sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9409: Tabanca Grande (319): Vítor Caseiro, ex-Fur Mil da CCAÇ 4641 (Mansoa e Ilondé, 1973/74)

1. Mensagem do nosso camarada Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado), com data de 25 de Janeiro de 2012:

Caros editores
O Vítor Caseiro não é novo no blogue. Mas tem-se portado como um outsider... Já o encontrei por várias vezes - no Encontro Nacional em Monte Real, em apresentações de livros em Lisboa, nos convívios da Tabanca do Centro, também em Monte Real. Parece que agora o convenci a deixar o anonimato e candidatar-se a um lugar de tertuliano na Tabanca Grande. Vai daí, resolveu descarregar-me tudo em cima - apresentação, foto da Guiné (podia ser o primo, que ninguém notava...), foto actual, e uma 1ª história, para começar. E eu que me desenrasque a enviar-vos o material e a apadrinhar a sua entrada...

Não me lembro de ele o ter dito, mas o Vítor é de Leiria. Quando do seu aniversário (nasceu em 27 de Junho de 1961), não sendo tertuliano enviei-lhe pessoalmente um postal de parabéns, que naturalmente não enviei para publicação no blogue. Por curiosidade junto também esse postal; e isso lembra-me que o Vítor é bastante empenhado em acções de solidariedade para com os seus conterrâneos, tendo sido até há pouco tempo dirigente da AMBESSE - Associação de Melhoramentos e Bem Estar Social de Santa Eufémia (Leiria).

Tratem bem do rapaz...
Abraço.
Miguel


Do Padrinho Miguel para o afilhado Vítor. Prenda de aniversário do ano passado


2. A minha apresentação:
Eu, Vítor Caseiro ex-Furriel Miliciano da CCaç 4641

Quando estava colocado no RI 14 em Viseu, saiu em ordem de serviço a minha mobilização para Angola (26 de Setembro de 1972). Apresentei-me no RI 16 em Évora para formar a CCaç 4641. Entretanto, no início de Maio, a Companhia foi informada do embarque para Angola agendada para o dia 8 de Junho de 1973.

Em 23 de Maio às 12h recebemos ordens para nos apresentarmos às 6h do dia seguinte, no aeroporto de Figo Maduro. No dia do embarque, quando nos preparávamos para entrar no avião, fomos informados que já não iríamos para Angola, mas sim para a Guiné. Depois de várias manifestações de revolta da nossa parte, tentámos recusar o embarque. Foi quando chegou um pelotão da P.M. e nos forçou a entrar no avião.

Após o desembarque na Guiné, o oficial superior que nos fez a receção, informou-nos que a nossa Companhia era a primeira de outras que vinham em reforço do contingente militar na Guiné. Daí seguimos para o Cumeré para fazer novo I.A.O. e mais tarde para Mansoa substituindo a 3.ª Companhia do Batalhão 4612 que foi deslocado em apoio de Gadamael, que estava a ferro e fogo. Estávamos no famoso Maio de 73, altura em que se desencadearam as maiores operações de ataque pelo inimigo por toda a Guiné. Foi neste mês que se deram os cercos aos aquartelamentos de Guidaje e Guileje, sendo este abandonado pelas nossas tropas. Este inédito acontecimento foi o motivo da nossa Companhia ter ordem de embarque em menos de 24 horas.

Ao fim de 13 meses de Guiné, a minha Companhia foi deslocada para Ilondé, onde passámos a fazer colunas de abastecimento de Bissau para Farim.

O final da nossa comissão, foi fazer segurança e proteção ao Palácio do Governador.


3. Comentário de CV:

Caro Vítor Caseiro, não te abro a porta porque já és um frequentador da Tabanca, se não da Sede, pelo menos das filiais. Quer nos convívios da Tabanca Grande quer na Tabanca do Centro, apareces regularmente e já conheces muita da malta.

Espero que o Miguel não leve a mal eu ter começado a tua apresentação com a sua mensagem, mas acho ter as minhas razões.
Primeiro porque não podias ter melhor padrinho. Ele, o Miguel, é único, tem um sentido de humor sem limites e é um camaradão.
Segundo, se reparares, ele diz que nasceste em 1961, logo não é um amigo qualquer. Nos tempos em que os aumentos são diários, ele faz-te um desconto de 17,4% na idade. A mim os meus amigos costumam dizer que não me dão mais de 62 anos, ao que respondo, obrigado, mas tenho 63. Tu não, tens aí um amigo a sério. Já agora, que dizes se aceitarmos como certo 1951 o ano do teu nascimento?
Terceiro porque ele tratou dos teus papéis, tudo direitinho, como os padres que despacham aquele assunto chato e complexo dos papéis para casar. É pena que não tratem dos do divórcio, mas compreende-se porque o ofício deles é ligar e não desligar. O electricista é que faz as duas coisas.
Quarto... vamos ficar por aqui ou damos importância a mais ao Miguel.

Posto isto, camarada Caseiro, o melhor é sentares-te a trabalhar e mandares a tua segunda colaboração, a primeira segue dentro de momentos, e já agora, por favor, se fizeres mais um pouco de esforço mandas directo para nós. É que já devemos imensos favores ao Miguel e ele não pára de cobrar.

Os teus trabalhos, esperemos que muitos, devem ser enviados para luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com e para um dos editores de serviço: carlos.vinha@gmail.com e/ou magalhaesribeiro04@gmail.com

Já agora podíamos trocar galhardetes. Uma vez que te demos os nossos endereços, esperamos o teu. Desta feita vamos enviar a mensagem de boas vindas via Miguel Pessoa.

Posto isto, resta, em nome da tertúlia, enviar-te um abraço de boas vindas.

Pelos editores
Carlos Vinhal




4. Uma história

Todos os militares combatentes têm as suas histórias para contar.
Eu, também tenho as minhas e vou passar a descrever a primeira.

No dia 23 de Maio de 1973, dia em que a minha Companhia recebeu ordem de embarque para o dia seguinte, estava eu de sargento de dia no RI 16 em Évora e só no final do dia foi possível proceder à minha rendição. Durante toda essa tarde os meus camaradas fizeram as compras que entenderam necessárias, como por exemplo, as divisas para os novos postos, entre outras. Quando desembarcámos no aeroporto de Bissalanca a Companhia formou-se em parada militar para ser recebida pelo Chefe das 2.ª e 3.ª REP/QG/CTIG, Sr. Major Porfírio dos Santos. Pertencendo eu ao 1.º Pelotão fiquei “cara a cara” com este. Após o seu discurso o Sr. Major ordenou-me que o acompanhasse a um gabinete onde estava um 1.º Cabo Escriturário ao qual deu a ordem de passar uma guia de marcha para eu ser transferido para um aquartelamento (cujo nome não fixei). Após esta ordem, o 1.º Cabo informou-me que ia para um sitio onde todos os dias se morria. Naquele momento senti o desmoronar de todos os meus 20 anos de juventude (já era pai de um filho com 8 meses). Ainda não estava recomposto do choque emocional da mudança brusca de não embarcar para Angola mas sim para a Guiné (onde a guerra e o clima eram devastadores) e já estava a sofrer outro revés psicológico.

Algum tempo depois, o capitão da minha Companhia questionou o Major Porfírio sobre o que se estava a passar comigo, foi nessa altura que este afirmou que eu ao chegar com divisas de Cabo Miliciano, seria porque vinha debaixo de um castigo militar (uma porrada ). Após o esclarecimento do equívoco tudo voltou à forma inicial e regressei à Companhia que esperava nas viaturas que nos haviam de levar para o campo militar do Cumeré.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9394: Tabanca Grande (318): Carlos Milheirão, ex-Alf Mil da CCAÇ 4152/73 (Gadamael e Cufar, 1974)

Guiné 63/74 - P9408: Nós da memória (Torcato Mendonça) (5): Fado no Império - Fotos falantes IV

Fados no Oceano

Foto ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados





1. Em mensagem do dia 25 de Janeiro de 2012, o nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), enviou-nos um texto para integrar os seus "Nós da memória", mas ilustrada com fotos falantes da sua IV série. Promete.





NÓS DA MEMÓRIA - 5
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

1 - Fado no "Império"
Fotos Falantes IV

Necessitava, para “desatar” mais uns nós da memória, de um qualquer auxílio.
Seleccionei algumas dezenas de slides e serão eles o auxílio pretendido.
Não sinto vontade em continuar a falar – escrever – sobre a “guerra pura e dura”, não, isso não.
Voltarei? É possível. Nunca digas nunca.

Suspendi o relato, a minha descrição, sobre a “Lança Afiada”. Descansa num dossier. São muitas folhas e não as quero como outras na lareira.

