sexta-feira, 19 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14770: In Memoriam (223): Manuel Rocha Bento (Galveias, Ponte Sor, 1950 - Ponta Coli, Xime, 1972), fur mil at art, CART 3494, morto em combate, em 22/4/1972 (Alexandre Bento Mendes, seu sobrinho / Jorge Araújo, seu camarada de pelotão)


1. O nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), a seguinte mensagem com data de 15 de Junho de 2015, na continuação do poste P14749. 

UM SENTIMENTO DE PESAR AINDA PRESENTE
(A MORTE DO FURRIEL BENTO EM 22ABR1972)
- a única baixa em combate da CART 3494 -
1.- INTRODUÇÃO
A divulgação das memórias mais relevantes que marcaram a minha presença no CTIGuiné durante os já longínquos anos de 1972 a 1974, na qualidade de miliciano da CART 3494, e que de forma irregular têm sido transformadas em narrativas, visam deixar expresso, na sua dimensão historiográfica escrita no singular, algumas das ocorrências vividas no plural, e daí as considerar portadoras de eventual interesse colectivo.
Sabemos que o número de leitores a que a elas têm acesso, independentemente das suas motivações e interesses, é significativo, como se pode confirmar pelo número de visitas diárias ao Blogue da nossa Tabanca… que é [muito] Grande, prestando este, sem quaisquer dúvidas, um inquestionável serviço público, abrindo as suas portas ao aprofundamento e a esclarecimentos posteriores sobre dúvidas que porventura cada episódio possa suscitar.
Está neste caso o interesse demonstrado por Alexandre Mendes, sobrinho do malogrado meu/nosso camarada Furriel Manuel Rocha Bento, morto em combate no dia 22ABR1972 [P14495 – Recordando a 1.ª emboscada na Ponta Coli e a morte do Furriel Bento - a única baixa em combate da CART 3494], na mata da Ponta Coli.
Foi neste local enigmático e misterioso, sito na estrada Xime-Bambadinca, que foram travadas duras batalhas com os guerrilheiros do PAIGC, pelas diferentes unidades sediadas no Xime, e que tivemos a oportunidade de as experienciar e de as descrever, em particular aquelas que a história haveria de determinar que seriam as duas últimas.
Com efeito, o [nosso] Alexandre nasceu catorze anos depois da morte de seu tio [em 1986], tendo crescido e convivido desde sempre com a mágoa dos seus avós e de sua mãe pela saudade que o tio deixou, sendo ainda hoje [quarenta e três anos depois] recordado por todos os seus pares.
Na tentativa de encontrar resposta às dúvidas que o tem acompanhado ao longo dos anos, tomou a iniciativa de contactar o camarada Luís Graça, editor do Blogue, pedindo-lhe ajuda para o encaminhamento do seu e-mail, o que veio a acontecer.
2.- OS CONTACTOS DO ALEXANDRE MENDES
1.º - 10JUN2015
Boa Noite,
Em primeiro lugar parabéns pelo blogue, através dele pude conhecer a verdadeira história da morte do meu tio.
Em segundo lugar queria perguntar se dispunham de mais fotos onde o meu tio esteja presente (além das constantes no blogue) e caso haja, se me podem enviar por email.
Em último lugar gostaria de saber quando é que o meu tio chegou à Guiné para desempenhar a missão.
Vejo que uma das pessoas que foi colega dele e que o menciona é o Jorge Araújo, talvez se puder encaminhar este email, ele possa ajudar. Cumpts Alexandre Mendes.
2.º - 10JUN2015
Jorge: Queres responder e comentar? Podias fazer um poste… Luís.
3.º - 10JUN2015
Caro Alexandre,
O seu contacto de hoje, via Luís Graça, merece-me um carinho especial, particularmente pelos motivos que o fundamentam.
Por isso, saúdo-o, antes de mais, pela iniciativa que tomou em querer saber algo mais sobre a vida militar de seu tio [e meu/nosso camarada] Manuel Bento, morto em combate nas matas do Xime, na Guiné, naquele fatídico dia 22ABR1972, fez agora quarenta e três anos.
O seu presente contacto é, com efeito, muitíssimo gratificante para nós, na justa medida em que através da recuperação e divulgação pública das nossas memórias, gravadas no decurso da nossa presença no Teatro de Operações da Guiné, recordamos alguns dos episódios mais marcantes dessa experiência ultramarina.
Os seus destinatários são muitos. Desde logo o colectivo da unidade militar que connosco as partilhou, depois os seus familiares directos, independentemente do grau de parentesco, e finalmente a comunidade que nos lê, quer sejam aqueles que por lá passaram, quer sejam as novas gerações que delas foi dispensada, por via do 25 de Abril de 1974.
Não sei a sua idade, mas certamente que nasceu depois da data acima, o que torna o contacto ainda mais valioso.
O seu tio, como teve a oportunidade de constatar nos diversos postes que escrevi sobre as emboscadas na Ponta Coli [P9698 + P12232 + P14495], morreu a meu lado, oitenta dias depois de ter chegado ao Xime, um dia dramático para todos nós, ou quatro meses após o embarque no N/M Niassa, em Lisboa, em 22DEC1971 [P12978], com passagem por Bolama durante um mês.
O facto tornou-se ainda mais dramático, pois sabíamos que ele tinha sido pai, deixando, assim, uma viúva e uma bebé órfã. Foram, de facto, indescritíveis os dias que se seguiram. Mas tivemos de seguir em frente.
Caro Alexandre, para além das narrativas que estão publicadas no blogue de Luís Graça & Camaradas da Guiné, outras semelhantes estão disponíveis no blogue da CART 3494, a sua unidade militar, bastando identificar na coluna da direita [etiquetas] o assunto/tema que mais lhe interesse.
Como no próximo sábado, dia 13 do crt., iremos realizar um almoço-convívio em Vila Nova de Gaia, o 30.º, gostaria de lhes dar esta boa nova, se possível, através da elaboração de um texto a publicar até lá. Para o efeito, gostaria que me fizesse chegar uma sua foto, acompanhada por algo mais que entenda por oportuno.
Ao dispor, receba um forte abraço. Jorge Araújo.
4.º - 15JUN2015
Boa Noite Jorge,
Eu pensava que ele tinha estado mais tempo na Guiné, porque li algumas cartas que ele enviava à irmã (minha mãe) e deu-me a sensação que ele teria vindo mais do que uma vez a Portugal, já depois de estar na Guiné…
No passado sábado dia 6 de Junho, visitei o Memorial em Belém com o nome dos militares que tombaram em combate e quando cheguei a casa lembrei-me de escrever o nome do meu tio no Google e ver o que me surgia… com grande espanto obtive as descrições, fotografias postadas por si.
Não sou realmente desse tempo, pois nasci em 1986, mas cresci a ver e conviver com a mágoa dos meus avós e da minha mãe pela saudade que o meu tio deixou. É extraordinário, que embora tenha falecido muito novo (com 22 anos), ainda hoje é recordado na terra [Ponte de Sor] com carinho, por exemplo em 2007 houve um convívio entre colegas da terra (escola e afins) e foram colocar uma pedra [lápide] na campa com uma dedicatória, isto passados 35 anos da sua morte.
É extremamente gratificante para mim, ter chegado à fala com alguém que privou de perto com ele nos momentos difíceis e que tenha infelizmente presenciado aquele trágico acontecimento a fim de hoje, através dos seus postes, me descreva as questões que me interrogavam no passado. Sabia-se que tinha sido uma granada, mas o descritivo, não. Lamento só agora ter prestado atenção à data do almoço (dia 13 de Junho), de qualquer forma anexo uma foto minha.
Pedia-lhe por favor, caso tenha mais fotos onde esteja o meu tio (além das que estão nos sites) se possível me as enviasse desde que não cause transtorno, naturalmente.
Um Grande Abraço. Cumpts. Alexandre Mendes.
3.- HOMENAGEM DOS EX-COMBATENTES DA CART 3494
AOS MORTOS EM COMBATE NA GUERRA DO ULTRAMAR
A pretexto da realização do 30.º Almoço/Convívio/Encontro dos ex-combatentes da CART 3494, este ano agendado para Vila Nova de Gaia, tomou a organização deste evento a iniciativa de homenagear na sua Unidade Mobilizadora para a Guiné [ex-RAP2], agora Regimento de Artilharia 5 [RA-5], os camaradas que tombaram nos diferentes T.O. e, particularmente, o camarada ex-Furriel Manuel Rocha Bento.
Durante a cerimónia oficial realizada sob chuva intensa e enquadrada por uma Guarda de Honra constituída por uma secção daquela Unidade, comandada pelo Alferes Tiago Martins, foi colocada uma coroa de flores no respectivo Memorial. 


