque fora derrubado um grande Poilão Sagrado, para passar a estrada, e não fora feita a cerimónia exigida pelos Homens Grandes para pedir ao Irã a devida permissão.

Acredite-se no destino ou em coincidências, passado um ano, Luís Cabral é derrubado, a TECNIL estava falida, a estrada nem a meio ia, quando já tinha passado o prazo de contrato, e o dinheiro andaria diluído por qualquer lado, e só iria ser reiniciada 3 anos depois.

E no dia em que os carros de combate provocam o derrube de Luís Cabral, desfazem com as lagartas de ferro, os primeiros quilómetros preparados para receber o primeiro asfalto.

E, o que ia ser a Av Unidade Guiné-Caboverde, passou a ser (provisóriamente) Av 14 de Novembro. E o sonho de Luís Cabral e de Amílcar, além de não ser concretizado, aconteceu naquele dia a sensação que Luís foi abandonado e esquecido e vilipendiado, sem reação do PAIGC da Praia nem de Cuba ou da Rússia, com a mesma tranquilidade, com que a vida continuou quando a 20 de Janeiro de 1973, morreu Amílcar. Não apareceu nenhum aliado abertamente a apoiá-lo. Tudo calado.

"Será que tudo estava previsto pelos segundos planos do PAIGC (PAICV) e por Cuba e URSS, e que naquela luta tremenda na Guiné não era a sua libertação um fim em si mas apenas e só um meio para atingir outro fim mais importante"? E tudo nas costas destes dois irmãos?

Fiz este intervalo sobre a construção da estrada ex-UNIDADE GUINÉ-CABOVERDE, porque não quero mentir a mim mesmo, e às certezas que adquiri, e o povo que passava naquela estrada durante muitos anos, me ia abrindo os olhos. Enquanto se trabalhava na faixa direita, circulava-se pela esquerda e vice-versa. Peões e carros.

Atenção que jamais acharei justo o processo político que os dois irmãos escolheram. Apenas acho que a utopia e o entusiasmo deles foram pura e simplesmente usados, enquanto úteis...e em seguida a Guiné e os dois irmãos ficaram entregues a eles próprios, o seu papel estava terminado.

Continuando com a construção da estrada...
Em 1983 há um novo financiamento para mais uma parte da estrada. O dinheiro vem da CEE.

Estou novamente eu, pela Soares da Costa que fica com a massa falida da TECNIL, e durante uns meses constrói-se entre Chapa-Bissau e aeroporto de uma maneira incompleta (sem cumprir certos pormenores do projecto). Aí já se via que a profecia dos homens grandes se estava cumprindo. Mesmo certas ligações,  por exemplo aos quartéis de Brá,  eram eliminadas.

Só é retomada e terminada a construção em 1990 com a eliminação definitiva da parte mais interessante do projecto. É eliminada uma enorme rotunda que abragia o jardim do Alto Crim, lindíssimo, que até me doeu destrui-lo, a mim e aos estudantes que lá iam estudar à sombra de tarde e à noite quando havia luz. Sobre esse jardim hei-de escrever um poste de propósito. Hoje, está lá o parlamento. construido pelos chineses.

Essa imensa rotunda ia também englobar a área do que mais tarde foi o mercado do Bandim.

Portanto ao eliminar essa enorme rotunda, que logicamente valorizava imenso um lugar que era considerado nobre, cumpriu-se mesmo o que diziam os homens grandes:  "Nunca se vai construir a Av Unidade GUINÉ BISSAU-CABOVERDE".

Quem terminou conforme se pôde, foi a China Taiwan com um salto em flic-flac de Nino Vieira, que passou por cima da China comunista a troco de um voto na ONU.

Acompanhei, pelas Obras Públicas,  esses chineses na conclusão daquele projecto inacabado. Uns tempos antes a China comunista tinha oferecido um lindo campo de futebol à cidade de Bissau para 35.000 espectadores. Colaborei nos arranjos exteriores.

Como esta Avenida/estrada me permitiu ver muitos pormenos do que de mau e sem sentido foi a colonização europeia em África, que Portugal "arremedou", com as próprias improvisações, e me permitiu ver como alguns portugueses de origem africana provocaram uma guerra tão grande num país tão pequeno, para outros fins que não os interesses desse mesmo país, gostaria de ter ocasião de enviar mais uns postes a partir desta avenida que para mim será intimamente a minha Avenida.

Digo sempre: O esforço e sacríficio dos que cumprimos a ordem de Salazar, entre outras coisas serviu para adiar o assassinato de Amílcar Cabral.

Um abraço,

Antº Rosinha

P.S. - Espero não ofender ninguém, ao dizer o que depreendo de tudo o que vi, e que me deixam dúvidas umas vezes, certezas outras vezes. Mas sem qualquer complexo não me calo nem tapo os ouvidos. Passaram-se coisas flagrantes demais, como algumas que já disse, para ficarmos calados.
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série >  1 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6916: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (1): Quando o Partido dizia que logo que colon vai embora a gente não trabalha mais

domingo, 5 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6939: Ser solidário (84): Sarau cultural para angariação de fundos a favor da Guiné-Bissau (José Teixeira / José Rodrigues)

1. Mensagem de José Teixeira (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), e José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, Corubal, Bafatá e Bambadinca, 1970/72):

Caros Amigos

A Tabanca Pequena – Grupo de Amigos da Guiné* vai realizar um Sarau Cultural integrado na Campanha de Angariação de Fundos, que visa apoiar a abertura de poços de água potável e do fornecimento de sementes às populações guineenses com graves carências nesses domínios.

Junto em anexo informação relativa ao evento. Gostaria de poder contar com a vossa presença e, do vosso apoio na divulgação desta acção de solidariedade.

