quarta-feira, 9 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9873: Estórias cabralianas (72): Ressonar... à fula (Jorge Cabral)



Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > 1971 > O comandante do Pel Caç Nat 53 (1970/72), Paulo Santiago, tomando o seu banho à fula no Rio Corubal.


Foto: © Paulo Santiago (2006). Todos nos direitos reservados.


1. Mais uma estória, a nº 72 (*), do alfero Cabral, cujo pseudónimo literário é Jorge Cabral... Banho à fula, todos tomámos na Guiné... Falar fula, alguns de nós até  falavam, melhor ou pior  (Temos o Luís Borrega que até publicou aqui um minidicionário de fula-português)... Mas ressonar à fula, não era para todos. O alfero Cabral terá sido um dos eleitos. Porquê, não sei. 


Mas vamos lá ler a história (há quem não goste do vocábulo estória, mas isso não vem ao caso por agora).  Recorde-se que o alfero também comandava um Pel Caç Nat, o 63 (Setor L1, Fá e Missirá, 1969/71)... LG


2. Estórias cabralianas > Ressonar em fula...
por Jorge Cabral

Além de ressonar, sempre falei a dormir. Um dia em Missirá propus-me descobrir, de que falava, o que dizia.

Ora, havia lá um velho gravador de fita, máquina pertencente a não sei quem, enfim nossa, pois viviamos numa espécie de “economia comum”

Resolvi pois gravar uma das minhas noites. E assim adormeci, com o gravador ligado, à cabeceira. No dia seguinte, logo pela manhã, à volta da mesa ensebada onde comíamos, quase todos os brancos e alguns negros escutaram. Roncos e mais roncos, mas entre eles alguns sons que me pareceram intraduziveis. É latim alvitrou o Teixeirinha, talvez espanhol opinou o Freitas, balanta gritou o Demba e já íam entrar em discussão, quando o Daíro, com um ar muito sério, sentenciou:
- Alfero, palabras nka ntindi, mas ronca na fula.

Fiquei esclarecido. Ressonava em fula.

Ainda me lembro aliás, da cara do Polidoro (**), quando em Missirá me perguntou:
- O Cabral fala fula? -  E eu convictamente respondi:

- Não. Em fula só ressono.

Confesso que havia esquecido este meu atributo, até que há um mês o Gama dos Morteiros, me encontrou no Jardim da Estrela e indagou: 
- Ainda ressona em fula?

 Fiquei curioso e nesse mesmo dia corri a pôr um anúncio no Correio da Manhã:

 "Precisa-se senhora fula para acompanhar o sono de senhor um pouco idoso. Assunto sério!"

Devem ter interpretado mal, pois nem uma resposta recebi.

Será que continuo a ressonar em fula?

Jorge Cabral
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(...) Há uns tempos recebi uma simpática mensagem de uma leitora das “estórias cabralianas”. Gabava-me o humor mas alertava-me, algumas indiciavam uma certa “fixação mamária”. Nada de grave, que não pudesse ser tratado no seu divã, de psicanalista, presumo. (...)

(**) Ten cor inf João Polidoro Monteiro, comandante do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)

Guiné 63/74 – P9872: Convívios (431): Pessoal da CCAÇ 2679 e Pel Caç Nat 65, dia 28 de Abril de 2012 em Cascais (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 2 de Abril de 2012:

Caríssimo Carlos,
Envio-te a pretensa reportagem de um encontro heróico relativo ao pessoal da minha Companhia e do Pel Caç Nat 65.
Faz o favor de publicar, a ver se granjeamos mais clientes para o blogue (www.blogueforanadaevaotres.blogspot.com).

JMMD


ENCONTRO DO PESSOAL DA CCAÇ 2679 E PEL CAÇ NAT 65 

CASCAIS - DIA 28 DE ABRIL DE 2012

No passado dia 28 (binte óito, para o pessoal do norte), na cosmopolita Cascais, terra de soberanos e pescadores, encontraram-se alguns componentes da CCaç 2679, e do Pel Caç Nat. 65, que na Guiné quase sempre se acompanharam nas regiões leste de Piche a Bajocunda, com o elevadíssimo propósito de matar a fome e as saudades. Matar saudades? Diria antes, reviver momentos passados na cálida África, de muitas alegrias, salpicadas por angústias e ansiedades. Sob a batuta do Zé Tito (Tinto, para os amigos), ficou o encontro aprazado para junto da estátua do D. Carlos, à entrada do Clube Naval, com vistas para a policromática baía, onde céu e mar se fundem em azuis de admiração e brilho, bordados pelo casario e palacetes de rara beleza e harmonia, de onde despontam verdes frondosos de alguma vegetação, regozijo da curiosidade de nacionais e estrangeiros. Depois da algazarra do reencontro, e porque a hora do apetite era imparável, ainda se arranjou tempo para uma conversa real, com quem se tiraram retratos para a posteridade.

Sua Alteza manifestou-se muito bem disposto com a nossa presença, a apadrinhou o Encontro. Mesmo ao lado, com ampla vista sobre o mar e a costa do Estoril, onde pontilhavam barcos de grande colorido, situa-se o restaurante destinado à confraternização. Mais ou menos desalinhados na progressão até ao primeiro andar, homens, mulheres, e uma criança, acomodaram-se às mesas e dispuseram-se para o embate. Estava prometido peixinho, em correspondência ao desejo do maioral do matadouro, um Corvo da nossa equipe.

As coisas não correriam tão simplesmente quanto isso, comer, beber, festejar, e ir embora, porque o timoneiro Zé Tinto (escorregou-me uma pinguinha e acrescentei-lhe a consoante), tinha preparado uma coisa diferente, com entretens e surpresas. Afinal ele é um artista das telas, e dá-lhes expressões com óleos e acrílicos de diferentes matizes. Para não ser o único a trabalhar pró grupo, incumbiu-me de fazer uns textos, quer para as boas-vindas, quer para apresentação de cada um dos homenageados. Assim pensou, e associámos aos retratos uma historieta alusiva a cada um, valorizados com poemas trágico-humorísticos da lavra de um mouro.

Destinaram-me aquelas leituras, mas ainda não tinha aquecido a voz, que o dia ia ser longo de comeres e beberes, pelo que foi a minha psicóloga a ler as boas-vindas, e tão bem o fez, que reincidiu, perante o agrado geral, na leitura de outros textos de grande valor, a que lhes conferiu especial brilho.

Tínhamos previsto iniciar a lide com uma homenagem ao António Abreu, um dos celebérrimos corvos (o outro é o Aires, o do matadouro), porém, o Abreu registou a primeira falta nestes périplos de amizade em virtude de uma situação delicada de saúde. Mas foi assim mesmo que iniciámos as homenagens individualizadas, que surgiram pela que se fez o ano passado ao "nosso querido e bravo herói de Tabassai e à nossa querida e muito amada Madrinha de Guerra", com tanto êxito, que posso garantir-vos, de então para cá estão sempre juntos e inseparáveis.

A homenagem ao Abreu, já anunciada pelos presentes, ainda assim, constituiu um grande e surpreendente êxito, pois estava "escrito na pedra", que o dito adora a fruta, que se espelhava em singulares nádegas e mamas nas coloridas lentes Ray-Ban do retratado. Ainda o povo aplaudia de admiração a retratação plástica, e, novamente, a minha linda psicóloga, senhora de um belo timbre, voltou a intervir para declamar um excelente poema da autoria do Morais, que selava a excelente homenagem. O Adolfo Barbosa foi depois o portador para a Invicta da valiosa obra, que vai enriquecer o acervo artístico da cidade.

