quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12432: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (8): Aerogramas para a Lili (1)

ÚLTIMAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 8

Por Armor Pires Mota (ex-Alf Mil da CCAV 488/BCAV 490, Bissau e Jumbembem, 1963/65)

Aerogramas para a Lili (1)

Se me sobraram da amarga experiência alguns livros, todos vertendo lágrimas salgadas e jorros de sangue jovem e inocente, páginas marcadas por cicatrizes ou, no mínimo, por um sol violento, de rachar bolanhas e fazer ferver os miolos, ainda me sobraram largas dezenas de aerogramas, endereçados à minha madrinha de guerra e, mais tarde, namorada e esposa, de um belo e constante sorriso matizado de arco-íris, onde dizia pequenas coisas, coisas que se podiam dizer (a PIDE lia muito, mas muitas notícias de guerra passaram, vejo agora, relendo os aerogramas).

Se a minha madrinha de guerra verdadeira era a Lili, tenho de confessar que tinha outra suplementar em Luz de Tavira. Um dia troquei os aerogramas. A Lili que, embora muito jovem, tinha decisões de mulher feita, devolveu-me o que pertencia à madrinha, natural da Luz. Com uma anotação simples que dizia tudo:
- “Devolvo. Isto não é para mim”.

Uma bela bofetada com luva branca. Tive que me explicar, pedir mil desculpas e cortar. A coisa acabou por compor-se. Nunca mais soubera nada da algarvia. Eis se não quando, em 2010, recebo uma carta de Tavira, em que a outra madrinha de guerra falava um pouco da sua vida atribulada no matrimónio. O namorado, já na altura da nossa troca de correspondência, era muito ciumento.

Respondi-lhe: gostava de sabê-la entre os vivos, indagava como se lembrara de mim. Ela estava viva e muito queixosa do marido que continuava ciumento, e eu contei-lhe o meu grande infortúnio e os dias de áspera solidão, mas não obtive mais reposta. Foi espécie de um adeus. Foi um gesto bonito, passados cinquenta anos, eu que nunca a cheguei a conhecer pessoalmente. A prevista visita fora gorada numa viagem com os meus amigos do Porto a Tavira. Causa: nunca a cheguei a saber. Também nunca foi coisa que me preocupasse.

Lidos hoje os aerogramas, eles me avivam lugares, memórias, situações e datas. Evidentemente, também escrevia saudades e sonhos, estados de alma enamorada. As palavras amor e paz, sonho e futuro eram uma constante. A colecção, guardada com ternura azul e sonhadora pela Lili, está bastante incompleta. São escritos muito simples, sem redondas palavras, sem qualquer pretensão literária, ao correr do tempo e dos acontecimentos, que, obviamente, a maioria das vezes, não amiudava. Longe disso. Esse aspecto ficava para o meu Diário.

O que abaixo fica registado é um pouco do muito que fixei nos aerogramas e que não vem no "TARRAFO". Ao contrário, eu não guardei ou perdi no tempo os que a Lili me endereçou. Ou perdi-lhe o pouso. Nos meus há de tudo um pouco:

Foto: Belarmino Sardinha - Editado por CV


“Bissorã, 9 de Dezembro de 1963
 Minha cara madrinha:
 (…)
 Aqui, como aí, ontem, foi o dia da mãe. Houve missa e terço e não me lembrei só da minha, mas da tua também, das mães de todos soldados. Realizou-se uma festa na escola, promovida pela tropa e dedicada às mães de Bissorã que têm sido muito carinhosas para com a tropa, sobretudo para os oficiais. A festa esteve formidável. Gostei imenso de ver bailados indígenas. Aqui qualquer catraia ou mesmo catraio tem o corpo cheio de ritmos. E se visses os miúdos a cantar! Aprendem facilmente a letra e a música e têm vozes fantásticas.
Aqui há dias, eu e um colega meu, estivemos a distribuir bolos e bolachas a prisioneiros. Está perto o Natal. Com este gesto, conseguimos que um cabo-verdiano acabasse por confessar algumas coisas e oferecer-se para nos levar ao acampamento dos terroristas, e levou. Capturámos manga de munições e minas, importantes armas, vários documentos, etc. Foi pena não os termos apanhado, mas não foi nada mau. Sem um tiro. Nunca vi os soldados a chegar tão delirantes ao quartel. Vê lá: o mato é tão cerrado que só demos com o acampamento (oito barracas) a três metros de distância. Os gajos ficaram tão estupefactos, mas ah pernas para que vos quero. Enfim, uma boa caçada, das maiores que se têm feito. Não há pai para a cavalaria! Com estas, já são 24 barracas de mato que o Batalhão destrói”.



“Jumbembem, 9 Setembro de 1964 
Minha querida Lili 
(…) 
Ontem, à meia-noite, tivemos uma pequena festa com os terroristas que vieram atacar o aquartelamento. Chovia a cântaros e relampejava continuamente, o que nos deixava cegos, sem nada ver. Quando soaram os primeiros tiros, sei que me deixei escorregar da cama, vesti os calções, enfiei o capacete na cabeça, peguei na arma e lá fui para o parapeito orientar e disparar. Foi coisa de quarenta minutos. A reacção da tropa foi de tal modo violenta que eles tiveram de cavar, deixando abandonado vário material de guerra, roupas e amuletos de cornos de cabrito ou de cabra. Não sei. É possível que não tenham levado a saúde que trouxeram.
O certo é que os bandidos estão a aparecer mais vezes”.


Resposta da CCAV 488 a pequena emboscada
Foto: © Armor Pires Mota (2013). Todos os direitos reservados

“Jumbembem, 4 de Novembro de 1964 
Querida madrinha Lili: 
(…) 
Eu hoje saí às três da manhã. Estava uma aragem fria, devido à formação de cacimbo. Tive de levar uma camisa por debaixo da farda. Montei uma emboscada. Mas ainda bem que não apareceu nenhum desgraçado. Foi o melhor. A mim aborrece-me matar seja quem for, mas muito mais gosto que os bandidos também não me aleijem.
Morreu um moço do meu batalhão no hospital. Foi evacuado à pressa, de avião, mas durou poucos dias. Dizem que lhe rebentou a úlcera que tinha no estômago, é uma versão; a outra diz que foi por causa de uma cirrose no fígado. Para nosso mal e mal dele, é menos um”. 



