segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12311: Notas de leitura (535): "Pequenas Histórias de Guerra", por Carlos Alexandre Morais e "Spínola o anti-general", por Eduardo Freitas da Costa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2013:

Queridos amigos,
O coronel Carlos Alexandre Morais era um indefetível admirador de Spínola, sabíamos que nutria esses sentimentos num livro que lhe dedicou e que confirma nestas curtas memórias onde, em todas as circunstâncias, o general é um espelho do humanismo, do irreprimível sentido do dever e da bravura.
Eduardo Freitas da Costa escreveu a zurzir Spínola, um ambicioso e um exibicionista (diz ele) que soube explorar a indecisão de Caetano, ambos, pela ambiguidade, foram coniventes isto quando a esmagadora maioria dos generais já não confiava na orientação de Caetano em relação às guerras africanas.
Pouco fica para a história deste libelo acusatório, mas ele existe e há que lhe prestar a devida atenção.

Um abraço do
Mário


Memórias do coronel Carlos Alexandre de Morais

Beja Santos

A seu tempo, já aqui se fez recensão ao livro “António de Spínola, o Homem”, por Carlos Alexandre de Morais, Editorial Estampa, 2007. Em edição de autor, temos agora “Pequenas Histórias da Guerra”, dadas ao público em 1998. O autor recorda a Índia, Angola e a Guiné, comissão em que desempenhou as funções de chefe interino da Repartição de Pessoal e Logística do Quartel-General do Comandante-Chefe. São três curtas memórias que aqui se registam.

Na primeira, conta que “Uma tarde o Comandante-Chefe convocou-me ao Palácio. Mal entrei no seu gabinete entregou-me uma carta que acabara de receber. Foi um dos documentos mais comoventes que chegaram até mim. Tratava-se da mãe de um alferes que ali morrera em combate, durante um ataque ao seu aquartelamento. A senhora permanecia inconsolável perante a morte do filho e decidira ir à Guiné para conhecer o local onde ele perdera a vida”.
O Comandante-Chefe determinou que ele tomasse em mãos o assunto, havia que marcar um helicóptero que os transportasse ao referido aquartelamento. No dia seguinte à sua chegada, logo embarcaram em direção ao fatídico local. O autor comenta: "não me recordo do nome do local. Lembro-me do seu aspeto visto do ar. Era uma área totalmente desarborizada em que a tropa, submetida a frequentes bombardeamentos, vivia em abrigos subterrâneos”.
O helicóptero sobrevoa o local, os militares saem para montar a segurança, abrem-se as portas, o comandante do aquartelamento encaminha-se em direção à aeronave. E assim se atinge o clímax da história, a mãe do falecido alferes lança-se a correr em direção do jovem alferes, que nada sabe do que se está a passar: “Naquele momento ele simbolizava o filho que perdera. Com os olhos rasos de lágrimas, abraçou-o convulsivamente. Todos ficámos estáticos com aquela comovente cena. Através da conversa que se seguiu, o alferes acabou por conhecer a razão de tão dramática visita. Não mais a terá esquecido”.

O segundo episódio regista a morte de três majores e um alferes do CAOP de Teixeira Pinto, em 20 de Abril de 1970, aqui largamente documentado. Sabe-se como foi um duro golpe para a resolução pacífica do “chão manjaco”. O que o coronel Carlos Alexandre de Morais não esqueceu é que logo a seguir à visita que Spínola fez ao local para constatar o bárbaro massacre, ele foi convocado para iniciar, de imediato, os processos de condecoração dos militares mortos, assim reconfirmou a presença de espírito de Spínola que ele considera ser o seu irreprimível sentido do dever a sobrepor-se a tudo.

O terceiro episódio prende-se com os briefings que diariamente se realizavam à noite na Fortaleza da Amura. Os mísseis terra-ar estavam a provocar um desnorteamento na Força Aérea, era já considerável o número de baixas, o impacto psicológico afetava tudo e todos. Nessa atmosfera, dá-se o cerco de Guidage. Spínola dirigiu-se ao coronel piloto-aviador Moura Pinto, ordenando-lhe que mandasse preparar para a manhã seguinte um helicóptero a fim de se ele se deslocar a Guidaje. O comandante da zona aérea argumentou com enorme perigo falando em 80 % de probabilidades de insucesso. O general manteve-se calado, mas no fim do briefing virou-se para o coronel Moura Pinto dizendo-lhe com a maior naturalidade: “… quanto ao helicóptero mantenho a hora da partida e trate lá de baixar essa percentagem de risco…”.