Um abraço solidário e de amizade
José Rodrigues


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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6812: Ser solidário (83): A partir de hoje, aqui em Amindara estamos a viver como os brancos (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P6938: Blogoterapia (158): Um brinde à Tabanca (José da Câmara)

Para todos vós


1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 4 de Setembro de 2010:

Caros editores, camaradas, amigos e amigas,
As vossas manifestações de amizade calam bem fundo no meu coração.
Aos poucos fui-me esquecendo de ir substituindo os números. Hoje, não tenho a certeza de ser mais velho um anito. Sei, sim, que este este meu aniversário foi bem diferente de todos os outros.
Nunca antes tinha tido tão grande e simpática companhia. Daqueles que aqui se manifestaram e daqueles que, sem o fazerem, também me convidaram ao longo destes meses para tomar parte num cantinho dos seus corações.

Os meus sinceros agradecimentos por celebrarem comigo este meu aniversário.
Haja saúde para todos!

Dos States, um abraço do tamanho do oceano qe nos une,
José Câmara
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6928: Parabéns a você (146 ): José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73) (Editores)

Vd. último poste da série de 2 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6922: Blogoterapia (157): Ai, Timor (J. Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P6937: Notas de leitura (143): Três Tiros da PIDE, de Oleg Ygnatiev (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Agosto de 2010:

Queridos amigos,
Este livro de Oleg Ygnatiev é um exercício propagandístico de pechisbeque.
Como é possível demonstrar sem provas é segredo que este jornalista tem bem guardado.

Um abraço do
Mário


O assassínio de Amílcar Cabral: uma conspiração indecifrável

Beja Santos

Mandaria a lógica de que a análise das confissões dos agentes materiais de Amílcar Cabral, assassinado em 20 de Janeiro de 1973, em Conacri, cruzadas com os ficheiros da PIDE/DGS e outras investigações posteriores, permitissem que houvesse uma clara elucidação sobre quem esteve por detrás dessa morte, quais as motivações reais de quem concebeu e executou a conspiração.

O que acontece é que passadas estas décadas se mantém o mais cerrado nevoeiro. Como escreveram Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso no volume n.º 17 de “Os Anos da Guerra” (Quidnovi, 2009) são conhecidas as condições da morte, sabe-se quem são os autores materiais, de acordo com os interrogatórios aos conspiradores (cujos dossiês e gravações desapareceram estranhamente, na totalidade), a origem do plano terá tido em Lisboa e acção não pretendia a eliminação de Cabral mas sim a liquidação do PAIGC. Um dos conspiradores, Valentino Mangano, referiu que as autoridades portuguesas tinham assegurado que Portugal estava pronto a conceder a independência aos negros da Guiné-Bissau na condição do PAIGC ser eliminado e de todos os cabo-verdianos serem excluídos do movimento nacionalista. Como não existe um só documento nos arquivos da PIDE (serviços centrais e delegação de Bissau) que refira, insinue ou estabeleça qualquer ligação concertada entre a polícia política de Caetano, Spínola e os conspiradores, temos de admitir que todas as teorias em torno desta conspiração cobrem todas as possibilidades.

Não vale a pena explorar quem ganhou com a morte de Cabral. Os relatórios militares apontavam, desde Janeiro de 1973, para uma nova escalada da guerra, já ninguém encobria a chegada de armas sofisticadas, a URSS oferecera ao PAIGC aviões MIG, iniciar-se-ia, dentro de meses, a preparação de pilotos. O Governo de Lisboa foi forçado a procurar armamento compatível e a preparar especialistas. Num contexto desta natureza, e no puro campo das especulações, é dificilmente aceitável que Spínola quisesse outro interlocutor que não Cabral. Como se comprovou, os seus sucessores não tinham dimensão de estadistas, nenhum deles esteve à altura de corresponder aos desafios da criação de um novo Estado. Poderá fazer sentido ter-se urdido um complô de gente vingativa, castigada por Cabral, e ressentida com o “cabo-verdiano”. É sabido que os conspiradores eram esmagadoramente naturais da Guiné e durante os tais julgamentos que Vítor Saúde Maria disse mais tarde terem decorrido numa atmosfera desumana, os acusados referiram-se amiúde ao perigo da Guiné ficar nas mãos de dirigentes cabo-verdianos. Numa investigação rigorosa, o jornalista José Pedro Castanheira destacou que nos arquivos da PIDE/DGS se encontraram relatórios de autêntica espionagem, esses espiões tinham acesso directo às reuniões da direcção do PAIGC. Não obstante, nenhum desses relatórios alude a qualquer operação para liquidar Cabral.

“Três Tiros da PIDE”, de Oleg Ygnatiev, jornalista soviético amigo de Cabral e que várias vezes, antes da independência, acompanhou Cabral e visitou o território, apareceu traduzido em português em 1975 (Prelo Editora). É espantoso, mesmo sabendo-se que estávamos ainda em plena guerra fria, como é que se escreve um livro de propaganda de incriminação gratuita, dando automaticamente como demonstrado que os assassinos de Cabral estavam a soldo da PIDE/DGS.

Em termos de estrutura, o livro (com uma tradução hedionda) até tem interesse, suporta-se nas páginas do diário do autor, desde que chegou a Ziguinchor, em 18 de Janeiro de 1973, entremeia com episódios ficcionados de uma vastíssima operação gizada por Ferreira da Silva, um pide de Bissau, de colaboração com Silva Pais em Lisboa e Fragoso Allas, em Bissau. A ficção passa pela operação “Rafael Barbosa” (nome do presidente do Comité Central do PAIGC, uma das figuras mais intrigantes que se conhecem, digna de um grande romance histórico) envolve militantes que estiveram presos no tarrafal como Mamadu Touré (Momo) e Aristides Barbosa, a conspiração chega a Conacri onde, por artes mágicas, os conspiradores cumprem à risca os ditames da PIDE, chega-se ao cúmulo de estarem 24 barcos portugueses à espera dos presos trazidos por Inocêncio Kani e outros...