Foto 1 - 13JUN2015 - Vila Nova de Gaia [RA-5/ex-RAP2] - Memorial aos mortos da Unidade que tombaram nos T.O. da Guerra do Ultramar.

  
Foto 2 - 13JUN15 - Vila Nova de Gaia [RA-5/ex-RAP2] - Memorial aos mortos da Unidade que tombaram no CTIGuiné, onde consta o nome do camarada Bento.


Foto 3 - 13JUN2015 - Vila Nova de Gaia [RA-5/ex-RAP2] - Monumento aos mortos da Unidade que tombaram nos T.O. da Guerra do Ultramar, onde foi depositada uma coroa de flores.
Obrigado Alexandre por nos ter contactado.
Um forte abraço e muitas felicidades.
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494
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Nota de M.R.: 

Vd. Também o último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P14769: Agenda cultural (411): Lisboa Mistura 2015, todos/as ao Intendente até domingo 21...



O Lisboa Mistura tem-se afirmado, desde 2006, como um espaço intercultural destinado ao conhecimento e à inscrição de novas linguagens e tendências.

Em 2015, a cultura musical urbana é, como não podia deixar de ser, uma ponte para as dimensões sociais e políticas que integram o cosmopolitismo de uma Lisboa eterna. Num momento de grande dinamismo, a cidade respira positivas contradições e desafios que, embora globais, são intensamente íntimos, particulares.

É a beleza da diferença, a herança da curiosidade. Desde sempre que o Lisboa Mistura se questiona sobre a construção metapolítica, sobre a atividade cultural que deveria preceder o pensamento organizacional tornando-o mais humano. 

É neste sentido que a décima edição do Lisboa Mistura apresenta palestras, debates e encontros que, no meio da música ou da gastronomia, fazem sentir esse pulsar. 

Lisboa Mistura é também um momento de construção da alegria necessária para vivermos lado a lado, resistindo à aniquilação da diferença. Artistas do mundo, cozinheiros, pensadores, agentes de várias geografias, jovens talentos de bairros com sonhos, pessoas curiosas, felizes ou tristes, e lisboetas. Lisboetas porque Lisboa os acolhe como seus.

Flashmob Lisboa Mistura
17 jun: 21h30

Concertos

Ibibio Sound Machine
18 jun: 21h30
Mitch & Mitch + Felix Kubin
19 jun: 21h30
Kuenta i Tambu
19 jun: 23h
Alsarah & the Nubatones
20 jun: 21h30

Vieux Farka Touré
20 jun: 23h
Tomoro + Seiwa Taiko
21 jun: 20h45

Hugh Masekela
21 jun: 21h30

INFORMAÇÕES ÚTEIS

Entrada livre
LOCAL
Lisboa, Largo do Intendente

Fonte: Agenda Cultural de Lisboa, junho de 2015

PS - Amigos e camaradas, aproveitem o fim de semana, e vão visitar o novo Jardim da Cerca da Graça, que liga a Graça à Mouraria... Foi recentemente inaugurado... Ando cá há 40 anos e estou longe de conhecer todos os recantos e encantos de Lisboa... Uma cidade única, fascinante...
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Guiné 63/74 - P14768: Blogpoesia (416): A senhora Sexta-Feira, que vivia em Ganjola, a doce companheira do senhor Brandão (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, "Os Palmeirins", Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)

A senhora Sexta-Feira

por J. L. Mendes Gomes  (*)


Vivia em Ganjola,
arredores de Catió.
Era a doce companheira
do senhor Brandão. (**)

Um desterrado de Arouca
a cumprir pena na Guiné.

Fez-se comerciante,
vendia de tudo aos nativos,
por todo o sul desde Bedanda a Cufar.

Faziam bicha em corropio
as mulheres negras,
açafates à cabeça,
e filhinhos atrás das costas.

Traziam ovos,
traziam galinhas,
de cristas rubras,
e levavam arroz e sal
para suas tabancas.

Sua casa era um palacete,
à beira-rio,
onde abundavam os crocodilos,
mas havia peixe a dar com pau.

Ali fui parar um mês com meu pelotão.
Como num quartel.
Ali dei com o célebre Brandão,
sempre rodeado de muitas crianças,
que lhe ventilavam o ar,
na sua esteira suspensa.

E havia uma senhora negra,
cabelo grisalho
um rosto belo,
cheio de rugas,
e uns olhos brilhantes,
um sorriso divino e puro.

Era a Sexta-Feira.
Cozinhava tão bem!...
Que será feito dela?


Berlin, 19 de Junho de 2015, 8h47m
Joaquim Luís Mendes Gomes

[ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66]






Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (Catió, 1967/69) > Destacamento de Ganjola > Meninos, filhos de habitantes locais, dois deles irmãos, os mestiços . Dizia-se que eram filhos (ou netos?) do velho Brandão (que não sabemos quando e onde morreu). 

O que foi feito destes meninos e desta menina, pretos e mestiços de Ganjola ? Estarão vivos ? Casaram ? Tiveram filhos ? Vivem na sua terra ? São felizes e livres ? Ficamos semopre fascinados pelas fotos de gente, de ontem e de hoje... Quantas histórias não ficarão por contar se não inquirirmos estas fotos ?

Fotos do nosso saudoso grã-tabanqueiro Victor Condeço (1943/2010), ex-fur mil,  mecânico de armamento, CCS/N»BART 1913 (Cati+ó, 1967/69) / © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Todos os direitos reservados

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Notas do editor:


(**) Vd, poste de 22 de janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjola, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira

(...) Era-nos fácil imaginar, com sadia cobiça, a deliciosa época da vida colonial, de antes da guerra, para os felizardos, a quem a sorte, em boa hora, escorraçara, com a pena de desterro, por feitos heterodoxos à moral reinante das gentes da metrópole.

Era o caso do Sr. Brandão, de Ganjola (...) , a quinze km de Catió, um injustiçado lavrador das terras de Arouca. Ali vivia há dezenas de anos, por assassínio, cometido numa das romarias da Senhora da Mó. No meio dos folguedos e romarias, por vezes, acertavam-se contas atrasadas, duma qualquer hora de desavença, mesmo no fim da missa domingueira.

O Sr. Brandão, agora, era um velhote, rodeado de filhos e netos que foi gerando, ao sabor das madrugadas de batuque e da liberdade de escolha, sem custos, entre as mais viçosas bajudas da tabanca…

Uma negra, velha, mas de rosto e olhar, ainda iluminados por olhos meigos, como a sua voz, doce, era a predilecta, de sempre. Seu nome, Sexta-Feira. Soava bem aos ouvidos dos falares balantas, fulas ou mandingas. Era ela quem lhe tratava das tarefas caseiras. Dedicada. Sem nada cobrar, para além do breve e malicioso sorriso do velho Brandão, quando lhe despontava o desejo do seu corpo, negro, sem idade. Podia despontar a qualquer hora. Sexta-Feira ali estava, sempre dócil e submissa.

Uma loja farta de tudo o que chegava na carreira regular das barcaças de Bissau. Os lindos panos de cor garrida e os gordos cordões reluzentes, de fantasia, com que as negras tanto gostavam de se enfeitar.

O vinho tinto da metrópole era o regalo dos ociosos negros, de rostos engelhados e curtidos pelo álcool, pela tarde fora, a par da cachaça de coco.O saboroso bacalhau, curado nas míticas secas da Figueira da Foz e Aveiro, tão apreciado e toda a sorte de ferragens eram tudo o que aguçava o desejo daquelas gentes, para a troca do arroz, milho, mandioca, galinhas e demais produtos que, em cortejo lento e constante, pelas picadas entre as frondosas matas, traziam em açafates, à cabeça.O preço era feito, à medida da vontade gulosa do velho, matreiro e bem afortunado, Brandão.

Dizia-se que tinha metade das terras de Arouca… não fosse o diabo tecê-las. Ali, vivia, pacatamente, como se não houvesse guerra, numa típica mansão colonial, de um piso sobreelevado, com um varandim a toda a volta, com as dependências necessárias à farta panóplia de utensílios, alfaias e mercadoria. (...)


Guiné 63/74 - P14767: Efemérides (193): O Dia da Consciência, 17 de junho de 2015, celebrado em Lisboa: sessão de homenagem a Artistides de Sousa Mendes, por ocasião dos 75 anos da sua decisão histórica (1940-2015) - Parte I


Lisboa > Centro Cultur5al Franciscano > Largo da Luz > 21h > 17 de junho de 2015 > Dia da Consciência > Homenagem a Aristide de Sousa Mendes > Um dos "slides" que foi projetado na sala onde se realizou a conferência, a que assistiram largas dezenas de pessoas. Sobre a biografia do homenageado, ver aqui o sítio da Fundação Aristides de Sousa Mendes


Lisboa > Centro Cultural Franciscano > Largo da Luz nº 11, Carnide > 21h > 17 de junho de 2015 > Dia da Consciência > Homenagem a Aristide de Sousa Mendes > Detalhe de um cartaz da Fundação Aristides de Sousa Mendes. de apelo à doação de sangue.