Seguiu-se um creme de peixe, muito sápido, que abria as hostilidades comestíveis, e lambemo-lo todo. Nova surpresa se aprontava, desta vez em relação ao Aquino. A introduzir, outro texto da minha autoria, com a superior qualidade dos meus escritos, lido pela delicada psicóloga que me acompanha. Foi do agrado geral. Depois, seguiu-se a exibição do retrato. E finalmente, leu-se novo poema da autoria do mesmo bardo da mourama. A festa corria com agrado e passaram a ser servidos os peixinhos, de frescura evidente, bem preparados e apetitosos, acolitados por batatinhas assadas e salada. Não havia limites, foi até a gula aguentar. Alguém se referiu à boa qualidade do vinho, mas o pessoal queria era mastigar e deglutir. Quando as coisas amainaram, o Tinto entregou-me novo quadro, muito bem embrulhado como os restantes, e incumbiu-me de nova leitura. E referi um extravagante episódio de que o Ramalho foi o principal intérprete, passado na mata da Guiné, que deixou atónitos os ouvintes, e foi esclarecedor da desfaçatez do homem de Amarante, cujas saudades fluíam pela "motora" da CP. Repetiu-se os procedimentos anteriores, com a exibição do retratado, a que se seguiu a leitura do poema com que o Morais brindava. A psicóloga, novamente, interpretou a grande altura. Soaram aplausos à obra plástica, ao poema, à declamante, e ao visado.

Quase finalmente, servia-se a sobremesa a contento, e o Tito, já mais pró tinto, quase estragava a última das surpresas, dedicada ao mouro, ou moiro de Perre, tanto faz, quando se preparava para distribuir uma brochura evocativa do encontro e das homenagens, onde, naturalmente, se escarrapachava o preito ao malfadado poeta. Gritei-lhe, gesticulei-lhe (que o gajo é surdo como uma porta e o aparelho devia estar sem bateria), até que intuiu o descalabro e recolheu os espécimes que distribuíra. A populaça, falava entre si com a alegria de quem tem a barriguinha cheia, pelo que poucos ou nenhum deu pelo lapso. Então soergui-me, chamei a atenção para um texto final de despedida, e referi o Morais como último traste objecto de homenagem. A esposa, um filho e a nora, especavam-se de ansiosas curiosidades, e ficaram a saber por testemunhas contemporâneas do marido, progenitor e sogro, sobre a histórica investigação, que os de Cascais fizeram àcerca do vetusto minhoto, entendido em enchidos e vinhos da região, que o conduziram à elevada consideração de primeiro tanso da zona nevrálgica que deu rei ao ducado - o norte, carago!.

O tempo tinha-se mostrado em conformidade, soalheiro para colaborar com a festa. No entanto, pela hora da apresentação de contas, 21 aéreos esportulados por cada bico, gratificação incluída, tudo se transformara como que numa fantasia outonal, com tendência para agravamento invernal. E assim foi. Dirigimo-nos para o Museu Paula Rêgo sob umas pinguinhas, não fossem os arrivistas sair de Cascais sem um banho de cultura, e como já andavam toldados do olhar, gostaram em uníssono dos quadros fantasmagóricos e caríssimos daquela consagrada artista do pincel. Depois, enquanto eu conduzia os hóspedes à identificação do hotel, os restantes dirigiram-se para casa do Tito sob uma grossa bátega. Ali nos reencontrámos quase todos, porque a outros, deveres familiares imperativas, obrigaram-nos a um destroçar antecipado, onde, sob um modelo social quase marroquino, de homens para um lado, e senhoras para outro, se comeu, bebeu, e palgarreou muito, sobre estórias e mais estórias, que em festa o pessoal não se acanha de inspiração, até que às tantas, acabámos por ceder à fraqueza que o estômago cheio provoca, e acabou-se, com retiradas muito bem ordenadas, que deixaram o inimigo em situação não identificada, mas segundo informações fidedignas, o estado-maior revoltou-se contra as instâncias civis eleitas democraticamente, prendendo-as, originando um estado de alvoroço e de evidente perturbação, face à bem organizada movimentação das NT.


Almoço da CCAÇ 2679 e Pel Caç Nat 65 > Foto de Família

Almoço da CCAÇ 2679 e Pel Caç Nat 65 > Brochura de textos do Dinis e poemas do Cândido

O Abreu

O Aquino

O Ramalho

O Cândido

Auto retrato para cartão de almoço militar

O herói de Tabassai e a madrinha de guerra da CCAÇ 2679

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2012 Guiné 63/74 – P9869: Convívios (248): 17º Encontro/Almoço/Convívio da 38ª CCmds, vai decorrer em 30 de Junho de 2012, em Malveira (Amílcar Mendes)

Guiné 63/74 - P9871: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (20): Um momento alto: o lançamento do livro do Idálio Reis (Parte III): Alocução do autor






VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Sessão de lançamento do livro do Idálio Reis, "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana" > Segunda parte da sua alocução. (*)


Vídeo (5' 34''): Alojado em You Tube > Nhabijoes




Aquando de algumas narrativas, sacadas do fundo do tempo, que fui enviando para o Blogue, e onde procurei aflorar o que se nos tinha deparado naquelas inclementes terras do sul da Guiné (**), ali mesmo às portas do Corredor de Guileje, o Luís Graça ousou então, com a centelha que todos lhe reconhecemos,  lançar um repto quanto ao surgimento de um livro, que desse eco aos sofridos tempos que houve lugar naquele cruento cerco de Gandembel/Ponte Balana.

E quanto eu gostaria de, desde logo,  poder afirmar que tomaria a incumbência de dar forma a esse propósito. Mas, para além da pequenez dos atributos pessoais que era indispensável conter para me abalançar a tamanha tarefa, havia algo em falta, que me permitisse ter o condão de conseguir entender os procedimentos de Arnaldo Schulz e de António de Spínola, a fim de bem compreender toda essa enovelada trama que envolveu a construção com posterior abandono daquela guarnição, a delongar em menos de 10 meses: de 8 de Abril de 1968 a 28 de Janeiro de 1969.

Vim a anuir, dada uma forte instância dos meus companheiros da Companhia, e então procurei perscrutar,  à minha maneira, melhor perceber o que Bissau foi congeminando quanto àquele chão.

Eis agora que surge um modesto livro, cujos heróis são os homens da CCAÇ 2317, e que lhes permite reviverem a sua história conjunta, como acta que fique lavrada para poder perdurar, e onde figure descrita essa enorme odisseia que lhes esteve infusamente reservada.

E, o que fundamentalmente intentámos querer em conhecer, não passa de um mero acto de indagação, quanto às razões que levaram Arnaldo Schulz, a mandar construir um aquartelamento, sem cuidar em tomar prudentes atitudes de reconhecimento, indispensáveis à obtenção do imprescindível sucesso, pois que o inimigo já por ali deambulava sem grandes embaraços, como também de apreender as motivações que determinaram a que António de Spínola viesse a ordenar pela sua evacuação. Ou seja, apercebermo-nos das causas e consequências que o fatalismo do erguer de Gandembel, nas imediações do já afamado Corredor da Morte, conseguiu congregar no contexto do Teatro de Operações da Guiné, do seu porquê e para quê.

