quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10269: CCAÇ 3325, Cobras de Guileje (1971/73): Parte II (Orlando Silva)



 Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 > 5  de fevereiro de 1971 > Foto nº 7 > Pista de Guileje com algumas visitas militares: à direita, o Alf Rodrigues, Alf Cristina, o Capº Parracho ao centro e o Alf Almeida, com dois pilotos e com o nosso Guia Abdulai Jaló. [Segundo informação do nosso camarada António Martins de Matos, os dois pilotos são o ten cor pilav Almeida Brito e o maj pilava Pedroso de Almeida, e o DO-27 é o 3499].



 Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 > 5 de fevereiro de 1971 > Foto nº 8 > Pista de Guileje com algumas visitas militares: à porta de armas, podemos ver da direita para a esquerda, o Alf Cunha, eu, o Cap Parracho ao centro, o Alf Cristina e o Alf Almeida, com alguns Oficiais Superiorers de Bissau.





 Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 > 1971 > Foto nº 6 > Uma Caserna/Abrigo acabada de construir



 Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 > 1971 > Foto nº 5 > Croquis do aquartelamento de Guileje (1971)

Fotos: © Orlando Silva (2009). Todos os direitos reservados.



1. Continuação da publicação da história da CCAÇ 3325, que esteve eem Guileje, de janeiero a dezembro de 1971, reproduzida aqui com a devida autorização do autor, José Orlando Almeida e Silva, ex-alf mil, residente em Aveiro (*)

CHEGADA A BISSAU – 26 de janeiro de 1971

Cabe aqui referir como aspecto altamente desmoralizante, a “propaganda” negativa de Guileje, que foi feita por elementos das Forças Armadas, inclusivamente por Oficiais, durante o único dia de estadia da Companhia em Bissau, logo que o navio atracou, sem qualquer conhecimento da região e das dificuldades que nos esperavam. De realçar que, tendo chegado num dia à noite, e sem qualquer experiência de combate, fomos enviados no segundo dia para o pior Quartel de toda a Guerra Colonial.

O comando notou, por isso, uma quebra nítida entre a disposição de toda a sua tropa um dia antes e um dia depois da chegada a Bissau, unicamente pelas razões apontadas, perdendo-se assim,  num dia, um trabalho de moralização de meses, obrigando a novo esforço no mesmo sentido, notando-se no entanto que se tinha perdido parte da confiança e alegria anteriores, o que só o tempo havia de voltar a dar. Podia afirmar-se que o IN não precisava de fazer acção psicológica neste aspecto, pois tinha quem a fizesse embora inconscientemente.

GUILEJE – 30 de janeiro de 1971


Como comandante do 2º Grupo de Combate dos Cobras de Guileje, e após ter lido o artigo publicado no jornal Correio da Manhã,  de 25/02/2008, não posso, em homenagem a todos os mortos e feridos, e a todos aqueles que não têm voz que os defenda, calar a revolta que me vai na alma. 

Porque sofremos em silêncio desde 1972 (regresso da Guiné), sem que a verdadeira história do Ultramar Português se fizesse, mais não fosse por homenagem a todos os mortos (que não se podem defender) e a todos os feridos que, como já disse, não são ouvidos por ninguém (só o são pelos seus familiares, que muito têm sofrido com isso), e porque sentimos na pele os rigores, a dureza, os sacrifícios e a dor, motivados pelo árduo cumprimento da n/missão militar e patriótica em Guileje, desde Janeiro/1971, tenho obrigatoriamente que corrigir os factos, e as afirmações de pessoas que, no desempenho das suas funções, e tendo abandonado (fugindo) o nosso Aquartelamento, vieram mais tarde afirmar que tinham sido obrigados a fazê-lo por estarem a ser atacados por todos os lados. NÃO É VERDADE!

A verdade é que os combatentes do PAIGC, como não vissem qualquer reacção às suas flagelações ao Quartel, começaram a aproximar-se lentamente, até que, ao fim de três dias, como viram que não havia nenhuma reacção (a população abandonou com as tropas), entraram à vontade no mesmo. Quem não souber o que aquilo era, até pode acreditar. Agora quem sabe, quem passou pelas mesmas situações mas trabalhou e não virou as costas, esses, apesar do sofrimento, sentem-se tristes com esta situação.

A minha introdução explica tudo isto. O aproveitamento pessoal de situações que o povo desconhece (inclui os Média), e a deturpação dos factos por vergonha da verdade. Mas ao calar, estávamos a ser cúmplices do que se tem afirmado, e estávamos a deixar que meia dúzia de pessoas ridicularizassem e envergonhassem uma mão cheia de Militares que se orgulham de ter defendido com honra as cores da Bandeira Nacional.

A confirmar o que acabo de dizer, basta assistir àquela novela que um Jornalista Português realizou e apresentou e está a apresentar em episódios na Televisão, filmado à volta da Guiné, Angola e Moçambique, mas entrevistando quase somente pessoas que tudo fizeram para ridicularizar de todas as formas a actuação dos Portugueses no Ultramar. Bem sabemos que aquele trabalho não foi feito por ignorância, mas sim direccionado para fins políticos.

E a sua intenção é “ocultar e disfarçar a cobardia de todos os Portugueses, que, arrastados pela degradação de valores que referi, julgam que ser democrático é criticar a História de Portugal e os Portugueses.”

Para demonstrar que não somos iguais, vou falar um pouco sobre a nossa actuação no TO da Guiné e mais propriamente em Guileje: Companhia Independente de Caçadores 3325 – Cobras  de Guileje

OFICIAIS E SARGENTOS


Oficiais:

Capitão Jorge [Saraiva] PARRACHO (hoje Coronel do Exército) – Comandante - Mafra
Alferes Adriano CUNHA (hoje Coronel da GNR) – 1º Grupo – Vila Real
Alferes Almeida e SILVA – 2º Grupo - Aveiro
Alferes Alberto ALMEIDA – 3º Grupo - Estarreja
Alferes Escalera RODRIGUES – 4º Grupo - Lisboa

Neste aquartelamento existia também um pelotão de Artilharia, comandado pelo Alferes Cristina – Portimão;  e um médico permanente: Alferes Acácio Bacelar (Dr) - Oeiras

Furriéis Milicianos:

Marreiro António – 1º Grupo
Maximiano Sousa – 1º Grupo
Bernardino Vale - 2º Grupo (Falecido em 16 de fevereiro de /1971)
Plácido Silva – 2º Grupo
Artur Pimenta – 2º Grupo
Manuel Oliveira – 3º Grupo (Falecido em 18 de abril de 1971)
Mário Prada – 3º Grupo
Acácio Barosa – 3º Grupo (Transferido para outra Unidade)
António Fragoeiro – 3º Grupo
João Noronha – 4º Grupo (minas e armadilhas)
Manuel Ferreira – 4º Grupo
António Bragança (2º Sargento) – 4º Grupo
Carlos Oliveira – 4º Grupo
Júlio Sequeira –Transmissões (Falecido em 17 de maio de 1971)
Alexandre Agra – Transmissões
Artur Alfama – Vaguemestre
José Jorge – Mecânico Auto
Luis Tomé – Enfermeiro


AQUARTELAMENTO

Vd. Foto nº 5, acima

–   Casernas/Abrigo
–  Caserna/Abrigo dos Oficiais
–   Secretaria/Depósito de Géneros e Secretaria
–  Bar dos Soldados/Enfermaria/Gabinete Médico
E
–  Comando/Alojamento do Comandante e Bar de Oficiais
–  Bar dos Sargentos
–  Transmossões
–   Capela
–  Messe
J – Cozha/Padaria
Escola
–  Paiol
M – Motor/Gerador
N – Abrigos de Morteiro 10,7
O – Campo de Futebol/Pista de Aviação
P – Heli-Porto
Q – Trilho para Gadamael por onde fugiu Coutinho Lima
R – Caminho de Garrafas feito pela C.Caç. 3325 (fotos 11/15/16)
–   Monumento aos Mortos feito pela C.Caç.3325 (fotos 13/14)
T – Avioneta que reconstruímos c/palmeira e lona (fotos 4/9/10)
X – Abrigo das Peças de Artilharia 11,4 (foto 19)

Sobre a Caserna/Abrigo (A) situada junto ao Abrigo dos Oficiais, estavam marcadas todas as direcções das Bases de Fogos do IN.