“Jumbembem, 13 de Novembro de 1964 
Querida madrinha Lili: 
(…) 
Mais um domingo. Passei-o normalmente. De tarde, andei a passear de jeep, cheio de crianças, em constante alarido, como pássaros, para me distrair. Não tinha nada de especial para fazer. Porém, quando cheguei à noite e vi que a avioneta já não vinha lançar os sacos do correio, não imaginas como fiquei aborrecido. Dá a impressão que não há quem ligue, quando o correio é o melhor que podemos ter neste degredo, porque, na verdade, não é outra coisa. Ainda há dias, o piloto do helicóptero disse que não havia tropa com piores instalações (aquartelamento) do que nós. A gente sabe isso. Até porque mandam para aqui de outras companhias passar um mês os moços que se comportam mal. É caso para perguntar: se um soldado mal comportado passa aqui um mês, que crime cometemos nós para estarmos aqui há já sete meses? Mas, enfim... E já que o correio não veio, só amanhã, devo ler a tua correspondência.
(….)
Sabes, têm estado uns dias frios, sobretudo as noites. De manhã, é preciso andar de camisa. E, de noite, é preciso um lençol para nos cobrirmos”
.


“Jumbembem, 18 de Novembro de 1964 
Querida madrinha Lili: 
(…) 
Isto por aqui não está mau, está péssimo. Veio um colega meu de Bissau que disse que, durante os dez primeiros dias em que esteve no hospital, houve onze enterros de soldados brancos. Fora os mortos nativos e os feridos. O hospital está a abarrotar, e, por exemplo, quando ali chegam muitos feridos, os médicos dão alta a soldados que ainda não estão completamente curados. O hospital é muito pequeno. Está a morrer, à média, de um homem por dia. E o que mete raiva é que os jornais da Metrópole digam que o terrorismo está a diminuir e que os terroristas estão a ser acossados pelas nossas forças terrestres por todos os lados.
O terroristas sabem tirar partido da inexperiência dos “maçaricos” [tropa nova] e aproveitam. Como agora veio muita malta nova, eles acham que têm muita carne para bala. E realmente têm conseguido fazer bastantes baixas”.



“Sábado, Jumbembem, 12 de Dezembro de 1964
Querida Lili:
(…)
Ontem tinha intenção de escrever-te, mas, quando cheguei, à noite, sentia-me cansado, com pouca disposição para fazê-lo, embora tivesse dormido até às cinco da tarde.
Esta semana, com o intervalo de dois dias, tivemos duas operações. A que fizemos na noite e manhã do Dia da Mãe (8 de Dezembro) correu bem, normal. Mas, ontem já assim não aconteceu. Houve tiros, emboscadas, feridos: um furriel enfermeiro, que, é curioso e admirável, estando gravemente ferido, tratou primeiro dos outros. Um soldado deve ficar cego. Ontem, tive ocasião de ver (antes, não tivesse) dois terroristas, vestidos de azul que ficaram apalermados quando nos viram, se calhar quanto nós. Não nos esperavam ali. No regresso, uma nova emboscada, onde não esperávamos, obrigou-nos a saltar para a lama e a água da bolanha. Vê lá a ousadia deles: até atacaram a tropa, quando era protegida do alto por um bombardeiro. E já que falo de aviões, há dias, no sul, os terroristas abateram uma avioneta. Morreram um tenente, um furriel e um cabo.
O piloto do helicóptero que esteve cá ontem, disse que os seis helicópteros não têm mãos a medir na evacuação de mortes e feridos. É uma coisa pavorosa. E dizia o governador da Guiné que, neste Dezembro, já passearia pelas estradas, de norte a sul. Ainda sonha muito. Isto nunca esteve tão péssimo. Repara tu que, há dias, no sul os terrostistas destruíram completamente um quartel, incendiaram as viaturas, etc. A tropa, para se defender, teve que fugir para o mato, senão morreria ali toda. Segundo consta, quem fez o fogo, de bazuca, contra o quartel, foi um fuzileiro que fugiu para o lado dos terroristas, há uns quatro meses.
Há dias, chegou-me um soldado novo da Metrópole para substituir o soldado que me morreu em Junho.
Peço desculpa de hoje te massacrar com guerras e horrores, mas prometo que, amanhã, se Deus quiser,  já não tocarei neste assunto”.
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12419: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (7): Os macacos vermelhos

Guiné 63/74 - P12431: Álbum fotográfico do ex-fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (10): O rebenta-minas, de rodado duplo à frente



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 89 > O rebenta-minas com rodado duplo à frente...

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Um viatura oesada (Mercedes ?) "capotada"... No setor L1 havia uma intensa atividade de colunas logísticas: era a partir de Bambadinca que se abasteciam as companhias aquarteladas em Mansambo, Xitole e Saltinho (que pertencia já ao Setor L5 - Galomaro). Foto do ex-1º cabo bate chapas Otacílio Luz Henriques, do Pelotãod e Manutenção (, que era comandado pelo alf mil Ismael Augusto, membro da nossa Tabanca Grande). 


Foto: ©  Otacílio Luz Henriques (2013) (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)


1. Continuação da publicação do excelente álbum fotográfico (*) do José Carlos Lopes, meu contemporâneo em Bambadinca, pelo menos na época de julho de 1969 a maio de 1970 (quando o batalhão regressou à metrópole). Embora a sua especialidade fosse "contablidade e pagadoria" (sic), ele exerceu funções como fur mil de  reabastecimentos da CCS/BCAÇ 2852. É nosso grã-tabanqueiro, nº 604, desde 10 de fevereiro de 2013. Bancário reformado do BNU, vive em Linda a Velha, Oeiras. As fotos são provenientes  de "slides" digitalizados, e não têm legendas.  

Apresentamos hoje uma espetacular: o "rebenta-minas" de Bambadinca. Era uma obra-prima dos nossos mecânicos, com um rodado duplo à frente. Presumimos que tivessem arranjado um semi-eixo mais comprido, "canibalizado" de outra viatura (, talvez uma Mercedes). Não tinha capô e os assentos da frente eram "forrados" com sacos de areia.  Como diziam os condutores, era preciso comer um boi para conduzir um besta destas... 

Na perigosa estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho não sei se este rebenta-minas chegou a saltar por cima de alguma... De qualquer modo, para além dos picadores, o rebenta-minas dava-nos alguma tranquilidade de espírito quando fazíamos (a CCAÇ 12 e outras subunidades) às colunas logísticas para o sul do setor L1...