Homenagem à FAP e evocação das 28 colunas logísticas (23 provenientes de Aldeia Formosa, e 5 de Guileje)

Estava-se no início de 1968, a guerrilha já durava há quase cinco anos, e os esforços de sediação no sul da Província, mormente naquele Sector para onde fomos arrojados, foi sempre de crucial importância para o pulsar da beligerância do PAIGC., pois era neste chão que tinha início a sua maior e mais importante via logística de infiltração e abastecimento.

A implantação de uma força de quadrícula, só agora, e em zona claramente hostil, a acarretar sempre infinitas situações de risco, onde o constante e o imediato se conjugavam, teriam de requerer, sempre, uma ponderada e séria análise de enquadramento militar. O estado-maior de Arnaldo Schulz, preferiu antes enveredar por uma conduta pujada de quaisquer preconceitos de ordem ética e militar, e daí a veemência dos nossos protestos contra um Comité de Comando, frio, apático, negligente, insensível.

Gandembel/Ponte Balana viria a revelar-se um palco infernal para incontidos sofrimentos, a que ficam indissociavelmente ligados alguns agentes que também se envolveram naquela epopeia. Entre tantas e tamanhas vicissitudes, uma homenagem à Força Aérea, onde houve sempre a benevolência de um helicóptero pronto a proceder a qualquer evacuação requerida.


Desde logo, as primeiras referências destinam-se aos homens das colunas de reabastecimento, 28 no total, 23 provindas de Aldeia Formosa numa extensão de 25 km, mas obrigatoriamente com passagem pelos destacamentos de Mampatá e de Chamarra, com este separado de Gandembel em apenas 10,5 km. As outras 5, saem de Guileje, que apenas distava de 18 km.

Vieram a manifestar-se de uma inusitada violência, sempre vulneráveis às ciladas de um inimigo esconso, tornando-se os alvos preferenciais para o cansaço, o desgaste e o desalento, com um único intuito de provocarem acintosamente o sofrimento, a dor, a morte.

Entre as colunas realizadas, a mais agressiva para a CCAÇ 2317 foi a de 4 de Agosto, com consequências funestíssimas, pois para além de alguns feridos, morrem 5 homens (1 era um soldado do Pelotão de Caçadores Nativos).

De toda esta pungente descrição havida com estas colunas, que se consubstanciam com o inextricável mistério de Gandembel, estiveram largas centenas de homens subjugados à beira do abismo. Em especial, para os 3 ínvios caminhos de curta distância, Guileje/Gandembel, Aldeia Formosa/Gandembel e Buba/Aldeia Formosa, só o tamanho da intolerância e da falsidade das colunas, se davam a entender. Paradoxalmente, parece que tudo o resto era irracionalidade.

Em louvor da CART 1689, do Pel Caç Nat 55, 
do Pel Art de Gandembel e dos páras do BCP 12 

Uma outra referência especial vai para os homens da CART 1689, do Alberto Branquinho, do José Ferreira da Silva e companheiros.

À nossa espera em 8 de Abril, esteve connosco até a 15 de Maio, tendo-se empenhado denodada e esforçadamente em nos acompanhar. Pernoitando sempre nos abrigos-toupeira, jamais tendo uma refeição tolerável, com uma actividade constante e perigosa, passando por atribuladas vicissitudes, sai exausta.

A sua partida-separação, deixou-nos claramente mais sós, porquanto ficávamos entregues apenas a nós mesmos, e perdíamos robustez e tenacidade, tão fundamentais para os embates vindos de um forte inimigo, que já então nos confrontava numa brutal e permanente perseguição.

Também uma particular referência, para o Pelotão de Caçadores Nativos 55, que o Hugo Guerra,  em substituição de um companheiro que morrera no maior ataque de sempre, o de 15 de Julho. De igual modo, uma palavra para o Pelotão de Obuses, que chega a Gandembel a 29 de Maio com 2 obuses de calibre 10,5. Tais contingentes, sempre permaneceram connosco até à nossa retirada.

E por fim, aos paraquedistas, que desde o dia 20 de Agosto, se sediaram em Gandembel de modo permanente com 2 grupos de combate, ainda que em rotação, convivendo connosco mais de 3 meses.

A sua presença, traz consigo um agregador sentido de união, que se revelaria essencial no refortalecimento de uma maior estabilidade, e que permitiu fazer renascer uma outra confiança e contribuir para uma revigorada esperança. Para além de estarmos acompanhados, fez brotar uma empatia especial e recriar um outro patamar de segurança. O apoio logístico melhorou substantivamente, e começámos a ter mais e melhores víveres, dando azo a que aparecesse uma outra alimentação, bem distinta da de outrora.

Pela primeira vez: utilização do morteiro 120 e abate de um Fiat G-91

Foi a 26 de Maio, um domingo, que António de Spínola, que tomara posse no dia 20, visita Gandembel logo pela manhã e sem qualquer aviso prévio.

E porque a bestialidade dessa odisseia que foi a construção de Gandembel, ficaria iniludivelmente ligada aos ditames de António de Spínola, uma pesada herança para um militar de escol, digno e brioso, caberá aqui fazer referência ao dia 22 de Junho, data que corresponde às suas primeiras directivas, algumas com uma relação muito direccionada para a nossa zona de vivência. Os teores das n.os 2 e 3/68, incidem respectivamente na remodelação do dispositivo das NT na região de Aldeia Formosa, e no reajustamento do dispositivo no corredor de Guilege.

A divulgação pública destes documentos, que desconhecíamos por completo, vieram a tornar-se preciosos testemunhos para nos ajudar a melhor compreender a conduta de António de Spínola, mormente nos aspectos que concernem àquela nossa unidade e à região em que esta se inseria.

Nos tempos sequentes a meados de Maio, o intrépido Nino Vieira assume de vez as rédeas de um forte exército da guerrilha, com grandes contingentes de infantaria e de artilharia, e claramente imbuído de um firme propósito, que tinha os seguintes escalões-limite: contrariar ao máximo as colunas de reabastecimento; exacerbar a espiral de violência sobre as tabancas do Quebo; encontrar a oportunidade mais propícia para poder vir a destruir Gandembel. ¿Consegui-lo-ia?


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Sessão de lançamento do livro do Idálio Reis, "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana" > Terceira e última  parte da sua alocução.



Manifestou essa intenção de assalto, pelo menos em 3 vezes. A primeira, foi a 15 de Julho, em que por volta das 2H00 da noite, desencadeia um intenso ataque ao nosso poiso, mesmo junto ao arame farpado virado para o lado da fronteira, e com uma demorada duração. Vinha fortemente apostado em fazer rombo, seja pela intenção de destruir as casernas-abrigo que lhe eram frontais, seja no rompimento de uma abertura no arame farpado.


Vídeo (8' 39''): Alojado em You Tube > Nhabijoes


Deste medonho ataque, com um enorme poder de fogo inicial e a uma hora pouco previsível, surge o efeito-surpresa, e se no começo do tiroteio houve alguns momentos aflitivos, depressa os elementos da Companhia, apercebendo-se da origem do ataque, tornaram-se lestos e incisivos a ripostar. Todavia, a caserna-abrigo mais frontal, é apanhada pelos primeiros impactos dos canhões sem recuo, com um número infindo de estilhaços a entrar no seu interior, a quase neutralizar a acção dos militares que nela permaneciam e provocando 1 morto e mais de uma dezena de feridos, dos quais 6 seriam evacuados para Bissau. O morto foi o comandante do Pelotão de Nativos, recém-chegado apenas há 12 dias.