Chegados a 31 de janeiro de 1971 a Guilege, onde fomos render a CCAÇ 2617 que acabava a sua comissão neste Aquartelamento e ia ser transferida para Quinhamel, efectuámos uma sobreposição de 16 dias, realizando-se em 7 de Fevereiro a transmissão do Comando e daí a transferência da responsabilidade da Zona. [A CCAÇ 2617, os Magriços de Guileje, estiveram em Guileje de março de 1970 a fevereiro de 1971, L.G.]


A CCAÇ 3325 recebeu como reforço o 5º Pelotão de Artilharia pertencente à GA 7 que já se encontrava do antecedente em Guileje, comandado pelo Alferes Cristina.

Era uma zona particularmente difícil, com sérios problemas em todos os aspectos, onde a iniciativa pertencia de um modo geral ao inimigo, dado o grande potencial em efectivos e os meios que dispunha na região, dentro e fora do Território Nacional, e, pelo seu isolamento, Guileje só podia ter auxílio em caso de necessidade e rapidamente, através do apoio aéreo, e mesmo esse, só durante o dia.


O Inimigo circulava com um certo à vontade dentro da zona ou nas suas proximidades, utilizando inclusive viaturas no Corredor de Guileje, para as suas deslocações e transporte de material.
Procurou-se por isso, dentro dos condicionalismos impostos e dentro do princípio da economia de meios, ir progressivamente alargando as áreas de acção nas patrulhas que se iam realizando, podendo garantir-se,  ao fim de 3 meses, que não havia inimigo instalado na zona, o que se podia considerar excelente.


Nas primeiras flagelações sofridas, o pessoal reagiu bem de um modo geral e com calma, sem atropelos, nunca evidenciando sinais de pânico, embora logo no dia seguinte à nossa chegada a Guileje, tivéssemos sofrido uma flagelação com Morteiros 120 mm perfurante e Foguetões 122 mm.
A preocupação constante do comando era, a partir dessa altura,  a mentalização das tropas e a ocupação do tempo livre.

Para o nosso reabastecimento, existia unicamente uma picada entre Gadamael e Guileje, só utilizável após a época das chuvas e da intensa desminagem. Convém assinalar que estivemos isolados sem reabastecimento por terra durante 5 meses e meio. Até ovos nos foram lançados de pára-quedas.


Durante o mês de Março [de 1971] os reabastecimentos faltaram, ficando a tropa cerca de 15 dias a alimentar-se exclusivamente de pão e conservas. Também faltou a gasolina durante 8 dias, o que se reflectiu na actividade operacional, pois o pessoal teve de ser todo empregue no transporte a braço de água e lenha.

Todo o pessoal se encontrava bem instalado em abrigos-caserna (alguns em conclusão) à prova de 120 perfurante, com excepção de um Grupo, pois estava ainda a ser construido a caserna/abrigo que lhes era destinado (Foto nº 6).

A actividade da Companhia visava evitar que o IN se instalasse dentro da nossa Zona de Acção, procurando o contacto com ele, e criar-lhes insegurança para se evitarem flagelações frequentes ao Quartel, tanto pela execução frequente (diária) de acções, como utilizando a Artilharia e os Morteiros Pesados para bater a zona, e ainda manter o itinerário de reabastecimento livre. A Artilharia tinha instaladas 3 peças (Obus 11,4).

No dia 2 de Fevereiro de 1971, fomos visitados por Sua Exa, o General Comandante-Chefe António Spínola. No Brifing que se seguiu com todos os Oficiais, Sexa o General Spínola afirmou que, apesar de termos sido enviados para esta zona de guerra, e da inexperiência em combate, pois tratava-se de uma Companhia nova, confiava plenamente nas nossas tropas. Disse também, que iria acompanhar de perto a nossa actividade militar, pois iríamos enfrentar uma zona muito difícil.

Está mais que provado, de facto, que era a zona mais difícil de toda a Guerra do Ultramar.

No dia 5 de Fevereiro de 1971, fomos visitados pelo Comandante-Adjunto, Brigadeiro José Luís Ramires, e pelo Chefe e alguns Oficiais da Repartição de Operações do Comando Chefe. (Fotos nºs  7 e 8).

(Continua)

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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10264: CCAÇ 3325, Cobras de Guileje (1971/73): Parte I (Orlando Silva)

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10268: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (55): Bula - A guerra das minas (5) - Um jogo de "apanhadinha"

1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 8 de Agosto de 2012:

Amigo Carlos
Envio-te mais um troço de “Viagem…”que, como sempre, foca e retrata o mais fielmente possível a realidade de momentos e pormenores talvez subjectivos, que não foram e julgo não serão esquecidos, neste caso talvez não tanto pelo acontecimento em si mas pelo insólito (?) das envolventes. Costuma dizer-se que …”não lembra (va) ao diabo”? Pois neste caso… pelo visto, lembrou!

Como julgo que andas por “férias aos bocados” como eu, cá te mando o meu abraço com amizade e votos de saúde e bem-estar.
Para a Rapaziada atabancada um outro abraço e tudo de bom.
Luís Faria


Vista parcial do Quartel de Bula

Viagem à volta das minhas memórias (55)

Bula - guerra das minas (5)

Um jogo de “apanhadinha”

Creio que nenhum dos “Eleitos” gostava e muito menos queria, abandonar a procura de uma mina e dá-la como detonada ou perdida sem esgotar, em seu entender, todas as hipóteses viáveis de a encontrar e neutralizar. Muitas vezes acontecia andar-se tempos infindos à procura de um desses engenhos deslocalizado, situação potencialmente perigosa que obrigava a redobrados cuidados e domínio sobre emoções. Nesse espaço de tempo podia ser relativamente fácil acontecerem estados de espírito que iam do desânimo ao eufórico. A meu ver, nestas e noutras situações o autocontrolo e descanso eram essenciais na ajuda à prevenção do desastre.

Disse no (P9850 de 4 de Maio) …Nos ”cú de boi” era bom tomarem-se estas precauções preventivas, eu tomava-as, pois uma das coisas passíveis de acontecer e que não queria, seria por exemplo, exasperado pelo esforço e ao mesmo tempo contente por ter conseguido encontrá-la e levantá-la, agarrar na mina e “fungá-la” no chão ou no caixote de recolha acompanhada talvez dum “cabrona f.d.p.” ainda por cima sem antes a neutralizar, ou pinchar em cima dela a chamar-lhe nomes feios, dar-lhe uma biqueirada à guarda-redes… exagero o que digo ?… pois será, mas aconteceu!

Estávamos ao que me parece recordar, já para finais do campo quando num jogo de “apanhadinha” andavam uma “italiana” fugida e escondida e atrás dela procurando-a sem descanso e resultado, um Furriel “Eleito” que ia gastando o tempo, esgotando a paciência e julgo que a serenidade também. Expressões caserneiras na certa iam sendo sibiladas, maneira fácil e normal de aliviar alguma tensão acumulada, enquanto a busca continuava e se ia prolongando pelo tempo.

A dada altura é bem audível a quem trabalhava nas proximidades, manifestações de entusiasmo e regozijo fazendo com que “vizinhos” como eu desviassem o olhar e atenção para o que se estava a passar e lhe visse na mão a “italiana” finalmente apanhada e a expressão de contentamento vitorioso e de “dever cumprido” estampada no rosto.

Sol de pouca dura para este amante da bola, escalabitano e por isso mesmo alcunhado de Santarém, já que de imediato e surpreendentemente, atira a mina ao ar e acompanhado de algo como um “cabrona” bem sonoro, desfere-lhe uma biqueirada à guarda-redes!

O “BUMM …” é em simultâneo e o Santarém cai por terra.

A mina era de sopro, plástica e não teria sido neutralizada . A pouca sorte ajudou, dadas e a meu ver , as poucas (?) probabilidades de acertar no percutor, como julguei ter acontecido. Ninguém mais se feriu, a não ser psicologicamente.

Ajudo a levá-lo para a estrada para receber os primeiros cuidados médicos. A perna estraçalhada daquele jeito não é bom nem fácil de se ver. Os odores misturam-se e as moscas vindas do nada e atraídas aparecem como que a querer coreografar pela negativa mais uma tragédia em cena.

Lívido e calmo pelo menos aparentemente, não se lhe ouve praticamente um queixume, um gemido. A dada altura diz com serenidade e com um meio sorriso que recordo, como que aceitando sem revolta o resultado de um acto da sua e só sua responsabilidade(?!):

(quase sic) “…nunca mais vou poder jogar futebol!...”