Desconhece-se o valor jornalístico de Oleg Ygnatiev. O que se apura é que tem uma capacidade inventiva transbordante. O conhecido episódio do massacre de três majores e um alferes na região de Canchungo, em 20 de Abril de 1970, é transformado num acontecimento heróico, dezenas de militares foram mortos por rajadas de metralhadora e rebentamento de minas, tudo isto devido ao prodigioso sentido táctico de André Gomes. A propaganda de Oleg Ygnatiev desce aos níveis mais baixos. Quanto, por exemplo, fala de Madina do Boé, refere a destruição das fortificações e guarnições inimigas depois de um cerco de quase nove meses. A generalidade dos conspiradores, segundo Ygnatiev, era composta por delinquentes, gente venal, traidores baratos. Há mesmo um radiotelegrafista, Nené, que troca mensagens com a PIDE. Como é evidente, há limites para a fantasia e ficamos sem saber como é que estas dezenas de pessoas se conluiaram e puseram em prática um plano que passava por capturar altos dirigentes e, após o êxito do complô, ir anunciar os resultados a Sekou Touré...

É uma leitura útil só para se perceber que a propaganda (sobretudo a de má qualidade) não pode responder às exigências da história. Está ainda tudo por esclarecer, não adianta sair das probabilidades enquanto não aparecerem as provas documentais que iluminem a verdadeira autoria moral da conspiração.
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Nota de CV:

Vd. poste de 4 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6930: Notas de leitura (142): Amílcar Cabral, textos políticos (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6936: Parabéns a você (148): José Marcelino Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5 (Os Editores)

Poster de aniversário: Miguel Pessoa (2010).
Hoje, dia 5 de Setembro de 2010, completa mais um aniversário o nosso Camarada José Marcelino Martins, que foi Fur Mil de Trms na CCAÇ 5 “Gatos Pretos”, Canjadude, 1968/70, e a quem endereçamos os nossos melhores votos de que continue uma longa vida junto de sua esposa Maria Manuela, família e amigos.
Andei a rebuscar matéria para escrever alguma coisa sobre o Zé Martins, e encontrei o poste de aniversário de 2009, que foi desenhado pelo Carlos Vinhal.
Como as palavras que ele ali escreveu continuam actualíssimas, em relação ao nosso homenageado, reproduzo, sem alterar uma vírgula a seguir, a primeira parte dessa mensagem:
“Sendo José Martins um colaborador do Blogue que teima em continuar nos bastidores, cumpre-nos umas palavras para que se faça justiça ao seu labor.
José Martins é um companheiro discreto, sempre disponível para ajudar os editores, assim como ajudar qualquer camarada que se nos dirija.
Trabalhador e pouco falador de si próprio, parafraseando o nosso tertuliano Alberto Branquinho, podemos dizer que nunca falou do seu umbigo, não quer assumir (embora já fosse várias vezes convidado), as funções de editor, por achar não ter disponibilidade de tempo que lhe permita exercer as funções cabalmente, nunca se negando, no entanto, a prestar ajuda, quando solicitado, tornando-se assim um precioso auxiliar na retaguarda.
Existe uma série de registos, compilações de dados estatísticos referentes à Guerra da Guiné e relatos de acontecimentos que o Martins procurou em Arquivos e estruturou para dar a conhecer aos demais camaradas, dos quais nos socorremos vezes sem conta.
Além de colaborar connosco, intervém activamente na página Guerra do Ultramar, Angola-Guiné-Moçambique, onde tem muitos trabalhos publicados. Julgo não errar ao afirmar que é o ex-combatente da Guiné que mais colabora com aquele Blogue.
O nosso muito obrigado, caro Zé, pelo teu trabalho de sapa, como diz o Luís, sem esperares sequer ver o teu nome ventilado.”

Ao que foi dito só acrescento: TENHO DITO!

2. Zé Martins, independentemente das mensagens e comentários que os nossos Camaradas enviarem e colocarem, futuramente, no local reservado aos mesmos neste poste, em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca, que por vários motivos não puderem enviar-te as suas mensagens, queremos:
Desejar-te neste teu aniversário os nossos maiores e melhores votos, para que junto da tua querida família sejas muito feliz e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.
E mais te desejamos, que por longas e prósperas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos da Guiné te possa dedicar mensagens idênticas, às que hoje lerás neste teu poste e no “cantinho” reservado aos comentários.
Estes são os mais sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas, que, como tu, um dia carregaram uma G3 & outras cargas de trabalhos, embebidos em mil sacrifícios, suor, sangue e lágrimas, por tarrafos, matas e bolanhas da Guiné.
Recebe então da nossa parte montanhas de abraços fraternos.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

sábado, 4 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6935: A Cantora Careca, estreado em Bissau no dia 5 de Abril de 1970 (Carlos Nery)

Mensagem de Carlos Nery (ex-Cap Mil, Comandante da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70), com data de 29 de Agosto de 2010:

Caros Camaradas,
Tantas vezes prometido, aí vai o material para o Poste sobre A Cantora Careca, estreado em Bissau em 05ABR70.
Como expliquei trata-se de um trabalho conjunto, meu, do Mário Cláudio e do João Barge. Já têm foto minha e do Mário Cláudio, usadas do antecedente, noutros Postes.

O Barge remeteu-me a sua, agora, com idêntico objectivo. Enviar-vos-ei o email que recebi dele. Poder-se-á, certamente, encontrar forma de colocar as três no início do Poste. Há outras que não possuo e que seria interessante incluir. De Otto de Habsburo, de Carlos de Áustria (seu pai), talvez de Aristides de Sousa Mendes. E, por fim, dos três majores assassinados. Enfim, vocês verão se isso é possível.