Na altura, afirmou-se que este ataque tinha sido o maior de todos que alguma vez se desencadeara no TO da Guiné. Em resultado dos indícios que deixou no terreno, o IN retirou-se com baixas, muito em especial dos elementos que integravam o grupo de artilharia (11 canhões sem recuo e 9 morteiros 82), graças aos efeitos de uma granada de bazooka a acertar-lhe em pleno.

Mas o PAIGC continuou a ser firme e empenhado, tanto mais que Gandembel viria a ser sujeita a outros ataques de grande violência, em especial em dois da 1.a quinzena de Setembro e o de 8 de Novembro, mas o de 15 de Julho, foi de longe o mais aterrador, jamais esquecido pelos que o viveram directamente.

Nos 2 ataques do mês de Setembro, o inimigo faz utilização de um quantitativo elevado de morteiros 82 e de RPG-7, e com a particularidade também de pôr em acção pela 1.a vez em toda a Guiné, o morteiro 120. 

Fez uso de torpedos-bengalório na destruição da primeira fiada do arame farpado. Contudo, no interior de Gandembel, há mais e melhor armamento (os páras já estavam connosco), há mais certezas no posicionamento dos guerrilheiros, há muito certamente outros factores de ordem providencial em nosso abono. Inclusive, julgamos que estes ataques, de 7 e 11/12, pelos indícios manifestados, são os que provocam mais danos ao inimigo.

Passados apenas 3 dias sobre esse ataque de 15 de Julho, António de Spínola aterra em Gandembel, para se inteirar ‘in situ’ do que tinha acontecido. É nossa convicção, que este incidente, representou para a figura proeminente e tutelar do Comandante-Chefe, que lhe era fundamental manter uma profunda e serena reflexão, que tinha de rever consigo mesmo, quanto ao destino a reservar para Gandembel/Ponte Balana e para os homens que ali sobreviviam.

Surge 25 de Julho, com o Comandante-Chefe a fazer publicar a sua célebre e longa directiva n.o 20/68, em que dentre os considerandos relacionados com a remodelação de dispositivos, pode ler-se o seguinte: «Transferir em fase ulterior, os estacionamentos das NT de Gandembel e Guilege, para Salancaur e Nhacobá, devendo proceder-se, desde já, ao estudo da localização e das vias de comunicação».

Este putativo reajustamento, passados menos de 4 meses do início do erguer de Gandembel, passaria pela construção de 2 novos aquartelamentos, que proporcionassem uma maior eficácia no corte/impedimento do corredor de Guileje, enquanto eixo vital de reabastecimento da luta da subversão. Tais acantonamentos, situar-se-iam um pouco mais para o interior da Província, em cerca de 3 léguas de distância de Gandembel e de ambos os lados do rio Balana. E faria abandonar as áreas de Guileje, Mejo e Gandembel, que dado o domínio prevalecente do PAIGC, as apontava como localizadas em ‘área vermelha’, porquanto as considerava em posições onde as forças de quadrícula não detinham suficiente iniciativa e capacidade operacionais, e também não existiam populações.

O Comandante-Chefe, através destas directivas, procurava vincar com o seu cunho, a sua discordância quanto aos princípios orientadores como o seu antecessor fizera grassar a estratégia militar no TO da Guiné.

Já quanto aos fundamentos em que assentou o surgimento desta guarnição de Gandembel, António de Spínola reconhece que resultavam de um profundo erro de enquadramento operacional, admitindo que esse pouso não era garante de nada, chegando a emitir a opinião que se estava ante um cemitério.

A 28 de Julho, surge mais um dos casos inesperados, e que seria o primeiro a acontecer na Província nestas circunstâncias, e que foi o abate de um Fiat G-91, por fogo de uma metralhadora anti-aérea, com o piloto, então o tenente-coronel Francisco da Costa Gomes, a ejectar-se e a cair a cerca de 3 a 4 centenas de metros a sul do aquartelamento. O seu resgate, dada a proximidade, foi fácil, e o piloto rapidamente entrou num helicóptero, rumando a Bissau.

Sempre esta dualidade da sorte e do azar, que nos espreitava na leveza de cada duro momento.


Foi o que se viria a passar a 4 de Agosto. Esse trágico dia, o mais funesto de todos, tem uma marca punçada a sangue, e chama-se Changue-Iaia. A perda definitiva, num único dia, de 4 companheiros, significou para a Companhia o início do período mais crítico de sempre, em que esse tétrico sentimento de estarmos sós e indefesos se ia apossando acerbamente, e para o qual não se descortinava futuro, nem certo, nem seguro. Eram homens que num tão curto espaço de tempo de permanência na Guiné, viam-se confrontados por um caleidoscópio de fatalidades, a deixar transparecer que Gandembel se antevia à beira fatídica do abismo, pois começava a descrer na superação dos seus medonhos obstáculos.

Os acontecimentos a terem lugar no interior daquele perímetro, que viessem a decorrer nos tempos mais imediatos, podiam determinar ainda agarrar partes sobrantes do apego e do querer, da firmeza e da esperança, se alguém ousasse ouvir os ais de desalento e de dor, que ecoassem muito para além desta região do Forreá.


António de Spínola, que consideramos ter sido um dos maiores estrategos da guerra colonial, faz então lançar o último dos dados que tinha ao seu alcance. E naquele mesmo dia, contrariando a sua directiva quanto a Gandembel, não encontrando ainda a data mais adequada para a citada transferência, toma a resolução de seguir por uma outra, e chama o comandante do Batalhão de Para-quedistas.


Lançou com afinco e pundonor, a mais singular das oportunidades que lhe restava, e que sabia de antemão ser-lhe demasiado cara, mas era muito certamente a única onde poderia colher resultados positivos, e que passaria tão-só pela vinda da melhor tropa de elite para ‘entrar mata adentro’, de forma a domar o inimigo. Era urgente haver tropa operacional, de combate, que muito para além do arame farpado de Gandembel, ousasse ir à sua procura e o enfrentasse, coarctando-lhe os passos das suas itinerâncias, minando-lhes as suas veleidades beligerantes.


Quanto a esta tropa para-quedista, o número de feitos levados a cabo, foi tão importante e vinculativo para nós, que mais ninguém lhe consegue dar a dimensão devida, tão-só o testemunho de gratidão dos que a sentiram bem de perto. Eram, inquestionavelmente, a tropa de elite melhor preparada para este tipo de guerra de guerrilhas, na busca perseverante ao agressor.


Das acções de grande relevo operacional, as de maior significado têm lugar a 28 de Agosto, em que destroçam um bigrupo e apanham-lhe o armamento, assim como a de 15 de Setembro, em que se apossam de um fio de largas centenas de metros, que servia para que um guerrilheiro avançado se postasse no cimo de uma árvore que possibilitava dar uma clara visão do aquartelamento, e prestasse informações via telefone aos apontadores das baterias de morteiros, e que era a razão por que estas bocas-de-fogo vinham progressivamente a assestar a sua pontaria, com as deflagrações das granadas a acercarem-se cada vez mais próximo da guarnição.


Aquando destas façanhas, Spínola deslocou-se a Gandembel.