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Spínola, o anti-general, por Eduardo Freitas da Costa

O jornalista Eduardo Freitas da Costa tinha convicções ultranacionalistas, foi um temível polemista e distinguiu-se, no plano da investigação, por um trabalho em torno de Fernando Pessoa, trabalho esse injustamente esquecido. A seguir ao 25 de Abril, redigiu várias catilinárias, Marcello Caetano e Spínola foram os seus alvos principais. No seu ensaio sobre Spínola, o jornalista pretendia “a desmontagem do mito e a incontestável exautoração do desmistificado”. Como é óbvio, aqui só se regista o que tem a ver com Spínola e a Guiné. Ambicioso e oportunista, incoerente e paradoxal, impertinente e arrivista, foram alguns dos mimos com que Freitas da Costa tratou Spínola neste livro publicado pelas Edições do Templo, em 1979. A primeira crítica vai logo para a carta que o tenente-coronel Spínola escreveu a Salazar, em Abril de 1961, sugerindo-lhe a remodelação imperativa dentro do regime, libertando-o de gente desacreditada, o militar arvorou-se em político e pena foi, observa o autor, que Salazar não lhe tenha dado o devido corretivo. A questão será também grave quando Salazar o nomeou para governador da Guiné, em Maio de 1968, também aqui Spínola apareceu com ideias fantasistas que levavam, a terem sido concretizadas, à independência. Depois, o governador contou com o marcelismo como aliado, foi assim possível ter andado em negociações com o presidente Senghor com o objetivo de se chegar, imagine-se, a uma autodeterminação provável em dez anos. Para mostrar como havia conivência entre Spínola e Marcelo, Freitas da Costa invoca o testemunho do antigo Presidente do Conselho e que tinha a ver com o pedido de fundos para serem usados na absorção do PAIGC da região, no chão manjaco: “Para isso necessitava de umas dezenas de milhares de contos, que lhe mandei entregar por fundos secretos. Regressou com o dinheiro a Bissau e a promessa de em breve anunciar esse grande êxito. Mas tudo o que houve foi o assassínio dos três majores que iam ao encontro dos mensageiros dos que diziam querer entregar-se, assassínio que ocorreu numa emboscada habilmente preparada. Não se viu nada mais nem se soube do dinheiro entregue para o efeito”.

O autor trata Spínola como um ingénuo que pôde agir em total impunidade graças ao marcelismo, enleado em indecisão e que não soube fazer frente à tentação de Spínola no abismo da rendição perante o inimigo.

Freitas da Costa envolve permanentemente Caetano e Spínola devido à duplicidade e ambiguidade de Caetano que levou naturalmente Spínola a considerar que uma coisa era o que o Caetano dizia para português ver e outra o que no fundo pensava e praticava.

Spínola conseguiu dissimular o seu fracasso militar na Guiné, diz Freitas da Costa contundente. Rotulado de chefe carismático, era necessário contê-lo politicamente, e por isso fora nomeado vice-chefe do Estado-Maior general das Forças Armadas. É na circunstância à atmosfera propícia que garante a Spínola, com a anuência de Costa Gomes, em publicar “Portugal e o Futuro” e que encontrou pela frente o desesperado desejo de Marcello Caetano de fugir às responsabilidades de uma situação que desencadeara e se não se sentia já capaz de dominar – é nesses termos, diz o autor, que Marcello quando recebeu em audiência Spínola e Costa Gomes lhes aconselhou que se dirigissem ao Presidente da República pedindo-lhe “a entrega do poder às Forças Armadas”. A revolução estava em curso, inevitável.
O resto do livro é outra forma de libelo acusatório da inépcia de Spínola face ao surto revolucionário sob a égide da Comissão Coordenadora do MFA.
Mas isso já é outra história que não cabe nesta recensão.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12298: Notas de leitura (534): Escravos e Traficantes no Império Português, por Arlindo Manuel Caldeira (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12310: Memória dos lugares (253): Aquartelamento de Bambadinca, c. 1970 (Fotos de Humberto Reis, CCAÇ 12, 1969/71) (Parte I)


Foto nº 1


Foto nº 2 


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 6


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca (vd. mapa da região)... A foto original, com resolução superior a 2,3 MB, decomposta em vários quadrantes (fotos parcelares de 1 a 5), permitindo um maior detalhe do aquartelamento. Aceitam-se melhorias e correções.

Legenda:

(1) Do lado esquerdo da imagem, para oeste, era a pista de aviação (1) e o cruzamento das estradas para Nhabijões (a oeste), o Xime (a sudoeste) e Mansambo e Xitole (a sudeste);

(2) Uma nesga da placa, em cimento,  heliporto;

(3) O campo de futebol (3),  entre o arame farpado (24) e pista de aviação; 

(4) A CCAÇ 12 começou também a construir um campo de futebol de salão (4), com cimento literalmente roubado à engenharia nas colunas logísticas para o Xitole; 

(5/6/7/8/9/10) Conjunto de edifícios em U: constituía o complexo do comando do batalhão  [, no nosso tempo apanhámos dois, o BCAÇ 2852, 1968/70, e o BART 2917, 1970/72] (5) e as instalações (dormitóriso) de oficiais (6) e sargentos (8), para além da messe e bar dos oficiais (8) e dos sargentos (9); apesar segregação sócio-espacial que vigorava então, não só na sede dos batalhões, como em muitas unidades de quadrícula, uns e outros, oficiais e sargentos, tinham uma cozinha comum (10); do lado direito do bar e messe de sargentos, vê-se uma fiada de bidões cheios de areia, que serviam de protecção para a saída para as valas (22);