Enfim, noutros sítios também havia rebenta-minas. Compare-se, por exemplo, com o famoso  granadero que existia no tempo do nosso camarada Henrique Matos e do João Crisóstomo. Pertencia à CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67) (Vd. foto a seguir) (**). 

O rebenta-minas de Bambadinca tinha a "originalidade" do rodado duplo à frente... O que se pode dizer é que, naquela guerra, a necessidade aguçava o engenho dos tugas... Ontem como hoje... Aqui fica o "retrato" desta "peça de museu" (foto acima), para memória futura... LG



Guiné > Enxalé > O famoso granadero, uma GMC transformada, que pertencia à CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)...

"A transformação constou do reforço dos taipais com chapas de bidon, separadas de ± 20 cm com areia no meio. Ficou à prova de bala de Mauser. Tinha também uma camada de areia no fundo da caixa e na frente também vários sacos de areia. Tinha instalada como se pode ver uma Breda. Não sei porque é que lhe chamavam granadero.

"Com ela fiz vários reabastecimentos a Missirá e Porto Gole. Segundo a descrição do Abel Rei no seu depoimento Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá-Memórias da Guiné e que na altura estava em Bissá, no dia 5 de Outubro de 1967 esta viatura quando regressava a Porto Gole accionou uma mina incendiária a que se seguiu uma emboscada de que só se safaram com apoio aéreo. Fazia parte duma coluna que saiu de Porto Gole ao encontro doutra coluna saída de Bissá a pé para entregar uns militares destinados àquele destacamento."


Foto (e legenda):  © Henrique Matos (2007). Todos os direitos reservados.


(**) Vd. poste de 6 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2158: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (3): O famigerado granadero do Enxalé, da CCAÇ 1439 (1965/67)

Guiné 63/74 - P12430: O que é que a malta lia, nas horas vagas (15): Livros oferecidos pelo Movimento Nacional Feminino e os meus livros pessoais, tais como: Seleta Literária, História Universal, Inglês e os Lusíadas (Joaquim Cardoso)



1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Cardoso (ex-Soldado de TRMS do Pel Mort 4574, Nova Lamego, 1972/74), com data de 8 de Dezembro de 2013:

Caríssimo amigo Luís Graça:
Respondendo à tua chamada, direi que, no que concerne à temática em título, sendo militar de transmissões e, fazendo somente turnos rotativos de serviço de 8 horas por dia no centro de mensagens do Quartel novo em Nova Lamego, tempo não me faltava para ler, porém, não tendo sido assinante de quaisquer jornais ou revistas, pouco ou nada lia da Imprensa diária.
As horas fora de serviço, a maior partes das vezes, eram ocupadas com os jogos da bola e das cartas, conforme a ocasião, sendo este último, como toda a malta sabe, por vezes "doloroso".
Apesar de tudo, sempre lia alguma coisa. Li por exemplo, alguns livros que me foram oferecidos pelo Movimento Nacional Feminino. Além destes, tinha também os meus livros pessoais, tais como:
Seleta Literária, História Universal, Inglês e os Lusíadas!

Leitura tão estranha merece uma explicação.
Como se sabe, estes livros faziam parte da secção de letras do antigo quinto ano liceal e, como antes de ingressar na vida militar era estudante pós "laboro" no Externato Rodrigues de Freitas no Porto, achei por bem fazer-me acompanhar deles para a Guiné, por forma a não perder "o fio à meada", pensando, caso algum momento se proporcionasse, submeter-me a exame algures, mas tal não aconteceu.

Posto isto, junto duas fotos que presumo, servirão para fazer prova do que foi dito. 

Uma nota final.
Acabado de escrever este episódio, dei por mim a pensar: pelas "armas" vê-se o espírito do guerreiro!

Para ti Luís e para o Carlos, um grande Abração extensivo a toda a tertúlia.

Castelões-Penafiel, 8/12/2013
J. Cardoso

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12422: O que é que a malta lia, nas horas vagas (14): a 2ª CART/BART 6523, atirada para Cabuca, nas profundezas da mata do Leste, teve de facto uma Bibliioteca (com 400 livros), um jornal (O Abutre) e uma Rádio!... (Ricardo Figuiredo)

Guiné 63/74 - P12429: Memória dos lugares (259): Ainda a Ilha das Galinhas e a sua "colónia penal e agrícola", criada em 1934 (José António Viegas, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, 1966/68)



Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha das Galinhas > Colónia Penal e Agrícola > c.julho/setembro de 1968 > Da esquerda para a direita, o chefe Joaquim e o fur mil Viegas, posando com um tubarão capturado.


Foto: © José António Viegas (2013). Todos os direitos reservados


1. Resposta do José António Viegas (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68) a algumas perguntas nossas sobre a "colónia penal e agrícola da Ilha das Galinhas" (*):

 (i) Mensagem de L.G., de 4 do corrente:

Zé: Tens mais fotos deste tempo e deste lugar ? O que sabes mais do funcionamento da colónia ? Eram presos comuns ou "turras" ? Não fugiam ? A população não tinha medo deles ? Onde dormiam ? Onde comiam e o que comiam ? O Chefe Joaquim era branco ? Era militar ou civil ? ... E vocês, militares (1 fur, 1 cabo, 3 praças...), o que faziam ? Apenas segurança ? Com tão escassos meios ? ... 

Enfim, entende a minha/nossa curiosidade: pouca malta, no nosso tempo de Guiné, ouviu falar da "colónia penal e agrícola da Ilha das Galinhas"... Saúde. Luís Graça

(ii) Resposta do José António Viegas:

Na parte central na ilha, chamado o campo, havia uma casa colonial e uma parada grande com dois barracões que era onde viviam os presos. Na altura estavam lá perto de cento e tal prisioneiros entre os de delito comum e os presos  politico. Pessoalmente, não não sabia quais deles eram, n~
aop sabia distuingui-los,  pois o chefe [Joaquim] não falava comigo nesse aspecto.

O chefe Joaquim que está comigo na foto com o tubarão, esteve na GNR com o Spínola e depois foi  chefiar o campo. Penso que estivesse ligado à Pide.

Os presos circulavam à vontade. Alguns mais antigos viviam em palhotas junto ao campo,  faziam trabalho agricola, não havia problema com a população e poucas hipóteses tinham de fugir.

A vida da guarnição era fazer umas rondas pela ilha no Uunimog pequeno (Pincha) [, o 411] e pesca. Nada mais.