Lisboa > Centro Cultural Franciscano > Largo da Luz, nº 11, Carnide > 21h > 17 de junho de 2015 > Dia da Consciência > Homenagem a Aristides de Sousa Mendes > Da esquerdas para a direita, Cristina Ferreira, um das organizadoras do evento e grande amiga da Guiné onde esteve naum missão de cooperação durante dois meses. (Acrescente-se que é uma "mulher de armas" que  já fez com o nosso camarada António Camilo e outros camaradas a famosa viagem terrestre, ao longo da costa do norte de África, de jipe,  até à Guiné-Bissau!)


Lisboa > Centro Cultural Franciscano > Largo da Luz, nº 11, Carnide > Da esquerda para a direita,  a Alice Carneiro, o João Crisóstomo, uma amiga do João (que vive em Leiria), o  António Rodrigues (que vive na Batalha, e é também  ativista de causas sociais, foi ele com o João quem salvou da ruina completa a Casa do Passal, em 2004; emigrou para os EUA em 1967, depois de ter feito o serviço militar na Base de Monte Real, como voluntário na FAP), a Mariana Abrantes de Sousa (, outra grande ativista da causa de Aristides de Sousa Mendes, igualmente da diáspora lusitana nos EUA) e a esposa do António Rodrigues


Lisboa > Centro Cultural Franciscano > Largo da Luz, nº 11, Carnide > 17 de junho de 2015 > Dia da Consciência > Homenagem a Aristides de Sousa Mendes > Alice (de costas) e a simpatiquíssma esposa do João, a Vilma, de origem eslovena.


Lisboa > Centro Cultural Franciscano > Largo da Luz, nº 11, Carnide > 17 de junho de 2015 > Dia da Consciência > Homenagem a Aristides de Sousa Mendes > Da esquerda para a direita, (i) João Lourenço, padre, reitor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portugues; (ii) dra. Marina Resende, chefe do gabinete da dra. Teresa Morais ( secretária dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade) (com quem o João Crisóstomo esteve recentemente em Nova Iorque e que à última hora. não podendo vir, enviou a sua chefe de gabinete): (iii)  a dra. Mariana Abrantes; e o (iv) João Crisóstomo (estes dois últimos, duas caras conhecidas da luta, nacional e interancional, pelo reconhecimento de Artistides de Sousa Mendes)



Lisboa > Centro Cultural Franciscano > Largo da Luz, nº 11, Carnide > 17 de junho de 2015 > Dia da Consciência > Homenagem a Aristides de Sousa Mendes > Mariana Abrantes e o José Ruy, o autor da banda desenhada "Aristides de Sousa Mendes, herói do holocausto", editado em português, francês e inglês. A edição portuguesa é de 2005 (Lisboa, Âncora Editora, 32 pp.)



Lisboa > Centro Cultural Franciscano > Largo da Luz, nº 11, Carnide > 17 de junho de 2015 > Dia da Consciência > Homenagem a Aristides de Sousa Mendes > Exposição de cópias de documentos encontrados pelo João Crisóstomo e o António Rdorigues, em 2004, na Casa do Passal, incluindo correspondência familiar datada de 1909, a par de recortes de jornal e correspondência relacionada com as várias edições do Dia da Consciência, criado por iniciativa do nosso camarada e amigo João Crisóstomo.



Lisboa > Centro Cultural Franciscano > Largo da Luz, nº 11, Carnide > 17 de junho de 2015 > Dia da Consciência > Homenagem a Aristides de Sousa Mendes > Uma aspeto (parcial) da mesa com os oradores da sessão de homenagema  a Aristides de Sousa Mendes, e que foi presidida pelo professor João Lourenço; o primeiro da esquerda é o dr. Américo Pereira, professor de filosofia na Universidade Católica, seguido da jornalista e escritora  Miriam Assor e do neto do homenageado, o major Alváro de Sousa Mendes.


Lisboa > Centro Cultural Franciscano > Largo da Luz, nº 11, Carnide > 17 de junho de 2015 > Dia da Consciência > Homenagem a Aristides de Sousa Mendes > Uma das oradoras, Miriam Assor, jornalista, "freelancer", escritora,  autora de, entre outros títulos, Aristides de Sousa Mendes - um justo contra a corrente (Lisboa, Guerra e Paz, 2009,  176 pp., já em 2.ª edição); nasceu em Lisboa, em 1966, "no seio de uma família judaica ortodoxa, ao qual acresce ainda o facto de ser filha de Abraham Assor que foi, durante 50 anos, rabino da Comunidade Israelita de Lisboa", segundo o jornal i (onde ela escreve).



Lisboa > Centro Cultural Franciscano > Largo da Luz, nº 11, Carnide > 17 de junho de 2015 > Dia da Consciência > Homenagem a Aristides de Sousa Mendes >  Outro dos oradores, Álvaro de Sousa Mendes, um dos netos do cônsul de Bordéus; é major do exército, presidente do CA da Fundação Aristides de Sousa Mendes. Na sala, estavam ainda presentes mais dois netos do homenageado.


Lisboa > Centro Cultural Franciscano > Largo da Luz, nº 11, Carnide > 17 de junho de 2015 > Dia da Consciência > Homenagem a Aristides de Sousa Mendes > Mariana Abrantes leu a comunicação do João Crisóstomo, devido a este estar afónico; à direita, o jornalista Joaquim Franco.


Lisboa > Centro Cultur5al Franciscano > Largo da Luz > 21h > 17 de junho de 2015 > Dia da Consciência > Homenagem a Aristide de Sousa Mendes >  O nosso camarada e amigo João Crisóstomo. Vai cá estar até 10 de julho. Vamos seguramente,  até lá,  reunir as Tabanca de Nova Iorque, de Torres Vedras e da Lourinhã...

Recorde-se que o nosso grã-tabanqueiro João Crisóstomo: (i) é natural de A-dos-Cunhados, Torres Vedras; (ii) foi alf mil, na CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/66); (iii) vive em Nova Iorque desde 1975, onde foi mordomo, de gente ilustre, rica e influente,  até ao início de 2015 (reformou-se agora); (iv) é um mediático ativista comunitário, tendo estado ligado à defesa de três causas que tiveram repercussão internacional e que nos dizem muito, a nós, portugueses (gravuras de Foz Coa, independência de Timor Leste e memória de Aristides Sousa Mendes); (v) foi um dos fundadores do "Luso-American Movement for East Timor Autodetermination" (LAMETA); e, não menos importante, (vi) é casado em segundas núpcias com a eslovena e nossa muito querida amiga Vilma e, por fim, (vii) integra a nossa Tabanca Grande desde 26 de julho de 2010]


Fotos (e legendas): © Luís Graça  (2015). Todos os direitos reservados.

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Nota do editor:

Vd. poste de 11 DE JUNHO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14731: Efemérides (192): 75º aniversário do gesto heroico de Aristides de Sousa Mendes ao decidir ajudar a salvar milhares de seres humanos fugidos ao terror nazi...Dia da Consciência, no próximo dia 17 de junho, celebrado com missas em diversas partes do mundo cristão, de Bordéus ao Vaticano, de Cabanas de Viriato a São Paulo, de Fátima a Newark ... Exposição e sessão de homenagem nesse dia, no Centro Cultural Franciscano, Lisboa (João Crisóstomo, Nova Iorque)

Guiné 63/74 - P14766: Notas de leitura (729): “Olhos de Caçador”, de António Brito, Porto Editora, 2014 (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Julho de 2014:

Queridos amigos,
Poderá haver quem nesta prosa excessiva, rotunda, gongórica, encontre argumentos que levem a justificar a inverosimilhança da história de Zé Fraga. Pouco importa, empolgante, tem uma carpintaria poderosa entre o muito quente e o muito frio, há um doseamento soberbo na galeria das figuras, na paleta das sensibilidades, no uso sensorial quem vem da vegetação do Planalto dos Macondes.
Uma obra acabada, dominadora, um Fernão Mendes Pinto que tudo vem contar quando é um homem acabado, escreve-se no bronze a glória do combatente destemido, a saga do português antigo, ferrabrás, dadivoso, doidão, justiceiro. Está aqui tudo que faz a panóplia dos grandes livros de aventuras da viagem dos portugueses.
A seguir vamos falar doutro livro de António Brito.