(22/24/27) Do lado direito, ao fundo, a menos de um quilómetro corria o Rio Geba, o chamado Geba Estreito, entre o Xime e Bafatá; o aquartelamento de Bambadinca situava-se numa pequena elevação de terreno, sobranceira a uma extensa bolanha (a leste) que lhe dava uma aparência de fortaleza inexpugnável, vista do lado da bolanha (ou, seja, de leste para oeste); são visíveis as valas de protecção (22), abertas (... também pela CCAÇ 12, companhia de intervenção duramente explorada pelo comando dos dois batalhões...)  ao longo do perímetro do aquartelamento que era todo, ele, cercado de arame farpado e de holofotes (24); a luz eléctrica era produzida por gerador que deve estar algures por aí,  nas imagens, perto da antena de transmissões (27);

(23/25/26) Junto ao arame farpado, ficavam vários abrigos (26), o espaldão de morteiro (23), o espaldão da metralhadora pesada Browning, 12.7 (25)... (Em 1969/71, na altura em que lá estivemos, ainda não havia artilharia (obuses  14).

(3/11/12) A caserna (ou uma das casernas) das praças da CCS (11) ficava  junto ao campo de futebol (3);   o pessoal do pelotão de morteiros e/ou do pelotão Daimler deveria ficar instalado no edifício (12), que se situava do outro lado da parada, em frente ao edifício em U. 

(13/14/28) Mais à direita, situava-se a capela (13) e a secretaria da CCAÇ 12 (14);  por detrás ficava o refeitório das praças (28);

(15/16/17) Em frente havia um complexo de edifícios de que é possível identificar o depósito de engenharia (15) e as oficinas auto (16); à esquerda da secretaria, eram as oficinas de rádio (17).

(18/19/20)   Uma arruamenmto ao meio (no sentido sul-norte)  dividia o aquartelamento em duas partes (oeste e leste);  tínhamos o armazém de víveres (20), a parada e os memoriais da unidades e subunidades que  haviam  passado por Bambadinca (18), a escola primária antiga (incluindo a casa da senhora professora, Dona Violete, que era caboverdiana) (19) e depósito da água (de que se vê apenas uma nesga) (21).

(29, fora da foto) ainda mais para esquerda, o edifício dos correios, a casa do administrador de posto, e outras instalações que chegaram a ser utilizadas por camaradas nossos que trouxeram as esposas para Bambadinca (foi o caso, por exemplo, do alf mil op esp Carlão, nosso camarada da CCAÇ 12).

Esta reconstituição feita, de memória, apoiada em documentação fotográfica, nomeadamente por Humberto Reis, Luís Graça, Gabriel Gonçalves e Arlindo Roda (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), bem como por outros camaradas do nosso tempo (Benjamim Durães, CCS/BART 2917, 1970/72; José Carlos Lopes, CCS/BCAÇ 2852, 1968/70; Mário Beja Santos, Pel Caç Nat 52; Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63, 1969/71... e ainda  com base noutros elementos informativos publicados no blogue.

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), a quem mando, da ilha de Luanda, um abraço fraterno, bem como aos meus queridos coeditores que vão aguentar o barco esta semana. Vim no mesmo avião da TAP com o António Duarte, economista, formador bancário, que esteve na CCAÇ 12, em Bambadinca,  depois de mim, em 1973/74. Falámos um bom  e agradaável bocado no aeroporto. Por cá, tudo calmo.  (LG). 

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12284: Memória dos lugares (252): Bafatá ao tempo do Esq Rec Fox 2640 (1969/71) (Manuel Mata)

domingo, 17 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12309: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (2): O meu amigo felupe, o 44

1. Em mensagem do dia 11 de Novembro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos o segundo episódio da sua série Fragmentos de Memórias, dedicado ao seu amigo 44:


FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS

2 - O meu amigo felupe, o 44

O meu amigo felupe, o 44, propôs-se a tirar-me a arreliadora matacanha.

Devidamente desinfectado tinha já um afiado alfinete de dama, sentou-se de frente a mim, pegou-me nos pézinhos tamanho do sapato 43, e olhou-os assim estilo quando miro aqueles de coentrada. Eu entretinha-me a tomar Cavalo Branco 12 anos, que era dia de festa. enquanto ele me olhava sequiosamente esperando também anestesiar-se.

Disse-lhe:
-Tira lá essa porra sem me magoares, que bebes a seguir...

Bebeu após me apresentar aquela bolha cheia de bichinhos lá dentro, fazendo lembrar os cachos de chocos a nascer, que se vêem nas praias.

Pé com matacanha* 
Fotos reproduzidas, com a devida vénia, de: (Parasitoses-astrópodes)

Este rapaz, de quem fui muito amigo e ele meu também, mereceu-me toda a atenção e dediquei-lhe algum do meu tempo disponível.