Quanto à vinda do Comandante-Chefe a 15 de Setembro, o que julgamos à lonjura desses tempos, é que o dossier de Gandembel/Ponte Balana, o continuava a sobraçar de forma firme e ousada, e qualquer que fosse o destino a reservar, estava suspenso de uma única decisão: a sua, mas inelutavelmente ligada ao desempenho dos para-quedistas neste chão.

E a partir dos finais de Setembro, começou a pairar um clima mais sereno e tranquilo, com o PAIGC. a sentir que a sua hegemonia vem sofrendo duros reveses, e revelando medo de a perder, opta cada vez mais em se resguardar. Perdera arrogância e vivacidade, escuda-se nos lados da fronteira e começa a agir essencialmente a coberto da calada das noites.


E a tropa para-quedista termina a sua missão de permanência.

E chegava-se ao dia de Natal. E nesse solene dia, entre diversas personalidades, fomos visitados pelo bispo de Madarsuma, Capelão-mor das Forças Armadas.
O prelado celebra a missa, logo pela manhã, ocupando uma parte da pequena parada, onde se colocou um improvisado altar. Em pleno acto religioso, o PAIGC ‘sauda-o’ em baptismo de fogo, através de uma pequena série de morteiradas 82. O bispo fica atónito com este desenlace, que também não era esperado da nossa parte, mas em fracções de segundo, alguém o refugia no interior de uma das casernas. E em breve, sossegado o tiroteio, retoma a missa, e quando a finaliza, também se despede definitivamente de nós e de Gandembel.

296 dias, 372 ataques e flagelações

E agora a continuarmos mais sós, 1969 despontava, sem nada conhecermos quanto ao destino que nos estava reservado. Mas, de relance, a confirmação do abandono chegaria ao nosso conhecimento na sua antevéspera, que haveria de ter lugar na madrugada do dia 28 de Janeiro, e o destino imediato seria Buba, com alguns dias de permanência em Aldeia Formosa.

À alvorada desse dia, o armamento pesado é desactivado, a bandeira nacional é arriada, o gerador é colocado num Unimog, e eis que havíamos de fechar definitivamente as cancelas de Gandembel e de Ponte Balana, e chegávamos sem problemas a Aldeia Formosa.

Apenas este episódio, já a noite era cerrada, em que o PAIGC desencadeia um forte ataque ao agora local de ninguém, onde tudo se volatilizara, dos sussurros da nossa presença, do ruído do gerador e à luz que fazia incidir, do olhar penetrante dos vigias. Este último tiroteio, propositado ou não, dentro ou fora do seu perímetro, revelava-se-nos o último dos mistérios em que a trama da guerra tantas vezes se enovelou com Gandembel/Ponte Balana.

De modo definitivo, António de Spínola resolvera arquivar de vez o pesado e volumoso dossiê daqueles poisos. Sempre julgou que a construção daquele aquartelamento, naquele tempo e naquelas condições, para nada serviu. E assim, aproveitando-se de uma situação de maior alívio, conquistada recentemente e que só a ele se deve, prefere sair sem o amargo travo da humilhação, mas com um pequena dose de honra e glória. Julgamos que conseguiu atingir os seus desideratos, ainda que tivesse de fazer uso de tropa de elite, um bem demasiado escasso e tão necessário na vastidão bélica da Província. Utilizara exaustivamente o maior dos estratagemas que estavam à sua mão, mas esta soube-lhe corresponder por inteiro.

Gandembel fora muito certamente, o mais infernal palco de guerra a que a Província da Guiné esteve sujeita durante o ano de 1968, com presença permanente na lista negra das piores notícias.

É-nos justo reconhecer que o Comandante-Chefe deu o seu melhor contributo, para que ao surgir a data que tinha determinado, houvesse quase essoutra Companhia de outrora, com os seus homens a sentirem-se mais estimulados, seguros, serenos, como também susteve de algum modo a devastação de todo um chão, a ser marcado duradoiramente pela contumácia da subversão.

Na qualidade de ex-militar que viveu todos os dias de Gandembel/Ponte Balana, sentimos muito impressivamente que os homens desta Companhia, jamais tiveram até à chegada dos para-quedistas, o apoio que necessitavam, mereciam e tinham legítimo direito a tal. E é por isso, que temos de reconhecer na heterodoxia de Spínola, um militar de uma enorme dignidade, que se não fora a sua persuasão, consubstanciada na forma como soube lidar com um processo de contornos muito complexos, talvez muito poucos de nós restariam sem sequelas de maior.

Dado o conjunto de vivências extremas por que aqui passámos, reconhecemos que havia felicidade estampada nos nossos rostos quando deixámos Gandembel, não o negamos. Para trás, ficava definitivamente um palco infernal, e já bastava de tanta contenção e castigo.

E hoje, ao recordarmos todos aqueles 296 dias, perpassam ainda sentimentos e emoções difíceis de conter para os narrar, porquanto os momentos dramáticos foram tantos e tão intensos, quanto as marcas profundas de sofrimento ou as incontornáveis mazelas taciturnas e dolorosas. E já tínhamos perdido para sempre, 9 valorosos companheiros. A todas as imoderadas privações, em que avultam os 372 ataques/flagelações, os de maior sorte foram resistindo, ainda que por vezes surgissem vacilações ou esmorecimentos.


E, porque nos últimos 6 meses de comissão, em Nova Lamego, uma zona sem a audição de um eco de um qualquer tiro, conseguimos bem reconhecer que para a grande generalidade dos militares do mato, os ditos operacionais, a guerra foi-lhes sempre tenebrosa. Todavia, ela mostrava-se ainda assim, bem díspar nos diferentes chãos da Província.

Idálio Reis


Vídeo, legendas e subtítulos (do texto): © Luís Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


Fotos (em formato pequeno): © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


__________________

 Notas do editor:



(*) 28 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9819: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (15): Um momento alto: o lançamento do livro do Idálio Reis (Parte II): Mais fotos da sessão de autógrafos


(**) Vd. este e postes anteriores >  10 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)

(...) Comentário do editor L.G.:

1. Querido amigo e camarada Idálio: Não há, na guerra, um fim feliz, como no cinema. Mas gostei de saber que os últimos meses dos homens-toupeiras de Gandembel/Balana permitiram-vos retemperar as forças para o regresso à Pátria, à Mátria ou à Madrasta da Pátria...

Continua a dar-nos notícias da tua/nossa gente, cuja epopeia tão bem soubeste evocar e descrever nesta fotobiografia... O teu testemunho honra-nos a todos e orgulha os editores e autores do blogue bem como todos membros da nossa Tabanca Grande. A fotobiografia da CCAÇ 2317, escrita pelo teu punho, foi um dos momentos altos do nosso blogue.

Faço daqui um veemente apelo a um editor português que arrisque publicar, em livro, esta extraordinária aventura de 9 meses no corredor da morte. Porque não o Círculo de Leitores ? L.G.


terça-feira, 8 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9870: Meu pai, meu velho, meu camarada (29): Luís Henriques (1920-2012): Você deixou o nosso ranchinho abandonado... (Luís Graça)



Vídeo (49''):  Luís Graça (2011). Alojado em You Tube > Nhabijoes

Luis Henriques (1920-2012):  Lourinhã, Atalaia, Lar e Centro de Dia de Nossa Senhora da Guia, 8 de outubro de 2011, precisamente seis meses antes de morrer (a 8 de abril de 2012)... Trauteando, aos 91 anos,  uma das suas canções favoritas, ligada à sua memória da tropa e e da sua comissão de serviço militar no ultramar, no Mindelo, Ilha de São Vicente, Cabo Verde (1941-1943).  Mesmo debilitado pela doença (crónica) de que sofria há 5 anos, ele arranjava forças para se mostrar feliz e agradecido pelas visitas que a família (filhos e netos) lhe faziam todas as semanas...