Um abraço do
Mário


Olhos de Caçador: Livro soberbo, o poliedro das brutalidades da guerra (4)

Beja Santos

Estamos de novo em Magolé, a atmosfera é de cortar à faca, o capitão Vinhais, alcunhado de Galo Doido, foi alvo de uma participação do alferes Perdigoto, a seguir ao desmando das suas estruturas a prisioneiros que não suportaram a monstruosidade das duas sevícias. No decurso de uma emboscada, Galo Doido irá assassinar o alferes Perdigoto, Zé Fraga vê tudo com olhos de ver, e cresce nele o mecanismo da vingança. E denuncia-o. O oficial de justiça está perplexo, havia outros depoimentos corroborando que o alferes morrera com os disparos do inimigo, como é que ele podia afirmar o contrário? E ele explica que o capitão se aproximara sorrateiramente do alferes, fazendo coincidir os seus disparos com a aproximação dos guerrilheiros. “Estou perfeitamente consciente, meu tenente. E digo-lhe mais: antes que enterrem o cadáver do alferes Perdigoto, mande o médico autopsiá-lo e verificar o calibre das balas que lhe provocaram a morte. Vai descobrir que foi crivado chumbo de G3”. Galo Doido ameaça-o de morte e chantageia-o, quer que ele negue tudo o que ele afirmou no inquérito.

Zé Fraga vai a Mueda, assiste ao espetáculo dantesco dos helicópteros a descarregar feridos e mortos, e volta a depor sobre o assassinato do alferes Perdigoto. Aproveita e recebe do enfermeiro Ranholas a encomenda negociada com o Mãozinhas. Aproveita um sarau artístico e dá uma boa cambalhota com uma corista do Parque Mayer. E recomeça a guerra, a coluna lá vai a caminho de Magolé, há uma emboscada enorme, mais à frente uma mina anticarro explode. “Esta é uma mina diferente. É um fornilho feito com uma bomba de avião português. De 500 libras, por deflagrar. Recolhida de um alvo bombardeado por Fiats G91, trazida de padiola dos confins da floresta e enterrada na picada, sob uma mina anticarro. Um dia em cheio para os frelimos. Trocámos as armas por machados e catanas e abrimos uma clareira grande. Chegam os AL-III para carregar os despojos. Batemos o terreno, pau na mão, esgravatando o chão, empurrando para dentro do cobertor pedaços de sargento, resto de soldado polvilhados de terra escura. Neste jogo de perdidos e achados os corpos vão incompletos. Há pedaços que ficam nas árvores ou foram projetados para longe. Sorte das hienas e dos abutres”.

A todo o momento parágrafos de primeiríssima água geram embevecimento, são peças de antologia, rutilantes:
"Por alturas do Natal estávamos cercados. Por mais que o capelão Tomé falasse da gruta de Belém e anunciasse a Boa-Nova, permanecíamos isolados do mundo. O ciclone rugia, por cima do Cabo Delgado. As estradas ficaram intransitáveis. Nada que tivesse rodas era capaz de se aventurar até Magolé, ficámos isolados pelas minas e chuva da monção. Um mar de lama. Um atoleiro, onde qualquer movimento de viaturas servia para se atascarem até aos eixos para desespero dos condutores. A floresta da região pintou-se de verde e água barrenta. O rio, no fundo do vale, encheu-se de brios e transformou-se no Amazonas, arrastando as margens, forrando de castanho quilómetros de vegetação rasteira, alagando bolanhas, inundando tocas, expulsando animais".

É imperativo um abastecimento aéreo. As coisas correm mal:
“Da porta aberta, por baixo de asa, sem um saco claro, volumoso, seguindo de imediato por outro, despenhando-se ambos sobre as nossas cabeças. Bateram no chão e ricochetearam como duas bolas de futebol. O primeiro ressaltou meia dúzia de vezes até se imobilizar; o segundo, ao terceiro ressalto, rompeu-se e os pães saíram disparados em todas as direções como estilhaços de bomba.
Corremos a apanhar as carcaças de trigo, antes que os ratos dessem as primeiras dentadas. Numa frente de 50 metros, havia papos-secos espalhados, pincelados com terra molhada. Alguns ficaram tão encharcados que apenas serviriam para migas e sopa alentejana. - Vá lá, porra, larga os frangos! O vento colaborou, soprando as nuvens durante um bocado. Foi o suficiente para o DO-27 se colocar em posição. O piloto calculou a direção do vento e largou o primeiro saco. Não era uma descida na vertical, era como se escorregasse por uma rampa inclinada desde o avião até ao aquartelamento. Os homens precipitaram-se para trazer o saco para dentro.
A segunda largada foi cópia da primeira. Com uma diferença dramática. O para-quedas abriu parcialmente e o saco precipitou-se em direção ao solo, com os restos do para-quedas rodando no ar, sem controlo. Estarrecidos, como se se tratasse de vida humana, os homens viam os frangos despenharem-se sobre a floresta do outro lado do vale”.

A sorte foi no dia de Natal ter aparecido um javali abatido com um tiro da sentinela. O disfuncional Rosca Moída aproveitou para lançar um punhado de balas para dentro da fogueira, a cozinha incendiou-se, destruiu a refeição, houve feridos. Aproveitou-se a evacuação para empurrar o Rosca Moída para dentro do helicóptero antes que fosse estrangulado.

“Quando o levaram para o héli, perguntaram-lhe: - Porquê, Rosca? Porquê? Meu grande cabrão. Tu não gostavas da comida que estava a ser cozinhada? - Da comida gostava. Mas a fogueira não estava grande coisa – respondeu o tonto, com ar inocente”.

E vai começar o grande duelo entre o Galo Doido e Zé Fraga, fatalmente vão os dois na coluna para Nangololo. Galo Doido recorre a um executor, Mamude Salé, os dois travarão um combate que custará a vida a Salé. A guerra intensifica-se, Galo Doido não há meio de ser recambiado para Nampula. Numa operação apanham máquinas de costura e logo Galo Doido pensou em fazer negócio. São descrições espantosas, Zé Fraga vai perdendo mais camaradas, morreram o Miudinho e o Fajolas. E a roda da fortuna desengonça-se nas picadas do Delgado, é preciso ir buscar mais Berliets, vão levantando minas, anticarro e antipessoais. O destino foi padrasto: uma mina rebenta debaixo dos pés de Zé Fraga, exatamente no tempo em que Galo Doido foi preso.

Zé Fraga é operado no hospital de Nampula onde conhece a enfermeira Filomena. É condecorado com a medalha de valor militar, Zé Fraga fica indiferente. O pelotão era a sua família. A companhia é transferida de Magolé para a região do lago Niassa, a distância e a nostalgia aumentam. Irá começar um longo período de fisioterapia. Zé Fraga recebe a sua nova perna de plástico em Hamburgo, reencontra-se com Filomena. Criam uma clínica de bem-estar, a ideia de Zé Fraga é recuperar os mutilados de guerra fazendo-os descobrir as boas sensações com um pouco de sexo à medida. E trava-se o duelo final com Galo Doido, um pouco à imagem dos bons filmes norte-americanos do género.

E assim chegamos ao epílogo em que Zé Fraga vai a um cemitério alentejano despedir-se do alferes Perdigoto escrevendo numa árvore com marcador azul: assassinado por um filho-da-puta conhecido por Galo Doido.

Indiscutivelmente um livro que vai ficar na galeria das obras mais representativas da literatura da guerra colonial.
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Nota do editor

Vd. postes anteriores de:

8 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14713: Notas de leitura (724): “Olhos de Caçador”, de António Brito, Porto Editora, 2014 (1) (Mário Beja Santos)

12 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14737: Notas de leitura (727): “Olhos de Caçador”, de António Brito, Porto Editora, 2014 (2) (Mário Beja Santos)
e
15 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14747: Notas de leitura (728): “Olhos de Caçador”, de António Brito, Porto Editora, 2014 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14765: Parabéns a você (922): Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4610/72 (Guiné, 1972/74) e Leopoldo Amado, Amigo Grã-Tabanqueiro, Historiados e Professor Universitário


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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14757: Parabéns a você (921): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas do BCAÇ 3872 (Guiné, 1971/73)

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14764: Filhos do vento (36): SIC, Jornal da Noite, hoje, 4ª feira, 18, 20h00-21h30; e revista do jornal "Público", domingo, 21: "Tivemos a felicidade de acompanhar o António Bento, que esteve em Angola entre 1973 e 1975, e era furriel, e ir com ele ao encontro do filho que ele nunca conheceu, deixou a mulher com quem viveu durante um ano grávida" (Catarina Gomes, jornalista)

1. Mensagem da nossa amiga Catarina Gomes,  jornalista do "Público", coautora da reportagem sobre os "Filhos do Vento" e "O Meu Filho Ficou lá"; filha de ex-combatente da guerra colonial (em Angola), escreveu o livro "Pai, tiveste medo ?" (Lisboa, Matéria Prima Edições, 2014):

Data: 16 de junho de 2015 às 10:19
Assunto: Reportagem Angola

Caro professor,

Tal como lhe tinha dito, desde a ida à Guiné a a reportagem dos "filhos do vento",  fiquei com vontade de contar uma história ao contrário, pelo lado de um pai de um "filho do vento". Tivemos a felicidade de acompanhar o António Bento, que esteve em Angola entre 1973 e 1975,  e era furriel, e ir com ele ao encontro do filho que ele nunca conheceu, deixou a mulher com quem viveu durante um ano grávida.