Antes de começar a escrever fiz breve visionamento dos slides, ora seleccionados, e um deles chamou-me a atenção. O Fado cantado em alto mar, o nosso fado, o destino de um Povo aqui em regresso de serviço prestado à ditosa Pátria.

Este, que aqui pelos ares atlânticos se perdia, não era certamente o fado triste das vielas de Lisboa e de seus amores e desamores. Não. Este teria certamente a música plagiada de um desses fados. A letra seria sobre a vida dos soldados em regresso à velha capital do Império, algo sobre a sua estadia de dois anos na Guiné, dois anos de uma juventude interrompida.

Era o regresso, o regresso das últimas caravelas. A rota seria a mesma, pouco importando os ventos e marés e, em tudo o mais diferente, quer na ida ou no regresso dos mesmos homens agora mais velhos, precocemente mais velhos, muito diferentes dos jovens da ida. O País esperava-os para deles se desenvencilhar rapidamente. Seriam peças descartáveis da máquina trituradora daquela geração. País virado ao mar e ao umbigo de minoria, País de sonho irrealizável, teimoso e bolorento nesse e noutros quereres.

Continuava virado a ilhas, a áfricas e ásias onde, a sua bandeira tremia há séculos, por terras conquistadas e mantidas com impossíveis por tão diminuta gente. Uma ocupação de conveniência.
Séculos de ocupação, de exploração para beneficio de minoria de seu Povo ou, pior ainda, para gentes de outros Países que, em conjunto com a pequena elite deste nosso rectângulo, usufruíam os proveitos desse estar e explorar terras e bens de outras gentes, impondo sofrimento, dor e humilhação.

Usavam a fé, os novos saberes da tecnologia, da cultura desrespeitadora da desses povos e não queriam entender, por não lhes interessar, que isso nada a tais gentes beneficiava. Eram gentes que nunca foram assim, em suas terras, cidadãos inteiros de um espaço que errada e enganosamente se dizia ser: - pluricontinental e multirracial do Minho a Timor. Por muito que hoje se duvide, outrora, poucas décadas atrás, muitos nisso acreditavam ou ainda acreditam.

Certo é que houve minoria, dessa gente oprimida, que desse colonialismo se libertou. Talvez, esses mesmos que de tais práticas se iam libertando, contribuíram para que os impérios se fossem desmoronando e um dia muitos, muitos mesmo ou quase todos pensaram serem livres, serem cidadãos inteiros e, mesmo apressadamente, dos velhos senhores se libertaram.

Erro deles, saíram de algo que lhes era imposto, algo que os oprimia e, sem disso se aperceberem logo noutras opressões, noutras servidões impostas por outros senhores, deles irmãos, caíram. Ainda esperam, hoje, por um novo mundo, um mundo mais livre, fraterno e sem tanta desigualdade.

Ah, ah… os últimos soldados do império? Esses, quase a totalidade, depois de serem descartados, ignorados e esquecidos vão desta vida se libertando. Não pesam pois, num Olimpo qualquer onde peso não interessa e, se algo deles cá fica, serve para outros comemorarem e relembrarem o nada em conforto de egos. Fica ou cai bem. Por vezes não, por vezes o lauto almoço, que, de um modo geral se segue excede os cuidados a ter com idades e maleitas próprias.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9295: Nós da memória (Torcato Mendonça) (4): Ano Novo; Ano Velho e Toca o Mesmo

Guiné 63/74 - P9407: Notas de leitura (327): Bordo de Ataque - Memórias de Uma Caderneta de Voo e um Contributo para a História, de José Krus Abecasis - II Volume (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Janeiro de 2012:

Queridos amigos,
É de todos sabido como são raros os testemunhos dos oficiais da Força Aérea, no curso da guerra. Krus Abecasis, para minha surpresa, tem páginas de grande devoção à sua missão, combateu de dia e de noite, não ilude o grande número de tensões que viveu com outros camaradas, incluindo as forças paraquedistas. É incrível como estas centenas de páginas não aparecerem na bibliografia geral, ele que combateu nas três frentes. Quiçá por razões ideológicas, a narrativa perde por vezes a fluidez com enxertados, na cronologia, da situação internacional, faz perder o ritmo e implica a releitura. Há aqui páginas que constarão, estou seguro, nas antologias sobre a guerra, quando chegar a hora de alguém as publicar.

Um abraço do
Mário


Bordo de ataque: memórias de um oficial general da Força Aérea (2)*

Beja Santos

O Major-General José Krus Abecasis, recentemente falecido, publicou em meados dos anos 80 as suas memórias, cerca de 900 páginas em dois volumes, de um indesmentível interesse (Bordo de ataque, memórias de uma caderneta de voo e um contributo para a história, Coimbra Editora, 1985). Krus Abecasis teve funções relevantes como Comandante da Zona Aérea de Cabo-Verde e Guiné, foi piloto em operações decisivas, bateu-se pela melhoria do equipamento e pelas operações coordenadas. Não esconde a sua amargura e deceção face às outras armas, nomeadamente o Exército.

No apontamento anterior, foram referidas as suas memórias quanto a uma operação de bombardeamento da Ilha do Como, depois de se ter apurado que as forças do PAIGC estavam a criar uma situação preocupante às guarnições de Cachil, Cacine e Cameconde. A operação, a nível da Força Aérea, terá sido um sucesso, faltou-lhe a componente ocupação, que nunca veio a ocorrer. Depois de uma operação de bombardeamento ao Cantanhez, para destruir as peças antiaéreas, cumpria aos paraquedistas confirmarem os resultados. Foi o Capitão Tinoco de Faria quem comandou essa operação. Este capitão tinha-se revelado um chefe de invulgar envergadura, na operação “Relâmpago” coube-lhe o salvamento de um helicóptero acidentado na área de Jabadá, que ele executou com brilho. Foi ele que veio confirmar a operação resgate através da operação “Mercúrio”. Tinoco de Faria iria ser morto em combate na operação “Grifo” que comandou no corredor de Guileje. Krus Abecasis reconstitui todos esses lances dramáticos em que ”apesar da perda de sangue Tinoco de Faria reagiu com ânimo e gravemente atingido no tronco, ficou incapacitado. Vergado pelo sofrimento, recebe os primeiros-socorros do enfermeiro e diz aos seus homens que não se preocupem com ele e continuem o combate. Que transmitam a sua mulher que o seu último pensamento foi para ela”. Krus Abecasis propõe para militar tão exemplar a distinção da Torre e Espada a que não foi atendido.

Refletindo sobre o teatro de operações da Guiné em meados de 1966, refere os progressos do PAIGC a Oeste, Leste e Sul. Por essa altura, a guerrilha agravou-se na área Bula-Teixeira Pinto e Teixeira Pinto-Cacheu. Chegaram aviões Fiat que, com os Alouette III imprimiram um novo ritmo de apoio e fogo nas operações. Em Agosto, a guerrilha acentuou-se no Leste, à volta de Madina do Boé e de Bel, Krus Abecasis a tripular um Dakota, comandou a operação “Ribalta” para castigar severamente as forças do PAIGC na região, o que teve bons resultados conjunturais. Voltou a situação crítica em torno do Quitafine, Cacine e Cameconde voltaram a ser muito atacadas e a resposta foi a operação “Estoque”.

Os problemas de indisciplina sucederam-se, Krus Abecasis teve graves desentendimentos com as forças paraquedistas, a este nível. Como a situação do Sul exigia cada vez mais a intervenção das forças especiais, aprontou-se uma operação tida como muito intimidatória, a operação “Samurai” com bombardeamentos e atuação dos paraquedistas, o ponto de arranque seria Cufar. O oficial general escreve um texto demolidor acerca do comportamento dos oficiais da CCAÇ 763, em Novembro de 1966. A operação terá tido os seus resultados, com destruições, inimigos abatidos e neutralização das posições inimigas. Sempre crítico e exigente, ele escreve: “Se o inimigo fora duramente atingido, não restava dúvida que o seu corpo de batalha continuava intacto. Contrariamente ao que esperávamos, recolheu-se à área central, fazendo-se acompanhar das populações, que dominava. Os nossos grupos de combate encontraram o vácuo à sua frente, com exceção do contato na Ilha da Caiar”. O caminho estava aberto para exploração do sucesso, mas não houve operações de ocupação. Krus Abecasis ainda preparou a operação “Valquíria” para voltar a atacar o Cantanhez já que o inimigo se mostrava cada vez mais agressivo na navegação no rio Cumbijã, o que deixava Bedanda numa situação crítica de abastecimento, que envolveu vinte cinco missões aéreas incluindo bombardeamentos noturnos. E volta a escrever: “Tive ocasião de admirar a coragem com que os artilheiros das peças antiaéreas nos faziam frente, mantendo-se nas suas posições e disparando continuamente, quando os envolvíamos em metralha, indiferentes ao risco que corriam. Terminada a missão, fiquei a meditar, se entre combatentes portugueses poderíamos encontrar tal valentia. Acabei por me resignar com uma disposição nostálgica: afastar estes pensamentos para não cair no desespero que a realidade quotidiana da comissão na Guiné impunha inexoravelmente. O inimigo batia-se e morria no seu posto, fazendo-nos frente com bravura invejável e desconhecida da generalidade dos militares portugueses. Qual seria o futuro desta guerra, em que tal desequilíbrio psicológico dos combatentes era chocantemente em favor do inimigo”.