Dia 4, sábado, vamo-nos encontrar os três, no Porto. Direi que desde 1970 que tal encontro não tem sido possível.
Teria graça se o Poste estivesse pronto, nessa data... Vocês verâo se isso é possível.

Tentarei fazer fotos do encontro e, se houver matéria de interesse, tentarei fazer um Poste sobre esse reencontro.

Um abraço forte,
Carlos Nery



“A Cantora Careca”, Bissau, Abril de 1970 (Maria Guilhermina, Rui Barbot e João Barge)

Verbete

A empresa de levar à cena nas adjacências do Quartel-General de Bissau A Cantora Careca, de Ionescu, produzida pelo então capitão miliciano Carlos Nery Gomes de Araújo, ainda hoje retém, quando lembrada, uma intocada luz de audácia juvenil, e de discreta rebeldia. Tratava-se de descerrar uma certa janela, propiciadora de mais funda respiração, no quadro constritor da guerra, e com tal gesto propunha-se o grupo de gente moça, mobilizado por Carlos Nery, prestar serviço aos camaradas que, interessados em pensar para além daquilo que constituía motivo de colectiva apreensão, poderiam ver no teatro moldura adequada ao exercício da sua inteligência, e da sua fantasia.
Entre as recordações da pequena aventura, documentada por textos e fotografias, uma muito especial ficaria, exclusivamente guardada na memória, e que oferece agora, quatro décadas passadas, algum pretexto de reflexão.
Um jornalista estrangeiro, afecto ao regime português da altura, e que viajava em reportagem pelas três frentes de combate, tendo assistido a uma das récitas daquele espectáculo vanguardista, levantado na maior economia de meios, viria felicitar-nos efusivamente, a nós, artistas mais ou menos improvisados, com palavras que não se esqueceriam. Chamava-se o senhor Otto de Habsburgo, e representava tão-só a última candidatura ao trono imperial austro-húngaro, esse mesmo que com Carlos V, rei de Espanha, se arrogara um domínio de além-mar que apenas com Manuel I, rei de Portugal, por algumas décadas partilharia.
Relata-se isto para que conste, e para que se reabram os compêndios de História.
Que importam ao fraterno convívio as opções ideológicas, navegantes como somos, todos nós, na nau de velas pandas da relatividade do Tempo?

Mário Cláudio
(alferes Barbot)

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1 – Prontidão de Embarque

Carlos Nery - No início de Novembro de 1969, vinda de Buba, a CCAÇ 2382 chegava a Bissau, ficando adida ao BART 2866, em Brá.
Tinha terminado a parte mais dura da nossa comissão. Somos declarados com prontidão de embarque a partir de 10JAN70. Porém, até Março, iríamos, ainda, colaborar na segurança da cidade, de algumas das suas instalações militares e de destacamentos próximos.

João Barge - Anos 70 do século passado, ou, para ser mais exacto, na transição de Dezembro de 1969 para Janeiro de 1970!

Carlos Nery - Bissau era cheia de vida, de movimento, de civis e de militares. As viaturas corriam por toda a cidade. Esta ocupava uma vasta área, as distâncias eram grandes. Não raro, viam-se oficiais pedindo boleia a viaturas militares que passavam a grande velocidadade fingindo não os ver.

João Barge - Estava eu então, pela cidade, um pouco órfão, uma vez que a Companhia que me tinha acolhido, ainda em 1968, em rendição individual, a CCaç 2317, regressara a Portugal, pouco antes, acabada a comissão de serviço.

Carlos Nery - Era ao fim da tarde e à noite que a cidade se tornava mais atractiva. Tomado um duche e mudada a roupa, saíamos de Brá, da sede do Batalhão, em grupo, num velho jipe, para a Messe de Oficiais. Aí jogava-se bridge, conversava-se, tomavam-se bebidas. O uísque, livre de taxas ou de impostos, era mais barato do que a água Perrier que se usava para beber com ele.

João Barge: Talvez porque amargara (e amargurara)...

João Barge - Talvez porque eu amargara (e amargurara) Gandembel e Ponte Balana, e logo a seguir, para não me desabituar, também amargara (e amargurara) Buba, resolveram poupar-me a maiores infortúnios bélicos e colocaram-me no Quartel General, na Secção de Transportes Marítimos. Daí as idas frequentes, de dia e tantas vezes de noite, ao cais do Pidjiguiti. Ficou-me, nos olhos e talvez na alma, a marginal, com suas palmeiras, com seu cheiro a mar e a gente, com aquela brisa que chegava ao fim da tarde e me reconciliava um pouco com tudo e com todos.

Carlos Nery - Em certas noites da semana, junto da piscina onde se improvisara um recinto de cinema ao ar livre, eram projectados filmes recebidos dos distribuidores de Lisboa.

João Barge - Não era muito o tempo livre mas, ao fim do dia, normalmente rumava ao Clube Militar, para mastigar qualquer coisa, bebericar um qualquer álcool e trocar dois ou três dedos de conversa. O Clube Militar era basicamente a Messe de Oficias, a piscina e um cinema ao ar livre. Havia quem não se encolhesse muito a afogar as mágoas, havia quem se desse mais ao jogo.

Carlos Nery - Uma bela noite fez a sua irrupção uma novidade, o Bingo! Na época era desconhecido, mesmo em Portugal. Em sessões cada vez mais concorridas, por fim ao ar livre nas belas noites de Bissau, compravam-se cartões e ouviam-se anunciar os números saídos. Por último, havia já grandes painéis iluminados onde os mesmos eram exibidos. Os prémios eram aliciantes, objectos caros adquiridos nas lojas que proliferavam na baixa da cidade.