A canção chama-se "Ranchinho Abandonado". É uma canção brasileira, sertaneja, da dupla Raul Torres e João Pacífico, composta em 1939.  Estava na moda em Portugal, quando ele, em plena II Guerra Mundial, partiu como expedicionário para a Ilha de São Vicente, Cabo Verde, indo integrar o RI 23 (*)... Acompanhamento a violino, pelo neto João Graça que tinha o bom hábito de ir anotando, sempre que estava com o avô,  os seus ditos, anedotas e historietas... 


Letra > "Ranchinho Abandonado" (Música e letra: Raul Torres e João Pacífico, 1939).


Você deixou o nosso ranchinho abandonado,
Vive tão triste, o coitado,
Que dá pena até de ver.
Quando anoitece,
Bate a lua no caminho,
E eu lá dentro, tão sozinho,
Fico pensando em você.
Pego a viola p'ra esquecer a minha mágoa 
E os meus olhos, rasos d' água,
Que não cansam de chorar.
Eu vou cantando o soluço e a saudade,
Porque a felicidade,
Hoje, eu não posso cantar. 

E o ranchinho continua aqui tristonho,
Acabou-se o antigo sonho,
Veio a tristeza morar.
Em seu lugar só restou essa viola 
Que a minha dor consola
Quando, às vezes, me vê chorar.

Pego a viola p'ra esquecer a minha mágoa,
E os meus olhos, rasos d' água,
Que não cansam de chorar.
Eu vou cantando o soluço e a saudade,
Porque a felicidade,
Hoje, eu não posso cantar.



1. Meu pai, meu velho, meu camarada... Faz hoje um mês que nos deixaste... Os confrades da tua confraria da Nossa Senhora dos Anjos, na Lourinhã, mandaram-te rezar uma missa. Pela tua alma. Para que descanses em paz. Para que continues a sorrir-nos, com o teu sorriso lindo, lá da outra margem do rio invisível e intransponível que nos separa...

Tenho pena, mas não posso ir à tua missa, hoje, aí na Lourinhã... Estou a trabalhar a essa hora. Mas eu e o João (que está de férias,  na Índia) estaremos lá contigo, em espírito... Tens lá a Joana,e a Alice, as tuas filhas Graciete e Zairinha, e alguns dos teus netos, e demais família... A Béu, a tua caçoila,  também não poderá ir, está no Fundão, mas rezará por ti...

Temos muitas saudades tuas, pai. Este pequeno vídeo é uma forma de mitigar a nossa dor... Lembras-te ? Era uma das tuas canções favoritas. Estava na moda em Lisboa, quando partiste para Cabo Verde, em 1941... Sempre te a ouvi cantar pela vida fora... Você deixou o nosso ranchinho abandonado, /Vive tão triste o coitado / Que dá pena até de ver... Não, não é uma morna, é uma canção sertaneja, lá do Brasil... De João Aparício, o "poeta do sertão" que morreu em 1998, completamente esquecido...

Pois é, agora foi a tua vez de deixar o teu/nosso "ranchinho abandonado"... Sempre nos protegestes ao longo da tua vida, o melhor que sabias e podias... Agora é a nossa vez de experimentar esse estranho sentimento de orfandade que tu conheceste tão cedo, na tua vida, logo aos dois anos... Nunca soubeste, pela vida fora, o que era o doce amor de mãe... ("Quanto é doce quanto é bom / No mundo encontrar alguém / Que nos junte contra o peito / E a quem nós chamemos mãe"... cantava o poeta e músico Zeca Afonso),


  A tua, a minha avó, foi-se cedo desta vida, ceifada pela tuberculose, em 1922,  logo a seguir à epidemia da pneumónica (1918-19), de que me falavas tanto, embora ainda não fosses nascido quando foi o pico da pandemia. (Recordo-me de me dizeres que "quem se safou, era quem bebia aguardente"...).

Sabes, escrevi uma pequena nota biográfica sobre ti para o jornal da nossa terra, o "Alvorada"... Vou-ta reproduzir aqui, para os meus camaradas lerem, no blogue, de que tu eras (e continuarás a ser) membro... Eles estimavam-te e consideravam-te  como um "mais velho"...  Agora resta-nos o Armando Lopes, cabo verdiano, pai do Nelson Herbert, e que chegou a ser craque da bola na Guiné, com a alcunha de Búfalo Bil... Ainda esteve contigo no Mindelo, em 1943... É da tua idade,,, 

Publico também uma foto tua com a Maria da Graça, quando ainda estavas todo janota, aos 70 anos ... Sabes, estive este fim de semana no Lar, e pude dar-me conta de quanto ela sente a tua falta, mesmo que não já possa expressar as suas emoções... Ela sente a tua ausência, e fixou muita atentamente o artigo do jornal onde vem a vossa foto, de abril de 1991. 

Se não te importas,  nunca me despedirei de ti, vou falando contigo, à minha maneira. Assim como hoje... Entretanto, vamo-nos encontrando por aí e aqui, às vezes com uma lágrima furtiva ao canto do olho... LG

Morreu o Luís Sapateiro (1920-2012), uma figura muita popular e querida da nossa terra


Luís Henriques, mais conhecido por Luís Sapateiro, ou simplesmente por Ti Luís:


(i) Nasceu na Lourinhã em 1920. Homem de fé, morreu no passado domingo de Páscoa, dia 8 de abril, na Atalaia, no Lar e Centro de Dia de N. Sra da Guia, onde vivia desde 2008 com a esposa, Maria da Graça. Morreu em paz, consigo, com os seus descendentes (4 filhos, 12 netos, 5 bisnetos), com Deus e com o mundo. 

(ii) Tinha raízes, pelo lado do pai, Domingos Henriques, no Montoito, e pelo lado da avó materna, Maria Augusta de Sousa, em Ribamar (clã Maçarico). Sua mãe, Alvarina de Jesus, morreu jovem, em 1922, de tuberculose, fato que o marcou para toda a vida: a mãe nunca lhe pôde dar um beijo!... E nos seus três últimos dias de existência, em que eu tive o privilégio de o acompanhar no seu leito de morte, evocou o nome da mãe Alvarina, por mais de um vez. Tinha uma enorme afeição por ela.

(iii) Viveu nos primeiros anos de infância com a nova família do pai, que casou pela terceira vez. Ao todo teve uma dúzia de irmãos. Fez a instrução primária (na época quatro anos de escolaridade) na velha Escola Conde de Ferreira (demolida pelo camartelo camarário antes do 25 de abril), sob a direção Professor José António, que ainda conheci na minha infância, pai do meu conterrâneo e amigo Jorge Pedro.


(iv) O seu primeiro emprego foi como marçano, ou melhor, como “máquina registadora e de calcular”, na loja do fotógrafo e comerciante Manuel Lourenço da Luz, que veio da Praia da Vieira para a Lourinhã, na primeira ou segunda década do séc. XX, e que foi pai do fotógrafo António José da Luz (Foto Luz). A loja, na Rua Miguel Bombarda, vendia uma miscelânea de artigos fotográficos, vidraria, molduras, papelaria e bijuteria. O meu pai era muito rápido e fiável a fazer contas. [Vd. foto à esquerda, cortesia da bisneta do Manuel da Luz, a Ana Luz Pignatelli].