Interveniente no drama e talvez emocionado perante o espectáculo, o Enfermeiro pareceu-me hesitar na procura do melhor sitio na perna onde espetar a agulha para administrar a injecção (morfina?) e julgando que ele estava com receio de causar dor(?) falo-lhe, à minha maneira, mais ou menos assim:
- Espete em qualquer sitio… ele não vai sentir nada!

É evacuado com destino ao aquartelamento donde seguirá para Bissau. Acompanho-o na ambulância, o que virá a influenciar e alterar o meu dia-a-dia durante tempo e levará a fazer-me uma pergunta que até hoje continua, e na certa continuará, sem resposta! Talvez me venha a referir a este assunto mais tarde, a ver vamos!

Nunca mais soube nada deste homem de têmpera, espero que a vida lhe tenha sorrido e que possa ter dado e ainda dar umas biqueiradas na bola, jogo de que ele gostava!

Luís Faria

Foto: © Victor Garcia  (2009). Todos os direitos reservados.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10117: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (54): Bula - A guerra das minas (4) - Imprevistos

Guiné 63/74 - P10267: Tabanca Grande (354): Joaquim Cruz, ex-Soldado Condutor-Auto da CCS/BCAÇ 4512 (Farim, 1972/74)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Joaquim Cruz (ex-Soldado Condutor Auto-Rodas da CCS/BCAÇ 4512, Farim, 1972/74), com data de 7 de Agosto de 2012:

Bom tarde caro camarada Luís Graça
Começo por te dizer que já há bastante tempo que sou um frequentador muito assíduo do blogue.
Depois de muito ler sobre tudo o que se escreveu e se continua a escrever sobre a guerra do ultramar, em especial com o relacionado com a Guiné e sobretudo com o fatídico cerco a Guidaje no qual eu também estive envolvido, pois fiz parte da segunda coluna que conseguiu furar o cerco no dia 10 de Maio de 1973. Como isso não bastasse, em Janeiro de 1974 voltei para lá para colaborar na construção de uma nova picada.

Depois de algumas hesitações, finalmente decidi apresentar-vos um resumo do que ali vivi durante a comissão de serviço, mas antes de entrar nesse período permitam-me que recue uns meses atrás para tentar explicar como o destino, a má sorte ou o que lhes queiramos chamar não permitiu que a minha comissão na Guiné tivesse sido bem diferente do que veio a suceder...


MEMÓRIAS QUE O TEMPO NÃO CONSEGUE APAGAR (1)

Depois ter feito os psicotécnicos no CICA 3 em Elvas, passados uns meses sou chamado para assentar praça no dia 7 de Agosto de 1972 no CICA 2 na Figueira da Foz.

Feita a recruta, eu e pouco mais de uma dúzia de mancebos recebemos guia de marcha para nos apresentarmos no RAP 3 que ficava ali a pouco mais de uma centena de metros, fomos a pé sem qualquer superior a acompanhar-nos e coube-me a mim inclusive transportar debaixo do braço um enorme envelope que continha os documentos respeitantes à nossa transferência. Ai juntamo-nos a mais umas largas dezenas de recrutas que entretanto tinham chegado dos diversos CICAS dispersos pelo país, e demos início à especialidade.

Quando estávamos sensivelmente a meio da especialidade, fomos informados do destino que nos estava reservado, portanto não havia escapatória possível, estávamos todos mobilizados para o ultramar, e os que não iam para a Guiné seguiriam para Moçambique.

Terminada a especialidade, recebemos guia de marcha para o R15 em Tomar onde o BCAÇ 4512 já se encontrava em formação com destino à Guiné. Dos condutores destinados ao Batalhão, quatro de nós tínhamos sido escolhidos para a promoção a cabo, portanto seria um por cada Companhia, tendo sido eu um dos escolhidos para a promoção (assim consta na caderneta militar) e em sorte sou colocado na CCS. Dadas as informações que tinha de quem já vivera essas experiências, para começo não estava de todo mal, já que em princípio me safava às constantes e perigosas colunas com as indesejáveis minas sempre à espreita, pois para além dos serviços inerentes a um cabo condutor sediado na sede do batalhão, estava-me reservado o lugar de fiel do armazém do fardamento e sempre receberia mais uns trocos ao fim do mês.

Quis o destino que tudo saísse ao contrário, então, eu e os restantes três elementos escolhidos para cabos nas restantes Companhias do Batalhão, por não termos tempo de tropa suficiente, pelo menos esta foi a informação que nos chegou, fomos substituídos por Cabos já com algum tempo de tropa, também com o prejuízo destes que já não contavam com tal má sorte.

Embarcámos no dia 6 de Dezembro de 1972, e um dia depois ou seja no dia 7, completámos 4 meses de tropa (usando um provérbio popular isto foi de atar e pôr ao fumeiro).

Cais de Alcântara e a triste despedida dos familiares

Já no Uíge em pleno oceano a caminho da Guiné

Envio um forte abraço a todos os ex-camaradas
Joaquim Cruz

(Continua)

* * * * *

2. Comentário de CV:

Caro camarada Joaquim Cruz, bem-vindo à Tabanca Grande e a esta tertúlia de ex-combatentes da Guiné.

Finalmente saiu a tua apresentação e o início da publicação de um trabalho que enviaste, subordinado ao tema "Memórias que o tempo não consegue apagar", que como combinámos terá seguimento em próximos postes, já que é muito extenso.

Dei uma vista de olhos ao trabalho, profusamente ilustrado com as tuas fotos legendadas, devidamente integradas no texto. Parabéns.

Posto isto, resta-me deixar-te um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia, editores e demais camaradas que zelam para que este Blogue continue activo e interessante.

Recebe um abraço do camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10228: Tabanca Grande (353): Humberto Martins Nunes, ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art.ª (Gadamael Porto e Cuntima, 1972/74)

Guiné 63/74 - P10266: Bibliografia de uma guerra (63): Uma foto de 1972 que documenta a visita da Cilinha a Cufar (Armando Faria)



1. A propósito do Power Point (enviado à tertúlia) elaborado pelo camarada Manuel Sousa para apresentação do seu livro "Prece de um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial", recebemos a seguinte mensagem do nosso camarada Armando Faria (ex-Fur Mil Inf Minas e Armadilhas da CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74):

Boa noite camarada.
Nem sempre é possível e fácil estar presente com alguma informação em tempo útil, mas face a esta mensagem apraz-me aqui um comentário.

A foto inicial da apresentação do livro deste camarada* onde está bem visível a Cilinha em visita, o local é CUFAR e foi de visita à CCAÇ 4740 que lá esteve estacionada de Julho de 1972 a Julho de 1974 e ao pessoal do CAOP na zona de CUFAR.

Ao lado da Cilinha nas suas costas e mesmo junto a ela sou eu, ex-Furriel Armando Faria da CCAÇ 4740, então de bigode à boa maneira militar.

Isto é só e apenas por curiosidade.

Parabéns ao autor e a todos aqueles que continuam a recordar/exorcizar momentos que teimam em ficar, nos seguem nos dias que passam e perseguem no sono que teima em não vir.

Um abraço a todos e não deixem de visitar a nossa pagina em: http://ccac4740.com/


Cumprimentos,
Armando da Silva Faria
Ex-Fur Mil da CCAÇ4740
Cufar/Guiné
1972/74
e-mail: asfaria.seguros@sapo.pt
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10219: Bibliografia de uma guerra (59): Prece de um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial, de Manuel Luís Rodrigues Sousa

Vd. último poste da série de 12 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10255: Bibliografia de uma guerra (62): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (3): Primeira parte do depoimento do Major General Pezarat Correia (2)

Guiné 63/74 - P10265: Cartas do meu avô (17): Décima terceira: O pior estava para vir: parte I: o cancro da próstata!... (J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)

A. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria de J.L. Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66. 

As cartas, num total de 13, foram escritas em Berlim, onde vivem três dos netos, entre 5 de março e 5 de abril de 2012. (*) 


B. DÉCIMA TERCEIRA CARTA > O Pior estava para vir…

I – Clínica de Coimbra


As mulheres têm as suas maleitas….os homens não lhes ficam atrás.


Andava eu na minha habitual vistoria ao físico, pesando toda a gama de índices de saúde ou falta dela, quando, para além do colesterol e ácido úrico, já controlados, dou de caras com uma estúpida subida do PSA. – Olá!...Aqui há gato…ou lobo à espreita!...