João Barge - A minha “praia” era outra, cinema sim, o resto nem por isso.

Carlos Nery – Já me ocorreu se todo aquele aparato não se destinaria a permitir, sem chamar a atenção, a compra de idênticos artigos a ser oferecidos, pelos Majores Passos Ramos, Pereira da Silva e Magalhães Osório, aos seus interlocutores, durante as negociações que estabeleciam, nessa altura, com quadros intermédios do PAIGC. Sabendo-se que quem os assassinou foi quem com eles dialogou, em encontros sucessivos, pergunto-me se não contribuíu para a sua eliminação o receio de que, se tivessem sido feito prisioneiros, pudessem vir a revelar pormenores comprometedores para os seus captores.


2 – Dar a Outra Face

Arménio Vicente e duas amiguinhas nossas que preferiam os ensaios a outras brincadeiras e que já sabiam de cor toda a peça... Onde estão hoje vocês, queridas amigas?

João Barge - Ora como o mundo é pequeno e a Guiné não é grande, por esse tempo, entre tanta e desvairada gente que no Clube Militar desaguava, quem haveria de por ali também aparecer? O Cap. Mil. Gomes de Araújo, comandante da CCaç 2382, companhia que estava em Buba, quando a minha, a CCaç 2317, também ali esteve, nos meses de Fevereiro a Maio de 1969.

Carlos Nery – Não me recordo como mas, em dada altura, passaste a fazer parte do nosso grupo, que não jogava, era pouco dado à bebida e não apreciava o Bingo por aí além.

João Barge – Saíamos para o recinto da piscina, deserto à noite, e conversávamos.

Junto à piscina (Rui Barbot, Maia Alexandre e Maria Guilhermina)

Rui Barbot - Maio de 68 tinha sido há menos de dois anos, de Portugal vinham notícias de confrontos entre estudantes e o poder, havia notícias de Associações encerradas, os “gorilas” tinham feito a sua aparição nas Faculdades. No ano anterior haviam-se realizado eleições em Portugal. Não faltavam motivos de conversa que, claro, incidia também nas peripécias da guerra da Guiné.

Carlos Nery - Lembram-se de que o Tenente-Coronel Saraiva, homem culto que havia sido amigo de José Régio, responsável pelo Clube, nos pediu para o ajudar a seleccionar os filmes a exibir? Engraçado, tendo nós feito uma escolha baseada na qualidade, logo os distribuidores avisaram que, para poder alugar esses, teriam que ser aceites outros filmes, digamos, de qualidade inferior... Aliás, isso veio ao encontro das reclamações de alguns oficiais que se queixavam, afirmando querer distrair-se e não ter de pensar nos problemas propostos pelos realizadores de maior nomeada de então, os Bergman, os Antonioni, os Fellini, os Rosselini, os Claude Chabrol...

João Barge - Ora um belo dia, tu, o Cap. Gomes de Araújo, cristianissimamente e sem que tivesse havido qualquer ofensa prévia, presumo eu, resolveste dar a outra face, a tua outra face: e surge o encenador Carlos Nery mais o projecto de criar de raiz um grupo de teatro.

Analisando o texto (Arménio Vicente e Maria Guilhermina)

Carlos Nery – Das conversas sobre Cinema passou-se ao Teatro... E em fazer-se Teatro... E em breve tínhamos uma bela PEDRA para fazermos uma bela SOPA: uma IDÉIA! Mas como conseguir os legumes, o sal e mais temperos, as ervas aromáticas? Não tínhamos, nem texto, nem palco, nem actores, nem técnicos, mas... começámos o trabalho!


3 – Onde se fala em “Audácia”, “Rebeldia”, “Ousadia” e até em “Coragem”...

Bombeiro (Maia Alexandre)

Rui Barbot - “A empresa de levar à cena A Cantora Careca, de Ionesco, ainda hoje retém, quando lembrada, uma intocada luz de audácia juvenil, e de discreta rebeldia”, escrevi lá em cima, no textinho a que pus o título de Verbete...

João Barge – O Luís Graça, aqui do blogue, já deu uma opinião semelhante...
“Parabéns pela ousadia e até coragem de levar à cena a peça do Ionesco”, disse num comentário ao P6183...

Maria Guilhermina, Rui Barbot e João Barge

Carlos Nery – Tem graça nunca pensei nesses termos. E quando fui o “motor” do empreendimento
admiti tudo menos ser necessário coragem para tomar tal iniciativa... Nunca senti a coisa assim... Mas, passados estes quarenta anos, pode ser... É que a obra de arte ultrapassa, muitas vezes, a intenção do artista, como sabemos.... Na altura, pensei que a nossa coragem residia unicamente em preferirmos aquele nosso convívio a eventuais “copofonia” ou “batota”, lá dentro, na messe...


4 – Traz Outro Amigo Também

Conversa com o público (João Manuel, Rui Barbot, Ana Maria, Carlos Nery, Maria Guilhermina, João Barge, Lisa Nunes, Maia Alexandre e Arménio Vicente). Notem-se os elementos de cena muito simples, as mesas de refeitório proporcionando o tablado e o conjunto de improvisados projectores.

João Barge – Do nada, na base de um amigo que traz outro amigo também, o grupo foi nascendo e fazendo o seu caminho, descobrindo e formando actores, inventando técnicos, confiando o guarda-roupa a senhoras sábias e generosas (1), improvisando palco e materiais de cena, propondo, discutindo, até se chegar à primeira peça (afastados o Auto da Índia e a Gota de Mel para evitar melindres maiores) - um texto de Eugène Ionesco - La Cantatrice chauve (A Cantora careca), publicado em 1950, um clássico do chamado Teatro do Absurdo.