É dessa aventura que dá conta a reportagem que sairá publicada na revista do "Público", no domingo dia 21 de Junho, e no Jornal da Noite da SIC,  esta quinta-feira dia 18 de Junho.

Espero que a reportagem possa inspirar muitos pais a olharem para o passado e talvez a lembrarem-se que deixaram um filho para trás.

Aqui lhe deixo  os dados da conta  bancária da:

Associação da Solidariedade dos Filhos e Amigos dos Ex-Combatentes Portugueses na Guiné-Bissau (Fidju di Tuga)
Banco da África Ocidental em ligação à conta do Montepio em Lisboa.


114011010114

Um abraço
Catarina


2. Quinta-feira, dia 18 de junho, no 'Jornal da Noite', SIC [20h00-21h30], 

Grande Reportagem SIC: "O meu filho ficou lá" 


Sinopse:

A Guerra Colonial levou milhares de soldados portugueses para África e deixou por lá muitas crianças sem pai, filhos de militares portugueses que acabaram as suas comissões de serviço e regressaram a Portugal. Há quem desconheça que por lá deixou um filho, há quem o esconda porque construiu uma nova família após o regresso e há quem nunca esqueça o que se passou.

Já na parte final do conflito, António Bento foi enviado, por dois anos, para Angola onde prestou serviço militar entre 1973 e 1975. Foi colocado no interior de Angola, na província de Luena, perto da fronteira com a Zambia.

Durante a comissão de serviço, António Bento apaixonou-se pela angolana Esperança. O soldado chegou mesmo a mudar-se e a ir viver para casa de Esperança, numa aldeia perto do quartel. Mas no início de 1975, a comissão de serviço termina e António Bento regressa a Lisboa pouco antes do filho de ambos nascer. O ex-combatente nunca esqueceu que se tinha despedido de uma mulher grávida.

A longa guerra civil em Angola e as dificuldades de comunicação com o interior do país foram algumas das barreiras que impediram António Bento de descobrir o paradeiro do filho. Mas nunca desistiu.

Hoje "Zito", o filho de António e de Esperança, tem 40 anos, a mesma idade de Angola independente. E só ao fim de 4 décadas pai e filho encararam-se, pela primeira vez, olhos nos olhos.

"O Meu Filho Ficou Lá " é a história de uma viagem ao interior de Angola e à emoção do primeiro encontro entre um pai e um filho. Uma 'Grande Reportagem' em parceria jornal Público /SIC.

Reportagem : Catarina Gomes
Ricardo Rezende (imagem e som)
Montagem: Ricardo Rezende | Rui Berton
Uma parceria jornal Público / SIC
Coordenação: Cândida Pinto
Direcção: Alcides Vieira | Rodrigo Guedes de Carvalho

Fonte: Cortesia de:

SIC | Ana Margarida Morais
Assistente Gabinete de Comunicação e Relações Externas

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Guiné 63/74 - P14763: Convívios (691): II Almoço do pessoal da Tabanca de Setúbal, dia 27 de Junho de 2015 na Praia de Albarquel (Hélder Valério de Sousa)

Vista nocturna da Península de Setúbal
Com a devida vénia ao autor da foto


1. Mensagem do nosso camarada Hélder Valério de Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de hoje 18 de Junho de 2015:

Caro amigo Carlos Vinhal
Sei que esta coisa de Convívios, Encontros, Almoços, etc. já é recorrente. Abrange uma multiplicidade de camaradas e situações.

Por isso, não me atreveria a pedir-te que fizesses a divulgação que se segue, que é o 2.º Almoço da "Tabanca de Setúbal" para o sábado 27 de Junho, não fora o caso de no rescaldo do nosso 1.º Almoço (e único até agora), ter havido um conjunto de justas reclamações de camaradas que se lamentaram não terem tido conhecimento.

Assim, "a pedido de várias famílias" vamos então promover esse 2.º Almoço, que irá ocorrer no próximo sábado dia 27, pelas 13:00 horas no Restaurante "All-Barquel", na Praia de Albarquel, logo na saída de Setúbal na estrada da Arrábida para a Figueirinha, antes do Forte/Hospital do Outão.

Para efeitos de contacto, quem estiver interessado em participar deve fazer a sua inscrição/comunicação através dos contactos seguintes:
duraes.setubal@hotmail.com - telemóvel 93 93 93 315
helder.v.sousa@gmail.com - telemóvel 93 202 56 20

A fim de se poder dimensionar a ocupação e reserva de espaço pedimos que façam a inscrição até terça- feira.

O almoço consistirá num 'rodízio de peixe', terá um custo previsível de 15 Euros e, claro, poderá haver a atenção para algum doentinho e/ou quem prefira uma dieta de carne.

Para os GPS-dependentes as coordenadas do restaurante/praia são:
38º 30' 40.50'' N - 8º 54' 53.35'' O (ou W, conforme o programa).

Temos consciência que a data escolhida (foi a possível) está 'encostada' a mais uma sessão da "Tabanca do Centro" mas não havia mais hipóteses a não ser adiar, mais uma vez, e isso não quisemos fazer.

Apelamos à compreensão dos camaradas habituais nesses almoços do Centro com a certeza de que não serão prejudicados.

Abraço
Hélder V Sousa
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14753: Convívios (690): Almoço de confraternização do pessoal da CCAÇ 16, dia 27 de Junho de 2015, em Bragança (António Branco)

Guiné 63/74 - P14762: Conto breve (António Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513) (2): Binta: um caso de saias, faca e alguidar

1. Mensagem do nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), com data de 14 de Junho de 2015:

Camaradas Luís e Carlos Vinhal
Por achar que vinha mesmo a calhar, resolvi passar ao papel uma historinha (conto breve 2) que há muito andava na minha cabeça e que já teve várias versões e mais teria se continuasse apenas na cabeça.
É uma historinha surreal quase, - ou talvez nem tanto - , mas que pode dar uma achega para se perceber a relação, algumas vezes complicada, da tropa com as mulheres e as bajudas do nosso encantamento.
Tal como a maioria já reconheceu, também na minha zona os casos de envolvimento foram raríssimos, e nunca houve conflitos por causa disso. A historinha trata, ainda, da obsessão psicopática (ou fixação maluca?), que normalmente descamba no assédio sexual. E de como isso pode afectar o comportamento e a autoridade do assediador, se este tiver responsabilidades de chefia, quer seja na tropa, quer seja noutra actividade qualquer.
Isto nada tem de científico, de que não percebo nada. É só observação. É um bocadinho longo este conto, mas não consigo cortar mais sem estragar o efeito. Por isso sugeria que, se tiver de ser cortado, o fosse nos pontos que assinalei com (*****), ou então publicado inteiro - teria melhor leitura - num daqueles dias em que escasseia o material para publicar. Isto, se entenderem publicar.

Um grande abraço a ambos
A. Murta


Conto breve

2 - “Binta: um caso de saias, faca e alguidar”

Estava um dia quente e abafado, sem uma aragem. O alferes Lourenço, sozinho no quarto dos oficiais, fazia tempo para o almoço deitado sobre a cama em tronco nu e folheando um jornal com mais de quinze dias. Quando olhou para o relógio sobre o caixote-mesinha de cabeceira, viu que já passava da hora. Sentou-se à pressa na cama e enfiou a camisa e as botas. Desligou a ventoinha e saiu para a messe, ali ao lado no mesmo edifício. Quando entrou, à mesa estavam apenas dois outros alferes. O alferes Madaleno tinha saído cedo para a protecção às obras da estrada nova. Faltava ainda o Capitão Arsénio. O ordenança-barmen aguardava ordens junto à porta que liga a messe ao bar. O alferes Lourenço puxou a sua cadeira e sentou-se à mesa perguntando para os colegas:
- Então hoje não se almoça? - E um deles respondeu:
- Deixa vir o capitão!
- Deixa vir o capitão, não! Deixa vir o nosso capitão, faz favor! - disse o capitão que, ao entrar, ainda ouvira a conversa.