A comida dos prisioneiros era na base do arroz,  algum peixe e carne.

Naquele tempo eu não estava bem dentro dos assuntos,  não fazia muitas perguntas ao chefe que ele,  sempre de má cara com a sua úrsula [,úlcera], pouco respondia.

Só falei com um preso politico, que eu saiba, quando fui mordido por uma cobra verde, não sei se era médico ou enfermeiro , sei que tinha estado na  Repúbklica Checa [, na altura Checoslováqui,] e que veio tratar de mim.

Se encontrar mais fotos no baú,  logo envio
Um abraço
Viegas


2. Comentário de L.G. ao poste P12383 (*)

 Estou grato ao Zé António Viegas por nos mandar estas curtas memórias da Ilha das Galinhas (**)... Não imaginava que lá houvesse tropa... Um ano depois, em finais de 1969, haveria lá uma guarnição a nível de pelotão, conforme se pode ler no seguinte documento, consultado no Arquivo Amílcar Cabral, portal Casa Comum:

(...) "9) Ilhéu das Galinhas – Tem um Quartel. Tem 25 soldados armados de G3, granadas, tem bipé [sic]. Tem Polícia de Segurança. Tem Pide tuga e africana. Há 1 Pide tuga. O Chefe de Tabanca da Ilha das Galinahs, de nome Ansumane Bêcó [sic], é um Pide. Está junto com a sua família.

No quartel há um só carro: um Enimog [sic] [Unimog]. Há algumas pessoas favoráveis ao Partido  PAIGC]. Por exemplo, a tabanca de Amitite. Há uma pessoa favorável ao Partido, de nome Curancô, chefe de Amitite. Tem campo de aviação grande. Pousam lá os aviões que vêm de Bissau" (...)


Citação:

(1969), "Informações sobre o Arquipélago dos Bijagós. Organização, formação política e ideológica dos Bijagós", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41391 (2013-12-3).

Ver documento completo em Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07073.128.006
Título: Informações sobre o Arquipélago dos Bijagós. Organização, formação política e ideológica dos Bijagós.
Assunto: Informações de carácter militar, extraídas da audição com os "camaradas" vindos dos Bijagós, sobre Soga, Bubaque, Formosa, Uno, Caravela, Orango, Orangozinho, Canhabaque, Galinhas e Uracane. Organização e formação política e ideológica dos Bijagós, manuscritos por Vasco Cabral.
Data: Terça, 2 de Dezembro de 1969.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios 1965-1969.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: Documentos
Direitos: A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.


3. Ainda sobre a "colónia penal e agrícola" da Ilha das Galinhas:


Sabemos que foi criada em 1934 (ou pelo menos já existia nesta data). Cite-se o preâmbulo do Diploma Legislativo nº 884 (Boletim Oficial nº 44, de 29/10/934).

"O Governo da Colónia da Guiné, integrado na Política Nacionalista do País, empenhou-se na realização de uma obra profícua de assistência geral, pela protecção  social e revigoramento moral  de que tanto carecem as  populações admninistradas no momento que passa.

"Neste campo foi já promulgado um conjunto de medidas conducentes a tal desiderato: ontem a instituição do Reformatório de Menores e Asilo da Infância Desvalida de Bor, depois a criação da Colónia Penal Agrícola da Ilha das Galinhas; recentemente o diploma de protecção aos nacionais contra a crise do emprego e, hoje, a assistência geral sob os aspectos de trabalho, médico e social”  (…).

Era então governador da colónia (1932-1940), como então se dizia, sem complexos, Luís António de Carvalho Viegas, um militar de carreira, mais tarde general. Enquanto major de cavalaria, foi o herói da batalha de Canhabaque. Tem vários publicações sobre a Guiné dos anos 30: vd. por ex, Ilha de Canhabaque : relatório das operações militares em 1935-1936 (Bolama: Imprensa Nacional, 210 pp.)  [Vd. o sítio da Universidade de Aveiro > Memórias de África e do Oriente]. 


Fonte: (1934), "Promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42954 (2013-12-4)

Ver e ampliar documento aqui > Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07063.036.028
Título: Promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné
Assunto: Cópia do Diploma Legislativo n.º 884 (Boletim Oficial n.º 44, de 29 de Outubro de 1934) sobre a promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné. Instituição do reformatório de Menores e Asilo da Infância Desvalida de Bor; criação da Colónia Penal Agrícola da Ilha das Galinhas.
Data: Segunda, 29 de Outubro de 1934
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Operação de Cadigue / com. em 1-3-1963 / Notas gerência mercearias.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Direitos: A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12383: Memória dos lugares (257): Ilha das Galinhas em 1968 (José António Viegas)

(**) Último poste da série >10 de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12423: Memória dos lugares (258): Bissau, 1968, aquando da visita do Presidente da República à Guiné (José António Viegas)

Guiné 63/74 - P12428: Manuscrito(s) (Luís Graça) (14): Não há vitórias na guerra... "Uma vitória é um imenso funeral", diz Lao Zi, no "Tao Te Ching", traduzido pelo António Graça de Abreu de quem a nossa Tabanca Grande tem muito orgulho...

1. Já aqui foi noticiada, em tempo oportuno, em maio passado, a sessão de lançamento, do grande clássico da cultura chinesa, o livro máximo do taoísmo filosófico, Tao Te Ching - Livro da Via e da Virtude, da autoria de Lao Zi (Lao Tsé), em  edição bilingue,  com tradução direta do chinês, prefácio e notas de António Graça de Abreu, prestigiado sinólogo e nosso estimado amigo e camarada. A edição é da Nova Vega, e contou com o apoio da Fundação Jorge Álvares.


Sobre o autor (i) e o tradutor (ii), diz a editora Nova Vega:

(i) Lao Zi terá nascido nos começos do século VI a.C. na China. Filho de pais pobres, foi-lhe posto o nome de Li-Peh-Yang. Contemporâneo de Confúcio, ter-se-á encontrado com este no ano 518 a.C. Pouco se sabe acerca dos seus primeiros anos salvo que foi zelador do Arquivo Real da cidade de Lo-Yang, cargo que exerceu durante muitos anos. Graças ao trabalho na Biblioteca Imperial pôde estudar muito e adquirir grandes conhecimentos. Logo que começou a emitir opiniões sobre filosofia e religião, conquistou o respeito e admiração de muita gente que começou a chamar-lhe Lao Tsé (Mestre Lao).