Terá trabalhado para o seu primeiro patrão, na Lourinhã e na Praia da Areia Branca, a troco apenas da alimentação e de algumas gorjetas, durante cerca de 4 anos. O meu pai tinha recordações muito nítidas da época balnear, na loja da praia. Além da fotografia, o negócio do Manuel da Luz incluía o comércio de equipamento para caça e pesca. À segunda feira, ia com o patrão para a caça de patos, perdizes e coelhos ao longo do rio Grande…

(v) Aos 13 anos, o meu pai terá uma nova família de acolhimento, a do seu tio materno, Francisco de Sousa (Fofa), músico e industrial de sapataria. Aprende o ofício de sapateiro. É criado com os seus primos António Francisco Sousa, Carlos Sousa e Milu (esta felizmente ainda viva; e todos eles com excelentes dotes musicais: o António tocava saxofone e fundou a primeira "banda de jazz" da terra, o conjunto Sol Do Ré Mi; o Carlos era um especialista em prata na banda da Lourinhã; e a Milú uma bela menina de coro).

(vi) Aos 20 anos assenta praça no RI 5, Caldas da Rainha. Em 1941 parte para Cabo Verde, como expedicionário, com o posto de 1º Cabo Inf da 3ª Companhia do 1º Batalhão do RI 5. Tinha memórias muito vivas (incluindo registos fotográficos) dos difíceis tempos que passou no Mindelo, Ilha de São Vicente (26 meses, entre julho de 1941 e setembro de 1943; nos últimos 4 meses esteve hospitalizado, por problemas pulmonares, entre maio e agosto de 1943).

A saudade da terra era mitigada pela presença de diversos lourinhanenses, o António Correia Caxaria, o Boaventura Horta,  o Jaime Filipe, o  Leonardo, e outros - naturais da vila, da Atalaia, da Serra do Calvo... - que pertenciam à mesma unidade (RI 23, constituído na Ilha de São Vicente, 1941/44) (*). 

Numa época de elevado analfabetismo, sacrificava os seus tempos livres escrevendo dezenas de cartas por semana em nome de muitos dos seus camaradas. Aos 91 anos ainda se lembrava dos números de tropa de alguns dos seus camaradas, e até das moradas para onde enviava as cartas. Em nome do Fortunato Borda d'Água, do Cercal, Azambuja, por exemplo, chegava a escrever 22 cartas por semana... O Fortunato  tinha duas namoradas, "uma que chorava ao pé da mãe dele, e outra que se ria, em plena rua"... O meu pai um dia teve que o ajudar a decidir-se:
- Ó Fortunato, afinal de quem é que tu gostas mais ? Com queres casar ? Da que se ri, na rua, ou da que chora no ombro da tua mãe ?...
- Ó Luís, claro que é da que chora...

(vii) A seca e a fome que assolaram Cabo Verde nessa época, e que fizeram dezenas de milhares de mortos, tiveram impacto na sua consciência de bom português e bom cristão. O seu "impedido", o Joãozinho, que ele alimentava com as suas próprias sobras do rancho, também ele morreu, de fome e de doença, em meados de 1943. Comove-se ao dizer-me que deu à família do miúdo todo o dinheiro que tinha em seu poder (c. de 16$00) - na altura, estava hospitalizado -, para ajudá-la nas despesas do enterro. Lembro-me de ele me dizer que um cabo ganhava na época  qualquer coisa como 130$00 por mês... De volta à metrópole, não terá mais do que 200$00 ou 300$00 no bolso. Para ele o dinheiro nunca foi fêmea...


(viii) Do Mindelo escreve à sua namorada, futura noiva e esposa, e minha mãe, Maria da Graça:

Maria, minha cachopa,
Não me sais do pensamento,
Tão logo eu saia da tropa,
Trataremos do casamento…


De regresso à Lourinhã, em setembro de 1943, vinha cheio de saudades… de comer uvas. "Vinte e seis meses sem comer uvas, sabes o que é ?", interpelava-me ele, nas nossas conversas sobre Cabo Verde, no Bar dos Cinco Paus, na Praia da Areia Branca...


 Faz sociedade com o seu irmão Domingos Severino, dois anos mais novo, meu padrinho de batismo, já falecido. Abrem a sua própria oficina de sapataria, na Rua Miguel Bombarda. Chegam a ter bastantes empregados. Na época ainda não havia produção industrial de calçado. 

Casa, entretanto, em 2 de fevereiro de 1946 com a Maria da Graça, natural do Nadrupe, filha de camponeses, criada de servir de senhores e senhoras de Lisboa, da Praia da Areia Branca e da Lourinhã, desde tenra idade (9/10 anos). Como rapariga que era, naquela época, só tinha a 3ª classe, tirada numa professora particular, mas sabia muito bem ler, escrever e contar. Sei que houve lagosta na festa do casório, a que assistiram amigos e parentes. Na época, a festarola terá ficado por 800$00 (se a memória não me atraiçoa).

 A 29 de janeiro de 1947 nasci eu. Até 1964, a Maria da Graça dará à luz  ainda mais três raparigas: Graciete, Maria do Rosário e Ana Isabel.


(ix) Continua a jogar futebol, como atleta amador, e ao mesmo tempo participa na vida associativa das diversas coletividades da sua terra, desde o Sporting Club Lourinhanense (SCL) até aos bombeiros, a banda de música e a misericórdia. É mordomo de festas (como a da Sra dos Anjos e de São Sebastião). Quando morreu, era de há muito o sócio nº 1 do SCL, coletividade que de resto sempre o acarinhou e o homenageou, tanto em vida como na morte. Foi treinador de gerações de miúdos, das camadas juvenis, sempre ao serviço do SCL. Comprava-lhes as sandes para o pequeno almoço e arranjava-lhes as botas e aos domingos percorria o distrito de Lisboa, nos torneios de futebol...

Era um bom lourinhanense, muito querido e estimado por toda a gente. Espirituoso, bem humorado, com jeito para o improviso poético, definia assim a sua terra:


Lourinhã, uma vila catita, 
bonita, sem vaidade,
tem montras como uma cidade. 
Mas também ninguém nos engana: 
ao fim de semana, 
sem sol, sem bola e sem missa, 
é uma terra de preguiça… 

Ou noutra variante, mais mordaz:

Lourinhã tem três entradas, 
três saídas, três igrejas, três ermidas,
três moinhos de vento 
e... ladrões em todo o tempo!

(x) Trabalhador por conta própria, deu trabalho a muita gente, numa época em que o emprego era escasso e mal remunerado… Viu muita gente (incluindo os seus empregados) partir para os EUA, o Canadá, a França, a Alemanha, nos anos 50 e 60... Tinha inúmeros clientes, quer da vila, quer das aldeias mais a norte do concelho (do Sobral a São Bartolomeu) e até fora do concelho (Bufarda, por exemplo).  Terá percorrido, na sua vida, muitas dezenas de milhares de quilómetros, de bicicleta,  levando e trazendo calçado dos seus “fregueses”, que muito o estimavam. Aos 90 anos ainda tinha um coração de atleta...