Há que repetir.

Ainda mais alto tocaram as sinetas. Há que fazer uma biópsia…Estávamos em fins de Julho. Com tudo marcado para seguirmos com o neto João para o mar azul do golfo de Rosas, ali ao pé de Perpignan…tínhamos ficado escravizados pela doçura daquelas praias quando estávamos na sabática da minha mulher…

O resultado veio parar-nos às mãos antes de partir.
 –  Não. Não vamos abrir o envelope. Dê lá para onde der!...

Foi a decisão. E bem tomada. Regalámo-nos com uns ricos quinze dias de férias na Costa Brava. Tudo se perderia se eu tivesse aberto a carta.
Quando viemos, fomos religiosamente mostrar os resultados ao especialista. 

A notícia caíu como um pedregulho sobre as nossas cabeças: um cancro na próstata!...Nem mais. Não acontece só aos outros.. Ainda há bem pouco tempo, o nosso amigo Ramalhosa, dono do parque de campismo de Vilar de Mouros tinha dolorosamente entrado nos céus…com a mesma sentença. Ficamos ambos aturdidos.

Uma réstea de esperança refulgia ainda bem cá dentro de mim. –  Não acredito que Deus me queira levar já!...Ainda me falta muito para fazer. –  Isto agora, só vai operando ou com radioterapia.- disse friamente e sem mais delongas o médico.

Num instante, a cabeça rodopiou umas dezenas de vezes, à procura duma saída. Lembrei-me logo do meu velho amigo Dr. Nolasco. Que me pôs fino da cabeça quando, de Lisboa, arribei a Aveiro, com comprimidos para dormir e para trabalhar… Telefonei-lhe sem olhar a que horas eram. Aflito.
 –  Ó Dr. Nolasco! Aconteceu-me isto assim… assim…

Do lado de lá senti logo total solidariedade.
–  Leia-me lá o que diz o relatório…

Li-o pausadamente. Ele ouviu e gritou, de imediato: – Você desta vez safou-se. Não se aflija, Dr. Gomes. Vamos arranjar-lhe um colega que o vai safar…Isso ainda está muito verde. Eu logo à noite dou-lhe o seu contacto.

Rejubilei. E acreditei seguramente nele, mais uma vez. –  Dr. Dionísio Duarte. Especialista dessa matéria. Dá consultas em vários sítios. Inclusive em Lisboa, onde você está. – telefonou ele como prometera.

Na sexta-feira seguinte ali fui. Ao Saldanha. Uma sala de espera cheia de gente. Tive de aguardar até ao fim. Era já bem noite quando fui chamado.

Dou com uma pessoa muito mais novo do que eu. À porta aberta. De bata branca. Cumprimenta-me afável. Sem sombras de artifícios ou quaiquer habituais representações…Convida-me a sentar. –  Então que é que o traz por aqui?
Passei-lhe os exames. Leu. E de imediato, repetiu o que o Dr. Nolasco me tinha dito. – O Senhor acordou a tempo. Parabéns…Vamos dar cabo dele. Ainda está muito tenro...e limitado ao interior da glândula e, por fora não sinais.
 Então que há que fazer? –perguntei.
 – Há duas vias a seguir em alternativa: Ou se tira tudo ou se bombardeia o bicho…com uma técnica nova, das 'sementinhas'  radioactivas… assim se chamam. A questão está só no custo e nas consequências. A primeira é radical mas poderá ficar impotente e incontinente… a segunda resolve tudo na mesma e o Senhor fica melhor do que antes… 
–  Então está escolhido caminho. A segunda. Custe lá o que custar. – acrescentei eu, sem hesitação.
–  As 'sementes' têm de se mandar vir da América e depois é um só dia de internamento. Em Coimbra. Se for no hospital temos de aguardar vaga. Aí um mês e meio.

Se for na clínica particular onde vou, é dum dia para o outro, mal tenhamos as ditas. O custo, com tudo incluído, é X…Garanto que ninguém lhe faz mais barato. 

Ele já minha tinha exposto detalhadamente a sua filosofia de ser médico. Não andava nisso para enriquecer. Andava, apenas, e só., pelo gosto de fazer bem. Claro que tinha de viver do que recebia. Mas nada para enriquecer.

A sua sinceridade foi fulminante em convencer-me de que não havia ali qualquer basófia. Era mesmo aquilo que dizia.

E assim foi de facto. No dia quatro de Agosto de 2010, entrei na clínica pela manhazinha. À hora ele apareceu. Risonho e descontraído, como quem vai exterminar uma fera, sem qualquer dúvida ou temor de não conseguir.

Foi uma manhã de trabalho atento por ele uma equipa médica. Anestesiado, parcialmente, não sentia nada.
 –  Já está…disse-me ele calmamente e feliz pelo trabalho que fizeram. Agora vai recuperar a sensibilidade…vai ter uma certa dificuldade em urinar…uma certa dor ao acordar das pernas. Amanhã vai poder ir para sua casa. As 'sementinhas' agora vão fazer o resto. Vão liquidar de vez, as células negras que lá estão…no espaço de seis meses. E nós cá estamos depois…

A seguir, foi ter com a minha mulher no corredor e serenou-a completamente.

Já decorreu cerca de ano e meio. Tudo está passar-se como o que disse.

(Continua)


Fonte: Infografia: Próstata normal e aumento da próstata / Hiperplasia benígna da próstata (HBP)... 

Cortesia do Portal de Oncologia Português do qual se retira também, por ser de interesse público, os 
números do cancro da próstata (LG):

(i) Em Portugal, o cancro da próstata é o tipo de cancro mais frequente no homem - existem aproximadamente 4.000 casos novos;

(ii) Causa aproximadamente 1.800 mortes;

(iii) É responsável por cerca de 10% da mortalidade por cancro;

(iv) Estima-se que 1 em cada 6 homens terá diagnóstico de cancro da próstata ao longo da sua vida;

(v) 1 em cada 35 virá a falecer desta doença;

(vi) Com os dados actuais e considerando todos os casos de cancro da próstata, estima-se que a sobrevivência ao fim de cinco anos após o diagnóstico é de quase 100%... aos 10 anos de 93% ... e aos 15 anos de 76%;

(vii) De referir que estes dados são obtidos com os tratamentos disponíveis nos últimos 15 anos e se atendermos à evolução dos novos tratamentos, espera-se que estes dados venham a melhorar no futuro próximo.

Vd. também sítes recomendados pela Associação Portuguesa de Doentes da Próstata.
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Nota do editor:

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10264: CCAÇ 3325, Cobras de Guileje (1971/73): Parte I (Orlando Silva)





Fotos nºs. 2/3/4- Estado do Quartel aquando da nossa chegada. Vedação a reconstruir, Caserna-Abrigo em construção e uma DO-27 caída junto à pista.

Fotos: © Orlando Silva (2009). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do nosso leitor (e camarada) Orlando Silva:


De: José Orlando Silva [ orlandosilva1948@hotmail.com ]
Data: 8 de Agosto de 2012 00:35
Assunto: Fotos sobre Guileje


Caro amigo,

Antes de mais, gostaria de informar que autorizo a mostragem/publicação de todas as fotos existentes no meu blogue (http://guileje3325-vamos falar verdade).

Tenho muito mais que poderei enviar, no entanto, receio ferir algumas pessoas que têm emitido opiniões menos de acordo com a verdade, no terreno, pois algumas dessas fotos vêm de alguma forma, contrariar algumas afirmações mais fantasiosas.
No entanto... Já por diversas vezes afirmei, que o que me/nos move, é simplesmente contar a verdade sobre Guileje. Nada mais. Tem-se falado muito, mas na maior parte das vezes com pouca verdade, e sem ouvir as vivências dos outros. Tem de ser dada a palavra a quem pensa de forma contrária, pois viveram o mesmo local, a mesma guerra, e que, por terem trabalhado de forma diferente, foram bem sucedidos. Isto não é crime.

Sabemos que as situações se podem tornar diferentes, dependendo da forma como cada um actua. Agora generalizar a actuação de alguns como sendo a única verdade, isso não concordamos.


Respeitamos todas as opiniões. Gostaríamos no entanto, que fossem ouvidas as pessoas mais avalizadas para falar de Guileje: o Coronel Parracho, o nosso "mui digno" Comandante. Qualquer um dos outros (Oficial, Sargento ou Praça), comungam da mesma verdade. E este nosso Comandante da CCaç 3325 é a pessoa que melhor pode enriquecer o debate sobre Guileje, quer pela sua seriedade civil e militar,  competência superiormente comprovada e registada, frontalidade e por ser extremamente defensor da ética militar. 

