sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15388: Álbum fotográfico de Alfredo Reis (ex-alf mil, CART 1690, Geba, 1967/69) (3): O que é um homem precisava no mato, num miserável destacamento como o de Banjara, em 1967 ?



Foto nº 1 >  A "lavandaria" de Banjara... O detergente OMO eras um bem de primeira necessidade


 Foto nº 2 > Com acúcar, com afeto...



Foto nº 3 > Fósforos e cigarros: outros dois produtos de primeiríssima necessidade no mato...


Foto nº 4 >  Só havia 3 camas e 3 colchões (!)  para as praças do pelotão. o cmdt,  alferes Alfredo Reis, aqui
à entrada de um abrigo...



Foto nº 5 > Inventário das munições existentes no destacamento de Banjara, em 5 de junho de 1967... 7900 cartuchos de 7,9 m/m (para Mauser, usada pela milícia) e 4000 cartuchos de 7,62 m/m (para a G3)... Em caso de ataque, os defensores teriam mesmo que poupar as munições... As munições de G3, a divirdir, por 30 homens, davam para 6 carregadores (de 20)... O ataque a um destacamento como este, à noite, isolado, sem possibilidades de socorro, podia dura 1, 2, 3 horas...



Foto nº 6 > Requisção de material, com data de 9/VI/67:

fósforos, 
palha de aço, 
camisas para petromax de 150 velas, 
torcida e vidro (?) para o frigorífico, 
pregos (...), 
aerogramas, 
selos, 
12 esferográficas (uma vermelha e as outras azuis), 
bloco de cartas, 
OMO e sabão, 
uma garrafa de whisky,  
Sumol ou outros sumos, 
camas e colchões para as praças (só havia 3...), 
500 tijolos (...), 
cabeça para a máquina a petróleo (...),
3 jogos de talheres,  
12 pratos de alumínio, 
1 barril de vinho, 
latas de cerveja 
e 100 gramas de piri-piri... 

Nota final: "Agradecemos o envio dos artigos requisitados e os preços dos que têm de ser pagos por nós".



Guiné > Zona leste > Geba > CART 1690 (1967/69) >  Destacamento de Banjara c. 1967


Fotos: © Alfredo Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG] (*)



Dois antigos alferes da CART 1690: Alfredo Reis (à esquerda)
e Domingos Maçariço (à direita). 24 de julho de 2010:
recordando, 42 anos depois, o ataque ao destacamento de
Banjara. Foto: Alfredo Reis (2010)
1. As fotos (acima. numeradadas de 1 a 6) são do álbum do ex-alf mil Alfredo Reis que, tal como o A. Marques Lopes, pertenceu à CART 1690. juntamente com o António Moreira e o Domingos Maçarico, todos  eles membros da nossa Tabanca Grande.

O Alfredo Reis é veterinário, reformado, vivendo em Santarém.    A seleção, a legendagem e a organização temática do álbum (cerac de 170 fotos) são do A. Marques Lopes. (*)

 Além da sede (Geba), o Alfredo Reis esteve nos vários destacamentos da CART 1690, alguns dos quais, como Banjara e Cantacunda, eram os piores "buracos" do CTIG na época. 

Os destacamentos não tinham luz eléctrica e as condições de segurança eram precárias. Banjara (a noreste, mais próximo de Mansabá) e Cantacunda (a norte) eram os destacamentos mais distante: ficavam a 45 km e 50 km, respetivamente, da sede da companhia, que era em Geba...