O seu negócio teve altos e baixos, e conheceu vários sócios  e vários locais.  A sua última oficina , onde esteve mais de 30 anos,  foi na Praça Cor António Maria Batista, nº 9, na Lourinhã  (junto ao beco que liga à Rua João Silva Marques). 

Daí também o seu desabafo, sob a forma de parlenda popular: 

À segunda, o trabalho abunda; 
à terça, dor de cabeça; 
à quarta, trabalho à farta; 
à quinta, dança a pelintra; 
à sexta,  o patrão é uma besta; 
ao sábado, o patrão arreliado… passa-se para o outro lado!

 (xi) Foi, além disso, um bom pai e um avô carinhoso. Tinha orgulho nos seus  filhos [, na foto, à esquerda, os dois mais velhos, Luís e Graciete, c. 1950], netos e bisnetos, os quais, por sua vez, tiveram a rara felicidade de estarem junto dele na hora, difícil, da sua partida deste mundo. 

Viveu pobre e morreu pobre. Morreu com dignidade, vítima de doença prolongada. Tinha 12 netos e 5 bisnetos.  Escreveu,por sugestão minha,  um diário (cerca de 500 páginas manuscritas) entre 2008 e 2011. 

Viveu os seus últimos quatro anos no  Lar e Centro de Dia de N. Sra da Guia, onde encontrou uma segunda família. Em 30/10/2008 escrevia no seu diário: 

“(…) nesta nova família que nos arranjaram, fico triste pelos que se encontram piores do que eu. Não tenho culpa de ter nascido assim. Por tudo isto,  sou feliz, embora pobre, mas alegre, e gosto de conviver com todos. É esta a minha política: esquecer as minhas dores lembrando dos que se encontram  bem piores do que eu (…)”.  

(xii) Os seus familiares e amigos mais próximos lembrá-lo-ão sempre como um homem simples mas único, que irradiava alegria de viver e boa disposição. Não deixa “obra feita”, como sói dizer-se. Mas o seu exemplo de generosidade, bondade e otimismo perdura para além da morte. É o património (imaterial) que nos deixa. Para os seus filhos, netos e bisnetos, foi um privilégio tê-lo como pai e avô. Para eles, foi e será sempre o melhor pai e avô do mundo.


(xiii) Uma palavra muito especial de agradecimento é devida à direção do SCL e ao  Lar e Centro de Dia da Atalaia (na pessoa da sua diretora técnica dra. Ana Caetano, do médico dr. Rui Martins e dos demais profissionais - grandes profissionais, grandes mulheres! - que cuidaram do meu pai, até à sua morte,  com uma inexcedível competência, dedicação e humanidade). Mas também aos seus parentes, amigos, conterrâneos e vizinhos que se interessaram pelo seu estado de saúde e que o acompanharam até à sua última morada na terra. 

Por fim, um xicoração muito especial aos elementos do Coro Municipal da Lourinhã, Rui Mateus, Moura (grande companheiro do meu pai nas jogatanas de damas), Quim Zé e Ana Mateus que no cemitério cantaram para ele e para todos nós a famosa e sublime canção alpina  “Signore delle cime”, composta em 1958 pelo italiano Giuseppe de Marzi: 

Dio del cielo, Signore delle cime,
Un nostro amico hai chiesto alla montagna.
Ma ti preghiamo, ma ti preghiamo:
Su nel Paradiso, sul nel Paradiso
lascialo andare per le tue montagne.

Santa Maria, Signora della neve,
Copri col bianco soffice mantello,
Il nostro amico, nostro fratello,
Su nel paradiso, su nel paradiso
Lascia lo andare per le tue montagne.

Dio del cielo, l’alpino chè caduto,
Ora riposa nel cuor della montagna.
Ma ti preghiamo, ma ti preghiamo.
Una stell’alpina, una stell’alpina
Lascia cadere dalle tue montagne.



Lourinhã > Abril de 1991 > Maria da Graça (n. 1922) e Luís Henriques (1920-2012)




Portugal > Cadaval > Adão Lobo > 18 de junho de 1950 > Equipa de futebol do Sporting Clube Lourinhanense (SCL) no campo de jogos do Adão Lobo. O segundo da primeira fila, da esquerda para a direita, assinalado com um círculo a vermelho, é o meu pai, Luís Henriques, então com 29 anos... Esteve toda a vida ligada ao futebol, quer como jogador quer como dirigente e treinador de futebol das camadas mais jovens...

Esta foto foi tirada no dia em que o Benfica (seu clube do coração) ganhou a Taça Latina, disputada no Estádio Nacional do Jamor, um dos ícones do Estado Novo. Como dizem as crónicas da época, foi o primeiro feito internacional do S.L. Benfica, e pôs o país a vibrar de emoção: primeiro, o Benfica eliminou a Lázio nas meias-finais, por 3-0; depois empatou com o Bordéus, por 3-3,na final, em 11 de junho; e na finalíssima, uma semana depois, venceu os franceses por 2-1.

Esta foto é também uma homenagem à geração do meu pai para quem o futebol foi uma paixão... Aqui ficam os nomes dos jogadores do SCL, identificados um a um no dia em que o meu pai festejou os seus 90 anos (tinha uma memória de elefante!):

"De pé, da esquerda para a direita, o filho do Vitor Pedro, o Miranda (Alfaiate), o Jorge Tarofa (ou Jorge Serralheiro), o José Costa (que haveria de morrer em Angola), o José Miguel, o Américo Russo, o Manuel Swing, o António Serralheiro; na primeira fila, da esquerda para a direita, o Vitor Pedro, o Luís Henriques, o António Zé da Graça [, guarda-redes], o Manuel Dias (Néu), o Artur Borges, e o João Borges". E acrescenta o meu pai: "Perdemos 3 a 2. Nesse dia faltaram três ou quatro dos nossos melhores jogadores: o Gino (ou Higino), o Mário Pepe, o Manuel Ferrador, o António Costa"... 

Quase todos estes lourinhanenses já morreram, com uma exceção ou outra: o Jorge Tarofa, por exemplo, ainda está entre nós; o Jorge Borges, não tenho a certeza. 






Cabo Verde > S. Vicente > Mindelo > "Junho de 1943. Alguns internados do depósito dos convalescentes. Entre eles, estou também eu, sentado, lendo [o livro ] Os Bastidores da Grande Guerra. Luís Henriques , 1º Cabo nº 188/41, 1º Batalhão Expedicionário, R.I. nº 5. S. Vicente. C. Verde" [ O meu pai é o primeiro da 1ª primeira fila, do lado direito, assinalado com um círculo a vermelho; esteve internado cerca de 4 meses, já no final da comissão, por doença de pulmões; a morbimortalidade entre os expedicionárias era elevada; o livro em, questão podia o ser de Adolfo Coelho, Nos bastidores da grande guerra, documentário, editado em 1934, em Lisboa, pela Livaria Clássica Editora].


Texto, fotos e legendas: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados


Uma versão mais curta deste texto foi publicado no jornal Alvorada, [Lourinhã,] nº 1103, 20 de abril de 2012, p. 26. E pode ser lida aqui também, no blogue A Nossa Quinta de Candoz.

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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9744: Meu pai, meu velho, meu camarada (28): O RI 23, (re)constituído na Ilha de S. Vicente (agosto de 1941/dezembro de 1944): a unidade a que pertenceram Luís Henriques, Ângelo Ferreira Sousa, Porfírio Dias e Armando Lopes (José Martins)