Um abraço por hoje.
Orlando Silva - Aveiro

 2. CCAÇ 3325, Cobras de Guileje, 1971/73 > Introdução

Como ex-Alferes Miliciano da Companhia Independente de Caçadores 3325, Cobras de Guileje, que em 1971 ajudou a defender Guileje, e ouvindo constantemente comentários e reportagens de pessoas que ignoram totalmente o que foi a Guerra do Ultramar, nomeadamente da nossa Zona de Acção de Guileje, não posso deixar de colocar, com verdade, algumas questões a todas as pessoas minimamente inteligentes deste País.

Muito se fala das dificuldades que os nossos soldados passaram no cumprimento das suas missões. É verdade, e é preciso reafirmá-lo repetidamente: “o facto de termos de nos ausentar da protecção e companhia da família, pais, namoradas, esposas, e filhos, principalmente, o clima tropical doentio, a alimentação, a manutenção de uma vida sã, são algumas delas”.

Uma forma de as esquecer um pouco, é manter o tempo ocupado. Para isso, temos o trabalho de reconstrução/construção de Casernas/Abrigos, novos postes de iluminação à volta do Quartel, colocação de novo arame farpado, capinagem constante à volta do Quartel e da Pista de Aviação, limpeza da zona das bolanhas onde nos fornecemos nos poços a céu aberto de água para cozinhar e tomar banho (que nunca é pura e na época das chuvas é barrenta), a recolha de pedra numa pedreira para essas construções, etc. (ver fotos do antes e após o nosso trabalho).

Para complicar e aumentar todos estes problemas, temos a actividade operacional. Tornou-se norma desta Companhia, a realização de patrulhamento constante, sem dia nem hora, percorrendo todos os locais da nossa Zona de Intervenção, por forma a surpreender o IN (a nossa ZI era comandada pelo Nino Vieira) e mantê-lo afastado do Quartel.

Procurámos no dia a dia, percorrer todos os trilhos conhecidos, e verificar se apareciam alguns novos. Paralelamente, tentámos encontrar e armadilhar todas as bases de fogos do IN. Sempre que o quartel de Guileje era flagelado, no dia seguinte íamos procurar essa base armadilhando-a de imediato.

Tentámos, pois, fazer sempre o melhor no cumprimento da nossa missão e com o mínimo de custos pessoais. É verdade que a nossa acção teve custos humanos, sim, e em memória desses heróis, limitamo-nos a respeitar a sua memória de uma forma sã, pois já nos basta o que sofremos.

O maior prémio que recebemos no final da comissão de serviço, consistiu no facto de podermos sentir a satisfação pelo dever cumprido.

Coloco aqui duas questões:

- Será que, para se fazer um juízo correcto, e informar devidamente o povo Português, não seria aconselhável ouvirem outras pessoas (nomeadamente o Coronel Parracho), que tendo cumprido galhardamente a sua missão neste Quartel como Comandante da Companhia de Caçadores 3325 – “Cobras de Guileje”, alargou a Zona de Acção até ao seu limite? E essa Zona era comandada pelo Nino Vieira;

- Por último, porque será que nas reportagens mostradas nas televisões, só se realçam as actuações dos nosso adversários combatentes do PAIGC, denegrindo a actuação das nossas tropas?

NOTA:

Chamo ainda a atenção para o seguinte: Neste País, ainda não foi contada a verdadeira história do Ultramar Português por falta de coragem patriótica dos nossos governantes. Não foi também contada a verdade sobre o assassínio de Sá Carneiro, embora todos saibam. Não foi dita a verdade aos Portugueses e aos Estrangeiros, sobre quem matou o Dr. Amílcar Cabral. Que não foram os Portugueses, isso não, pois o próprio General Spínola estava em negociações/conversações com ele.

(Continua)




Página de rosto do blogue do Orlando Silva, ex-alf mil da CCAÇ 3325, que esteve em Guileje, de janeiro a dezembro de 1971.


3. Comentário do editor:

Meu caro Orlando: Interpreto a tua mensagem como sendo uma manifestação de interesse e de vontade em integrar esta nossa Tabanca  Grande sob cujo poilão, simbólico, se abriga um crescente número de camaradas que estiveram no TO da Guiné, entre 1961 e 1974. Agradeço.-te do fundo coração a tua generosidade, permitindo-nos reproduzir as tuas fotos (e as respetivas legendas, o mesmo é dizer o texto que publicaste no primeiro e único poste do teu blogue, com data de 21 de dezembro de 2009).

Com a tua autorização vamos publicar, por partes,  esse texto, relativo à história da tua companhia, bem como as respetivas fotos  em formato extra-grande. Ganhamos todos, dada a audiência do nosso blogue. Ganhas tu, com a tua versão sobre Guileje do teu tempo, ganham todos os "cobras de Guileje" que deram o melhor do seu esforço para defender aquela posição estratégica que era o quartel de Guileje, servindo de tampão ao corredor do mesmo nome, ganham todos aqueles camaradas que passaram por Guileje, e enfim ganhamos todos nós, teus camaradas, com o teu depoimento.

Gostaria que, na volta do correio, me confirmasses a aceitação do meu convite, da tua parte. Como mandam as regras do nosso blogue (publicadas na coluna do lado esquerdo), deves-me mandar também uma tua foto atual, digitalizada. Sei que vives em Aveiro. Falas-nos um pouco mais de ti, do que fizeste, do que tens feito. Um Alfa Bravo do Luís Graça

PS - Sobre o teu capitão, Jorge Parracho, temos ainda poucas  referências... assim como sobre a tua CCAÇ 3325... A aceitares o nosso convite, serás o primeiro grã-tabanqueiro dessa subunidade,l o que é também uma honra para nós.

Guiné 63/74 - P10263: In Memoriam (124): Dia 24 de Agosto de 2012, em Valbom - Pinhel, homenagem póstuma a José António Mata da CART 6250, falecido em Bolama no dia 10 de Julho de 1972 (José Manuel Lopes)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Lopes (ex-Fur Mil da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74) com data de 14 de Agosto de 2012:

Bom dia Carlos Vinhal
Se fosse possível pedia que fosse publicado no Blog.

A minha Companhia, a Cart 6250/72, "Os Unidos de Mampatá", homenageou todos aqueles que caíram na Guiné. Falta cumprir a promessa com o José António Mata, natural da aldeia de Valbom, Concelho de Pinhel.

O José António faleceu no dia 10 de Julho de 1972, juntamente com o Alferes Figueiredo, de Viseu.
Deixou a mulher grávida duma filha que nunca veio a conhecer.

A mulher emigrou para Paris, onde a sua filha cresceu e ainda vive. Conseguimos o seu contacto e falamos-lhe da nossa intenção de homenagear o seu pai. A sua reação foi comovente, pois com a voz carregada de emoção me disse que ficaria muito feliz e que isso a ajudaria a preencher um vazio que sempre a angustiou, o não ter conhecido o Pai. Referiu ainda que estava ansiosa por conhecer os camaradas do pai, pois talvez pudesse ver em cada um deles um pouco do pai que nunca conheceu.

Emigrante em Paris desde criança, nem todos os anos vem a Portugal, mas este ano está cá, telefonou-me, aguarda a nossa visita e a tão tardia homenagem ao JOSÉ ANTÓNIO MATA.

Só foi possível encontrar uma data, o dia 24 de Agosto (Sexta-feira), assim, quem puder estar presente será pelas 15 horas no cemitério de Valbom (Pinhel).

Será colocada uma lápide com um poema:

Gostava de vos falar
dos esquecidos
dos heróis que a história
não narra
que as viúvas choraram
mas já não recordam
daqueles
que nem tempo tiveram
para ter filhos
que os amassem
descendentes
que os lembrassem
daqueles que nunca
tiveram o dia do pai
vítimas de guerras
que não inventaram
em tempo que já lá vai
falar deles é prevenir
de guerras que possam vir
geradas pela ambição
dos que nunca morrerão
num campo de batalha.

Alguém sugeriu que seria bonito cada um levar uma recordação para a filha do José António. Eu levarei uma caixa do meu vinho, o Carvalho um ramo de flores, quem tiver uma foto do Mata seria uma optima prenda, um doce regional, etc,etc.