Os alferes mantiveram-se calados e sisudos. O capitão fez um sinal para o ordenança servir os almoços e acomodou-se no seu lugar, no topo da mesa e à esquerda do alferes Lourenço.
- Então, Lourenço!... Ontem esteve nalguma orgia, ou quê? Para entrar no aquartelamento às três da madrugada!... - Disse isto com um sorriso largo e cínico, baixando a cabeça para olhar directamente nos olhos do alferes.
- Desde quando anda a vigiar-me as horas de entrada no aquartelamento, capitão?
- Ora!... Não é preciso ser bruxo para saber de onde vem e, como chega quase sempre a arrastar as botas, todos dão pela sua entrada, não sou só eu!...
- Tenha maneiras, capitão Arsénio!

Entretanto o ordenança já tinha trazido as travessas e as bebidas e fingia-se alheado do diálogo. Recuou para a porta do bar e ficou às ordens.
- Mas também lhe digo. Por uma febra daquelas até eu mandava às urtigas a prudência e a reverência! - Continuou o capitão.

O alferes Lourenço nem começara a comer e os colegas debicavam contrafeitos. Mas o capitão, enquanto falava, começara a comer normalmente, fazendo crer que a conversa era naturalíssima, o que irritou ainda mais o alferes.
- Ouça, capitão. Peço-lhe que acabe com esse despropósito, a ver se ainda consigo almoçar.
- Então, Lourenço!... Não se amofine, homem!
- Não me amofino, o caraças! Não lhe ficam bem esses comentários jocosos e provocadores, valendo-se da sua posição. Ou esquece, nestes momentos parvos, que é a autoridade máxima desta merda toda? O capitão pousou os talheres e com os olhos muito abertos para o alferes ia para dizer qualquer coisa, mas o alferes continuou: - E como vai impor essa autoridade aos seus subalternos se se desconsidera a si próprio, à frente de todos, como um primata despeitado, hã?

Dito isto, encolerizado, o alferes levantou-se brusco atirando a cadeira ao chão, perante a estupefacção de todos e dirigiu-se à porta. O capitão ainda ordenou:
- Alferes Lourenço! Volte aqui imediatamente! - Mas já o alferes saía porta fora sem lhe dar atenção e dirigindo-se para o quarto.

Puxou a cortina de chita da janela deixando o quarto na penumbra e deitou-se de costas em cima da cama. Fechou os olhos e ficou ofegante e a transpirar, com os punhos cerrados. Não tinham passado cinco minutos e entra, de rompante, o alferes Martins Silva:
- Foda-se, pá! Que ambiente de merda! Nem acabei de almoçar!...

O alferes Lourenço nem abriu os olhos e o camarada, sentando-se na borda da cama em frente, continuou, agora em tom de confidência:
- Ouve, Lourenço. Tens de te pôr a pau. Não é a primeira vez que o capitão toca no assunto e fá-lo sem papas na língua quando tu não estás. Parece que tem uma obsessão pela Binta ou então é uma tara qualquer que o descontrola completamente. Refere-se a ela como uma fêmea que nasceu apenas para enlouquecer os homens. Acho que isto se pode tornar perigoso. Eu a ti... - desculpa estar a meter-me no assunto - , eu a ti deixava passar algum tempo..., ou afastava-me dela definitivamente. Ainda, para mais, casada...

O alferes Lourenço abriu os olhos e rodou a cabeça lentamente para o camarada, dizendo sem ânimo:
- Sabes, meu caro..., o problema nisto tudo é que não devia ser suficiente ter habilitações académicas e passar o cú pelos bancos das academias militares, para se poder comandar homens, dirigir pessoas. É preciso ter mais qualquer coisa para além das teorias e das técnicas. Os neurónios deviam ser avaliados um a um e, depois, no seu todo. E a alma vista de vários ângulos e submetida a testes. Neste caso concreto...
Não completou a frase pois bateram à porta. Era o ordenança com uma ordem para o alferes Lourenço:
- Desculpe meu alferes, mas o nosso capitão quer que vá falar com ele ao gabinete.

Os alferes entreolharam-se interrogativos e o Martins Silva encolheu os ombros e arqueou as sobrancelhas, enquanto o Lourenço se levantava e pensava em voz alta:
- Será que reconsiderou e quer pedir desculpa?

O outro abanou lentamente a cabeça achando que não.
Deu dois toques na porta do gabinete e, muito formal, abrindo-a, disse:
- Dá-me licença, meu capitão?

Sentado à secretária, o capitão parecia preparado para um assalto.
- Entre e deixe-se de merdas! Sente-se! - Decepção e esfriamento.
- Não, obrigado. Prefiro ficar de pé.
- Como queira. Chamei-o aqui para lhe comunicar umas coisas mas, antes, quero dizer-lhe que não volte a repetir a atitude que teve ao almoço, porque eu não lho admito, percebeu?
- Mas não admite o quê, capitão Arsénio? Você tem-se desautorizado constantemente com as suas atitudes e já não tem condições para admitir ou deixar de admitir.
- Você verá, nosso alferes! Mas queria dizer-lhe muito mais: tenho informações do meu colega do aquartelamento de Samba-Fula de que o marido da Binta Domingo anda doido e só arranja problemas lá no pelotão de milícias. E que anda a afiar os cornos para, um dia destes, vir cá enfiar-lhos na barriga. Largue essa gaja, alferes Lourenço, antes que seja tarde.
- Ah! Então o capitão, para me poupar, prefere que o Mamadu lhe venha cá enfiar os cornos a si!... É isso, capitão? Não seja hipócrita!

O capitão, sem argumentos, ainda tentou mais uma prepotência, proibindo o alferes de, daí em diante, se ausentar de noite para a tabanca. A reacção do alferes foi tão violenta que, de repente, se abriu a porta que dá para a secretaria, aparecendo a cara do 1.º Sargento com olhos esbugalhados:
- Há algum problema, meu capitão?
- Não há problema nenhum, nosso sargento! Feche essa porta e não se ponha para aí a escutar, ouviu?

O sargento bateu com a porta com toda a força.
- Está a ver, capitão? Já ninguém lhe tem respeito!..
- Não lhe admito que me faça observações! E muito menos que me chame hipócrita ou outra coisa qualquer!
- Repito-lhe. Não admite nem deixa de admitir, capitão! Já pensou, ao menos por uma vez, como se vai impor até ao fim da comissão, com a sua autoridade na sarjeta? Você não tem condições para desempenhar as funções que lhe confiaram!

O capitão pôs-se em pé de um salto e, colérico, disse:
- Ponha-se no olho da rua, nosso alferes! Antes que lhe ponha um processo disciplinar às costas! Já!

Como se precisasse de mais motivos, pensou o alferes Lourenço. Calmo, mas olhando-o bem nos olhos, respondeu-lhe baixinho enquanto ia abrindo a porta:
- Tome nota, capitão Arsénio! Um de nós não vai acabar esta comissão!
- Ou ambos, nosso alferes! Ou ambos!...

*****

Passaram-se várias semanas e, apesar de alguma tensão entre os alferes e o capitão, o dia-a-dia decorria dentro de uma aparente normalidade, com ordens curtas e secas e com uma actividade operacional favorável a baixas tensões. À cautela, o alferes Lourenço manteve-se arredado da tabanca, menos por respeito ao capitão e mais por estratégia defensiva. Mas, se por um lado o Mamadu não dava sinais, a Binta Domingo começava a insistir nos porquês, através de bilhetinhos que lhe enviava. Ao menos dissesse porquê! Não desejava mais vê-la? Ou seria que, sem querer, o tinha magoado? E porque é que o capitão insistia em querer falar com ela? Saberia de alguma coisa?

Lourenço cedeu. Estava farto de se privar do aconchego da sua amiguinha por causa de um psicopata e das ameaças incertas de um marido ciumento. Bilhete para lá, bilhete para cá e combinaram novo encontro. Mas o alferes, ainda contrafeito, mais contrafeito ficou quando ela lhe indicou uma morança de adobe e chapa de zinco de uns familiares ausentes.
Estava uma noite amena mas um pouco escura. Em redor, tudo parecia demasiado tranquilo e isso teve um efeito contrário no estado de espírito do alferes. Para se tranquilizar, enquanto caminhava, levou a mão ao bolso da perna direita e tacteou a Walter. O facto de ter o seu grupo de combate de serviço nessa noite, sentinelas de confiança, também era tranquilizador, quis acreditar. Continuou a andar mas sem convicção. Para trás, uns já dormiam e outros entregavam-se aos jogos de mesa do costume. Pareceu-lhe que a sua saída não fora notada. Hoje também eram menos no aquartelamento, pois dois grupos de combate se mantinham fora para dormir no mato.

Respirou fundo e bateu levemente na porta de zinco. A Binta apareceu enrolada num lençol e, depois de fechar a porta, correu para a cama, num quartito escuro e acanhado, com a entrada, - sem porta - , frontal à da rua. O alferes Lourenço sentou-se na borda da cama em silêncio e foi habituando os olhos à escuridão, tentando perceber os detalhes à sua volta. Para além da cama, também não havia mais nada para ver. Só então se deu conta de que, atrás de si, na parede onde se encostava a cama, quase aos pés desta, havia uma espécie de janela minúscula, fechada apenas por uma rede fina. Era possível ver através dela uma ténue claridade exterior.