Banjara não tinha população civil (apenas milícia em reforço...) e estava cercada por mata densa; era defendida nesta época por um pelotão, 30 efectivos (, podendo ser reforçado); a um quilómetro havia uma fonte onde, alternadamente, os NT e o PAIGC se iam fornecer de água. Às vezes, encontravam-se… Mas havia uma fuga concertada dos dois lados, sem tiroteio. (**)

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Notas do editor:

(*) Postes anteriores da série:

15 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15371: Álbum fotográfico de Alfredo Reis (ex-alf mil, CART 1690, Geba, 1967/69) (1): Eu e o meu pelotão em Cantacunda (Parte I)

19 de novembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15386: Álbum fotográfico de Alfredo Reis (ex-alf mil, CART 1690, Geba, 1967/69) (2): A visita, à sede da companhia, do Conjunto Académico João Paulo, em 24 de agosto de 1968



(...) «Banjara fica situada a cerca de 40 Km de Geba e a cerca de 20 Km de Mansabá, na estrada Bissau/Bafatá. Fica no coração da mata do Oio, e teve, antes da guerra colonial, uma unidade industrial de serração de madeiras. (...)

(...) Banjara gozava da fama, e do proveito, de ser o segundo pior destacamento da Guiné, a seguir a Beli, na zona de Madina do Boé. Não apenas pelos ataques mas, sobretudo, pelo perigo que representava, por estar muito isolado da Companhia, e por estar cercado por uma cintura de destacamentos IN, que vigiavam de fora do arame farpado e do alto das gigantescas árvores que o envolviam todos os movimentos da nossa tropa [tinha Sinchã Jobel do lado sul e Samba Culo do lado norte].

O destacamento era constituído por uma caserna, quatro abrigos subterrâneos e um posto de comando, que era uma casa abarracada, sem portas nem janelas, por onde os sardões e as cobras vagueavam livremente, sem nenhum obstáculo que lhes barrasse a passagem, a não ser a presença humana. Tinha ainda outros abrigos à superfície. A envolver este destacamento, que no essencial era uma clareira circular com cerca de mil metros de diâmetro, duas fiadas de arame farpado paralelas e em círculo. O capim era necessário cortá-lo de dois em dois meses, para evitar a aproximação camuflada do IN. As casas de banho, como é de calcular, eram a céu aberto.

A guarnição deste destacamento, comandado por um alferes, variava entre 60 a 80 homens, normalmente (houve alturas em que tinha só um pelotão), bem armados e disciplinados, capazes de aguentar debaixo de fogo uma boas dezenas de horas. O seu comando era rotativo (...).

(..:) O dia, em Banjara, iniciava-se naqueles anos (1967/1968), por volta das 18 horas. A essa hora o Comandante mandava distribuir a 3ª refeição, e as sentinelas avançadas ocupavam os seus postos. Toda a gente vestia então o seu camuflado, calçava as botas e recarregava as armas. Não é que de dia estivessem todos a dormir, mas durante a noite entrava-se em alerta máximo. Durante a noite era rigorosamente proibido acender luzes, fazer fogo e fumar à vista desarmada para não denunciar a presença e a localização de ninguém.


Tomada a 3ª refeição e colocadas as sentinelas, que eram sempre dobradas, iniciava-se toda uma série de rondas de posto a posto, podendo os soldados que estavam de folga, e só nos abrigos subterrâneos, jogar cartas, conviver e confraternizar, pôr a correspondência em dia, etc.  (...)

Durante a noite, de vez em quando, uma sentinela nossa dava um tiro, à aproximação do arame farpado de um macaco ou qualquer outro bicho (podia não ser...). Logo todos corriam para as armas pesadas e, normalmente, o IN respondia com dois tiros ao longe. Então a nossa sentinela, aquela ou outra, respondia passado algum tempo com três tiros. A seguir a resposta de novo do IN, então com 4 tiros. Era um jogo macabro, que nos mantinha constantementevivos e despertos.

O dia amanhecia, então, e, pelas 7 da manhã, iniciava-se a distribuição da 1ª refeição. As horas mortas do pessoal eram gastas, durante o dia, à caça, quando isso era possível e o capim estava seco e caído no chão, a jogar cartas, pôr a correspondência em dia e jogar futebol. O jogo de futebol era normalmente diário, mas sempre a horas diferentes, para não se cair na rotina, e sempre com os abrigos guarnecidos de atiradores.