Casal Martin e Mary (João Barge, Maria Guilhermina e Lisa Nunes)

Carlos Nery – Sugeri, efectivamente, esses dois textos: “A Gota de Mel” de Léon Chancerel (2) e o “Auto da Índia” de Gil Vicente. O primeiro é um poema lindíssimo que crítica o absurdo da guerra. O segundo, todos sabemos, evoca alguns aspectos negativos da nossa expansão marítima. Fidelidades e infidelidades de um casal separado pela ausência do marido na India, marido esse que, no regresso, se assume sem rebuços como um émulo, no sec. XVI, do já célebre Capitão Garcez... Pois bem, pediram-nos que fizéssemos outra coisa...
“Ah, grande Gil Vicente!”, lembro-me de ter exclamado...


5 – Dialogar no Caos



Mr. Martin (João Barge)
Mr. Smith (Rui Barbot)

Rui Barbot – E foi aí que irrompeu “A Cantora Careca”, de Eugene Ionesco. Teatro de Absurdo no teatro de Guerra? Tinha algum sentido...

Carlos Nery - “A peça que seleccionamos serve, porém,inteiramente a nossa finalidade: propor uma saída para eventuais conversações labirínticas ou marcar uma pausa na eternidade de certos jogos.
Que uma dúzia de pessoas haja decidido pôr em comum os seus esforços e tentar esta prova, pode ser em absoluto indiferente; pode causar surpresa, admiração e mesmo um certo alarme. Qualquer reação se justificará, se a não justificar o espectáculo que ides ver.
Gostaríamos, porém - e só formulamos este voto - que nos pudesse aproveitar a lição das personagens de Ionesco: - a lição de que, apesar de tudo, é possível dialogar no caos. E talvez nem seja preciso gritar muito alto."

Rui Barbot – Escrevi isso, em 1970, para o programa, não foi?


Mrs. Smith (Ana Maria)

Carlos Nery – Barbot, essa de que “ apesar de tudo, é possível dialogar no caos” era bastante ousada, naquele contexto... Não nos esqueçamos de que eram tempos em que se não dialogava com “terroristas”...

Rui Barbot - “E talvez nem fosse preciso gritar muito alto”, apetece insistir.

Carlos Nery – Valeu-nos a Comissão de Censura não ter alçada ali no Clube Militar...


6 - Un son mon ka ta toka palmu

Durante o ensaio (Ana Maria e Carlos Nery)

João Barge - Bem, mas escolhido o texto, mãos à obra. Ensaios diários, perceber o espectáculo no seu conjunto, cada um a aprender o seu papel, a trabalhar a voz, a decorar as marcações, a ganhar ritmo, a dar e receber as deixas tantas vezes até que a naturalidade apareça. E tu, agora Carlos Nery, metidos na gaveta os galões de capitão, a explicar, a corrigir, a incentivar, a acreditar e a fazer-nos acreditar. Um grupo unido na certeza de que todos juntos haveríamos de conseguir. Un son mon ka ta toka palmu (provérbio Bissau-guineense: uma só mão não chega para bater palmas).

Carlos Nery - Todas as portas se nos abriam. O tablado? Mesas de refeitório, presas solidamente, de topo para o público, ligeiramente inclinadas para permitir uma melhor perspectiva. Iluminação? Explica-se a um electricista militar, o soldado António Esteves, de pronto conquistado pelo nosso projecto, como se improvisa um orgão de luzes. E para projectores de cena, os usados, nas unidades de mato, para iluminar o terreno para lá do arame farpado.

João Barge – Lembram-se do Zé Camacho, o actor já falecido? Aquele dos “Malucos do Riso”... Também nos apoiou muito... Era cabo, julgo, no PIFAS... .

Carlos Nery – Talvez tenha nascido ali o seu gosto pelo teatro, quem sabe?
Seja como for conseguiu-se apoio para o som. Sonoplasta, o João Manuel, também soldado no PIFAS. O ecrã usado nas sessões de cinema é agora, para nós, um ciclorama onde é possível a projecção de tonalidades e sombras, numa feérie de cor e movimento. A imaginação, ali, anda à solta sem aceitar qualquer baia ou constrangimento...


7 – Um Anjo de Motorizada

Mrs. Martin (Maria Guilhermina)

João Barge - Claro que também houve alguns sustos. Uma das actrizes, por vontade própria ou alheia, resolveu renunciar e nós íamos ficando descalços ou, mais tropicalmente falando, perdidos no mato sem cachorro.

Carlos Nery – Vamos a sua casa, no recinto do Clube de Oficiais. Sou persuasivo, sou agressivo, sou convincente, sou duro. Nada a demove. É casada com um médico de nome, mobilizado para o serviço do Hospital Militar. Talvez o marido não ache graça ver a mulher metida em “teatrices”... A má fama dos “cómicos” vem de longe...

João Barge - Sentimo-nos derrotados...“Inventar” uma mulher capaz de representar o papel subitamente em falta não é fácil...

Carlos Nery – E é nesse ambiente de derrota que, subitamente, se ouve uma voz: “Tenho de ir ao Aeroporto”... É o Joaquim Fidalgo, um dos elementos do nosso grupo. Comprou uma motorizada, desloca-se facilmente. “Ao Aeroporto?” pergunto. “Sim, casei por procuração, vou buscar a minha mulher que deve estar a chegar, ainda passo por cá com ela... Até já”...
Instantaneamente todas as antenas se eriçam...

João Barge - E foi buscar a sua alma gémea, de motorizada...
Quando chegaram ao QG foram ambos devidamente emboscados, por quem de direito, e a actriz que faltava deixou de faltar.
Uma bem sucedida operação-relâmpago (sem baixas e que nos deixou em alta).