A todos os Unidos um abraço e aos que puderem ir, até ao dia 24.

O ponto de encontro poderá ser em Pinhel, num restaurante que se encontra depois da Zona Industrial à saida para Valbom.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10235: In Memoriam (123): Com a morte do Senhor Coronel Fernando Cavaleiro estou de luto, estamos todos de luto (Maria Teresa Almeida)

Guiné 63/74 - P10262: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (4): Hoje vais pagá-las todas!!!

1. Em mensagem do dia 6 de Agosto de 2012, o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) enviou-nos esta estória de suspense:

Caro camarada Carlos,
Aqui vai o relato de mais uma passagem de que eu fui um dos intervenientes em Mansambo e, que faz parte das muitas que compõem a história da CART 3493.

Quando não conseguimos distinguir uma brincadeira, daquilo que é a sério, sujeitamo-nos a grandes sustos, e comigo aconteceu assim, em Mansambo.


PEDAÇOS DE UM TEMPO

4 - HOJE VAIS PAGÁ-LAS TODAS!!!

O eletricista da nossa Companhia era muito brincalhão, de estatura baixa, de vez em quando juntava-se a nós (condutores) sempre disposto a pregar partidas, depois ria-se das brincadeiras que fazia, algumas vezes calhava-lhe levar umas palmadas como moeda de troca, mas não se chateava, até porque era quase sempre ele o primeiro a pôr (lenha na fogueira). Quem passou pela Guiné sabe que todos nós tínhamos dias de algum desnorte. Aconteceram incidentes graves, por vezes sem razão aparente para que tivessem sido provocados. O certo é que aconteciam, e todos nós tínhamos conhecimento de tais atos.

O Vieira, certo dia, entrou no abrigo dos condutores, onde (por acaso) só estava eu deitado em cima da cama, que era a última do abrigo. Quando entrou, não sabia se eu estava sozinho ou não. Aparentava ir completamente descontrolado, levando na mão uma granada ofensiva. Entrou cerca de um metro dentro do abrigo e, em vós alta e com cara mau disse- me:
- Estás farto de gozar comigo, hoje vais pagá-las todas.

Nos primeiros instantes não fiz caso, mas quando ele retirou a cavilha da granada e a atirou para debaixo da minha cama, estive alguns segundos em que a respiração parou. Naqueles breves momentos pensei em quase tudo, mesmo no pior… Passados que foram alguns segundos não houve rebentamento (estava desativada). O Vieira começou a rir e fugiu, ainda hoje não faço ideia onde se terá escondido. Quando saí da cama era mesmo com vontade de lhe sacudir a roupa, mas passadas algumas horas já tudo tinha esquecido, menos o susto que apanhei.

Encontrámo-nos há três ou quatro anos num almoço da companhia que teve lugar em Viseu, (desde a nossa vinda da Guiné não mais o tinha visto), falámos acerca desse episódio o que serviu para ele se rir mais um pouco. Eu ainda lhe disse: - Hoje é que vais levar uns murros… na brincadeira, claro!

O Vieira era um bom camarada. A primeira vez que vim de férias à Metrópole fui incumbido de levar para Bissau uma mala que pertencia a um oficial da nossa companhia, que tinha sido destacado para outra, ou para um grupo de combate (não tenho a certeza) de tropa nativa e que tinha sido vítima de um incidente provocado por um subordinado seu. Talvez recordar-me da mala que levei para Bissau (por sinal bastante pesada), me fizesse pensar que o que foi uma brincadeira pudesse ser a sério.

António Eduardo Ferreira
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Nota de CV:

(*) Vd. último poste da série de 5 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10119: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira (3): Crianças de Mansambo, jamais vos esquecerei!

Guiné 63/74 - P10261: Convívios (464): Tabanca de São Martinho do Porto, sábado, 11 de agosto de 2012 (Parte III)



Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro <  11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > A dona da casa, a dra Clara Schwarz.
João Graça, médico interno de psiquiatria, músico, nosso grã-tabanqueiro, tocou algumas das peças do seu reportório de música klezmer e irlandesa, em homenagem aos presentes, e muito em especial   à dona da casa, cujos antepassados eram da Europa de leste, polacos, da parte do pai, russos por parte da mãe...



Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > O João Martins e a esposa do Zé Teixeira, simpatiquíssima (mas cujo nome lamentavelmente não apontei no meu caderno de notas!)...


Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > A Joana Graça... Bem disposta, e brincalhona, esteve dez minutos a "falar em russo" com o irmão do dr. Reynaldo sem que este tivesse dado conta de que ela, excelente imitadora de "línguas estrangeiras", não domina o russo... O Pepito, bem como a dona da casa, mais uma vez, divertiram.se com a "lata" da Joana,...



Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto >  O médico, urologista, dr. Reynaldo Urgaleno... De origem cubana, trabalha no Hospital de Aveiro. Estve em missão de cooperação na Guiné-Bissau.


Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > Cecília, esposa do Reynaldo. Portuguesa, conheceu o marido na Guiné-Bissau.  Serviu de intérprete ao futuro marido e contou-nos algumas histórias desse tempo de Guiné... Como o leitor deve calcular, a relação terapêutica entre o urologista e o doente não é das mais fáceis, sobretudo da "primeira vez"... O homem guineense, por razões de pudor, culturais e outras,  não se sente confortável com o "toque rectal"... Pelo que a vida de um urologista,. estrangeiro (e da sua intérprete) não é propriamente um mar de pétalas de acácias...


Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > O irmão do Reynaldo, é engenheiro naval, trabalha e vive em Portugal (segundo percebi, na marinha mercante). Fala russo, tendo vivido seis anos em São Petersburgo.


Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > O anfitrião dso encontro e régulo da
Tabanca, diretor executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, de férias em Portugal.  Sempre  otimista (mesmo em relação ao futuro do seu país, onde nada neste momento funciona, a nível da administração pública...), falou-me com grande entusiasmo do novo projecto em que a AD  está envolvida, "Cacheu, caminho de escravos"...

Fotos (e legendas): © Luis Graça (2012). Todos os direitos reservados

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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10257: Convívios (463): Tabanca de São Martinho do Porto, sábado, 11 de agosto de 2012 (Parte II)

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10260: Do Ninho D'Águia até África (5): Em cenário de guerra deixas de ser tu (Tony Borié)

1. Quinto estória de "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Op. Cripto, Cmd Agrup 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (5)

Em cenário de guerra, deixas de ser tu! 

Já foi explicado no princípio, que quando os militares chegaram a esta vila, usavam as instalações, já existentes, de um antigo edifício em ruínas, que todos acreditavam que tinha sido usado anteriormente, por padres de uma ordem religiosa francesa. Era aí que funcionava o comando.

O Marafado, soldado pequeno na estatura, magro e moreno, talvez por andar sempre com o corpo descoberto, sem camisa, e que fazia parte do pelotão de morteiros, era algarvio, e dizia que era capaz de convidar o taverneiro da sua aldeia para beber um copo, e no fim não pagava, pois o taverneiro, oferecia o vinho!

Foi baptizado com este nome, porque cantava uns fados, muito desafinados, e não podia ver a caneca do café, cheia de vinho, que logo bebia, nos intervalos em que tirava o cigarro “três vintes” da boca, mostrando já uns dentes bastante escuros, aliás como quase todos os militares ali estacionados, devia de ser da água!.

Quando os militares, não estavam convocados para saírem em patrulha ou outras tarefas, andavam por ali, conversavam uns com os outros, jogavam as cartas, ajudavam em certos trabalhos sem serem convocados para isso, enfim, tentavam passar o tempo, quase sempre dentro do aquartelamento em construção.

O Marafado, não era assim, e dizia: - Eu não sou pássaro de gaiola!

E em especial pela manhã, quase sempre se dirigia à tal aldeia com casas cobertas de colmo que existia perto do aquartelamento. Ia para lá, com a ideia de conversar com alguém, ver as raparigas, comer fruta de cajú, às vezes beber aguardente de palma, até diziam que tinha lá uma namorada, o que ele sempre negou, enfim ia passar o tempo. Nesse dia, para encurtar caminho, aliás como quase sempre fazia, passa mais ou menos pelo meio, desse edifício em ruínas, e vê, ao lado de uma parede de adobe, em ruínas também, dois corpos de africanos, quase nús, esticados no chão. Fica arrepiado.

Pára, põe as mãos na cara, e aproxima-se. Um cheiro esquisito, vem dos corpos, já sem vida, no chão. Não acredita, no que vê.