Terminada a 1ª refeição iniciavam-se os trabalhos de rotina, para o que o efectivo estava dividido em 4 grupos, cada um deles composto por 15 ou 20 homens, comandados por um sargento.Um grupo estava de serviço à água e à lenha para as refeições. Os banhos eram tomados na bolanha a um quilómetro do arame farpado, e sempre com 10 ou 12 homens armados em vigia. Outro dos grupos era o piquete que realizava, normalmente, uma patrulha de reconhecimento nas imediações do aquartelamento. O terceiro grupo estava de prevenção rigorosa e o quarto estava de folga.

Este destacamento tinha apenas uma coluna de reabastecimento por mês, no máximo, mas chegava a estar mais de 2 meses sem alimentos frescos e sem correio. Não havia população civil, apenas militares.(..:)

(...) [Em Outubro de 1969, quando a CART1690 saíu de Geba, a CCAÇ2406, que estava
em Mansabá, colocou um pelotão em Banjara. No entanto, saíu de lá em Janeiro
de 1970, sendo o destacamento desactivado] (...)

Guiné 63/74 - P15387: Notas de leitura (777): “O Mundo Português”, revista de cultura e propaganda, editada pela Agência Geral das Colónias em conjunto com o Secretariado da Propaganda Nacional em Abril de 1936, um número dedicado à Guiné (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Fevereiro de 2015:

Queridos amigos,
Lá diz a consigna "a sorte favorece os audazes", mal entrei na Feira da Ladra em dia de chuvisco e bruma, e num dos passeios que circundam S. Vicente alguém vendia a granel um conjunto de números de uma revista que fez época.
Este número de Abril de 1936 era exclusivamente dedicado à Guiné, bem ilustrado, com belas fotografias, com expressivos subsídios para uma bibliografia da Guiné. Escolhi alguns parágrafos avulsos que me pareceram esclarecedores do que era o sentido da nossa "ação civilizadora", de como se amava o Império, como se mostravam os seus heróis, se fazia etnologia e etnografia rudimentares, contos como Artur Augusto Silva aqui publicou.
É impossível deixar de ler esta revista se se quer conhecer a ideologia do Estado Novo face ao Império naquele tempo em que eclodia em Espanha uma guerra civil.

Um abraço do
Mário


Um olhar sobre a Guiné, 1936

Beja Santos

“O Mundo Português”, revista de cultura e propaganda, editada pela Agência Geral das Colónias em conjunto com o Secretariado da Propaganda Nacional, publicou em Abril de 1936 um número exclusivamente dedicado à Guiné. Se acaso pretendêssemos ter acesso a uma comunicação reveladora do que era o sentido civilizacional do Estado Novo à data, os textos a que se fará referência mostram-se esclarecedores, registam o pensamento ideológico da época em toda a sua extensão.

Logo o artigo “Gente negra, corações vermelhos”, de autoria do coronel Leite de Magalhães. Abre assim: “Negros! Porque Deus os fez assim, diferentes de nós em cor, há quem viva entocado na crença de que naqueles peitos só se formaram corações e almas de timbre inferior. Na dúzia e meia de anos em que andei caboucando, apaixonadamente, por esse ultramar além, quantas vezes me feriu os ouvidos, num grito raivoso, a apóstrofe depreciativa ‘eh, cão negro’ cuspida sobre um pobre diabo que se encobria de pavor e humildade…”. E exalta as grandes qualidades dos Mandingas: “Foi na Guiné, em 1897. Sob o comando do alferes Graça Falcão, organiza-se uma coluna em Farim para castigar os rebeldes do Oio. Era porta-bandeira da coluna um chefe Mandinga: Limani Injai. No dia 29 de Março, um tiroteio infernal rompe da floresta alvejando a coluna. Soldados e irregulares Mandingas batem-se como leões. Caem mortos o tenente António Caetano e o alferes Luiz António. E no mesmo campo morre também heroicamente o grande chefe Mandinga Quecuta Mané. Três sargentos e mais catorze cabos vão caindo sucessivamente. Limani Injai, orgulhoso do troféu que lhe fora confiado, erguia-o a toda a altura do seu braço robusto e agitava-o intrepidamente, numa provocação ao inimigo. De súbito, oscila e cai. O sangue, em borbotões, jorrava de uma ferida. Mas lembra-se da bandeira, grita para que lhe acudam. Cai de novo, em novo arranco ergue-se sobre as pernas, e de bandeira alçada, a plenos pulmões, lança um apelo de socorro. Um soldado aproximou-se e Limani Injai ao vê-lo aponta-lhe a bandeira caída murmurando: leva-a. E expirou. Qual será o povo capaz de citar ao mundo um caso de amor semelhante?”.