(ii) António Graça de Abreu, historiador, tradutor e poeta português, viveu vários anos em Pequim e Xangai. Da China trouxe o gosto pela descoberta, a procura de entendimentos da civilização e cultura clássica do velho Império do Meio. Tradutor para português dos maiores poetas dos trinta séculos de poesia chinesa, homens como Li Bai (ou Li Po), Wang Wei, Bai Juyi e Han Shan, António Graça de Abreu traz-nos agora a sua tradução do Tao Te Ching, de Lao Zi, obra máxima do taoismo filosófico, avidamente lida, comentada e analisada ao longo de mais de vinte séculos.

2. No essencial, o Tao Te Ching é constituído por um total de 81 poemas ou "capítulos", que formam um todo coerente e interligado.  A sua leitura e interpretação constituem um exercício intelectual fascinante. É um dos livros que recomendamos para oferta nesta quadra festiva, e que melhor se coaduna com o espírito de Natal deste ano de 2013, mais  um annus horribilis a que sobrevivemos, individual e coletivamente...

Nas livrarias (por ex., FNAC) o livro deve estar á venda por volta dos 19 €.  Tem um tradução esmerada do nosso António Graça de Abreu, além de utilíssimas e eruditas notas e uma magnífico prefácio. Pelo génio do Lao Zi e pelo incansável labor e saber do António Graça de Abreu, vale a pena desembolsar os 19 euros do nosso descontentamento... É um livro que seguramente nos irá dar força anímica e espiritual para enfrentar mais um duro ano, que aí vem,  de luta(s) contra a adversidade, a incerteza e o desânimo...

Para aguçar o apetite dos nossos leitores, aqui reproduzimos, a seguir, e com a devida vénia, dois dos capítlos, o 30 e o 31, os quais têm muito a ver connosco, veteranos de uma guerra, cruel, penosa e inútil, como foi a guerra colonial  na Guiné enter 1961 e 1974. Passados quatro décadas do seu fim, em 1974, poderíamos perguntar aos dois lados da contenda, guineenses e portugueses, ao Amílcar Cabral, ao 'Nino' Vieira, ao Spínola e ao Marcelo Caetano, se hoje fossem vivos, e aos milhares de guerrilheiros do PAIGC, e seus apoiantes, bem como aos "tugas", sobreviventes: 
- Meus senhores, valeu a pena ? 

Não penso que a resposta hoje fosse sim... Para os guineenses, a guerra (de "libertação"...) afinal não acabou em 1974... Como diz o Tao, "Quem se alegra em vitórias, / tem prazer em matar, / quem tem prazer em matar nunca está satisfeito"... Na guerra, em todas as guerras,  todos perdem. Não há guerras win-win, não há guerras em que todos saiam vencedores... E mesmo a alegada vitória, reivindicada por uma das partes, é "sempre um imenso funeral"... 

O Tao é sinónimo de sabedoria, que é muito mais do que o simples repositório do conhecimento e da ciência... A grande desgraça deste país e desta Europa é a falta de sabedoria da sua elite (mal pensante e pior) dirigente... Nas nossas escolas e universidades estamos a formar superespecialistas com muito high tech e pouco ou nenhum human touch... Já nem são verdadeiros cientistas... Muitos menos sábios, habitantes da cité savante... Um dia serão suplantados e devorados pelos robôs, as máquinas inteligentes, que estão a criar...  LG












Dedicatória do tradutor, no exemplar do livro que ofereceu ao nosso grã-tabanqueiro João Graça:

"Para o João Graça, filhos dos meus amigos, meus bons amigos são, com um forte abraço de admiração e toda a estima do António Graça de Abreu. Estoril, dez 2013".


3. Preço especial para a malta do blogue:

Gentileza do tradutor e prefaciador da obra, e nosso grã-tabanqueiro, António Graça de Abreu:

(...) Se algum dos nossos camaradas quiser o livro, até para oferecer a alguém, mande-me um mail. São 15 euros, portes incluídos e seguirá com uma bonita dedicatória de tempo de Natal.
Sou : abreuchina@netcabo.pt (...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12319: Manuscrito(s) (Luís Graça) (13): Três histórias ganguelas, três pérolas da sabedoria angolana... E onde se fala da atualidade dos Baratas, dos Cavetos e dos Heróis

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12427: Boas Festas (2013/14) (2): Álvaro Vasconcelos, Amaral Bernardo, Eduardo Estrela, J. C. Lucas, J. Mexia Alves, João Lourenço, José Colaço, Tony Levezinho



Lisboa > Praça do Comércio > 1 de dezembro de 2013 > A "árvore de Natal" de 2013

Foto: © Luis Graça (2013). Todos os direitos reservados

1. Mensagens de boas festas (*), recebidas hoje até ao fim da tarde,  dos nossos bons amigos e camaradas  a seguir listados, por ordem alfabética



[ex-1.º Cabo Transmissões do STM, Aldeia Formosa e Bissau, 1970/72]

Obrigado, Luís. Retribuo com todo o carinho e adiciono saudações fraternas para todo o universo da família para as famílias!

Um abraço

 do Vasconcelos

(ii) Amaral Bernardo [ex-alf mil médico, CCS/BCAÇ 2930, e CCAÇ 5, Catió, Guileje, Bedanda, 1970/72]

Comungo o teu singelo e profundo sentimento em mais esta efeméride circadiana, como dizes.

Na verdade já estamos todos na fase das perguntas menos cómodas e com respostas... conhecidas, quer queiramos quer não! Mas nós ,apesar de tudo, já tivemos o privilégio de chegar até aqui! Pensemos nisto nos momentos menos bons.

Que no "outono" de uns e no "inverno" de outros esteja sempre a esperança e o apoio deste sentimento fraterno que nos une a todos (nesta Tabanca Grande que tu ergueste e governas) os que partilhamos as vivências de uma fase traumática e desestruturante das nossas vidas.

Que os teus votos e desejos formulados se concretizem TODOS!

Um quebra ossos forte, Amaral Bernardo
(iii) Eduardo Estrela
[ ex-Fur Mil da CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71]

Luís!

Li atentamente a tua mensagem. Projecto em ti os meus votos de Boas Festas a todos os Tabanqueiros e suas familias. Acima de tudo e como referes no final do texto, torna-se necessário ter esperança.

È PRECISO ACREDITAR NO HOMEM!