Sumariando o que se passou em 1966, o autor considera que operações como “Resgate”, “Estoque”, “Samurai” e “Valquíria” tinham contribuído para travar a progressão do PAIGC, houvera muitas baixas na Ilha do Como, mas estavam cada vez mais poderosos no Quitafine. Krus Abecasis ainda tentou preparar a operação “Apocalipse” para voltar a bombardear o Quitafine, a nível da reunião do Comando-Chefe houve opiniões desfavoráveis alegando-se que a importância do objetivo não compensava as perdas previsíveis. É por essa época, desiludido e contrariado, que Krus Abecasis suspira por ver o fim da sua comissão. Em Janeiro de 1967, regressa a Lisboa. Irá ser condecorado com a Medalha de Valor Militar com Palma, Arnaldo Schulz redigiu um louvor onde apreciava a obra por ele realizada: “Soubera ser um disciplinador e impulsionador do emprego dos meios aéreos”, “agia pelo exemplo, voava quer de dia quer de noite, por vezes em situações de risco manifesto” prestara serviços considerados relevantes e distintíssimos. Já como comandante da Base Aérea n.º 6, no Montijo, Krus Abecasis escreve a Schulz: “… Lamento sinceramente não ter-lhe conseguido ser de maior utilidade. Espero que lhe tenha sido manifesta a minha vontade constante de estruturar uma Força Aérea com um valor combativo próprio… Talvez eu tenha originado mal-entendidos de pessoas menos informadas quanto às minhas intenções… Maior teria sido a motivação se o ambiente geral refletisse aquele valor e grandeza que ansiosamente quis descortinar, mas sempre em vão. Talvez por isso nem sempre consegui dissimular a minha discordância de generosas apreciações feitas na presença de V.Exª”.

As memórias de Krus Abecasis sobre a Guiné não ficam por aqui. Voltará a visitar a Zona Aérea de Cabo-Verde e Guiné em 1969, então comandada por Diogo Neto. O que viu chocou-o; no tempo de Schulz os assuntos eram expostos pelos Comandantes dos três ramos das Forças Armadas, agora eram jovens oficiais que dialogavam descontraidamente com Spínola, apagando o papel dos oficiais dos três ramos das Forças Armadas; agora, Spínola decidia majestaticamente com os oficiais da sua corte e as críticas aos comandantes em voz alta tornara-se um lugar-comum durante as reuniões.

São memórias assombradas de um oficial general que nunca encobre, do princípio ao fim, como se sentiu comprometido com a causa da defesa ultramarina, profere, em tom por vezes cáustico, críticas aceradas aos seus pares, não esconde nomes nem se acoite em acusações vagas e genéricas.

Não dá para entender como é que estas memórias nunca aparecem mencionadas na bibliografia geral da Guerra Colonial.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9389: Notas de leitura (325): Bordo de Ataque - Memórias de Uma Caderneta de Voo e um Contributo para a História, de José Krus Abecasis (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 25 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9400: Notas de leitura (326): Anticolonialismo e Descolonização, por Luís Filipe de Oliveira e Castro (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P9406: Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (6): Bissau, 23 de Junho de 1972, e 25 de Março de 1974: dois estados de espírito diferentes...

1.  Bissau, dois estados de espírito: à chegada ao TO da Guiné (23 de Junho de 1972), em rendição individual; e a escassas semanas (25 de Março de 1974) do regresso a casa (a 20 de Abril de 1974, num dos aviões dos TAM), uma vez finda a comissão e cumprido o dever para com a Pátria...

Estamos, naturalmente,  a falar do nosso amigo e  camarada António Graça de Abreu (AGA) e do seu diário...  Por gentileza e generosidade suas, aqui fica mais um excerto do seu Diário da Guiné, 1972/74, de que temos um ficheiro em word, o mesmo que serviu de base à edição do seu livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp). (*)

 Bissau, 23 de Junho de 1972

 (...) Foram nove horas directas de voo até Bissau, não consegui pregar olho. Nem alegre, nem saudoso, nem revoltado. Se tem de ser, que seja!Bissau – ainda não vi quase nada, – parece-me melhor cidade do que eu imaginava, a guerra chega aqui já diluída, o ambiente não é assim tão pesado. O burgo está em paz, talvez uma paz podre, mas paz. Há muita bicharada à noite, nas paredes e sobretudo em volta dos candeeiros de iluminação pública, são osgas e milhares de estranhíssimos insectos, mosquitos gigantes rodopiando encadeados pela luz. Mas na cidade também há andorinhas. (...)

O dia nasceu, nuvens e mar, sempre tanto mar! O avião [, um velho DC 6,] desceu sobre mais ilhas, os Bijagós, creio, e entrou voando baixo na Guiné. Vista do ar a terra é bonita, rios largos, canais serpenteantes, arrozais, clareiras, florestas e aldeias.

Trouxeram-me do aeroporto de Bissalanca para o Clube de Oficiais e destinaram-me umas instalações miseráveis. Somos oito alferes, todos de passagem por Bissau, num quarto pequeno com beliches, sem higiene nem condições decentes de habitabilidade, nem um armário tenho para arrumar as minhas coisas que estão todas na mala, no chão. Chamam a isto o “Biafra”. (...)

No entanto o Clube de Oficiais tem uma messe onde me dizem que se comem algumas iguarias e existe uma simpática piscina. O calor é bastante mas, habituando-me, vou aguentar.



Bissau, 24 de janeiro de 1972

(...)  Dizem-me que indo para o mato terei só vinte e um meses de comissão, e não vinte e quatro, como aconteceria se ficasse em Bissau, mas isto não é certo. Certo é nada aqui ser certo, excepto eu estar na Guiné com a moral nem alta, nem média, nem baixa, com o calor a morder-me a pele e a chuva, em vez de lágrimas, a correr-me pelo rosto. (...)


(...) Bissau, 25 de Março de 1974

A grande novidade em Bissau, capital da guerra foram as bombas no Quartel- General, na Amura [, em 22 de fevereiro de 1974], onde os estragos estão bem à vista, e num café no centro da cidade onde inicialmente morreu um civil mas depois morreram mais três militares, entre eles um soldado da 38ª de Comandos [, afecta ao CAOP1]. Estes pobres rapazes até a Bissau vêm morrer!

Foram postas em prática medidas de segurança patentes onde quer que uma pessoa vá. Há patrulhas da polícia militar e civil um pouco por todo o lado. Agora, para se entrar no Quartel-General só falta passar pelo RX. O medo é maior, as coisas estão a mudar.

Em Bissau encontro cada vez menos gente conhecida. Sou um dos mais velhinhos, muitos dos amigos e conhecidos regressaram de vez a Portugal.

No Clube de Oficiais tive uma surpresa. Encontrei a Margarida, minha apaixonada há uns anos atrás, uma mulher inteligente e bonita que, por bem, mexeu com a minha massa cinzenta, e não só. Casou com um capitão e veio para Bissau fazer-lhe companhia. Cumprimentei-a mas não falámos, o marido estava ao lado e, sem me conhecer, deitou-me uns olhos de assustar. A Margarida continua linda, voluptuosa, redondinha, um estupendo “stragnoff” para os dentes do seu capitão. (...)


Bissau, 16 de Abril de 1974


Os papéis foram todos deferidos, a viagem está marcada para 20 de Abril, no voo dos TAM (Transportes Aéreos Militares), com chegada à Portela, ao Figo Maduro por volta das sete horas da tarde.

A Guiné acabou, mas só acredito quando o avião começar a descer sobre Lisboa.


Bissau, 17 de Abril de 1974


Dividimos almas, afectos, o calor do sangue, ideias, desígnios, promessas de futuro. Unidos, separados. Recomeçar. Beijo-te, até sábado, nos meus braços rubros, no teu corpo azul. [FIM]

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 20 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9375: Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (5): "Uma novidade, os guerrilheiros utilizaram viaturas blindadas na flagelação a Bedanda [, em 31 de março de 1974]"...