Fazia perguntas e queria saber mais... ele fosse sobre o nosso modo de viver em Portugal... os costumes, os usos... o significado de palavras e custava-lhe acreditar que o Mundo fosse da forma como eu lho descrevia.
No fundo, o meu também só era o Alentejo do Alto e foi presunção querer Alentejanizá-lo.

Divertia-se quando lhe expliquei que comíamos o porco de várias maneiras o que de todo ele repudiava com o "bé" que suponho ser assim uma espécie de "porra".

Ensinei-o a jogar dominó com umas peças com desenhos de posições sexuais e ria, ria muito, o que também ainda hoje faço quando se m'alembra a cena.

Perguntou-me também sobre os Deuses, sim que ele estranhava haver mais do que um.

Dentro do pouco que sabia sobre tal, lá lhe fui explicando o possível. Falei-lhe de quando menino de escola, ter quase obrigatoriamente que frequentar a igreja e saber até o Pai-Nosso, mas só até àquele certo dia em que descobri que as senhas que recebia por ir à catequese e com as quais me davam pelo Natal 125g de manteiga, ou mais, dependendo do número de presenças, eram a forma de me cativarem para a religião, o que me desgostou.

E mais ainda... ao saber que a manteiga vinha da América oferecida e para ser distribuída pelos mais pobres, revoltei-me.
O que se passava é que a coisa era pois para ser de borla para os necessitados, mas o senhor padre queria uma contrapartida e por isso abandonei a confissão da fé.

Mas mais lhe disse. Contudo, não deixei de lá ir, mas ficando cá fora, aquando da saída das missas e para ver as miúdas internas do colégio, que bem lindas eram e se apresentavam, com aquela farda própria... mostrando a perna até ao joelho, que na altura era só o que nos ofereciam de engodo.

Mais lhe contei sobre o dito que as mães e avós diziam às "piquenas":
- "Até ao joelho é para quem quiser ver, do joelho para cima só para quem merecer".

De qualquer forma, continuei. O teu a quem chamas Alá, gosta mesmo de mim, e tanto, tanto, qu'até te mandou criares porquinhos e não os comeres, qu'esse será crime a ser cometido por este teu amigo, já pecador confesso.

- Mas "nôsso furié"... o meu deixa as mulheres andarem nuas da cintura pra cima e o teu obriga-te a despir as da tua raça...

E enquanto assim falava, lá punha de novo a bocarra escancarada, com a dentuça branca toda à vista e batendo ruidosamente os pés no chão barrento.

- Ganhaste malandro, pensei... mas deixa que havemos de voltar ao assunto.

 Grande amizade ficou entre nós e para além disso foi óptimo colaborador militar da CCAÇ 1422, pois que sendo conhecedor do terreno que nos competia gerir ali no K3, foi um excelente guia para além de também e disfarçadamente houvesse sido meu segurança particular:
- "Não se cheguem ao "nôsso furié" que têm de se haver comigo" - parecia ele dizer olhando para a mata.

Aí aprendi com ele a disparar com arco e seta o que me fez sentir o Robin dos Bosques.
Muitos pombos verdes comemos assadinhos na brasa ou fritos e apanhados sem gastar balas e sem ruídos.

O sonho dele era poder vir a "conduzir" aviões e helicópteros e fez-me vários pedidos para que eu intercedesse nesse sentido. Na verdade e sem saber como lhe responder sem o magoar, adiei a questão até que um dia lá consegui dizer-lhe a verdade e em contrapartida convidei-o para ir aprender primeiro a "pilotar" a GMC que costumava ir à frente quando em coluna, íamos recolher os abastecimentos no caminho esburacado que nos ligava a Mansabá.
Para tal tive a permissão superior, embora um senhor alferes se tenha mostrado contra, argumentando que ele poderia desertar e levar-nos a viatura.

Por acaso até nem estava mal pensado, mas dada a conduta do rapaz e conhecendo as famílias, lá se procedeu conforme o meu pedido e era vê-lo todo vaidoso e já encartado, ao volante do Unimog da água.

Conheci-lhe a família toda na sua tabanca em Farim, partilhámos bianda e galinha de chabéu preparada pela sua mais bela mulher, a Fátima e não gostei mas tive de aceitar muito honrado, que pusesse o meu nome num dos filhos que houvera nascido.

E se há quem pense que não há estrelas cá em baixo na Terra, desiluda-se, porque já dizia o poeta: 
- NUM MONTE DE PEDRAS PODE NASCER UMA FLOR

(continuará ?)
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 17 DE OUTUBRO DE 2010 > Guiné 63/74 - P7138: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (2): Matacanha (Rui Silva)

Último poste da série de 10 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12274: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (1): Chegada a Bissau e deslocação para o Óio

Guiné 63/74 - P12308: In Memoriam (169): O princípio do fim do Amigo e Camarada Sargento-Chefe Fernando dos Santos Rodrigues (1): Dia 20 de Abril de 2013, Homenagem, em Lagoa, ao Mestre Oleiro (Arménio Estorninho)




1. Em mensagem do dia 12 de Novembro de 2013, o nosso camarada Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), enviou-nos uma reportagem fotográfica de sua autoria, referente à homenagem prestada, em Abril passado, ao Mestre Oleiro Fernando Rodrigues, também o nosso camarada Fernando dos Santos Rodrigues*, Sargento-Chefe Reformado que fez três comissões de serviço na Guiné.