Um grande e fraterno abraço, 

Eduardo Estrela




[ex alferes miliciano,  op esp, CCAÇ 2617, 
Magriços de Guileje, 
Pirada, Paunca, Guileje, 
1969/71]

Agradeço e retribuo os votos natalícios

J.C.Lucas 
Magriços de Guileje

(v) João Lourenço [, ex-alf mil, PINT 9288, Cufar, 1973/74]

Meu caro Luís, sem jeito para a prosa resta-me desejar-te, a ti,  e a todos os nossos “associados”… umas Boas Festas e que 2014 nos traga alguma esperança, que começa a faltar a quem está na reta final, muito longa,  esperamos, sem trabalho, somos demasiados...  

E, já agora,  que só conseguiu sair da guiné em Outubro de 74 e teve de pagar o bilhete na TAP…. Que 5 contos tão bem gastos, para não esperar ainda mais!...
Um alfabravo natalício, com alguma esperança,  João Lourenço


[ex-alf mil op esp,  CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73] 

Meus amigos

Agradeço os votos e devolvo-os com o coração.

Um Feliz Natal e um Óptimo Ano Novo é o que vos desejo.

Abraços amigos do 

Joaquim Mexia Alves


(vii) José Colaço  [ex-Soldado Trms, CCAÇ 557, 
Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65]

Luís, só tu podias escrever esta bela, linda mensagem de Natal sobre o nosso blogue... 

Quanto ao resto, prognósticos só podem ser como no futebol; aqui não há resultados encomendados ou comprados. As nossas vidas não há dinheiro que as pague.

Um braço amigo.
José Botelho Colaço

(viii) Tony  Levezinho 

[ex-fur mil at inf, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71]
JÁ NÃO TEMOS VINTE ANOS…

Correspondendo ao desafio que o texto, vertido pelo coração do meu velho camarada e, acima de tudo, amigo Luis Graça, titulo estas despretensiosas linhas com uma frase que retive do mesmo.

Na verdade, esta teve o condão de me fazer recuar aos já longínquos anos de 60-74, numa altura em que a vida da maior parte dos jovens portugueses foi abruptamente desviada e encaminhada para um rumo incerto, pleno de medos e sem a menor garantia de um seguro retorno ao ponto de partida.

Se com vinte e tais anos somos de tudo capazes, muitas vezes até, sem sabermos bem porquê, a verdade é mesmo essa: Já não temos vinte anos!

E dentro desta, tão inegável como irrecusável, realidade, aqui fica a expressão do meu profundo desapontamento pelo facto de, uma vez mais, estarmos a ser vítimas de um abrupto e violento desvio das nossas vidas, igualmente para um rumo incerto e, tal como então, sem a menor garantia de retorno, agora, não ao ponto de partida, porque a nossa caminhada já vai longa, mas ao natural trilho a que nossa respeitável idade vai, inexoravelmente, conduzindo o resto das nossas vidas.

Afinal, como podemos ser bons alunos se somos REPETENTES ?

Nesta quadra de tão forte simbolismo para a maioria de nós, os meus sinceros e amigos votos de Boas Festas. Tony Levezinho

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12426: Tabanca Grande (414): Ainda o "zorba" Mário Gaspar (ex-fur mil, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), natural de Sintra, residente em Lisboa, e lapidador de diamantes reformado


Guiné > Região de Tombali >  Gadamael Porto> O Mário Gaspar,  em fins de Julho de 68, com população de Sangonhá e Cacoca, após a dasativação dos mesmos aquartelamentos. Esta população passou a viver em Gadamael Porto.

Foto: © Mário Gaspar  (2013). Todos os direitos reservados.

 1. Mensagem do nosso novo membro da Tabanca Grande, Mário Gaspar [, foto atual, à direita]

 Data: 9 de Dezembro de 2013 às 15:37
Assunto: Envio de foto tipo passe


Homem Grande da Tabanca, Camarada Luís Graça:_

Envio-te uma foto - o que envelheci! - e depois tento encontrar alguma em que esteja fardado.

Normalmente andava de calções, chinelos e tronco nu. Inventava dias diferentes, vestindo-me à civil ou sem o camuflado, e nestas circunstâncias aproveitava as fotos para enviar para a família, porque para eles...  "eu encontrava-me de férias em terras africanas". Até consegui enganar o meu pai!... Quanto à minha mãe o assunto era mais complicado.

Informo-te também que nasci na freguesia de Santa Maria e São Miguel, concelho de Sintra e distrito de Lisboa no dia 9 de Abril de 1943.

Depois de regressar da Guiné,  ingressei em Janeiro de 1969 na DIALAP - Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, como Lapidador de Diamantes. Eram mais de 600 trabalhadores na empresa, foram despedindo os "melhores lapidadores do mundo", a pouco e pouco, e já na parte final tocou-me a mim, fui dos últimos, isto em 1996.

Moro em Lisboa desde o dia que me casei.

Um abraço para o Homem Grande da Tabanca, Luís Graça & Camaradas da Guiné
Mário Vitorino Gaspar


2. Comentário de L.G.:


Grande Mário, obrigado!... Obrigado pelo envio da tua foto atual [e, mais uma, fardado, em Gadamael, meados de 1968], que irá servir-nos para identificar os teus escritos, associando o teu nome à tua imagem...

Já agora, temos que nos encontrar um dia destes... Eu trabalho no Lumiar, a seguir ao estádio do Sporting, junto ao Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, mais exatamente na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP/UNL)...

E, já agora também, por  teres trabalhado na Dialap até 1996 e teres sido um dos melhores "lapidadores do mundo", imagina que eu, ultimamente, tenho feito formação para pessoal de saúde, na Ilha de Luanda,  na clínica do grupo angolano Endiama, herdeira da Diamang...

Como vês, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!... Mas tenho pena que talentos como os teus e os dos teus colegas da Dialap sejam assim deitados fora, com o fim de um empresa... Quanto saber, quanto saber-fazer, quanta experiência, quanto capital humano é desperdiçado todos os dias neste pequeno país que o melhor que tem são... os portugueses e as portuguesas!