Hugo Rocha escreve sobre Mamadu Sissé, régulo e tenente de segunda linha, figura de destaque da I Exposição Colonial, que se realizou no Porto em 1934. A sua fama era tão grande que o Alcaide de Vigo exigiu vir à exposição pôr-lhe no peito uma condecoração. E ao autor explana sobre a bravura deste chefe Mandinga: “Durante dois anos, Mamadu Sissé serviu às ordens do Tenente-Coronel António Maria. Constara que um aeroplano francês descera na região de Jefunco. Os Felupes alvoraçaram-se, deflagrou uma revolta. Entretanto, saiu de Suzana uma coluna comandada pelo Capitão Jorge Velez Caroço. Os Felupes, em número de 1500, atacaram numa lala. Vieram reforços com Mamadu Sissé à frente, e a seguir repeliram os rebeldes, mas o corpo de Mamadu ficou marcado por cinco golpes de azagaia. Teve comportamento notável na campanha do Oio, em 1908, contra os régulos Bonco Sanhá e Infali Soncó e contra os Papéis de Bissau. Em 1913, bateu-se contra os Balantas de Mansoa”. Descreve mais e mais façanhas, e o artigo termina assim: “Estimado pelos brancos, Mamadu Sissé é um preto feliz. Passou o tempo das guerras, é certo. Não há, já, Felupes ou Manjacos rebeldes para subjugar. Todavia, se lhe requisitarem o braço prestigioso, que tem fama nas terras da Guiné, Mamadu não recusará”.

Maria Archer, à época com notoriedade no campo da escrita, deixa-nos o seu depoimento sobre a Guiné em 1917, chegou a Bolama ao amanhecer de um dia brumoso e descreve a cidade como muito pobre e triste, o palácio não passava de um barracão acaçapado, deselegante. Meses depois foi viver para Bissau, e é bem curiosa a descrição que nos deixa: “Quando cheguei a Bissau pouco tempo havia que a cidade fora desaperreada do seu espartilho de muros. Só na fortaleza persistia o aparato bélico. Todas as noites se ouviam os berros das sentinelas. Os extremos das ruas, após a derruba dos muros, escancaravam-se sobre a selva. Bissau ainda não criara arrabaldes. Conservava o seu aspeto de presídio, de guarita militar atalaiando o resgate das mercadorias. Nessa época tinha apenas duas ruas, longas, mal calçadas. A ponte de cimento, obra rica, construíra-se, mas mantinha-se inacabada. Havia boas casas, empilhadas. Torturada nos seus muros, Bissau estrangulara-se. Seu aspeto era horrível (…) Teixeira Pinto, o grande capitão africano, batera os Papéis, as muralhas de Bissau já não apertavam a cidade na gargalheira do ergástulo, mas ainda se não iniciara a construção de novos edifícios. Brancos e indígenas viviam amontoados. Os pretos dormiam às dúzias em quartos alugados, noite e dia abertos sobre as ruas. As mestiças pobres viviam em promiscuidade e cozinhavam na calçada. Contava-se como certo que as onças se aventuravam até à cidade, a horas mortas, e que algumas, mais ousadas, roubavam crianças dos quartos cheios de gente adormecida. Ninguém se atrevia a passear no mato. Os Papéis continuavam a infundir terror. Espairecer até ao Alto de Intim era façanha só acessível a ânimos intemeratos. Não havia estradas. A penetração da selva fazia-se pelos rios e canais. Os viajantes chegados do interior raras vezes contavam seus espaços sobre terreno. Eram sempre histórias de viagens sobre a água, rios doces, rios salgados, encalhes no lodo e no mangal, riscos com hipopótamos e crocodilos. Sai da Guiné. Corri as sete partidas do mundo. Coisa alguma esbateu na minha memória essa região exuberante, que não compreendi – e me maravilhou. Taça fervilhante de raças inimigas, de religiões que se combatem, de povos que se medem. Terra fértil, apojada de selva, desentranhada em frutos. Clima tropical, pródigo de malefícios. Sol, água, seiva, gentes – em transbordamentos”.