Dia 20 de Abril de 2013, Homenagem, em Lagoa, ao Mestre Oleiro Fernando Rodrigues


Lagoa, 20/04/13 - Mestre Fernando Rodrigues, mostrando o seu Poster como Artesão de Lagoa

Ainda antes do início da cerimónia, o Mestre Oleiro Fernando Rodrigues e os Alunos da Escola receberam os convidados, os quais eram levados a visitar as instalações da escola de olaria, bem como uma exposição de trabalhos manufacturados pelo artesão e em cada paragem eram dadas explicações inerentes:

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - Uma sala da exposição dedicada aos trabalhos do Mestre Artesão.

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - Recanto de uma sala da exposição do artesanato

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - Visita guiada à exposição, em que o Mestre Fernando Rodrigues dialoga com o Sarg-Chefe Aposentado João Correia da Silva.

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - Visita guiada à exposição, o Mestre a elucidar o Sr. José Pedro Bica, na direita a observar, o então Edil, Rui Correia.

Esta Homenagem contou com a presença do então Presidente da C.M. de Lagoa, Dr. José Inácio, tendo ainda antes da cerimónia dialogado com os convidados e no acto da mesma tecera várias considerações sobre o tempo áureo da olaria em Lagoa, onde outrora havia várias oficinas de olaria de barro vermelho:

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - Convívio no átrio da escola.  O Mestre em amena conversa com o então Edil José Inácio, o Prof. José Benvindo dos Reis e o Aparício da Siva Henrique, Recrut. Militar de Angola.

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - Convívio no átrio da escola. No banco o Mestre e o seu amigo Sargento-Chefe Aposentado João Correia da Silva, acompanhados das respectivas esposas, Maria Isabel Rodrigues e Maria de Lurdes Silva.

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - Momento de descontração a aguardar o início da cerimónia. O Mestre Fernando Rodrigues, o Francisco E. Cintra, ex-1º Cabo da 1ª Companhia do Bat. de Inf.ª nº 9, São Miguel-Açores, 1941/45, o Sarg-Chefe Ap. João Correia da Silva e Esposa, e Araújo Marques ex-Fur Mil da CCaç. 111, Angola – Ambrizete, 1961/63.

(….) Lembrou que os alunos é que tiveram a ideia de homenagear o Mestre, que a Câmara Municipal aceitou essa ideia porque todos reconhecem o trabalho e a competência do Mestre Oleiro Fernando Rodrigues;

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - O então Presidente da Câmara Municipal de Lagoa Dr. José Inácio, discursando perante os convidados.

(….) O nosso coração deve estar com ele;
Tenho que agradecer a ele o que esta escola é;
Tenho que agradecer também aos alunos porque fazem parte desta herança;
Eu, vinco as palavras de gratidão ao Mestre e vamos dar o nome de Mestre Fernando Rodrigues à Escola de Artes de Lagoa.
Um muito obrigado a todos!...

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - O então Edil José Inácio e o Mestre Fernando Rodrigues, no acto do descerramento da Bandeira do Concelho que cobria a placa alusiva.

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - Felicitações do Edil e aplausos da assistência pela concretização da Homenagem ao Mestre.

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - Para que a memória não se apague, fica em placa alusiva a atribuição do nome do Mestre Fernando Rodrigues à Escola de Artes de Lagoa.

Seguiu-se a intervenção de Maria Elisa Rafael, Aluna desta Escola, que falou em nome dos colegas, dizendo que foi o Mestre que revitalizou a Escola de Artes de Lagoa;

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - A aluna Maria Elisa Rafael, na oportunidade do uso da palavra, tecendo várias considerações sobre o ensino ministrado pelo Mestre e do apoio dado pela Câmara Municipal. Sendo muito aplaudida.

(….) Dando elogios aos trabalhos e às aulas ministradas pelo Mestre, que foram dadas em prol da olaria;
(….) Foi sempre um Mestre que nos ensinou muito, por isso tenho que o elogiar de uma forma sentida;
(….) Que o Mestre nutria uma grande amizade para com todos os alunos, que tinha uma grande paciência para ensinar o segredo do barro e a arte de oleiro.

Por último, seguiu-se a intervenção do homenageado Mestre Fernando Rodrigues, dizendo que foi com surpresa que foi informado pela então Edil da Cultura Ana Branco e pelo então Edil Dr. José Inácio, da pretensão desta Homenagem;

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - O Mestre discursando sobre o “histórico” dos trabalhos manufacturados de olaria e a todos aqueles que providenciaram para a feitura deste evento.