Bom, depois da tua breve apresentação à Tabanca Grande, prepara aí mais umas histórias dos Zorbas, que a malta adorou!... Luís Graça

[Foto acima, à esquerda: edifício fabril e administrativo da Dialap/Diamang, fachada principal, atual sede da RTP, Av Marechal Gomes da Costa, nº 37, Lisboa....Projeto de 1960/66, dos arquitetos Carlos Manuel Ramos e António Teixeira Guerra, notável exemplo da moderna arquitetura industrial portuguesa. Foto: DE/IPPAR, reproduzida com a devida vénia, disponíve,l no sítio do IGESPAR > Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico.]
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12412: Tabanca Grande (413): Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art, MA da CART 1659 - Zorba (Gadamael e Ganturé, 1967/68)

Guiné 63/74 - P12425: O nosso livro de visitas (171): Manuel Vitorino, ex-Fur Mil do BCAÇ 4518 (Cancolim, 1973/74)

1. Mensagem com data de 29 de Novembro de 2013, enviada ao Blogue pelo nosso camarada Manuel Vitorino (ex-Fur Mil do BCAÇ 4518, Cancolim, 1973/74), jornalista, editor do Blogue Mau tempo no Canal, a propósito da sua recente viagem à Guiné-Bissau:

Amigo Luís Graça, boa noite
Acabei de chegar da Guiné-Bissau onde estive quase um mês. E estou a escrever várias crónicas no meu blogue: Mau tempo no Canal
Se puder poderá partilhar no seu cobiçado blogue as crónicas. Agradeço. Sou Jornalista e tenciono escrever mais textos sobre o país e suas gentes.

Fui Furriel miliciano Atirador (mais Minas e Armadilhas) e fiz parte do BCaç 4518, em Cancolim, frente Leste, próximo de Bafatá. Estive na guerra entre 1973 e 1974.

Agora, 40 anos depois, regressei ao país de Cabral. Sem saudosismo, memórias de guerra, ou qualquer tipo de catarse. Fui em missão de paz através de uma ONG, o Mundo a Sorrir e porque aquela gente merece ser feliz.
O resto vem nas crónicas do blogue. No futuro outros trabalhos darão à estampa.

Grande abraço
Manuel Vitorino


2. Comentário do Editor:

Já fui espreitar o Blogue "Mau tempo no Canal" do nosso camarada Manuel Vitorino.
Além de outros temas, a ler, tem uma série de textos e fotos imperdíveis relativas à Guiné-Bissau, fruto da sua recente viagem àquele país irmão. As postagens dividem-se entre o dia 1 - Regresso à pátria de Cabral -, aqui reproduzido com a devida vénia, e o dia 18 de Novembro de 2013 - Futebol e circo, mais circo do que pão.
Aconselho vivamente uma visita e leitura atenta.

Aceitando a oferta do nosso camarada, partilhamos hoje o poste do dia 1 de Novembro.
Prometemos voltar lá e dar à estampa os restantes artigos sobre a Guiné de hoje.

Aproveito para deixar aqui o convite ao Manuel Vitorino para fazer parte da nossa tertúlia. Poderá colaborar connosco com textos e fotos do seu tempo combatente na Guiné, assim como da Guiné-Bissau de hoje.

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Em Bafatá, num casa humilde nasceu Amílcar Cabral. O edifício é hoje um centro de estudo e memórias. 

Estou a pouco menos de 24 horas de aterrar na pátria de Cabral, um dos heróis da minha juventude, o único merecedor de honrarias em toda a história (trágica) da Guiné-Bissau, o líder incontestado deste pequeno país de África. Cabral não foi só o líder do PAIGC que desafiou a Ditadura de Salazar/ Caetano ao declarar a independência nas matas de Medina de Boé, antes o visionário e sonhador de um país livre, fraternal e independente, o guerrilheiro e intelectual admirado pela comunidade internacional. Infelizmente, a Guiné-Bissau volatizou-se. Em golpes e contragolpes, transformou-se numa placa giratória do tráfico internacional de droga com níveis de pobreza extremos, onde a esperança média de vida ronda os 50 anos, onde falta quase tudo. Só a palavra esperança não foi riscada do mapa.

Um aviso à navegação: não vou à Guiné-Bissau por nostalgia ou recordação de alguma façanha de guerra. Sou anti-herói. Estive na guerra colonial entre 1973/74 (Batalhão Caçadores 4518, 2ª Companhia de Caçadores, Cancolim, Bafatá) mas o destino e a sorte andaram de mãos dadas: durante o tempo em que por lá andei nunca dei um tiro, nunca o aquartelamento teve um ataque do PAIGC, nunca a companhia sofreu uma emboscada. Nada de nada. Adianto um pequeno pormenor: caso o PAIGC tivesse colocado as suas armas na mira de Cancolim as nossas tropas não tinham qualquer hipótese de sobrevivência. Morríamos todos. Não tínhamos preparação, estratégia, força anímica, capacidade de resposta. Por isso, quando aconteceu o 25 de Abril – o dia mais feliz da minha vida – e meses depois zarpei de Bissau em direcção a Lisboa (onde a bordo do Uíge ouvi vezes sem conta “Wild World”, de Cat Stevens) senti um enorme alívio, um sentimento único de Liberdade, a certeza que os dois povos tinham muito a aprender em termos de cultura, conhecimento, partilha, história. E um património linguístico que os sucessivos governos até hoje têm desbaratado.

Quarenta anos depois vou regressar, finalmente, a Bissau. Na bagagem transporto muitas memórias deste pedaço de África, um povo maravilhoso, humilde, fraternal, amigo, mais as cores e aromas da paisagem, as mangas e as papais que saboreei em doses duplas para enganar a fome e revejo as lavadeiras com os seus trajes coloridos a caminho da bolanha, a luta diária pela vida travada pelas mulheres, as crianças subnutridas à entrada do aquartelamento e por instantes, recordo a manhã onde escutei pela primeira vez os gritos lancinantes da jovem vítima de circuncisão genital. Está tudo gravado na minha memória. Como o futuro começa hoje decidi voltar à Guiné-Bissau com vontade de aprender, ajudar quem mais precisa e perceber como se pode viver com tão pouco a troco de quase nada. Se calhar vou ficar mais rico. Cabral ka muri/mori (Cabral não morreu).



Publicado 1st November por Manuel Vitorino
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12391: O nosso livro de visitas (170): O crachá da CCAÇ 1498, Có, Binar e Bissau (Joaquim Vidigueira Ferreira, ex-fur mil, Amadora)

Guiné 63/74 - P12424: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (27): Mandela só houve um, infelizmente só um... Provavelmente o homem africano mais certo, no momento certo, no país do oiro...