Vai ao encontro de alguém, mais velho na província, e questiona.

Esse alguém, vendo a cara, e a atitude do Marafado, mostrando algum pânico e desespero, encolhe os ombros, acende um cigarro e pergunta:
- Qual é o teu problema? Chegaste ontem à guerra? Pois sejas bem-vindo.

E mais lhe disse:
- Oh pá, isso com toda a certeza, que é o resultado dos interrogatórios que se realizaram durante toda a noite, por essa polícia, que anda aí, e que eu até tenho medo de falar no nome dela, pois lá na minha aldeia, muitos foram presos só de falar nesse nome. Também esse gajo africano, que ajuda nos interrogatórios, usa o cavalo marinho, como se fosse um autêntico vaqueiro do oeste americano. Até dizem que bate com um arame dobrado. Tu não viste, como a luz falhava de vez em quando esta noite? Olha que o problema não foi do gerador, que trabalhou toda a noite.

O cenário macabro, que acabou de presenciar, com os seus próprios olhos, acompanhou-o em pensamento, pelo menos, toda a sua comissão de serviço, na dita província. E antes de vir falar ao Cifra, seu amigo, pensou para si:
- Estes desgraçados não resistiram. O que teriam feito?

Isto é mesmo a sério. Não é como nos filmes que eu via, na televisão, quando bebia o meu copo na taverna da aldeia, em Portugal.

O Marafado, que era amigo do Cifra, veio dizer-lhe o que viu. O Cifra, foi ao local, e era mesmo verdade, quase todos os militares sabiam que era verdade. Estavam lá, os desgraçados, mortos, tesos, com o tal cheiro esquisito, e só com um farrapo a cobrir-lhe os orgãos genitais, via-se um pouco das costas, com marcas de chicote, ou qualquer outro objecto, na área dos pulsos tinham marcas com sangue, os olhos de um, estavam abertos, e as faces do rosto, mostravam aflição. Esse cadáver tinha mais marcas de sangue nas pernas e no peito, e uma marca profunda em todo o redor do pescoço, talvez de um arame.

Esta cena horrível ficou gravada na memória do Cifra, para toda a sua vida, e jurou a si mesmo que não ia morrer sem a divulgar.

Ao cair da tarde desse mesmo dia, já muito perto da noite, uns tantos prisioneiros, comandados por esse tal africano que colaborava com a tal polícia nos interrogatórios, retiraram os corpos do local e caminharam em direcção ao sul, saindo das ruínas. Passado pouco tempo, para esse lado, viu-se um enorme clarão do que talvez tivesse sido uma grande fogueira.

Tanto o Marafado, como o Cifra, quando se viam e se encaravam, a primeira coisa em que pensavam era na imagem dos dois corpos, direitos, firmes, em cima dos ombros dos prisioneiros que começaram a caminhar e desapareceram com o cair da noite, rumo ao sul.

A partir desse momento, o Marafado era outro homem, deixou de cantar. E o Cifra deixou de achar graça a certas piadas que se contavam a respeito dos guerrilheiros, criou algumas rugas na testa, e olhando para o Marafado, diz-lhe: - Dá-me um cigarro!

Começou a fumar a partir desse momento. Ao outro dia, pela manhã, foi à messe dos sargentos e comprou um pacote de cigarros, e fumou durante o resto da sua comissão de serviço na dita província, começou a roer as unhas em sinal de nervosismo, e sem querer, algumas vezes não tinha control, era agressivo na linguagem quando ouvia certas façanhas de companheiros a vangloriarem-se de coisas sem nenhum senso, a respeito de cenas de combate.

Mais tarde, quase todo o pessoal no aquartelamento sabia que as forças armadas não simpatizavam com essa polícia, e até se dizia que muitas vezes os militares, que saíam em patrulha, não traziam prisioneiros pois sabiam que se os entregassem estavam condenados à morte.

Outros diziam que depois dos interrogatórios havia sempre operações de destruição, com mortes inúteis de ambos os lados, onde alguns militares de acção, já com algum tempo de província, não se sentiam muito confortáveis.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10225: Do Ninho d'Águia até África (4): No aquartelamento, quase em final de construção (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripo, Cmd Agrup 16, Mansoa, 1964/66)

Guiné 63/74 - P10259: (Ex)citações (192): Ainda as afirmações do senhor René Pélissier àcerca do nosso blogue (António Melo)

1. Mensagem do nosso camarada António Melo (ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, 1972/74), com data de 31 de Julho de 2012:

Amigo Carlos Vinhal
Aqui me encontro de novo e, como todos os dias, acabo de ler o blogue que para mim já faz parte do meu dia a dia. Repassando algumas coisas de que foi publicado, vou comentar a avaliação que o sr. René Pélissier fez ao nosso blogue, porque já afirmei que estava em total desacordo com ele, mas quero-me alongar um pouco mais.

O sr. René é francês e como francês que é não cumpriu o serviço militar como nós portugueses, que entre os anos sessenta e setenta e quatro, do século passado, na sua esmagadora maioria, tiveram que ir para África ou para Ásia e cito, Cabo Verde, Guiné, São Tomé, Angola, Moçambique, Índia (Goa, Damão e Diu), Macau e Timor. E é isso que nos diferencia do tal senhor que com demagogia faz uma ideia errada do nosso modo de pensar e das nossas recordações que só se apagarão quando fecharmos os olhos e pare para sempre o bater do coração, aquele que levamos dentro de nós, aquele que nos doeu e sangrou, aquele que se sentia apertado quando algum dos nossos camaradas caía morto ou ferido. Camaradas que tínhamos como família porque aqueles que estão a nosso lado dia e noite, que vestiam como nós, que comiam o que nós comíamos, que percorriam as mesmas picadas e que afinal eram a nossa sombra, aqueles que durante o tempo em que estávamos nessa frente de guerra, sorriam connosco e choravam quando nós chorávamos, aqueles com quem desabafávamos quando nos sentíamos impotentes para fazer alguma coisa para que esses camaradas não morressem ou ficassem sem uma perna, um braço, uma vista ou qualquer outra coisa, aqueles sim eram a nossa família.

Era bom saber escutar o amigo, saber estar calado quando a situação assim o requeria, ou então seguires a sua conversa e responder moderadamente sem o ferir mais do que já estava nesse momento, ser o seu conselheiro o vice-versa porque por vezes éramos nós que precisávamos de ajuda.

Eu tive momentos em que me afastei para um sitio onde ninguém me ouvisse gritar ao vento com todas as forças que tinha dentro de mim, depois voltava mais aliviado de toda a tensão acumulada.

Fomos para lá jovens inocentes e voltamos homens feitos e curtidos pelo sol abrasador, pelos sustos de varias índole, pelas noites dormidas em qualquer lado menos numa cama, pela fome e sede que passamos, mas aqui estamos, uns lendo, outros escrevendo, eu por mim falo, grande liçao de vida e dor apaziguada pelos anos dos que não voltarão.

Tu que hoje és pai e avô fecha os olhos e pensa um pouco, pensa nesses pais que viram partir os seus filhos e que ainda hoje os estão esperando.

Por tudo isto digo que o tal senhor René Pélissier não sabe do que fala, porque se passasse lá dois anos como nós passámos, teria seguramente outra opinião.

Também fala de como aqueles povos eram por nós subjugados e que o que a historia conta não é verdadeiro, que aquelas terras nunca nos pertenceu de pleno direito. Que sabe esse senhor? Só nos criticam aqueles que querem ser como nós.

Será que não devia ler mais um pouco sobre as invasões francesas? Ficaria a saber como nós sofremos, assim como os espanhóis, para evitar sermos dominados.

E agora resumindo dou a minha humilde opinião, que sendo eu um nada pois não sou escritor, politico ou qualquer outra coisa com significado, sou e com orgulho um simples operário da construção civil, mas com direito a ter minha opinião e estar de acordo ou em desacordo com o que oiço, vejo e leio.

Que houve excessos da parte de alguns dos portugueses que lá estavam não duvido, mas quem não tem telhados de vidro?

Saíram os portugueses e entraram Cubanos, Chineses e demais nacionalidades da nova geração, como pude verificar localmente em 2009. Fica a pergunta se agora esses países estão a fazer mais e melhor que os portugueses. Não foi o que vi.