Um número de revista fértil em histórias e discursos. E tem fotografias prodigiosas, acreditem, vou digitalizá-las para o vosso juízo. A bibliografia da Guiné é igualmente boa, quem a estuda encontrará surpresas. E não resisto a deixar-vos aqui igualmente desenhos de modernistas que aqui buscavam o seu ganha-pão, caso de Bernardo Marques e de Stuart.




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Nota do editor

Último poste da série de 16 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15373: Notas de leitura (776): Reler Álvaro Guerra: “O Capitão Nemo e Eu” (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15386: Álbum fotográfico de Alfredo Reis (ex-alf mil, CART 1690, Geba, 1967/69) (2): A visita, à sede da companhia, do Conjunto Académico João Paulo, em 24 de agosto de 1968



Foto nº 1 > Ao centro, um dos elementos do conjunto João Paulo, fardado, com o posto de alferes, dando autógrafos... Seria  o viocalista,  Sérgio Borges ?


Foto nº 2 > O João Paulo Agrela, ao centro, o fundador do grupo, Está fardado, e era furriel (. Morreu em 23/4/2007)



Foto nº 3 > Foto do grupo com militares da CART 1690 

Foto nº 4 > João Paulo (ou Sérgio Borges ?) ao centro, e à sua dois alferes da CART 1690  (um deles, à civil, o Alfredo Reis) e o 1º sargento



Foto nº 5 > Não sabemos quem é levado em ombros. Presume-se que seja um dos elementos do grupo, talvez o vocalista Sérgio Borges (1943-2011) ou então um dos alfgeres da CART 1690. Só o Alfredo Reis poderá esclarecer... De qualquer modo, foi um dia diferente, foi um dia de festa em Geba, o 24 de agosto de 1968...


Guiné > Zona leste > Geba > CART 1690 > 24 de agosto de 1968 > O conjunto musical João Paulo em digressão pela Guiné... Tal como no caso de  outros artistas populares na época, como a Florbela Queiroz, a digressão à  Guiné do Conjunto Académico João Paulo
era uma  iniciativa do Movimento Nacional Feminino (MNF). Este  conjunto fez digressões também por Angola e Moçambique,  durante a guerra colonial, além de países estrangeiros como os EUA. (Por exemplo, um ano depois, estavam em Moçambique a atuar para o BART 2838, 1968/70).

Foram fundadores do grupo, madeirense, pioneiro da música "rock" em Portugal (a par de Os Sheiks, Os Conchas, Chinchilas, Duo Ouro Negro, Quarteto 1111 e Demónios Negros, entre outros) os seguintes elementos:   João Paulo Agrela (1942-2007) (teclas), Carlos Alberto Gomes (guitarra), Rui Brazão (guitarra ritmo), Ângelo Moura (baixo), José Gualberto (bateria, falecido em 2004) e Sérgio Borges (1943-2011) (vocalista).  Não sabemos se todos estes participaram nesta digressão à Guiné, em 1968 ou se estavam na altura a cumprir o serviço militar na Guiné... Três ou quatro elementos do grupo passaram pelo EPI (Mafra), onde fizeram a recruta, no turno de setembro de 1966... Como se vê, dois anos depois  ainda estavam na tropa... Do tempo de Mafra, ficou a canção (pouco conhecida) O Salto (disponível no You Tube).