Guiné 63/74 - P9405: Efemérides (84): Luís Filipe Maçarico e Joaquim Isidoro dos Santos, dois bravos da Lourinhã, que ficaram prisioneiros das tropas indianas em 19 de dezembro de 1961




Recorte do quinzenário regionalista "Alvorada", de 6 de janeiro de 2012, em que se evoca a guerra (esquecida) da Índia... Reproduzido com a devida vénia. Um pequena homenagem a geração de humilhados e ofendidos a que o nosso blogue também se quer associar. O meu abraço fraterno ao Luís e ao Joaquim. (LG)



1. Dois conterrâneos meus e meus conhecidos, o Luís Filipe Maçarico – que também é meu parente: a minha bisavó materna, Maria Augusta,  nascida por volta de 1860, era irmã do seu  bisaô paterno, Manuel Filipe Maçarico –  e o Joaquim Isidoro  Santos são duas memórias vivas da guerra da Índia, que muitos portugueses não associam à guerra colonial: ambos ficaram prisioneiros, em Goa, no dia 19 de Dezembro de 1961. 

Estes nossos dois camaradas foram recentemente entrevistados (e - de algum modo - homenageados pela comunidade a que pertencem) pelo jornal quinzenário  regionalista “Alvorada”, nº 1096, ano LI, de 6 de Janeiro de 2012. Diga-se, de passagem, que é uma terra, a Lourinhã, que tem sabido acarinhar os seus filhos, antigos combatentes da guerra colonial.

Luís Filipe Maçarico, nascido em 1939, em Ribamar, chegou à India, em 1960, com 21 anos. Cumpriu 28 meses de serviço militar como cozinheiro, primeiro no Hospital Militar de Panjim, e depois – os últimos cinco meses – no campo de prisioneiros (onde continuou a cozinhar para os seus camaradas). O Luís é, além disso, uma pessoa muito estimada na sua terra, estando ligado à organização de eventos como os dois primeiros encontros dos Maçaricos de Ribamar ou à dinamização do Rancho Folclórico de Ribamar.

Por sua vez, Joaquim Isidoro Santos, taxista, natural da Atalaia, também tinha 21 anos quando foi para Índia (ou completou-os a caminho). Em Goa, foi nomeado encarregado da messe de sargentos, tarefa que cumpriu desde Março de 1961 até à invasão do território pelas tropas da União Indiana, em 18/19 de Dezembro de 1961.

Os prisioneiros, naturais da Lourinhã, em número de 13 foram, para além do Luís e do Joaquim, os seguintes

Veríssimo Maçarico  e Domingos Venâncio (Ribamar);  
Acácio Delgado (Toxofal de Baixo); 
Álvaro Rebelo (São Bartolomeu dos Galegos);  
José dos Reis e José Arsénio (Miragaia);  
Silvino Ribeiro e Jorge Rodrigues (Cabeça Gorda);  
Alcino Alves (Praia da Areia Branca); 
Carlos dos Santos (Toledo); 
e Deodoro Nogueira (Lourinhã).

A experiência de cativeiro marcou-os, a ambos, para o resto da vida, salientaram os dois lourinhanenses, Luís Filipe Maçarico e Joaquim Isidoro dos Santos,  à jornalista Sofia de Medeiros, autora do artigo supracitado ("Guerra no Índico há 50 anos recordada na Lourinhã").  No passado dia 19 de Dezembro, ambos estiveram também junto ao monumento dos combatentes da guerra do ultramar, em Belém,  Lisboa, na cerimónia evocativa desta triste efeméride. 

Recorde-se que a generalidade dos antigos prisioneiros da Índia (cerca de 3500) foram, no regresso á Pátria, mal tratados, humilhados, abandonados, ostracisados, esquecidos... Para o regime político da época, e para sua opinião pública, eles pura e simplesmente deveriam ter-se deixado imolar no altar da Pátria na defesa da Índia Portuguesa, a "joia da coroa". Por não ter sabido resistir, até á última gota de sangue, Vassalo e Silva, o governador geral da Índia e comandante chefe da simbólica força expedicionária estacionada nos territórios de Goa, Damão e Diu, fui expulso do exército...

O Isidoro, por sua vez, já tinha tido a iniciativa, inédita, em 2008, de homenagear publicamente o seu antigo comandante, o gen Vassalo e Silva.  Pode ler-se no jornal “Alvorada”, “on-line”, a seguinte notícia de 21/7/2008

(…) “Manuel António Vassalo e Silva, último governador português de Goa, Damão e Diu, foi homenageado no passado dia 22 de Junho [de 2008] na Atalaia, naquela que foi a primeira cerimónia pública do género no país. Para prestar a homenagem, foi descerrada uma lápide em sua memória junto à praceta que passou a designar-se Praceta General Vassalo e Silva, localizada a cerca de 600 metros a norte da Igreja de Nª Srª da Guia”.

E acrescenta a notícia: A iniciativa para promover esta sessão solene partiu do lourinhanense Joaquim Isidoro dos Santos que, juntamente com Vassalo e Silva, foi feito prisioneiro em 1961, durante cinco meses, pelas forças da União Indiana, depois da invasão do território então sob administração portuguesa. 


A Junta de Freguesia da Atalaia e a Associação Nacional Prisioneiros de Guerra   [, originalmente, Associação dos Ex-Prisioneiros de Guerra da Índia e de Timor ] também se associaram a esta justa homenagem. "Joaquim Isidoro dos Santos, o Coronel José Clementino Pais [, entretanto falecido, em 2066], o Capitão Luís Neves e Silva e o Sargento Sérgio Dias Simões, fundaram no ano 2000 esta associação. Quatro anos depois sucedeu outra direcção da qual este lourinhanense faz parte”. 

Na cerimómia, a  Associação Nacional de Prisioneiros de Guerra esteve representada pelo gen Jorge Silvério, também ele lourinhanense, natural de Ribamar, que usou da palavra para fazer uma breve evocação do gen Vassalo e Silva. Por sua vez, em nome da família do homenageado, “a filha mais nova Maria Fernanda Vassalo e Silva agradeceu a todos os presentes a homenagem feita ao seu pai. 'É maravilhoso pensar que após 46 anos de tudo o que aconteceu na Índia, aqui na Atalaia se esteja a fazer uma homenagem ao meu pai', disse"... 


A filha do general lembrou que o pai era “uma pessoa muito delicada, muito simples, amigo do seu amigo e de todos. Em Goa as pessoas continuam a recordar o meu pai com saudade”.
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Notas do editor:

Último poste da série > 30 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9290: Efemérides (62): A CART 3521 chegou à Guiné no dia 29 de Dezembro de 1971 (Adriano Neto)

Vd. também postes anteriores:

17 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9219: Efemérides (61): A invasão da Índia Portuguesa em 18 de Dezembro de 1961 (José Martins)

17 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9217: Efemérides (59): O Gen Carlos de Azeredo recorda, em entrevista à TSF, a invasão de Goa (que faz hoje 50 anos)


Guiné 63/74 - P9404: Parabéns a você (373): Mário Serra Oliveira, ex-1.º Cabo Escriturário, Messe de Oficiais da FAP (Guiné, 1967/68)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9387: Parabéns a você (372): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833; Francisco Godinho, ex-Fur Mil da CCAÇ 2753 e José Albino, ex-Fur Mil do Pel Mort 2117

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 – P9403: Memória dos lugares (172): Bissau: que diferença de 1964: 1965 e 1966 (João Sacôto)

1. Comentário do dia 25 de Janeiro de 2012 do nosso camarada João Sacôto (ex-Alf Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), deixado no P9391:

Faz dó ver o estado de degradação do antigo Palácio do Governador e zonas circundantes. Que diferença de 64, 65 e 66. Em 1980, também eu fui em romagem de saudosismo à Guiné. Nessa altura já se verificava alguma degradação em todos os lugares que antes conheci, mas não tanto com pelos vistos, agora se nota.
J.Sacôto
ex-Alf Mil
CCAÇ 617





Fotos: © João Sacôto (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
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Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 9 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9338: Memórias da CCAÇ 617 (2): Toby, o Cão da Tropa (João Sacôto)

Vd. último poste da série de 26 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 – P9401: Memória dos lugares (171): A minha Bissau, nas vésperas do 25 de Abril de 1974 (Nelson Herbert)

Guiné 63/74 - P9402: As minhas memórias (Fernandino Vigário) (2): História do Batalhão de Caçadores 1911

1. Mensagem do nosso camarada Fernandino Vigário (ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 1911, Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69), com data de 24 de Janeiro de 2012:

Caro amigo Carlos Vinhal uma boa noite.

Cá estou de novo, em anexo vou contar algo sobre a história do Batalhão de Caçadores 1911, e conto aquilo que sei, a minha condição de soldado raso nunca permitiu saber muito sobre aquela guerra, as poucas informações que tinha vinham do pessoal de transmissões e administrativos, e muita coisa já me esqueceu.