O novo sítio da Fundação Nelson Mandela, o projeto de arquivo digital Nelson Mandela, com apoio do Google > Nelson Mandela Centre of Memory


1. Mensagem de  António Rosinha [, fur mil em Angola, 1961; topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979: ou, como ele gosta de dizer, colon, em Angola, de 1959 a 1974; cooperante na Guiné-Bissau, de 1979 a 1993] [foto à direita, Pombal, II Encontro Nacional da Tabanca Grande, 2007]


Data: 10 de Dezembro de 2013 às 00:20

Assunto: Ouro da terra de Mandela e os "invejosos"


Envio, com a devida vénia ao © Google Earth (2013), uma imagem geral e um pormenor de uma das montanhas de solos doirados, retirados por mais de 100 anos das minas sul-africanas. (É possível calcular aproximadamente os metros cúbico daqueles montes.)

Durante 24 sobre 24 horas, ouro de 24 kilates saíu das minas e do esforço dos milhares de "carcamanos" e de milhões de negros vindos de Namíbia, Moçambique, Angola, Rodésia, Botsuana, Malawi , Zâmbia e mais países que a indiferença dos meus vinte e trinta anos esqueceu.

Até me admiro como me ficou tanto nome na cabeça. Mas agora aqui entra a explicação que se ouvia constantemente em Angola por muitos angolanos, moçambicanos e guineenses justificarem uma das razões para quererem ser independentes.

Principalmente brancos e mestiços em Angola diziam, nos anos da "paz colonial" antes de 1961, que se fossem independentes como os sul-africanos...!

E já falavam nas "paletes", "resmas" de oiro, que o Salazar e os portugueses atrasados escondiam e não deixavam explorar, principalmente em Angola que ainda era "mais rica" que a África do Sul. Sem falar no petróleo e nos diamantes e cobre que já eram conhecidos e explorados em Angola mas pouco!... Porque se fossem eles a tomar conta da terra deles...! [Não adivinhavam(mos) que haveria um ouro mais valioso de muitos kilates que foi Mandela.]

Claro que nunca se ouviam estas conversas aos milhares de velhos régulos, sobas que com seus filhos de zagaia na mão, e suas mulheres de enxada na lavra e filho às costas, também eram gente,

No tempo da "paz colonial" de Salazar,  e de certa maneira de Norton de Matos, de Henrique Galvão que também calcorreou um pouco de Angola, e foi governante, até parecia que era fácil fazer mais e melhor do que aquilo que se fazia com Salazar a mandar para lá o cólon.

Até se dizia que no caso de Angola ainda se faria de Luanda uma Nova York.

Os angolanos sempre tiveram a mania das grandezas e, lá está, Luanda até parece uma coisa descomunal. (Tabancas na vertical deve ser fantástico.)

Estas conversas não eram habituais em caboverdeanos, e no caso de Angola, onde eram muitos milhares, enchiam tudo quanto é repartição, e não se pronunciavam, principalmente de ilhas que não talvez Santiago.

Os caboverdeanos em Angola eram tantos e ocupavam tantos espaços, que quem tivesse um amigo caboverdeano, nem precisava de se dirigir às repartições tratar de qualquer assunto,  era um simples telefonema. Desde Notários, Alfandega, Finanças (fazenda),  Registos, Judiciária, Câmaras...lá estava um amigo verdeano para tratar do assunto, não era preciso ir para a forma.

As conversas naquela "paz colonial",  por exemplo quando foi das eleições de Delgado, em 1958, muitos falavam abertamente na perspectiva que sem o Antoninho a independência era possível. Não sei se pensavam qual seria o papel dos sobas e sua família.

Isto digo eu hoje, porque com 19/20 anos, sem direito a voto, eu só pensava em coisas mais interessantes.

O que era mais habitual ouvir a quem era funcionário, era o desejo de ver Salazar caír com a eleição de Delgado, pois há muitos anos que o Antoninho não n(os) aumentava.

Evidentemente que havia muitos angolanos, guineenses e moçambicanos que pensavam numa independência não só a pensar nas riquezas que "Salazar" não deixava explorar.

Mas havia muitos a misturar salazarismo e colonialismo, como se com outros como Delgado seria diferente, o que não era uma certeza, mas que havia na cabeça de muitos a ilusão que se fosse como na África do Sul, sem apartheid, era uma maravilha, havia muito "branquinho e mesticinho" com uma grande, enorme, descomunal ilusão.

E,  a provar isto, podemos constatar hoje, mas também logo em Março de 1961, foi o aparecimento no norte de Angola, de Holden Roberto e a sua UPA com suas chacinas racistas,  tribalistas, e até mesmo com laivos de separatistas, que marcou a luta do MPLA, PAIGC e FRELIMO.

Holden Roberto era mais pró Mugabe do que pró-Mandela. Mandela só houve um, infelizmente só um. Provavelmente o homem africano mais certo, no momento certo na país do oiro.

É bom que assim seja. Muitos outros homens africanos foram errados no momento errado no país certo. Mais do que o ouro, o grande valor da África do Sul foi Mandela.

Todos os Africanos deviam ser Mandelas, mas há muitos que são mais Mugabe.

Cumprimentos e fico-me por aqui,

Antº Rosinha





África do Sul > Joanesburgo > Soveto > Restos de explorações mineiras ("mine dumps") > Imagens do © Google Earth (2013), selecionadas pelo nosso topógrafo António Rosinha, e  reproduzidas aqui  com a devida vénia...

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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12373: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (26): Nós, tugas, somos mesmo estranhos...

Guiné 63/74 - P12423: Memória dos lugares (258): Bissau, 1968, aquando da visita do Presidente da República à Guiné (José António Viegas)



1. Em mensagem do dia 3 de Dezembro de 2013, o nosso camarada José António Viegas [foto à esquerda] (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68) enviou-nos estas fotografias históricas da visita do então Presidente da República, Almirante Américo Tomás, à Guiné, no ano de 1968. Nelas vemos a cidade de Bissau limpa e bonita, em festa, como era timbre na época, para receber o mais alto magistrado da Nação.





O segurança da direita foi o Director da Pide em Faro, tinha um filho Furriel que estava na altura na Amura, e que mais tarde foi jornalista do Jornal o Jogo, chamava-se Murilho Lopes. O repórter é o Artur Agostinho.





O individuo que se vê a cabeça no enfiamento do carro era o dono da Kodak perto do escritório da TAP na Amura


Ronco dos Felupes


Fotos (e legendas):  © José António Viegas  (2013). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12383: Memória dos lugares (257): Ilha das Galinhas em 1968 (José António Viegas)