Fotos: © Alfredo Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG] (*)



Fotograma do vídeo (2' 43''), disponível no You Tube, com a composição O Salto, de 1966, retrato algo cáustico da instrução que era dada na EPI, na famosa Máfrica, por onde passaram alguns dos elementos do Conjunto Académico João Paulo. A voz que se ouve, belíssima, era a do talentoso Sérgio Borges, já falecido. O vídeo utiliza, sem o citar, várias fotos do nosso blogue... Disponível aqui.





Comjunto Académico João Paulo > Os elementos do grupo fizeram, todos,  o serviço militar. Foto: Cortesia da página Sérgio Borges e o Conjunto Académio  João Paulo - Clube de Fâs


Não há indicação de data nem local... Mas a foto pode muito bem  ter sido tirada em 1968, em Bissau, junto ao palácio do governador geral. (Parece-nos descortinar ao fundo uma das paredes laterais do palácio)... Na foto veem-se os seis elementos do conjunto, de camuflado, prontos para partir para o mato (?), mais o alferes do QG que, muto provavelmente, fazia de relações públicas ou de elemento de contacto (?).


1. Foi assim que a agência Lusa deu a notícia da morte do João Paulo:

Morreu João Paulo Agrela, do Conjunto Académico João Paulo
Agência LUSA24 Abr, 2007, 18:33 

(Fonte: RTP, com a devida vénia)

O corpo do artista está em câmara ardente na igreja de Nossa Senhora de Fátima, da Cova da Piedade, e o funeral realiza-se quarta- feira, às 14:00, no cemitério do Feijó.


Capa de um LP com compilações do grupo. Foto:
Cortesia de Sérgio Borges e o Conjunto Académio
João Paulo - Clube de 
Fãs. O João Paulo é o primeiro da
da esquerda, de camisola vermelha,
O Conjunto Académico João Paulo, um dos mais populares grupos musicais portugueses dos anos 60, era constituído por João Paulo Agrela, Sérgio Borges (o vocalista), Carlos Alberto, Rui Moura e Gualberto, todos eles estudantes.

Antes da explosão do "rock" em Portugal, o Conjunto gravou versões de cantores de sucesso da altura como Adamo, Gilbert Bécaud e Charles Aznavour, mas são da sua autoria duas das canções que os tornaram mais conhecidos: "Hully Gully do Montanhês" e "Milena (a da Praia)".




O êxito do conjunto "impôs" a sua vinda da Madeira para Lisboa, onde o empresário Vasco Morgado o contratou para espectáculos no Teatro Monumental e a rádio emitia os seus trabalhos com regularidade.

A projecção do vocalista do grupo [, Sérgio Borges,], que iniciou uma carreira a solo, acabaria por determinar o fim da carreira do conjunto, que tinha tido uma participação no Festival RTP da Canção, em 1966, com «Nunca Direi Adeus».


A Valentim de Carvalho editou em 1993 alguns dos êxitos do grupo num CD intitulado "Os grandes  êxitos do Conjunto Académico João Paulo".  (**)


2. Sobre a história do Conjunto  Académico João Paulo, que era muito popular entre a nossa tropa, no nosso tempo,  ver ainda:



(ii) Sérgio Borges e o Conjunto Académico João Paulo - Clube de fãs

Um facto, desconhecido para muitos, é a revelação da Cecília Supico Pinto na sua biografia, escrita por Sílvia Espírito Santo ("Cecília Espírito Santo,o rosto do Movimento Nacional Feminino, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2008, pp. 144): foi ela que "conseguiu que os músicos do 'Conjunto João Paulo' cumprissem o serviço militar actuando no mato em digressões pelas 'províncias' ".

Ela sabia, de resto, da experiência norte-americana na II Guerra Mundial, da importância que tinham, sobre o moral das tropas em África,  as atividades de natureza lúdica, como os espetáculos musicais ao vivo, feitos por artistas em voga, vindos da metrópole.

Enfim, uma forma barata, para o MNF, de entreter a malta... Como é sabido, esta mulher podia tudo, tendo acesso direto e privilegiado a Salazar...