Um forte abraço
Fernandino Vigário


AS MINHAS MEMÓRIAS - 2

Batalhão de Caçadores 1911 - GUINÉ 1967 - 1969


COMANDANTES DO BATALHÃO

- Ten Cor Inf.ª Álvaro Romão Duarte - De 04DEZ66 a 14AGO67
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 15AGO67 a 26OUT67
- Ten Cor Inf.ª Domingos André - De 27OUT67 a 04ABR68
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 05ABR68 a 17JUL68
- Major Inf.ª Vitorino Azevedo Coutinho - De 18JUL68 a 21AGO68
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 22GO68 a 30OUT68
- Ten Cor Inf.ª Renato Nunes Xavier - De 31OUT68 a 14JAN69
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 15JAN69 até ao fim de comissão



HISTÓRIA do BATALHÃO DE CAÇADORES 1911

Atividade operacional na Guiné

Ao Batalhão de Caçadores 1911, desembarcado em 2 de Maio de 1967 em Bissau, foi-lhe destinado o aquartelamento de Brá, com a missão de reserva do Comando-Chefe.

Como a preocupação dominante do Comando do Batalhão era preparar os seus quadros e tropas o melhor possível para a guerra que íamos travar, providenciou-se que todas as Companhias operacionais incluindo a CCS fizessem na área da ilha de Bissau as seguintes atividades:
- Intensa educação física;
- Tiro em todas as ocasiões disponíveis na carreira de tiro;
- Exercício de embarque e desembarque das LDM no ilhéu do Rei em terrenos lodosos, e instrução sobre o mesmo por oficiais da Marinha;
- Colaboração na atividade operacional do BArt1904 no Sector de Bissau com relevo em patrulhamentos e emboscadas noturnas.

Durante a estadia do Batalhão em Brá, as três Companhias operacionais realizaram no interior da província 15 operações.

Quando o Comando do Batalhão foi informado no Quartel-General que ia para o sector de Teixeira Pinto foi-lhe prestada a seguinte informação: O sector de T. Pinto não é um sector de “roncos” é um sector difícil e de importância capital, se conseguirem evitar que o inimigo penetre e domine o sector será o maior ronco da Guiné.

O Batalhão, seguiu para Teixeira Pinto onde desembarcou a 15 de Agosto de 1967 e sem o 1.º Comandante Álvaro Romão que não deixou saudades.

O Major Castela Jaques que à data era 2.º Comandante, foi nomeado Comandante do Batalhão, e em pouco tempo mostrou de que cepa era feito. Deu um prémio ao Capelão Abel Gonçalves e enviou-o para Jolmete, um hotel de ver estrelas!

Em 27OUT67 o Batalhão recebe um novo Comandante, o Tenente Coronel Domingos André, um grande militar e um ser humano cinco estrelas que viria a ser um verdadeiro e único Comandante digno deste nome, tive oportunidade de conversar com ele, sabia respeitar e era respeitado: este sim, quando partiu deixou saudades.

Durante os nove meses em que atuamos no sector de T. Pinto o Batalhão cumpriu com determinação as missões que lhe foram impostas.


Atividade exercida junto das populações (Acção Psicológica)

O inimigo durante o período de Agosto de 1967 a Maio de 1968 intensificou o seu esforço de subverter o povo manjaco com a finalidade de os empenhar ativamente na luta utilizando especialmente:
-Emigrantes manjacos do Senegal e da Gâmbia para a propaganda e mentalização do seu povo.
-Jovens raptados ou recrutados voluntariamente para atuarem depois de devidamente instruídos militarmente junto da população onde vivem os seus familiares, de quem recebem toda a proteção e auxílio.
-A técnica de intimidação e de comprometimento para forçar a colaboração dos chefes das Tabancas para a organização político-administrativa inimiga nas regiões do Sector.

O Comando do Batalhão 1911 desenvolveu uma intensa acção psicológica no Sector a saber, 110 operações de contato com a população visando especialmente:
- Apoiar a ação dos professores das escolas atribuindo livros e cadernos aos alunos de forma a elevar o nível cultural das camadas jovens.
- Executar e promover medidas de propaganda que conduzissem a uma mentalização adequada das populações, com vista a manter a adesão dos elementos não subvertidos, e conquistar aqueles que o inimigo tenha influenciado ou atraído para o seu campo.

A população do Pelundo fechada e hostil foi captada pelas nossas tropas com as quais trabalhou e colaborou na construção de abrigos e da mesquita.
A população do Cacheu igualmente foi captada e colaborou no reordenamento e auto-defesa, especialmente em Morocunda.
A população de Mata e Bianga colaborou sempre e forneceu os seus produtos apesar das intimidações do inimigo.
A profunda humanidade com que tratamos sempre a população permitira manter o povo manjaco fora do conflito e até receber de alguns elementos manifestações francas e sinceras.

Durante o período de nove meses em Teixeira Pinto, se a memória não me atraiçoa o Batalhão fez sete colunas de reabastecimento e escoltas a Có, e oito ou nove a Jolmete, e dezenas de operações nas matas com uma atividade bastante intensa.

Eu como soldado condutor da CCS nunca fiz operações através das matas: fui várias vezes a Có e Jolmete em colunas de reabastecimento, a minha primeira vez, o meu batismo foi algo imprevisto, e com certa dificuldade: foi no fim de Agosto ou princípio de Setembro de 1967 época das chuvas, eu conduzia um Unimog com atrelado carregadíssimo, sem qualquer experiência de conduzir com este, mesmo assim a viagem estava a correr bem sem perturbações e sinais do inimigo: a malta da picagem lá ia na frente como sempre, a determinada altura não muito longe de Jolmete, num piso sinuoso, com muita água, talvez perto de bolanha a minha viatura ficou atolada no lamaçal, fiquei bloqueado e senti-me frustrado, e por mais tentativas que fizesse ainda a enterrava mais, inexperiente perdi o controlo com aquela situação foi necessário ligar o guincho e com ajuda dos colegas lá conseguimos retomar percurso normal.

Se a memória não me atraiçoa sempre que fizemos as colunas de reabastecimento alguns quilómetros depois do pelundo em locais estratégicos e considerados perigosos, iam ficando pela picada um ou outro pelotão a montar segurança, as forças que estavam em Có vinham ao nosso encontro o que acontecia pela zona do Barril ou aí perto, os que estavam em Jolmete vinham a uma zona que não me recordo o nome, mas era zona de água talvez bolanha, ou perto dela onde eu atolei o Unimog no lamaçal.

Agora vou falar dos meus Anjos da Guarda: por sinal eu falo neles na minha apresentação, trata-se dos camaradas Sapadores e outros que nas picadas que eram bastante perigosas, tinham a tarefa de localizar esse inimigo invisível terror dos condutores e não só, que eram as minas anticarro: houve outro Anjo da Guarda que me acompanhou naquelas colunas a Có e Jolmete, fiz esses trajetos várias vezes, e nunca estive debaixo de fogo do inimigo, e ele existiu de facto, e várias vezes, não faço a mínima ideia a que distância estive do local onde houve contactos com o inimigo, nem a distância que separava a primeira da última viatura, mas devia ser longa, normalmente eu ia nos últimos lugares da coluna e a uma distância de quarenta a cinquenta metros da viatura que ia à minha frente e não presenciei nada de tiros.

Resumindo, nas colunas em que eu participei sempre que houve contactos com o inimigo foi com os ditos pelotões que ficavam a montar segurança, ou com os primeiros da coluna, eu tive a sorte e a felicidade de escapar, e devem ter sido poucos os que fizeram estas colunas sem cair debaixo de fogo do inimigo, daí eu falar no meu Anjo da Guarda!

Só depois da chegada a Teixeira Pinto é que me inteirava do que se tinha passado através de relatos dos colegas e camaradas que tinham tido os contactos com o inimigo.

Em 8 de Maio de 1968 o Comando do Batalhão ao deixar Teixeira Pinto, onde foi rendido pelo BCaç 2845, estava convicto de que tinha cumprido com honra as missões de evitar que o inimigo penetrasse e dominasse o chão manjaco.

Em 26 de Junho de 1968 foi destinado ao Batalhão 1911 o Sector de Bissau com sede em Stª Luzia e até à data do embarque, realizou uma intensa atividade operacional no Sector que se cifra numa média de centenas de ações mensais.