Após um longo silêncio, a Binta ensaiou dizer qualquer coisa, mas ainda a medo:
- Então, Lourenço? Não te deitas?

Mas ele quase não lhe deixou terminar a frase, dizendo “Chiu!...”, e já a pensar como lhe diria a urgência que tinha em sair dali. Havia qualquer coisa, inominável, que lhe dizia que fora um erro tremendo aquela visita. Queria sair dali mas faltavam-lhe as palavras e as forças para se pôr de pé. Parecia paralisado. Mais uma vez tacteou a Walter e, no bolso esquerdo das calças, a enorme lanterna com punho de borracha.
- Que se passa, Lourenço? Deita! - insistia ela, quase num sussurro.

Ele não disse nada, apenas a afagou docemente através do lençol. Continuava de costas para ela e cada vez mais tenso, como que encurralado. Nem debaixo de fogo, pensou. Após novo silêncio que pareceu uma eternidade e eis que, do exterior, chega um restolhar abafado, hesitante mas próximo, logo interrompido pelo silêncio absoluto. Alerta, mas já a duvidar dos seus ouvidos face à enorme tensão, o alferes aguardou e tentou relaxar. Longa espera, pareceu-lhe. De novo o restolhar junto à parede, em chão de capim seco.

Percebiam-se cautelas experimentadas. O alferes crispou-se e todos os seus sensores passaram a um estado de alerta tal, que lhe pareceu possível ver o que apenas estava a ouvir e, sentir até, a vibração cardíaca do intruso, tal como sentia a sua. É o capitão!, - pensou. Grande filho da puta! Não imaginava que chegasse tão longe a sua audácia e a sua loucura. Vem à procura de uma tragédia e, se calhar, vai tê-la, o energúmeno!

Aos poucos, os sons quase imperceptíveis, vinham nitidamente por debaixo da pequena janela. Com o máximo cuidado deslizou na borda da cama e chegou-se para a cabeceira, para ficar fora do alcance da janela, mas mantendo sempre os olhos fixos nela. Depois segredou aos ouvidos da Binta:
- Está alguém do lado de fora a espiar. Silêncio absoluto!

Ela estava a dormir, ou quase, e levantou ligeiramente a cabeça, mas ele fez-lha deitar novamente. Entretanto, uma silhueta começava a surgir muito lentamente na janela, da esquerda para a direita, com um recorte nítido na contraluz e que, para espanto do alferes, deixou perceber que se tratava, afinal, de um africano ainda jovem. O Mamadu não era, de certeza, pensou. Embora nunca o tivesse visto. Confundido mas atento, viu a cabeça rodar e encostar-se de frente à rede da janela, tentando lobrigar para o interior escuro do quarto.

Sentiu ganas de, num golpe rápido, lhe dar uma coronhada violenta na cara que o prostrasse. Mas conteve-se, com receio de falhar e ser dado o alarme. Aguentou imóvel tentando adaptar-se à ideia de que tinha um grave problema pela frente. Ainda avaliou a hipótese de dar a volta à morança e surpreender o intruso. Mas depois? Dava-lhe um tiro? E se fosse mais que um? Matava-os todos?

Entretanto a silhueta abandonara a janela sem qualquer ruído. Depois, talvez, de uns dez minutos insuportáveis, soam na porta de zinco três pancadas aparentemente normais. A Binta, num sobressalto, saltou da cama só com o lençol a embrulhá-la e foi abrir. Na ombreira da porta iniciou-se um diálogo completamente estranho aos ouvidos do alferes que, de onde estava, ouvia mas não via nem podia ser visto. Relaxou um pouco quando, uma vez ou outra, ouviu rir a Binta mas, retesou-se até à asfixia, quando os ouviu discutir acaloradamente no silêncio da noite, sem saber se ela estava, ou não, a negar a sua presença ali.

Com a pistola na mão direita e a lanterna na outra, levantou-se no escuro e abriu as pernas para se estabilizar, virou-se para a entrada e, pronto para o pior, rodou a patilha de segurança. Num momento mais exaltado da discussão à porta, descontrolou-se e acendeu inadvertidamente a lanterna. Apagou-a rápido mas, se o intruso até ali tinha dúvidas, agora só podia ter certezas.

Terminada a conversa, a Binta fechou a porta com força e correu para dentro dizendo aflita:
- Lourenço! Tens que ir embora! Espera dez minutos e foge rápido até ao quartel! É o meu primo que quer apanhar-te!

Ora, isto só enervou ainda mais o alferes, pois nunca a tinha visto assim, ela que era só facilidades e de um optimismo inabalável. A tudo dizia “não tem problema”...
O alferes abriu a porta e olhou para o trilho que levava ao aquartelamento, bem definido na escuridão. No sossego da noite, perpassou-o uma estranha onda de tranquilidade, que o fez sair, sem correr, mas com passo seguro e decidido. Não porque o aquartelamento era já ali, mas porque estava preparado para tudo, pensava ele. Ainda disse: “Adeus, Binta!”. Ela ficou a vê-lo afastar-se, no aro da porta, como um anjo branco.

Não tinha dado uma dúzia de passos e eis que, do escuro entre as palhotas, surgem três vultos que lhe barraram a passagem, sem uma palavra, aparentemente desarmados, mas resolutos. Afinal, eram adolescentes, embora dois deles quase homens feitos. O mais novo avançou um passo e recuou logo, espantado.
- Alferes Lourenço?!!!

O alferes, que não largara a pistola e agora lha apontava, percebeu que, afinal, eles não sabiam quem estivera com a Binta, logo, aquilo não lhe era dirigido a si especificamente. Mas isso não o tranquilizou. De novo voltou ao estado de tensão máxima, crispado. As pernas vacilaram-lhe quando disse:
- Ninguém se mexe! Vou sair daqui e o primeiro que se mexer, leva um tiro!

Pela primeira vez em toda a sua vida estava na iminência de ter mesmo de matar à queima-roupa. Com a comissão a chegar ao fim, tão perpassada de situações de grande perigo e nada se comparava ao que lhe estava a acontecer. Se os matasse, ficaria à mercê da fúria dos nativos ou, na melhor das hipóteses, sujeito às leis militares. Ficaria desgraçado.
Os rapazes não pareciam nada intimidados e são arrogantes por natureza, ele sabia-o. Excepto o mais novo, ostentavam mesmo um ar de desafio. Mas não eram eles que assustavam o alferes Loureço, mas sim o que iriam, de certeza, desencadear, obrigando-o a defender-se a tiro. Isto era o que mais o assustava. Tinha que se decidir. Enfiou o cano da Walter na barriga do mais novo, próximo de si, e começou a contorná-los dizendo:
- Mexes e disparo!

Começou a recuar na direcção do aquartelamento, devagar e sempre a apontar a arma. Eles viraram-se para não o perderem de vista, mas sem saírem do lugar. A tensão era brutal. Para piorar, ouviu espantado a voz da Binta gritar:
- Foge, Lourenço! Foge rápido! Rápido, rápido!

O alferes olhou para a casa onde estivera e viu-a toda nua, ainda na porta, sacudindo com fúria o lençol branco, como se o pudesse enxotar para a segurança de um porto seguro. As pernas do alferes começaram a tremer, estava no instante decisivo: tinha que reagir rapidamente ou desfalecia. Sentindo que estava a uma distância suficiente deles, uma dúzia de metros, virou-se bruscamente e começou a correr para o aquartelamento, percebendo que nesse instante começavam, também eles, a correr para o interior da tabanca, aos berros e batendo com fragor nas portas de zinco das palhotas:
- Traz G3! Traz G3!

Ainda sem estar a salvo, mas já quase a entrar no aquartelamento, que dormia, o alferes fazia um esforço titânico para correr, mas as pernas não lhe obedeciam e, por momentos, pareceu-lhe que tinha regressado aos pesadelos de criança em que, fugindo dos monstros, as pernas, embora frenéticas, não o faziam sair do lugar, deixando-o a vogar. Com esta pequena distracção o alferes estatelou-se ao comprido no chão irregular. Mas isto fê-lo despertar e deu-se então conta, ao levantar-se a custo, de que tinha caído em cima da pistola que lhe esfacelou o peito contra as costelas. Tinha a camisa empapada de sangue mas não sentia nada. Começou a andar, coxeando, e olhou para a mão direita que também sangrava, agarrando ainda a pistola. O dedo no gatilho todo esfolado. Virou-se para a tabanca, mas já não havia correrias e berros. Só silêncio. Parecia que alguém, autoridade suprema, pusera subitamente a recato, aqueles jovens estouvados e perturbadores da noite.