Caros tertulianos, esta é a minha opinião com que podem estar ou não de acordo. Eu penso assim, mas como cada cabeça sua sentença, quem não estiver de acordo comigo que me respeite porque eu respeitarei a dos outros. Perdoem o meu desabafo.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10251: (Ex)citações (191): Ainda guerra perdida e a guerra ganha (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P10258: Notas de leitura (391): A Identidade Cultural do Povo Balanta, de Padre Salvatori Cammilleri (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 21 de Junho de 2012:

Queridos amigos,
Este padre siciliano foi expulso da Guiné em 1973 e a ela regressou após a independência do país, dedicando-se a conhecer melhor os balantas na vila de Tite e arredores, desenvolveu atividades na área da saúde, inclusive colaborou na construção de um hospital. Pesquisou e o resultado do seu labor deu origem a uma tese de licenciatura que apresentou na Universidade de Génova, em 1995 e que agora é dado à estampa nesta edição portuguesa, numa síntese.
É um documento utilíssimo para quem queira conhecer as virtualidades desta etnia designadamente nas suas vertentes antropológica e etnológica.
O Padre Cammilleri estudou a fundo a linguística e o seu texto está eivado de exemplos que permitem concluir sobre a congruência da língua nas diferentes vertentes culturais.

Um abraço do
Mário


Quem és? Eu sou Brasa

Beja Santos

“A Identidade Cultural do Povo Balanta”, da autoria do Padre Salvatori Cammilleri (Edições Colibri 2011) é uma obra de carácter antropológico e etnológico de grande mérito, resulta de anos a fio do contacto direto de um missionário com o povo Balanta, na região de Tite. O que o lançou neste empreendimento foi mesmo investigar no sítio a identidade cultural deste grupo étnico animista e que não conhece a hierarquia mas preza valores e vínculos e não se mostra interessado em quebrar a tradição.

De acordo com o censo de 1991, a etnia balanta representa 23 % da população guineense, vem logo a seguir à etnia fula que tem 24,8 % da população. Os balantas têm uma cultura essencialmente baseada na oralidade e o autor viu-se confrontado sobre que nome utilizar para os identificar. Os seus ancestrais apresentavam-se como o povo Brasa, progressivamente associaram-se aos beafadas. Os Brasa definem-se como os que permanecem sem interrupção, os autênticos. Para o autor Balanta ou Brasa são sinónimos. Em termos de ocupação do território, os balantas acantonam-se sobretudo em três áreas: na região dos rios Casamansa e Cacheu, território antigamente conhecido por Balantacunda; entre o Cacheu e o Geba, predominantemente no Oio, nas áreas entre Mansoa e Bissorã, segundo a tradição é a área onde se concentram os grupos de maior bravura (Kuntoi, Mané, Mansoanca e Brasa); e os balantas no Sul, presentes em Quínara e Tombali mas também no Oeste, na região de Biombo, são os balantas da diáspora.

O autor associa os balantas a insurreições permanentes contra a presença portuguesa, a última batalha foi asperamente travada em Nhacra, de 4 a 7 de agosto de 1924. O historiador Peter Mendy descreve-a deste modo: “Debaixo de uma chuva torrencial desenrolou-se uma feroz confrontação de quatro horas. Na impossibilidade de utilizar as suas velhas espingardas, os grupos dos cruéis guerreiros balantas lançaram-se de assalto com a espada e lança, simplesmente para serem varridos pelo fogo incessante das Snyder e Kropatcher dos portugueses e dos seus auxiliares africanos”.

Depois o autor centra-se sobre o território balanta que estudou, refere as atividades agrícolas, as alfaias, o seu sistema produtivo de arroz, como se organiza um arrozal balanta e descreve a organização social, os seus esquemas de parentesco, a estrutura de clãs, a ordem familiar e o papel dos mais velhos e das mestras e conselheiras. Explica a seguir a importância das cerimónias da iniciação em ambos os sexos e interessa-se pelos aspetos verdadeiramente identitários onde podem alinhar-se a cerimónia da parturiente, a atribuição de nome à criança, quem intervém na sua educação e como pode ser vista a clara separação nos currículos educativos de rapazes e raparigas, segue-se todo o encadeado de ritos nas diferentes etapas e a função que cabe em ambos os sexos em desempenhos obrigatórios como sejam os cuidados nos cerimoniais fúnebres ou os conselhos que os anciãos devem dar aos recém-circuncidados.

O escopo do trabalho do Padre Cammilleri tem a ver com a integração social masculina. Ele regista que o período de formação reservado aos homens ocupa as idades dos 6 aos 24/30 anos. É mais curto do que aquele que é destinado às mulheres, mas muito mais exigente e diversificado. A modificação da índole juvenil, escreve ele, é obtida através de um sistema de ensinamentos insistentes de noções, normas de vida e técnicas de trabalho até se tornarem homens. Percebe-se perfeitamente que o autor conviveu a fundo com esta população e registou ao detalhe o processo de integração social masculina. É conhecida a atitude balanta perante o trabalho e a sua pujança física. O autor diz que estes predicados poderiam ser pressupostos de violências e agressões frequentes mas tais manifestações de força são controladas pelo grande sentido de obediência ao chefe do grupo. O leitor interessado encontrará aqui a riquíssima documentação sobre as sucessivas etapas de formação, a natureza dos códigos iniciáticos e ritos e uma descrição poderosa dos diferentes rituais.

À guisa de conclusão, o autor considera que retratou os principais traços da forte unidade cultural dos Balanta/Brasa, as suas preocupações anímicas, o papel desempenhado pelo parentesco na vida do grupo e do clã e diz em dado passo se se perguntar a um qualquer jovem Brasa quem ele é ele responderá sem hesitação que é Brasa independentemente da terra onde nasceu, ou de onde vive, do clã ou linhagem a que pertence. A unidade de parentesco é confirmada na transmissão dos bens de pai para filho, ficando as mulheres excluídas. Contudo, esta exclusão feminina é recompensada pela norma tradicional que regula a afinidade e a aliança matrimonial entre as duas famílias extensas. É que o casamento é considerado uma verdadeira aliança entre duas famílias onde, para além do serviço da maternidade, é assegurada uma troca de prestação de trabalho e de outras ajudas que permanecem válidas até em caso de divórcio. A conjugação destes aspetos vem confirmar, observa o autor, a coesão e a integração cultural dos balantas, igualmente demonstrada a fidelidade da família às normas da cultura tradicional. No termo balanta encerra-se a complexidade desta identidade cultural: balanta significa “homens que recusam” e brasa é sinónimo de “gente que continua”.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10247: Notas de leitura (390): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10257: Convívios (463): Tabanca de São Martinho do Porto, sábado, 11 de agosto de 2012 (Parte II)

  

Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > Da esquerda para a direita, o Eduardo Moutinho Oliveira, advogado, membro da Tabanca de Matosinhos, o João Martinhs, o JERO e o Zé Teixeira... Em primeiro plano, de perfil, a Joana Graça... O grupo está assistir a uma exibição de violino... O João Graça, que é médico, interno de psiquiatria, é também músico, do grupo Melech Mechaya (especialista em música klezmer)... A dra Clara Schwarz, filha de pianista russa, tem por sua vez o curso de violino do Conservatório de Música de Lisboa...

Infelizmente, e por lapso meu, é a única foto em que aparece o Eduardo Moutinho F. Santos, presença habitual dos nossos convívios... Desta vez ele prometeu-me que ia "tratar dos papéis" para formalizar a sua entrada (oficial) na Tabanca Grande... Em conversa com ele, vim a saber que é casado com a doutora Maria José Moutinho Santos, professora e investigadora do Departamento de História da Faculdade de Letras do Porto, com algumas áreas de interesse científico também afins às minhas...



Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > O João Graça e o JERO.



Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro >  11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > O JERO fez questão de tirar uma foto com o João Graça, com quem o prazer de conversar com algum tempo e vagar... O JERO tem um pouco afastado estado das nossas lides bloguísticas, por razões de saúde... Aproveito para lhe desejar  um rápido restabelecimento... Ele veio acompanhado da sua filha que, no entanto, não pôde ficar para o almoço-convívio que se prolongou pela tarde dentro...



Alcobaça, São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro 11 de agosto de 2012 > 3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto > Da esquerda para a direita: o João Graça, a Alice Carneiro, a Isabel e o Pepito...


Fotos (e legendas):© Luis Graça (2012). Todos os direitos reservados

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10256: Convívios (462): Tabanca de São Martinho do Porto, sábado, 11 de agosto de 2012 (Parte I)