Dois antigos alferes da CART 1690: Alfredo Reis (à esquerda)
e Domingos Maçariço (à direita). 24 de julho de 2010:
recordando, 42 anos depois, o ataque ao destacamento de
 Banjara. Foto: Alfredo Reis (2010)
3. As fotos (acima. numeradadas de 1 a 4) são do álbum do ex-alf mil Alfredo Reis que, tal como o A. Marques Lopes, pertenceu à CART 1690. juntamente com o António Moreira e o Domingos Maçarico  (. Os quatro dão-nos a honra da sua presença à sombra do poilão da Tabanca Grande).

O Alfredo Reis é veterinário, reformado, vivendo em Santarém. Sabemos que não é muito fã da Net...

As fotos chegaram-nos por intermédio do A. Marques Lopes.  A seleção, a legendagem e a organização temática são dele, A. Marques Lopes. (*)

Nesta data, 24/8/1968, o A. Marques Lopes já não estava na CART 1690: depois de regressar da metróple, onde esteve em tratamento e convalescença de um ferimento em combate, foi colocado em Barro, na região do Cacheu, na CCAÇ 3.

Além da sede (Geba), o Alfredo Reis esteve nos destacamentos, alguns dos quais, como Banjara e Cantacunda, eram os piores "buracos" do CTIG na época. (LG)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 15 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15371: Álbum fotográfico de Alfredo Reis (ex-alf mil, CART 1690, Geba, 1967/69) (1): Eu e o meu pelotão em Cantacunda (Parte I)

(**)  "Os Grandes Êxitos do Conjunto Académico João Paulo", compilação, Vadeca / EMI 7-243-8-27483-2-8, 1993: Track listing:

1 Eu tão só (Et pourtant) | 2 Capri C'est Fini | 3 Ma Vie | 4 Se Mi Vuoi Lasciare

5 Hully Gully do Montanhês | 6 Se Piangi, Se Ridi | 7 Non Son Degno di Te

8 Milena, A da Praia | 9 Ciao | 10 Nunca Direi Adeus | 11 Stasera pago Io 12 | L'amour Est Bleu

13 Cosa Vuoi da Me | 14 Kilimandjaro | 15 Onde Vais Rio que Eu Canto | 16 Canção de madrugar

17 Corre Niña

Guiné 63/74 - P15385: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXII Parte): Outros horários; Contas com os fornecedores; Um mês e meio para o fim; Um Folgado no QG e VAT 69

1. Parte XXII de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 18 de Novembro de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XXII

1 - Outros horários 

Em frente às vivendas, meia dúzia de escadas acima, ficava a messe dos oficiais do QG, um edifício também só de um piso, sobre o comprido. À entrada, à esquerda, um pequeno bar, bem fornecido, uísques de todas as marcas, Drambuie e outros licores, Gordon’s, chocolates, tudo o que se podia encontrar de melhor. Os lavabos em frente, urinóis em fila e nos cantos, os espelhos do costume, tudo bem limpo logo pela manhã. A sala das refeições era um salão comprido que dava para muita gente e também para alguns que, nas várias repartições do QG, davam o melhor do seu esforço para que nada faltasse às NT espalhadas pelo território. 
Foi lá que tomou o primeiro pequeno-almoço, ainda não eram 9 horas, depois de duas ou três de sono. 
Depois foi por ali fora, como se alguém o empurrasse, com o Capitão Valente e outros, por entre as palmeiras, no empedrado, relva bem tratada nos lados. 
Entrou no edifício do comando, o capitão à frente com vontade em mostra-lhe as instalações, aqui a secretaria, o 1.º sargento tal, os nossos cabos tal e tal, o 314, soldado amanuense, este gabinete passa a ser seu, os lavabos são aqui, o alferes a olhar para aquele barracão grande, zinco no telhado. Agora vamos à cantina, venha ver o seu pelouro. 
O meu capitão quer mesmo amarrar-me aos copos e às garrafas? 
Tem mesmo que ser, não tenho outra opção, isto não custa nada, a voz amigável do velho capitão, pingalim na mão. 