Ali, no aquartelamento, tudo dormia. Tudo parecia apaziguado. Teria o capitão dado conta do incidente, estando agora a observá-lo? Achou que não. Se alguém se apercebeu de alguma coisa, foram as suas sentinelas nos postos, rapazes da sua confiança. Decidiu sentar-se num lugar recôndito e mais escuro para recuperar a respiração, antes de se dirigir ao quarto sem ser notado. Amanhã lavar-se-ia e fingiria uma indisposição para passar o dia de folga na cama. Meditou e adormeceu sentado, por instantes, ainda com a pistola na mão.

*****

Era um fim de tarde magnífico e o pessoal vinha com óptima disposição. Tinha sido mais um dia rotineiro passado no mato, sem sobressaltos, para fazer protecção a uma coluna. Depois de muitos quilómetros apeados e a fazer picagem, para lá, vinham agora prazenteiros em dois Unimog´s de regresso à base. No Unimog da frente, de pé para amortecer solavancos e ao lado do condutor, como era habitual, o alferes Lourenço segurava-se ao pára-brisas com a mão esquerda e, na outra, segurava a G3. Estavam quase a chegar e, lá adiante, já se via o grande poilão como referência da tranquilidade e da segurança da zona. Mais à direita, lá ao fundo, também já era possível ver as manchas brancas do casario do aquartelamento, através da mata de grandes árvores mas espaçadas.

De súbito soa um tiro - de certeza de G3 -, do lado direito da mata, e o alferes, com o nariz a arder, berra para o condutor:
- Pára! Pára essa merda!

A travagem brusca quase provocou o choque do Unimog de trás e a projecção dos homens para cima dos condutores. Antes de o Unimog do alferes parar, já ele ia num salto para o chão em atitude defensiva, mas não houve mais nenhum disparo. Sentiu um grande ardor na base do nariz e no lábio superior e levou a mão à cara para se certificar se tinha sangue. Não, mas estava queimado de certeza. Pensou, em fracção de segundos: como fora possível, à velocidade a que vinham, aos saltos no Unimog, quase ser atingido na cabeça? Tudo isto ocorreu num ápice, pois mal chegou ao chão e vendo que parte do pessoal saltara também, entrou a correr na mata e fez várias rajadas curtas. Depois, virando-se para trás, disse ao furriel Paulo:
- Vais aí pela direita, eu vou pelo meio e tu – apontou para o 1.º Cabo Cardoso - vais pela minha esquerda. Rápido! Vamos fazer uma batida, que o gajo não pode estar longe.

Antes, virou-se para o furriel José Nunes e mandou-o continuar com as viaturas e o resto do pessoal para o aquartelamento. Enquanto seguiam em passo de corrida pela mata de chão quase limpo, com uns aglomerados esparsos de arbustos e um ou outro baga-a-baga, o alferes pensou, pela primeira vez, quem poderia ter sido o atirador furtivo que, sem dúvida, o tentara alvejar, e porquê. De repente fez-se luz na sua cabeça: Mamadu! Só podia ser. Subiu-lhe uma raiva das entranhas e parou, chamando pelos outros com a mão. Disse, falando baixo e por gestos:
- Tomem atenção! A ordem é: capturar o gajo, ou matá-lo! Não se afastem demasiado e tomem como referência o aquartelamento à esquerda. Vamo-nos manter sempre à vista. Olhos bem abertos!

Caminhavam agora com mais cautelas, mas já se estavam a afastar muito e o alferes começou a impacientar-se. Parou a olhar para trás, para o lado da picada, e concluiu que o tiro não podia ter sido disparado de tão longe. Crispou-se. O atirador tinha de estar por ali oculto, até porque, à esquerda e já não visível era o aquartelamento e, em frente, já se via a bolanha, onde o fulano não arriscaria entrar por ficar exposto.

De repente, soam dois tiros vindos da orla da mata com a bolanha, cortando-lhe o raciocínio. Instintivamente, o alferes saltou para trás da árvore que estava mesmo ao seu lado, mas ainda a tempo de ver um vulto agachado a mudar de posição lá à frente. Berrou:
- Está ali, o gajo! Cuidado! Está atrás do baga-a-baga em frente.

Enquanto o furriel e o 1.º Cabo se levantavam do chão, ele avançou vários metros ocultando-se de árvore em árvore. Sentiu que todo ele se eriçava num instinto felino. Teve o impulso de correr até ao baga-a-baga e contorná-lo despejando o carregador da G3, mas dominou-se e, enquanto avançava, começou a incitar a presa.
- Sei que estás aí, turra! Não tens hipóteses, filho da puta!

Viu surgir o cano da G3 do lado direito do abrigo e atirou-se para o chão no instante em que soou novo tiro. Pensou: o gajo não tem saída, mas é perigoso. Vou provocá-lo continuamente até chegar ao baga-a-baga e, ao expor-se, é abatido pelo furriel ou pelo 1.º cabo. Fez-lhes entender por gestos o que pretendia e avançou.
- Nharro de merda! Deita a arma para longe e sai daí que não te acontece nada, nharro!

Estava-se a ficar num impasse e perigosamente próximos do abrigo do atirador. O furriel e o cabo, cada um de seu lado, estavam quase no alinhamento do baga-a-baga, prontos a disparar se ele se expusesse. Mudou de estratégia, o alferes: chegou-se mais para o lado do furriel até se fazer ouvir e disse:
- Passas tu a espevitá-lo para o distrair. Não pares, que é para ele não dar pela minha aproximação. Vou até lá e mando-lhe uma bojarda. Está atento e deita-te porque vai haver merda. Mas mantém-no na mira.

Soou novo tiro, mas agora na direcção do furriel que começara a provocá-lo. Parecia estar a ficar nervoso. O alferes aproveitou a brusca ocorrência e, em três saltos, estava colado ao baga-a-baga. Puxou o porta-granadas do cinturão, retirou uma granada defensiva e, a seguir, levantou o braço mostrando-a ao cabo, acenando-lhe para que se deitasse. Virou-se para o lado oposto, para o furriel, mas percebeu que ele vira o sinal já feito ao 1.º Cabo. Sossegou uns segundos e respirou fundo. Encostou-se de lado na parede rugosa daquele colosso de terra, esticou os braços para baixo e descavilhou a granada, silenciosamente. Ergueu os olhos para o topo e avaliou a força a imprimir ao arremesso. E lançou a granada para o outro lado, num arco premeditadamente lento.

Quase se surpreendeu com o fragor modesto da explosão. Rápido, sacudiu-se de terras e poeiras e contornou o baga-a-baga de arma apontada. Teve um choque que o deixou estarrecido. Gritou:
- Capitão!!! Capitão filho da puta que me desgraçaste a vida! Fodeste-me a vida, capitão!

O capitão estava um pouco à frente do baga-a-baga. Deve ter tentado chutar a granada. Deitado de costas, sem um ai, tinha os olhos muito abertos fixados no alferes, metade da cara esfacelada e o camuflado empapado de sangue no peito.

Entretanto surgiram o furriel e o cabo que, atónitos e mudos, recuaram uns passos. O capitão parecia que ia dizer qualquer coisa, teve um vómito de sangue e a cabeça tombou-lhe para o lado com os olhos abertos.

O alferes, que não parara de praguejar, descontrolou-se e, com um profundo lamento, deitou a G3 ao chão e desatou a correr internando-se na mata profunda, longe da bolanha.

*****

Apesar da frescura da tarde, quase no fim, ali dentro abafava-se. E o ambiente de odores e conversa fiada dos circunstantes, que ocupavam quase todos os assentos de lona, só piorava a situação. De que é que estarão à espera? Impacientava-se o alferes Lourenço.

Finalmente, um dos motores, o do lado direito, arrancou e pôs aquela geringonça toda a oscilar e a torcer-se, parecendo que se ia desconjuntar a todo o instante. Mas com o arranque do motor esquerdo e após ter atingido as rotações normais, tudo se equilibrou numa vibração miudinha. As conversas, interrompidas por instantes, retomaram a senda mas num tom mais alto devido ao barulho dos motores. Sentiu-se um pequeno estremeção do monstro e, lentamente começou a rolar na pista, ganhando velocidade aos saltos como numa picada. Depois, pela suavidade que sobreveio, percebeu-se que já se elevara nos ares.

Tudo começou a ficar para trás. Até o futuro. O alferes Lourenço olhou de esguelha para os fundos da cauda do Nord Atlas e fixou-se no caixão, no meio de outros caixotes, presos com cintas ao bojo do avião. Pensou: “Tinhas razão, grande sacana! Ambos não acabámos a comissão!”.

© António Murta
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Nota o editor

Último poste da série de 1 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13965: Conto breve (António Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513) (1): Pesadelo