Que transmitiu a sua experiência como Mestre Oleiro e na condução da preservação da arte da olaria que aprendeu com seu pai;
(….) Disse que colaborou com o Escultor Lima de Freitas, na Olaria de Porches.
(….) Foi Professor do Ensino da Olaria na ESPAMOL-Lagoa;
(….) Ministrou curso a nacionais e a estrangeiros;
(….) Que sempre esteve na FATACIL a representar a Escola de Artes, também expôs trabalhos de artesanato em mercados e feiras de todo o país;
Que a sua arte está espalhada por muitas colecções e por todo o Mundo.
Comovido e com uma lágrima ao canto do olho, agradecera a todos que compareceram nesta homenagem!...

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - No final do discurso, o Mestre recebendo os cumprimentos do Lagoense Manuel Gamboa, Pintor de arte Abstracta.

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - Sob o olhar da Esposa e do Edil do Município de Lagoa, o Mestre recebe os cumprimentos de Francisco E. Cintra ex-1º Cabo, da 1ª Companhia do Batalhão de Inf. 9, São Miguel-Açores, 1941/45.

No final da Homenagem, no átrio da Escola de Artes foi servido aos Convivas um Porto de Honra e sendo seguido de momento musical.

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - Grupo confraternizando e constituído por mim, por Francisco Ramos; Sold. Cond. da CCaç. Esp. 266, Maquela do Zombo, Negage,1961/63; Fernando das “Neves” Rodrigues, Sargento-Chefe Aposentado e o Aparício da Silva Henrique, do Recrutamento Militar de Angola.

Escola de Artes de Lagoa, 20/04/13 - Em amena conversa, o grupo de três Sargentos-Chefes Aposentados, Fernando das “Neves” Rodrigues, Fernando dos Santos Rodrigues e João Correia da Silva.

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Uma breve resenha do Curriculum Militar do Sargento-Chefe Fernando dos Santos Rodrigues:

1954 – Incorporação no Contingente Geral, no Quartel em Lagos;
Finda a instrução foi aprovado como 1º Cabo;
Tendo concorrido ao Curso da Classe de Sargentos, foi promovido a Furriel;

1959/61 - Fez uma Comissão de Serviço na Índia Portuguesa (Goa);

1961/64 - Fez uma Comissão de Serviço em Moçambique (Vila Cabral);

1964/66 - Regressa e permanece em Portugal Continental;

1966/67 - 1ª Comissão de Serviço na Guiné (Bissau, Pirada e Bula), CCaç. 1496 (tendo sido promovido a 2º Sargento);

1967/68 - Regresso a Portugal Continental;

1969/70 - 2ª Comissão de Serviço na Guiné (Canjadude e Bolama), CCaç 5 e CIM do CTIG;

1971/72 - 3ª Comissão de Serviço na Guiné (Bula), CCaç 3328 (?); Antes por protesto seu, ocasionou a publicação de uma Lei que determinou que fosse a última 3ª Comissão de Serviço para o mesmo TO e destinado a todo o Contingento Militar;

1972/74 - Promovido a 1º Sargento e faz uma Comissão de Serviço em Angola (Cabinda, Nampula e Luanda);

1974 - Com o 25 de Abril de 1974, regressa a Portugal Continental;

1982 - Foi promovido a Sargento-Chefe e passou à reserva.

(Continua)
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 30 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12223: In Memoriam (165): Sargento-Chefe na Reforma Fernando dos Santos Rodrigues, ex-2.º Sargento "Gato Preto" (José Martins / Arménio Estorninho)

Último poste da série de 12 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12281: In Memoriam (168): A Memória do Cheche, 6 de Fevereiro de 1969 - Lista oficial dos desaparecidos no Rio Corubal (José Martins)

Guiné 63/74 - P12307: FAP (80): As nossas pistas de aviação: Bafatá, vista aérea, c. 1970 (Humberto Reis, ex-fur mil, op esp. CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)


Guiné > Zona leste > Batatá > Aeródromo > c. princípios de 1970  > Vista aérea, de helicóptero. Depois da pista da BA 12, em Bissalanca,  Bafatá devia ter a maior do TO da Guiné, juntamente com a de Cufar. Nela aterravam e descolavam os maiores aviões da FAP, o NordAtlas e o Dakota...

Foto, inédita, do álbum do Humberto Reis (ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de novembro de 2013 >  Guiné 63/74 - P12265: FAP (79): Os Dias do Strela - Há 40 anos na Guiné (Paulo Mata / Miguel Pessoa)

sábado, 16 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12306: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (25): O Honório e a minha cabeçada no painel de instrumentos, no T6, que fazia a proteção à coluna logística que ia para Beli... (Vítor Oliveira, ex-1º cabo melec, BA 12, Bissalanca, 1967/69)

1. Mais uma história da dupla Vitor & Honório, 
que fazia, em 1968, no T6, a proteção às colunas logísticas que iam de Nova Lamego, via Cheche, até Beli (destacamento, entretanto, abandonado pelas NT em meados de 1968):

[Foto à direita: Victor Oliveira, 1º cabo, melec, BA 12, Bissalanca, 1967/68; mora atulamente em Caneças, Odivelas]

Aqui vai mais uma do meu grande amigo Honório.