Durante a comissão deste Batalhão na Guiné, foram integrados no mesmo para atividade operacional as seguintes unidades:
- CART 1526 - CCAV 1649 - CCAÇ 2313 - CART 1614 - CART 1615 - CART 1617 - CCAV 1650 - CCAÇ 1622 - CART 1660 - CART 1689 - CART 1690 - CART 1692 - CART 1743 - CCAÇ 2435 - CCAÇ 2436 - PEL DAIMLER 1137 - PEL DAIMLER 2042 - PEL PANHARD 1143 - PEL MORT 2006 - 8.ª CMILICIA - 9.ª CMILICIA -10.ª CMILICIA – 20.ª CMILICIA

A média mensal de operações do Batalhão 1911, foi de 32 o que representa uma atividade bastante elevada.



SÍNTESE DA ATIVIDADE


O Batalhão tem mais 6 baixas por acidente.
Há muito mais para contar, faço votos para que quem o saiba o faça, exemplo: oficiais, furriéis, pessoal das transmissões, e administrativos, estes eram mais privilegiados na informação.

Carlos Vinhal um forte abraço, extensivo a toda a tabanca.
E um muito especial para o Padre Abel.

Fernandino Vigário
Ex-Sold. Condutor CCS/BCaç 1911
1967 /69
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 6 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9321: As minhas memórias (Fernandino Vigário) (1): Um Alferes Capelão que queria ensinar o Pai-Nosso ao Vigário

Guiné 63/74 – P9401: Memória dos lugares (171): A minha Bissau, nas vésperas do 25 de Abril de 1974 (Nelson Herbert)



Guiné > Bissau > s/d  > "Praça Honório Barreto e Hotel Portugal"... Bilhete-postal, nº 130, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")  

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalização: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).



1.   Comentário de Nelson Herbert, nosso amigo e jornalista da VOA (Voz da América), ao poste P9388 (*)

Caro Luís e Nuno:

Essa "história", pelos episódios descritos, é-me igualmente familiar!

Primeiro por sermos praticamente da mesma geração... eu na altura, [o 25 de Abril de 1974,] a uns 5 meses de completar os 12 anos e no último ano do Ciclo Preparatório (seria Marechal Carmona?), na mesma rua do Liceu Honório Barreto, da Escola Técnica e do estádio escolar... Junto ao Liceu havia igualmente uma messe... será?

Recordo-me perfeitamente desses momentos de exaltação pelas bandas do Liceu, da Escola Técnica e do Ciclo Preparatório...

Tive vários colegas portugueses, grandes amigos de infância que gostaria um dia poder rever (**). Alguns da mesma idade, outros ligeiramente mais velhos, mas unidos pelas partidas de futebol... no estádio municipal, no estádio escolar, no quintal (por detrás) da Sé Catedral, no próprio quintal da Câmara Municipal...

Entre esses amigos, recordo-me perfeitamente do Zé (ligeiramente mais velho, 1 a 2 anos pelo menos), do Becas, seu mano mais novo, da minha idade... colega das pescarias no lodoçal das bolanhas, junto ao quartel da Marinha!

O pai era militar... habitavam uma residência, mesmo em frente à messe dos sargentos da Força Aérea, por sinal meus vizinhos. Hoje calculo que o pai fizesse parte da "psico", contavam ingenuamente os filhos, ante a inocência geral...

Pelos meus parcos conhecimentos da época, na matéria, calculava ser um major do exército (um galão ou divisa da largura de dois dedos, com uma faixa dourada no meio...). Seria isso?

Foi pois em casa desses amiguinhos que vi pela primeira vez o capitão dos comandos João Bacar Djaló, que vim mais tarde a saber, por esses mesmos amigos, nas conversas de catraios, ter sido morto em combate!

Era precisamente, no muro frontal dessa residência, que o pessoal da Forca Aérea aguardava pelo autocarro azul que os levava às sessões nocturnas de cinema na base aérea de Bissalanca... E mais seria esse mesmo murro frontal da residência em questão, a escassos 100 metros da minha casa, o alvo de um dos atentados a bomba relógio registado durante a guerra em Bissau... (entre 73 a 74, por aí) (***).

Armadilhado pelas células clandestinas do PAIGC, numa bela noite, o murro foi-se pelos ares… Isto, minutos depois do autocarro azul ter partido do local para a viagem do costume! Nesse dia felizmente bem mais cedo que o habitual!

Não houve vítimas, nem entre o pessoal da Forca Aérea nem entre a "meninada" que nas redondezas costumava brincar ao cair da noite!!!

Um outro amigo da mesma rua responde pelo nome de Joaquim Vicente (para não variar, o Quim)... O pai ficou conhecido por Mestre Vicente, era da Marinha e das Oficinas Navais.

Mestre Vicente, um "mais velho" de trato fácil, do qual lembro-me (eu e o filho) termos recebido, por presente o nosso primeiro carro de rolamentos, feito à maneira, com requisitos de segurança, já avançados para a época.

O brinquedo fazia pois a delícia da meninada no declive que ia dos serviços metereológicos/Boite Cabaret Chez Toi... no cimo da então nossa rua, Engenheiro Sá Carneiro (a mesma da Praça Honório Barreto, do Hotel Portugal, do Café Universal, do Restaurante ou Pensão Ronda... já agora que ia dar ao cemitério, passando lateralmente pelo hospital) à messe dos Sargentos...

Terão porventura fotos dessa época? Da vossa rua? (****)

Mantenhas
Nelson Herbert
Washington DC,USA

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Notas de MR: 

(*) Vd. poste de 23 janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9388: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (12): Bissau, Liceu Honório Barreto (Nuno Rodrigues / Luís Gonçalves Vaz) 

(**) Vd. poste de 8 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6345: Em busca de ... (130): Três militares, três velhos amigos do meu tempo de infância, em Bissau: os gémeos Mário e Chico e o futebolista Lino (Nelson Herbert, filho de Armando Duarte Lopes, atleta da UDIB)

 (...) Já que nisso de "perdidos e achados", no bom sentido é claro, o blogue tem sido profícuo, a vez desta é minha! E o propósito é o de tentar localizar três velhos amigos, referências da minha infância na Guiné.

Quanto aos dois primeiros, ignoro pois a respectiva graduação na altura. São gémeos,  de nome de baptismo Mário e Chico (Francisco, obviamente). Foram meus vizinhos na antiga Rua Engenheiro Sá Carneiro, a mesma da messe dos sargentos da Força Aérea e do famoso Cabaret ou Boite Chez Toi... Também a rua dos Serviços Metereológicos !

(...) A terceira figura de referência incontornável da minha infância foi, por sinal, um dos meus ídolos da arte de jogar a bola. Militar e futebolista da UDIB, destacou-se na arte da marcação de cantos directos... ao golo ! Era quase que infalível, quando Lino (assim o ficámos a conhecer) era chamado a bater tais lances de bola parada, como soi hoje dizer-se na gíria desportiva !

(***) Mais provavelmente, 21 de janeiro de 1974:

 (...) "Primeira acção do PAIGC na cidade de Bissau, com lançamento de engenhos explosivos contra autocarros da Força Aérea, seguidos, uma semana depois, de dois outros engenhos do mesmo tipo num café da mesma cidade, frequentado por militares portugueses" (José Brandão - Cronologia da Guerra Colonial: Angola, Guiné, Moçambique, 1961-1974. Lisboa: Prefácio, 2008, p. 433).

(****) Último poste da série > 4 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9309: Memória dos lugares (170): Regresso a Missirá em Janeiro de 1990 (Mário Beja Santos) 

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9400: Notas de leitura (326): Anticolonialismo e Descolonização, por Luís Filipe de Oliveira e Castro (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 24 de Janeiro de 2012:

Olá Carlos!
Depois da publicação do trabalho do Zé Brás, em 3 fases, sobre as condicionantes coloniais na África portuguesa, e de uma subsquente comunicação minha em corroboração sobre o incipiente colonialismo português, fui dar uma vista de olhos sobre textos que versam aquela matéria e reli o ivro de que deixo algumas indicações, e parece-me interessante de um ponto de vista do diagnóstico, e desenvolvimento, das ideias sobre anticolonialismo e descolonização. Provavelmente, a eficácia da filosofia a aplicar, já estaria retardada em relação à dinâmica histórica. Ainda assim, contém conceitos que, no meu entender, mostram uma visão serena e objectiva sobre aquela problemática.

Deixo à tua consideração a possibilidade de ser divulgado, pois tratando-se de uma publicação de 1963, só em bibliotecas ou em alfarrabistas poderá ser encontrada.