Carlos Nery – Quando os noivos chegam, vindos do aeroporto, vêem a sua lua-de-mel comprometida ou, pelo menos, adiada um bom par de horas. Eis-me, imparável, “vendendo”o que pretendemos fazer, aliciando a noiva para o nosso projecto... Acaba por aceitar e logo ali, naquela noite, se retomam os ensaios com a nóvel “actriz”...

João Barge - Foi a primeira e se calhar a última vez na minha vida que vi chegar um anjo salvador de motorizada...

Carlos Nery - Horas mais tarde, Maria Guilhermina, finalmente a caminho de casa, comenta não ter gostado de ser convencida tão facilmente...

João Barge – Tão facilmente, é força de expressão... Ela deu muita luta, se estou bem lembrado...

Carlos Nery - A “sopa de pedra” rescende sobre o lume forte que a aquece...


8 – Otto de Habsburgo e as Palavras que se não Esquecem

Otto de Habsburgo 

Carlos Nery - Na noite da estreia, depois do espectáculo, escondidos entre o ecrã e a parte posterior das mesas, cujos tampos foram chão de um palco, recebemos os abraços e as felicitações dos amigos e de muita gente que mal conhecíamos. Também a “actriz” desistente nos vem abraçar entusiasmada.

Rui Barbot - “Um jornalista estrangeiro, afecto ao regime português da altura, e que viajava em reportagem pelas três frentes de combate, tendo assistido a uma das récitas daquele espectáculo vanguardista, levantado na maior economia de meios, viria felicitar-nos efusivamente, a nós, artistas mais ou menos improvisados, com palavras que não se esqueceriam. Chamava-se o senhor Otto de Habsburgo, e representava tão-só a última candidatura ao trono imperial austro-húngaro, esse mesmo que com Carlos V, rei de Espanha, se arrogara um domínio de além-mar que apenas com Manuel I, rei de Portugal, por algumas décadas partilharia.”

João Barge – Otto de Habsburgo garantiu-nos conhecer bem o teatro de Ionesco, ter assistido já a várias versões de A Cantora Careca e nunca ter visto uma encenação da peça tão de seu agrado e tão bem representada...

Carlos Nery – Talvez estivesse a ser sincero, não sei...

Rui Barbot – Parecia sincero...

João Barge – Sei lá...


9 – Aristides de Sousa Mendes

Carlos de Áustria

Carlos Nery - Era o filho mais velho de Carlos de Áustria, último soberano do Império Austro-Hungaro que, tendo sido forçado a abdicar durante a Guerra de 1914/18, se fixou na Ilha da Madeira tendo vindo a falecer aí, em 01 de Abril de 1922. Está sepultado na Igreja de Nossa Senhora do Monte, sendo alvo de grande devoção popular. Foi beatificado pelo Papa João Paulo II em 03 de Outubro de 2004.

Rui Barbot – Otto de Habsburgo foi uma das primeiras pessoas a quem Aristides de Sousa Mendes, contrariando ordens expressas de Salazar, passou o visto necessário para poder passar a fronteira Franco-Espanhola a caminho de Portugal. Sendo pretendente ao trono do Império Austro-Hungaro tinha a cabeça posta a prémio por Hitler. De Portugal passou aos Estados Unidos da América.

João Barge – Na altura Aristides de Sousa Mendes acabou por conceder vistos a cerca de 30000 pessoas, entre elas 10000 judeus. Além dos vistos passados a Otto de Habsburgo e às pessoas que com ele fugiam, fê-lo também a membros do governo belga e luxemburguês, à Grã-Duquesa Charlotte do Luxemburgo, ao Rabino de Antuérpia e, uma coisa que pouca gente sabe, a Salvador Dali.

Rui Barbot – Mas que fazia em Bissau, em Abril de 1970, Otto de Habsburgo? Apresentava-se como jornalista, segundo julgo. Para que jornal escrevia?


10 – Le Pinay Circle, António de Spínola e Otto de Habsburo

Carlos Nery – Na Net há imensas referências acerca da sociedade secreta Le Circle (ou The Cercle) que dizem ter sido criada pela CIA. Veio a ser designada como Pinay Circle, antes de 1990. O Pinay Circle teria sido criado em 1969 por Antoine Pinay, Jean Violet e Otto de Habsburgo. O seu objectivo seria, na época, o combate ao comunismo. Pertenceriam ao Pinay Circle políticos, banqueiros e intelectuais europeus e americanos.

João Barge - A novidade é que, em vários sites sobre o assunto, se afirma que António de Spínola pertencia, ele próprio, ao Pinay Circle.

Carlos Nery - Nuno Barbieri, outro amigo que fiz em Buba, rejeita esta hipótese. Segundo ele, Spínola pertenceria sim à Maçonaria nunca podendo, por isso, estar ligado a uma Sociedade Secreta com ligações à Oppus Dei, como seria o caso da Pinay Circle.


11- Questões de Segurança, disseram-nos...

João Barge – Estreámos no primeiro fim-de-semana de Abril, à noite e ao ar livre, e foi um êxito. Um êxito tão grande que logo nos pediram para o repetir. Se a memória não me falha, acabámos por fazer, naquela primeira quinzena de Abril, uma série de quatro espectáculos.

Carlos Nery – No primeiro fim-de-semana para oficiais e suas famílias, no fim-de-semana seguinte para os sargentos. Ainda pensámos trazer também algumas unidades da guarnição de Bissau ao Clube Militar. Não foi considerado possível.
Quisemos, ainda, montar o dispositivo cénico no Pilão para a população africana.

João Barge - Não tenho dúvidas que teria sido um êxito. Mas... Nem pensar nisso! Os problemas de segurança seriam muitos, disseram-nos.