Estávamos a fazer num T6 protecção a uma coluna que levava mantimentos para Béli [, na região do Boé, sudeste da Guiné]. A meio do caminho, entre o Cheche e Béli, havia uma zona onde existia arvoredo e, antes da coluna passar, mandava-se umas bombas de 15 kg.

Eis que o meu amigo Honório, sabendo que eu não tinha os cintos apertados. porque, como andávamos para cima de 2 horas a sobrevoar a coluna, desapertávamos os cintos, não me avisou que ia largar as bombas e faz, zás!", o passe...

Escusado será dizer que fiquei com a cabeça encostada ao painel... Ele ria-se que nem um perdido e, com uma grande lata, pergunto-me então, depois de fazer a recuperação:
- Pichas, que é que se passou ai atrás ?

Só ele é fazia estas brincadeiras.

Já agora um pormenor: o Honório quando voava nos T 6G, só queria voar com bombas, para depois de as largar, ter o avião leve e fazer as suas acrobacias.

Sem mais um abraço.
Vitor Oliveira (Pichas)
1.º Cabo Melec
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12305: Efemérides (147): Dia 9 de Novembro de 2013, data em que se assinalaram os seguintes aniversários: 95 Anos do Dia do Armistício da Grande Guerra, 90 Anos do Dia da Liga dos Combatentes e 39 Anos do Fim da Guerra do Ultramar (José Marcelino Martins)




1. Em mensagem do dia 9 de Novembro de 2013, o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), mandou-nos mais uma reportagem fotográfica, desta feita referente aos: 95.º Aniversário do Dia do Armistício da Grande Guerra, 90.º Aniversário do Dia da Liga dos Combatentes e 39.º Aniversário do Fim da Guerra do Ultramar.



Realizaram-se hoje, 9 de Novembro, da parte da manhã, junto ao Monumento aos Combatentes, em Belém, as cerimónias comemorativas do:

95º Aniversários do Dia do Armistício da Grande Guerra

90º Aniversário do Dia da Liga dos Combatentes

39º Aniversário do Fim da Guerra do Ultramar


Forças em Parada – Companhia Mista de Armada, Exército e Força Aérea 
© Foto: José Martins 

Depois de usarem da palavra o Presidente da Liga dos Combatentes, General Chito Rodrigues, o orador convidado, Professor Doutor António José Telo e o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, General Luís Araújo, houve lugar a condecoração do Estandarte Nacional à guarda da Liga dos Combatentes, com a Medalha de Serviços Distintos, Grau Ouro.

O Estandarte Nacional a ser condecorado pelo CEMGFA 
© Foto: José Martins 

A Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Lisbonenses, distinguiram a Liga dos Combatentes, condecorando o Estandarte da Liga com a Medalha de Agradecimento, Honra e Mérito, Grau Honra e Mérito – Grau Ouro

O Estandarte da Liga a ser condecorado pela AHBVL 
© Foto: José Martins

Pormenor da Condecoração atribuída pela AHBVL 
© Foto: José Martins 

Foram impostas condecorações da Medalha de Comportamento Exemplar - Grau Ouro (30 anos de serviço) e Medalhas da Liga – Grau Ouro

Entrega das Medalhas de Comportamento Exemplar - Grau Ouro, pelo Chefe do Estado-Maior do Exército, General Artur Neves Pina Monteiro. 
© Foto: José Martins

Entrega das Medalhas da Liga dos Combatentes - Grau Ouro, pelo seu Presidente, General Joaquim Chito Rodrigues. 
© Foto: José Martins

Seguiu-se a deposição de flores na base do Monumento, pelas diversas Organizações e Associações e Adidos Militares Estrangeiros.

Flores colocadas em Homenagem aos Combatentes Tombados pela Pátria. 
© Foto: José Martins

Desfile do Estandarte Nacional, ostentando a condecoração recebida 
© Foto: José Martins

A representação do Exército a desfilar em continência. 
© Foto: José Martins

Os Estandartes dos Núcleos da Liga, integrados no desfile. 
© Foto: José Martins

Visitando o Forte do Bom Sucesso, deparei com uma extraordinária maqueta, feita com fósforos, representando o próprio forte. 
© Foto: José Martins
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12275: Efemérides (146): Foi há 38 anos que Angola se tornou independente... Meio século depois do início da guerra do ultramar, continuamos divididos quanto à explicação da sua razão, sentido e duração (António Rosinha)

Guiné 63/74 - P12304: Bom ou mau tempo na bolanha (35): Morreu o Zé Pesca na Ilha do Como (Tony Borié)

Trigésimo quinto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.


Morreu o “Zé Pesca”, na ilha do Como

Companheiros, hoje vou falar-vos de um episódio que me anda “atravessado” já há algum tempo. Quando o começo a trazer para o papel, escrevo umas tantas linhas e ponho tudo de parte, a emoção toma conta de mim, é mais forte, o som do “catra-pum- pum-pum”, começa a zumbir nos meus ouvidos, parece que vou a fugir para o meu abrigo preferido, a que eu chamava “Olossato”, por ter visto este tipo de abrigos, pela primeira vez no aquartelamento algo improvisado, que naquela altura lá existia.