Para ti, e para a Tabanca, vai um grande abraço.
JD


Título: Anticolonialismo e Descolonização
Autor: Luís Filipe de Oliveira e Castro
Edição: Agência Geral do Ultramar, 1963

Diz o autor (nasceu em Malange em 1932) na introdução: ..."É que não basta denunciar os equívocos evidentes do anticolonialisno; nem afirmar direitos históricos e disposições constitucionais, efémeras como tudo na vida; nem denunciar e repelir com brio agravos espúrios; nem dominar o terrorismo; nem sequer afirmar que não transigimos e não cedemos. Torna-se necessário, acima de tudo, continuar a fazer corresponder, com coerência e coragem, os actos e as realizações com os princípios e com as promessas, e não despertar para a acção só no momento do perigo, vencendo, enquanto for tempo, a rotina anquilosante e os nossos próprios paradoxos e contradições. E isto porque a presença portuguesa no ultramar... só será avaliada e estimada pelo grau da sua utilidade económica e humana"...

A obra subdivide-se em 5 capítulos assim distribuídos: 1 - Portugal e o anticolonialismo; 2 - Quem são os anticolonialistas; 3 - Conceito português de colonização; 4 - Um caso de anticolonialismo: a independência do Congo ex-belga; 5 - Conjuntura política da África negra. Termina com um 6.º capítulo dedicado a documentos atinentes às resoluções da "Table ronde" belgo-congolesa, e à Carta de Addis-Abeba. Finalmente, é enunciada a extensa bibliografia consultada.

Como decorre do título, o autor procura contrapor os argumentos anticoloniais com a original maneira portuguesa de estar em África, conforme as ideologias próximas a 1963. Diz: "pode afirmar-se que o anticolonialismo, no seu aspecto genérico, é um 'estado de espírito' contra a legitimidade de certos Estados europeus se alargarem em outros continentes detendo neles territórios sob sua soberania"...."O movimento panafricanista a que estão ligados... Sylvester Williams, Burghardt du Bois e Marcus Garvey pode também analisar-se sob o aspecto focado, em especial na contribuição que trouxe para o despertar e para o desenvolvimento do racismo antieuropeu"..."Os próprios estados africanos que recentemente obtiveram o estatuto da independência não se libertaram da anterior 'situação colonial', pois o monopólio do poder político e económico manteve-se na mão de uma minoria europeizada, de há muito desenraizada da grande massa da população autóctone, continuando esta a não ter vontade própria e a reflectir inúmeras desigualdades étnico-sociológicas que se entrechocam". E particulariza sobre outro aspecto: "O anticolonialismo movido por interesses económicos dá-lhe o carácter de anticolonialismo utilitário, de que os EUA são os principais paladinos por verem na emancipação dos territórios ultramarinos um caminho aberto para a realização do seu objectivo de hegemonia económica mundial". E adiante: "A União Soviética... logo se aproveitou do ambiente criado pelo anticolonialismo e pelo pan-africanismo para desenvolver... o estribilho aliciador e revolucionário de 'a Ásia para os asiáticos' e 'a África para os africanos'". Assim juntou os dois blocos rivais, como primeiros interessados no desenvolvimento das ideias e lutas independentistas. Depois, faz breve destrinça (do ponto de vista de Estaline) do imperialismo e da opressão capitalista dos colonizadores: "o capitalismo não pode viver sem explorar as colónias e sem as manter num todo único", enquanto para o comunismo, ao contrário, "tais tendências não são mais do que aspectos de uma mesma coisa, ou seja, a emancipação dos povos oprimidos do jugo do imperialismo capitalista... pela sua transformação preliminar em Estados independentes"...

Oliveira e Castro faz uma imparcial descrição sobre os interesses capitalistas americanos relativamente às riquezas africanas, que determinaram um vivo apoio às independências, por um lado; bem como ante o crescendo ideológico comunista sobre as novas élites africanas que estudavam na Europa, o desenvolvimento das ideias e acções afro-asiáticas de emancipação, as diferentes conferências que deram substância a diferentes orientações independentistas, em termos sociais, político e económicos, por outro. Tratando-se de um salazarista indefectível, é muito curiosa a descrição de opções políticas, algumas exageradamente valoradas, outras, de grande acuidade para a evolução e grangeamento de identidade e capacidade, com vista à autonomia das colónias relativamente às metrópoles. Poderá dizer-se que integrou uma vanguarda de pensadores portugueses sobre as diferentes soluções viáveis para a crise ultramarina, todas elas apontadas para o desenvolvimento sócio-económico, descentralização administrativa, e modernização do modelo do estado em relação às responsabilidades sociais, que poderiam desembocar nas independências, e refere em tom idealista: "A campanha comunista visando, por táctica, o 'capitalismo' envolve evidente injustiça e redunda em prejuízo directo do próprio africano. A expressão 'capitalismo' é utilizada nessa campanha como 'termo de combate' e apresenta um sentido neologista ainda não definido de modo preciso, dado que só deve ser classificado de capitalista o regime que aliene a pessoa ao lucro de outras pessoas privilegiadas e que transforme as relações dos homens em relação das coisas". Mas dá conta da insuficiência da potência colonial logo a seguir, quando se expressa nos seguintes termos: "É evidente que ao capital privado, depois de cumprir as suas irrecusáveis obrigações económicas, fiscais e sociais, não pode ser negada a justa remuneração, até como factor imprescindível de estímulo para novos empreendimentos, a maior parte das vezes incomportáveis para o sector público", deixando à escâncara a evidência da insuficiência do Estado para prover às suas obrigações.

"Se é a promoção dos povos de África que no processo civilizador está em causa, não poderemos esquecer que ela só será possível como resultado do desenvolvimento económico; este, por sua vez, não se realizará, a curto prazo e no ritmo necessário, sem o concurso da experiência, da técnica e dos capitais importantes, já que a economia nativa é, por natureza, rudimentar e se apresenta ainda no seu estado embrionário".

Sobre o que considera ser a situação colonial evolutiva nos territórios sob administração portuguesa, estribando-se em Adriano Moreira ("Política Ultramarina"), e Silva Cunha ("Questões Ultramarinas e Internacionais") diz: ... "só haverá verdadeira descolonização quando a integração ou a emancipação corresponderem a uma transformação real e profunda dos colonizados, isto é, quando haja homogeneização real das culturas em presença (o que não significa uniformização) ou quando os colonizados possam viver autonomamente, sem novas dependências que não sejam as que resultem da natural solidariedade entre os povos"; e conclui sobre conceitos de supressão abrupta da colonização: ..."não teve em atenção os casos de descolonização historicamente já realizados ou em vias de se efectivar pela integração e defende o absurdo de que só a emancipação, mesmo quando prematura, será susceptível de assegurar completamente a descolonização".

Apresenta uma conclusão interessante de que destaco: "Podem esbater-se as primeiras situações coloniais; podem mudar-se as circunstâncias e as posições, passando os colonizados de ontem a colonizadores de hoje; podem diferenciar-se os métodos da colonização; podem gerar-se alterações profundas na escala dos valores apreciativos mas, apesar de tudo, a colonização continuará a apresentar-se como fenómeno inevitável, desde que existam deslocações humanas e desníveis provocados pelas diversas idades das culturas dos grupos sociais e pelo desigual poderio e potencialidade económica dos povos. A colonização é mesmo o processo mais válido, desde que honestamente entendido e praticado, susceptível de gerar o equilíbrio orgânico e funcional tão necessário à vida e ao convívio pacífico das nações".

Como contraponto, faz uma exaustiva apreciação sobre a crise do Congo ex-belga, onde mostra a influência dos interesses económicos internacionais sobre o processo de independência, as intervenções militares, o colapso da ONU perante a exploração das diferenças tribais e dos interesses económicos, no que passou a constituir uma afronta de larga escala aos direitos humanos e à vida, princípios propalados para o desenvolvimento da emancipação dos povos e das novas nações, que, afinal, se afiguravam carenciadas de identidade nacional.

Termina com uma interessante apreciação à conjuntura política da África negra, e com alguns documentos a esse propósito. As conclusões da leitura podem ser díspares, conforme a formação, a ingenuidade crítica ou acrítica, e os interesses de cada um, mas trata-se de um ponto de vista interessante, de um português, situacionista, que, a espaços, parece abrir janelas independentistas.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9353: História da CCAÇ 2679 (46): SEXA COMCHEFE visitou Tabassi (José Manuel Matos Dinis)

Vd. último poste da série de 23 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9389: Notas de leitura (325): Bordo de Ataque - Memórias de Uma Caderneta de Voo e um Contributo para a História, de José Krus Abecasis (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9399: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (16): Bissau, tinha 13 anos, era estudante no Liceu Honório Barreto... (Luís Vaz Gonçalves)


Luís Gonçalves Vaz, Bissau,  1974

História no Ultramar com Luís Gonçalves Vaz (Tabanqueiro 530)

Na Guiné o 25 de Abril “só chegou” no dia seguinte, pois na manhã do dia 26 é que se iniciaram as ações dos oficiais do MFA, nomeadamente os onze oficiais que se dirigiram ao Gabinete do General Comandante-Chefe (General Bettencourt Rodrigues) e exigiram a sua demissão e o regresso a Lisboa.