Rui Barbot - Descobrimos na cidade uma colectividade que tinha um pequeno palco numa sala de festas. As responsáveis pelo espaço, se estou bem lembrado, religiosas católicas, tinham-no reservado para outros eventos. Não se mostraram interessadas na nossa iniciativa nem disponibilizaram datas..

Carlos Nery - Aliás a Ccaç 2382, que eu comandara, regressara já a Portugal, em Março. Tinha-me oferecido para substituir o Alferes mais antigo, que deveria ter ficado com o Sargento que respondia pela companhia, a ultimar burocracias, entregas de material e contabilidades. Mas o meu objectivo era, principalmente, terminar o trabalho teatral a que me dedicara. Não podia, porém, prolongar por mais tempo a minha comissão na Guiné...


12 – Uma Ponta de Orgulho, Estamos Vivos...

Casal Martin (João Barge e Maria Guilhermina)

João Barge - Ionesco considerava que o seu teatro era sobretudo insólito, em vez de absurdo.
Acho que tinha razão, o que nós fizemos foi algo de insólito, naquele tempo e naquele lugar.
Que ninguém me leve a mal mas, olhando para trás, não posso deixar de sentir uma ponta de orgulho, por mim e por todos os companheiros de viagem.

Carlos Nery - Para nós, expressarmo-nos em termos de arte, era pôr de lado a guerra e libertar a imaginação soltando-a rumo ao céu pleno de estrelas da Guiné! Uma criação artística tem sempre um alvo... Mas, desta vez, julgo que, no fundo, o alvo éramos nós próprios...

Mário Cláudio – Insisto: “Tratava-se de descerrar uma certa janela, propiciadora de mais funda respiração, no quadro constritor da guerra, e com tal gesto propunhamo-nos prestar serviço aos camaradas que, interessados em pensar para além daquilo que constituía motivo de colectiva apreensão, poderiam ver no teatro moldura adequada ao exercício da sua inteligência, e da sua fantasia”.

João Barge - Creio, a esta distância, que o entusiasmo posto por todos, foi uma forma de derrotarmos aquela guerra que nos consumia. De nos dizermos: estamos vivos, somos capazes de pensar, de sentir e de transmitir emoções.




A capa (autoria de Ruy Lobato) e as duas primeiras páginas do programa
Clicar nas imagens para ampliar


13 – O Drama de Jolmete

Carlos Nery - Cerca de uma semana depois do nosso último espectáculo, deu-se o drama de Jolmete, junto ao Rio Cacheu. O assassinato dos Majores Passos Ramos, Pereira da Silva e Magalhães Osório, do Alferes Palmeiro Mosca e dos Militares que os acompanhavam, emocionou toda a gente. Nunca mais se jogou o Bingo e julgo que, a ter acontecido algum tempo antes, ter-nos-ia levado a desistir da apresentação da “Cantora Careca” em Bissau.



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(1) – Sobras do fabrico de tecidos em fábricas texteis portuguesas eram postas à venda no comércio da Baixa de Bissau, muito baratas. Foram comprados retalhos diversos e com eles se costurou o guarda-roupa do nosso espectáculo.

(2) - “A Gota de Mel” foi um dos textos utilizados por António Pedro, em 1953, quando começou a trabalhar com os amadores do Teatro Experimental do Porto. Assisti ao espectáculo de que o poema fazia parte. Fiz parte do TEP, por essa altura, participando nas peças Antígona, na versão do António Pedro, e Macbeth, também traduzida por António Pedro e ambas encenadas por ele em 1956. Quando a Companhia se profissionalizou passei a trabalhar integrado no grupo dos alunos. Contudo, assistia avidamente aos ensaios dos profissionais até que fui chamado para o COM em Vendas Novas em 1957. No início dos anos 60, em Coimbra, integrei o CITAC participando em vários espectáculos, dirigidos por Luís de Lima, entre eles o Tartufo, de Moliére.

Já em Lisboa, na Guilherme Cossul, participei na primeira apresentação de Harold Pinter em Portugal, em 1963, O Monta Cargas, tradução de Sttau Monteiro, encenação de Jacinto Ramos, cenários de João Vieira. Actores, Filipe Ferrer e Carlos Nery. (Ver minha entrevista a Jorge Silva Melo na revista dos Artistas Unidos, n.º 8 de Julho de 2003. Consultar também http://www.haroldpinter.org/plays/frn_dumbwaiter_po63.shtml

Regressado da Guiné, em Maio de 1970, fiz parte da Direcção do 1º.Acto Clube de Teatro, até 1973. Voltei a encenar aí A Cantora Careca e, em seguida o Woyseck,de Büchner (espectáculo que não chegou a ser levado ao público por ter sido alvo de cortes substanciais no ensaio de censura).
Depois do 25 de Abril, em 1976, encenei no Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, em Lisboa, A Excepção e a Regra de Bertold Brecht.

Trabalhei, a seguir, em 1977 e 78, no Teatro da Cornucópia, como actor. (http://www.teatro-cornucopia.pt/htmls/conteudos/EElVkyZApAoiXxluKM.shtml)

Actualmente pertenço à Companhia Maior do CCB.(http://www.ccb.pt/sites/ccb/pt-PT/Programacao/Teatro/Pages/BELA%20ADORMECIDA%2028%20A%2031%20DE%20OUT%20DE%202010.aspx).

Fotos dos ensaios e do espectáculo: © Carlos Nery (2010). Direitos Reservados
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6876: (Ex)citações (94): A maioria silenciosa do nosso blogue (Carlos Nery)

Vd. também postes de:

3 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6670: V Convívio da Tabanca Grande (12): Caras novas (Parte III): O João Barge, da CCAÇ 2317, que foi meu actor em A Cantora Careca, com o Rui Barbot/Mário Claúdio... (Carlos Nery)
e
24 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6781: Controvérsias (98): Quem não se sente... não é filho de boa gente (Carlos Nery)