No meu pensamento aparece o “Zé Pesca”, que era um soldado pára-quedista, do mesmo grupo de combate do meu companheiro de infância, também pára-quedista, que já aqui falei por diversas vezes, cujo nome de guerra era “Zargo”, e que uma vez vim no carro dos doentes à capital da província numa sexta-feira, regressando na segunda-feira seguinte na avioneta do furriel Honório, que sempre fazia passagem, quase obrigatória em Mansoa, passando todo o fim de semana, alojado em Bissalanca, no Batalhão de Pára-quedistas, na companhia do meu amigo “Zargo”, e nesse sábado, fizemos lá uma “tremenda patuscada”, que meteu ostras, ameijoas, camarão, onde bebemos um barril de vinho, entre todos, e para não ficar “vestígios”, queimou-se o barril.

O “Zé Pesca”, amigo da farra, lutador, combatente, com a boina verde sempre de lado, corpo de atleta, cujos pais eram agricultores no Ribatejo, já “contente”, dizia que não gostava da Guiné, “porque não havia cavalos”, que tinha ido para o corpo de pára-quedistas “por causa da farda”, certo dia morreu, crivado de balas daquela perigosa arma a que nós chamávamos “costureirinha”, que era uma metralhadora ligeira que também se usava em cima de um tripé com duas rodas em ferro, era transportada para a zona de combate e usada nas emboscadas, principalmente onde havia capim. Fazia fogo muito rasteiro, com cadência de tiro e som que a identificava, e quase sempre no fim da emboscada os guerrilheiros, talvez desesperados, abandonavam- na, ou pelo menos abandonavam o tripé, preocupando-se com os feridos. Também a usavam nas mãos, como uma arma vulgar, sem as ditas rodas. Pelo menos era esta a descrição que o Cifra recebia nas mensagens desses heróis combatentes que eram os militares de acção.

Dias depois o “Zargo”, explicou ao Cifra alguns pormenores da morte do “Zé Pesca”, onde estavam já há algumas horas, esperando uma pequena operação, quase um “golpe de mão”, como era costume dizer-se, cobertos com a típica capa camuflada impermeável, já com muitos buracos, portanto molhados “até aos ossos”, por uma chuva miudinha, e se não fosse da chuva, era pela humidade que naquela altura se fazia sentir. Já era noite quando saíram do aquartelamento onde estavam acantonados, todos beberam muito café, não sabiam se estavam sobre influência, mas estavam nervosos, queriam acção, passou um grupo de guerrilheiros perto, onde não deviam intervir, pois em caso de fogo todos os movimentos que fossem desenvolvidos, no futuro seriam denunciados. O “Zé Pesca” já aí queria intervir, os companheiros seguraram-no, foram avançando, próximo do objectivo não esperou por nada, avançou quase sozinho na frente, gritando, disparando, talvez amaldiçoando a sua própria alma, onde os companheiros aterrorizados com aquele gesto suicida, talvez heróico, nunca ninguém soube, ouviram a tal “costureirinha” fazendo soar o seu amaldiçoado som, do “catra-pum-pum-pum-pum”, que crivou o “Zé Pesca”, fazendo o seu corpo rodopiar em zig-zague, caindo uns metros à frente, encolhido, crivado de balas.


A operação desenrolou-se, queimaram o pequeno acampamento inimigo que estava naquela zona, destruindo muito material de guerra. No regresso, transportaram o corpo do “Zé Pesca”, trazendo também diversas mulheres guerrilheiras, transportadoras de material de guerra, que depois de feitas prisioneiras, amarrando-as nas mãos com uma corda umas às outras, acompanharam os militares, por uma certa distância, pois serviam de escudo, e compreendia-se, pois enquanto acompanhassem os militares, os guerrilheiros não atacavam. Já a manhã ia alta, perto do local onde deviam ser recolhidos, as libertaram.

Alguns dias depois, os militares do seu grupo de combate olhavam uns para os outros e diziam:
- Morreu o “Zé Pesca”, na ilha do Como.

Enquanto o grupo de combate a que pertencia o malogrado “Zé Pesca”, esteve estacionado na província, a sua cama nunca foi utilizada, estava lá, feita com roupa limpa, ao lado dos seus companheiros, que antes de se deitarem, lhes davam as boas noites.

Oxalá que Portugal respeitasse os seus combatentes, como estes militares de acção, respeitavam o companheiro morto em combate, pois é dos livros, já muitos escreveram que: “Nação que não respeita o passado, não pode ter bom futuro”.



Nós combatentes, defendemos a bandeira, fomos passado de um País que se chama Portugal.

Tony Borie, 2013
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12269: Bom ou mau tempo na bolanha (34): ...quase 50 anos (Toni Borié)