O meu falecido pai, Coronel Henrique Gonçalves Vaz, Chefe do Estado-Maior do CTIG, teve conhecimento durante a noite de 25 para 26 de Abril, pois na madrugada recebeu, pelo seu telefone “civil” (não o militar!), a notícia de que na Metrópole decorria um “Golpe de Estado” para derrubar o sistema político de então (sei que foi um oficial da sua confiança que lhe ligou aqui da Metrópole).

Logo de manhã o meu pai dirigiu-se para a reunião do costume, com o General Comandante-Chefe no Palácio do Governador. Quando lá chega vê o edifício cercado por tropas especiais e deparou-se com a “destituição” de Bettencourt Rodrigues. É claro que o coronel Henrique Vaz não pertencia ao MFA, mas isso não o impediu de se insurgir contra alguns “modos um pouco rudes” (em sua opinião, é claro) com que estariam a conduzir o processo de destituição (ou prisão?) do Comandante-Chefe, e ofereceu-se para o acompanhar ao avião que o conduziria de regresso a Lisboa, via Cabo-Verde.

O General Bettencourt Rodrigues despediu-se com um abraço do meu pai, e agradeceu-lhe o “respeito” demonstrado, apesar de saber que o meu falecido pai iria continuar a ocupar o seu posto no Teatro de Operações da Guiné. É claro que a situação não era para brincadeiras e tudo podia acontecer nas próximas horas, e como o Coronel Henrique Gonçalves Vaz era um militar íntegro, patriota e com espírito de missão (não afeto ao anterior regime), foi imediatamente convidado para continuar como CEM do CTIG, tendo aceitado e só regressou definitivamente a Portugal no último voo de militares portugueses, pelas 23 horas do dia 14 de Outubro de 1974, acompanhando o Brigadeiro Carlos Fabião, na altura já indigitado para CEMGFA.

Esses mesmos oficiais do MFA solicitaram ao Comandante Marítimo, Comodoro Almeida Brandão, que assumisse as funções de Comandante-Chefe interino das Forças Armadas na Guiné-Bissau. As primeiras medidas tomadas pelo MFA na Guiné, foram a “detenção dos agentes da PIDE” e a “libertação dos prisioneiros políticos”. Como tal, no dia seguinte, 27 de Abril, surgiram pela cidade de Bissau várias manifestações lideradas por esses presos, uma delas cercou e tentou invadir o meu Liceu, o Liceu Honório Barreto.

Ainda me lembro como se fosse hoje, um funcionário do Liceu, um homem de grande estatura, e de origem cabo-verdiana, pegou numa grande tranca e afugentou vários manifestantes (deu resultado!), tendo de seguida fechado a porta principal. Nas salas do andar inferior, que davam para o jardim, tivemos de fechar as persianas, pois havia muitos manifestantes que nos diziam aos berros, com paus e catanas “Tuga na ba p`Bó Terra”…

É claro que eu achei muita piada na altura, pois nunca temi pela minha segurança, já que tinha colegas com 16 anos ou mais (alguns vinham do interior da Guiné para estudar em Bissau) que sempre me fizeram estar à vontade. Fugi do Liceu com esse grupo de colegas mais velhos (eu tinha apenas 13 anos e frequentava o antigo 3º ano do Liceu), em direção à base militar de Santa Luzia, onde vivia com a minha família (a casa do Chefe do Estado-Maior do CTIG era aquela mesmo em frente do Clube Militar, na outra ponta da avenida).


O Clube militar em Stª Luzia, visto de minha casa. Nesta avenida formavam-se algumas colunas militares, que seguiam para o mato, e durante um ano vi a formação de muitas, em que diversos furriéis e alferes milicianos revelavam “alguma emoção”… Lembro-me muito bem como se fosse hoje, e marcaram-me para sempre.


Fotos: © Luís Gonçalves Vaz  (2012 ) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


Pelo caminho assisti ao episódio do "cerco da PIDE”, onde me lembro muito bem de ver a ação, de grande eficiência, de dois pelotões de Paraquedistas... Lembro-me muito bem... Estive bem ao lado daqueles Paraquedistas que estabeleceram logo de imediato um "Perímetro de Segurança". E, se bem me lembro, deveria ser o único "branco" a assistir à manifestação. Houve tiros e tudo. Depois fui pelas Tabancas até Stª Luzia, sempre acompanhado pelos meus colegas guineenses, que me protegeram e não permitiram que me acontecesse mal algum, só me deixaram após me entregarem aos elementos da PM, que faziam a segurança à entrada da Base Militar de Stª Luzia (a entrada estava barrada com rolos de arame farpado).

Quando cheguei a casa, soube que o meu pai tinha ido com uma pequena coluna militar buscar, ao Liceu Honório Barreto, os meus dois irmãos, tendo aproveitado para trazer, em segurança, algumas professoras e outros alunos, quase todos familiares de militares. Não me ralhou por eu ter vindo pelo meio de Bissau, entre as manifestações, com colegas africanos.

Segundo um interveniente nessa missão, o 1.º Cabo Paraquedista n.º 551/73, Carlos Alberto dos Santos de Matos, relata como esta operação militar se teria passado, no site http://associacao-pq-alentejo.webnode.com.pt/noticias/

(…) “O objectivo era conter uma manifestação popular em frente ao quartel da PIDE/DGS e retirar os elementos da PIDE em segurança e transportá-los para local seguro, para posteriormente regressarem a Portugal com a finalidade de serem julgados por um Tribunal. Fiz parte integrante de um pelotão de Pára-quedistas que esteve a manter segurança no exterior do edifício, juntamente com outros elementos do Exército e Marinha. O outro pelotão de Pára-quedistas entrou no edifício da PIDE, os quais não ofereceram resistência à detenção. Os manifestantes bastante exaltados, no exterior, aos milhares, gritavam ‘morte à PIDE e aos colonialistas’.

“A cada instante que passava, a multidão apertava mais o cerco em volta do edifício e nós recuávamos mais um pouco. A operação que a princípio se afigurava simples estava a piorar a cada momento e já se notava algum nervosismo nos nossos militares. Entretanto recebemos ordem para efectuar disparos para intimidar os manifestantes. O tiroteio de algumas dezenas de militares, durou apenas alguns segundos, durante os quais os manifestantes se puseram em fuga. Os que caíram, durante a confusão eram pisados pelos companheiros. Houve um silêncio constrangedor durante algum tempo. Na poeira do chão ficaram alguns feridos, não pelas nossas armas, mas por terem sido atropelados pelos colegas manifestantes.(...)”



Guiné-Bissau, pós-25 de Abril de 1974 - Manifestações populares de regozijo mas também de contestação: na primeira foto, um manifestante empunha um cartaz onde se lê: "Abaixo a D.G.S." ; na segunda foto, um dos manifestantes exibe um improvisado autocolante nas costas, onde se lê: "Viva o General António Spínola! Viva o Povo da Guiné!".


Fotos: © José Casimiro Carvalho (2012 ) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Em suma, afinal eu estive no Teatro de Operações da Guiné, no meio de uma operação militar, com tiros e tudo, mas felizmente sem mortos ou feridos. É um facto que esta é uma das muitas “experiências de vida”, que me marcaram muito, entre outras que vivi na Guiné. (**)

Braga, 13 de Janeiro de 2012
Luís Gonçalves Vaz
(Tabanqueiro 530)
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Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 25 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9398: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição e adaptação de Luís Gonçalves Vaz (Parte III)

Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9392: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (13): Gadamael e tinha mais de 10 mil granadas de obus em stock... (C. Martins, ex-alf, cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)

(**) Comentário do LGV, deixado no blogue da CART 3494, do nosso camarigo Sousa de Castro, em 18 do corrente:

(...) Caros amigos: Parece que a minha memória me traiu, o cerco à Pide terá sido no dia 29 de Abril e não em 27, segundo o Sr. general Mateus da Silva, in Estudos Gerais da Arrábida, A Descolonização Portuguesa, Painel dedicado à Guiné (29 de Agosto de 1995), a saber:

 "...A população da Guiné começou logo a virar e as manifestações prosseguiram a 27, 28 e 29 de Abril, num crescendo. No dia 29, cercaram a delegação da PIDE/DGS de lá, partiram montras, destruíram alguns carros em frente do palácio, atiraram pedras e partiram alguns vidros. E foi um bocado em consequência disso – eu estava no Palácio e os pára-quedistas controlavam mais ou menos a situação ..."

Eu acho que foi antes, mas o sr. general deve ter apontamentos... como tal fica aqui a observação.

Luís Gonçalves Vaz
18 de Janeiro de 2012 23:07