1. Do livro, Família Coelho,(*) da autoria do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex- Fur Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), aqui fica mais um apontamento, ainda dedicado a Alcobaça.
Parte IV
Que figuras notáveis: - É o tempo de (entre outros) Manuel Vieira Natividade (que nasceu em 1860 no Casal do Rei), do Dr. Brilhante, do Dr. Décio Sanches Ferreira, de António de Sousa Neves. Joaquim Ferreira de Araújo, que em 1878 é o fundador da Companhia de Fiação e Tecidos de Alcobaça, é também figura de destaque na sociedade alcobacense.
Que qualidade de vida: - O estado moral e intelectual da maioria moradores era baixo.
Em geral não eram letrados e o pouco tempo livre, depois das suas duras ocupações diárias, era passado em tabernas.
Quem tinha posses, ou necessidade de viajar, apanhava os carros da Mala Posta, na Rua D. Pedro V. Uma viagem à Batalha, com partida de diligência, frente ao Hotel Alcobacense, demorava duas horas e custava 3.000 réis (3$000).
Em redor do coreto do “Rossio” já havia 22 candeeiros com luz eléctrica.
Em 30 de Abril de 1899 as gentes de Alcobaça viram passar pela primeira vez um automóvel!
Que hábitos: - Só nas famílias abastadas havia alguma convivência entre senhoras e meninas, através de reuniões em casa de uns e de outros.
Nas classes mais elevadas os homens, depois do trabalho, iam para as boticas e não é difícil adivinhar quem frequentaria os saraus literários, o teatro e os bailes de máscaras.
Nas classes baixas os homens trabalhavam de sol a sol, faziam umas “libações” no “pós-laboral” e seguiam para casa normalmente “entornados” onde os esperavam as mulheres e os filhos, eventualmente candidatos a uns sopapos para “animar” o serão! As mulheres tinham filhos, criavam-nos como podiam e, sempre que tinham algum tempo disponível, “faziam meia“ e juntavam-se para conversar. Para “teatro” bastavam-lhes as “comédias” e os “dramas“ diários, embora um grupo teatral alcobacense – Grupo Dramático Villa Nova – tivesse conseguido grande aceitação junto de uma população menos favorecida mas, nem por isso, menos ávida de conhecimento.
E os nossos COELHOS?
No “moinho do Couto” trabalhava-se bastante. A roda vertical, exterior ao edifício, era movimentada dia e noite, pelo rio.
A moagem funcionava no piso térreo e a habitação era no primeiro piso. No piso térreo, iluminados por uma pequena janela, alinhavam-se quatro pares de mós, duas para o trigo, talhadas em calcário (as alveiras) e duas para o milho, talhadas em granito (as segundeiras)
E nos primeiros anos do novo século chega ao fim a vida do “Casal Fundador". Em 1901 morre a “Avó” ROSA MARIA, de que infelizmente pouco se sabe.)
É o ano em que chegaram a Alcobaça os refugiados boers da Guerra do Transvaal).
E cinco anos depois, em 1906, deixa o mundo dos vivos o Avô Porraditas com 80 anos de idade. Uma vida de trabalho e canseiras iniciada ao som dos assobios dos búzios de barro presos nas espias das velas brancas de linho dos Moinhos de Alqueidão da Serra e terminada junto às águas calmas do Rio Alcoa, em terras de Santa Maria de Alcobaça.
Os “sete magníficos” começam a voar sozinhos, ou melhor, porque são COELHOS ganham direito às suas raízes... enfrentando a vida sem desfalecimentos – a maioria deles à martelada porque... trabalham a arte do ferro... e são bons no seu ofício.
Serralheiros e, nos intervalos, bombistas: Quatro irmãos (o Joaquim, o Zé “Preto”, o Júlio e o António “Russo” ), hábeis serralheiros, com oficina na Rua Frei Estêvão Martins, viveram intensamente os tempos conturbados do assalto ao Quartel em Janeiro de 1919.
A página 137, do livro de Bernardo e Silvino Villa Nova, “Breve História de Alcobaça” é referido que em 11 de Janeiro de 1919, civis armados, auxiliados por oficiais revoltosos de Regimento de Artilharia 1, aquartelado em Alcobaça, tomaram posse do quartel, prenderam o Comandante e alguns oficiais e seguiram para Santarém, principal núcleo do movimento revoltoso.
No dia 13 seguinte, encontrando-se Alcobaça desguarnecida, entrou nela tropa de Infantaria 7, fiel ao Governo, tendo-se seguido a prisão de largas dezenas de pessoas... e até 24 do mesmo mês viveu-se um regime de terror, com violação de domicílios e atropelos vários.
Pois também os quatro irmãos da nossa história e a sua oficina estivaram na mira das forças da ordem de então por terem sido denunciados por inimigos políticos. Eram acusados do fabrico de bombas para a revolução.
Foi um elemento da GNR, que no final da busca, certamente cansado, enfarruscado e desiludido por nada ter encontrado que proferiu a frase que veio a tornar conhecida a oficina dos 4 irmãos:
- Que oficina danada!...
Quanto às bombas elas estavam lá perto, dentro de um cesto que, preso por um arame, estava mergulhado nas águas escuras do Rio Baça que passava nas traseiras da oficina.
Se têm aberto a janela enferrujada das traseiras e puxado o arame estes nossos parentes teriam ido mesmo presos. Parafraseando a histórica expressão do soldado da GNR tiveram uma sorte danada!... O dia a dia da oficina era duro, trabalhando-se de sol a sol, recebendo-se à semana por conta das obras encomendadas.
Vestiam fatos de ganga, fechados até ao pescoço, e protegiam a cabeça com bonés com pala de oleado.
Pela ordem natural das coisas estes nossos COELHOS da primeira Geração vão envelhecendo junto dos COELHOS da segunda geração, que se fazem à vida desfrutando... novos tempos... num Portugal e numa Alcobaça um pouco melhor da que tiveram seus Pais e Avós.
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Notas do editor
(*) Poste anterior de 14 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14149: Notas de leitura (670): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (3): Como era Alcobaça em 1890
Último poste da série de 19 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14163: Notas de leitura (671): “O Império da Visão, fotografia no contexto colonial português (1860-1960)”, com organização de Filipa Lowndes Vicente, Edições 70, 2014 (Mário Beja Santos)