Por que é que tanta malta, aqui no QG, anda de pingalim, não vejo cavalos em lado nenhum!

Esta cantina está bem montada, tem tudo, quando aqui cheguei esta barraca estava a cair de podre, continuava o Capitão Valente. 
Que ar miserável, precário, como os abarracamentos cobertos a zinco que vira nas Lajes, do tempo da 2.ª Guerra, por fora cinzentos-escuros, por dentro muito mais acolhedores que esta frieza. Parecida com a messe de oficiais, onde tomara há pouco o pequeno-almoço, só nos extremos. 
Vamos, o capitão a mostrar tudo, a caminho outra vez do edifício do comando, tabuleta cá fora que o empreendedor capitão mandara o 314 pregar. 


Nasci no Ribatejo, sem pai ao lado, nunca soube quem foi o responsável, a minha mãe foi sempre de pouco falar, na hora em que morreu estava eu em Angola, andei descalço pelo Cartaxo, aos caídos, uma família de lá a quem devo o que sou, meteu-me na Casa Pia. Sou casapiano com muito orgulho, fui para a tropa e fiz a carreira. Tenho uma tertúlia de amigos no Cartaxo que de vez em quando me mandam uns garrafões dos melhores tintos daquelas redondezas. 
Meu capitão, o senhor está mesmo interessado em que eu tome conta das cantinas? 
Nosso alferes, quantas vezes já lhe disse que sim? 

Para não falar de outros, estava com um problema que ainda não tinha conseguido dar a volta. Não tinha sono às horas de agora, há meses que vivia com outros horários, não eram ao contrário destes, mas quase. Passava pelas brasas aí pela meia-noite, os companheiros de quarto a entrarem àquela hora, acordava, uma espertina contínua, as horas a andar para trás, nunca mais chegavam as 6 ou 7, então sim, um tiro, directo até à uma ou duas da tarde, o pessoal a regressar do serviço da manhã, então ainda de cama, não vens almoçar? Um banho, a caminho da messe, o Capitão Valente cá fora com os compagnons, como lhes chamava, ó nosso alferes, algum problema?

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2 - Contas com os fornecedores 

Começava o dia e o serviço sempre à mesma hora, mais minuto menos minuto. Era quase sempre o primeiro a entrar no edifício do comando da CCS a seguir ao almoço, muito antes do Capitão Valente, aliás quando entrava nunca via lá ninguém. 
Um dia, aí pelas duas da tarde, viu o capitão a entrar e a fazer um esforço danado para não arrotar, o bagaço ainda fresco em cima do almoço parecia tê-lo entupido. Amigavelmente perguntou-lhe se andava com algum problema, não satisfeito com a falta de resposta, voltou a perguntar com cara de pau, depois só com os olhos, o alferes calado a ler-lhe o pensamento, este gajo está mesmo a gozar comigo. Quando arriscou dizer-lhe que tinha dificuldade em dormir à noite arrependeu-se logo. O capitão engasgou-se com os arrotos e, aos soluços, saiu do gabinete a murmurar qualquer coisa como quero lá saber que não acorde a horas! 
Às 5 da tarde como o regulamento dizia, os sargentos, os cabos, o 314, o pessoal todo a sair, até amanhã, e ele ainda às voltas com as existências das cantinas, bares, fornecedores, até se fazer noite. 
Naquele final de dia, ao sair voltou a encontrar-se com o Capitão Valente, depois da cena a seguir ao almoço. 
Nosso alferes, você anda a irritar-me! Tenha paciência, faça um esforço, venha de manhã, isto não é um trabalho em part-time! Diga-me lá, o que lhe devo fazer, o que devo fazer para você entrar a horas? 
Eu, se fosse ao meu capitão mandava-me para a metrópole. Se não pudesse, despachava-me para o mato, um Catió qualquer serve. 
Ouça lá, alferes, você quantos anos tem, 24 ou 25, não? A gozar comigo! Ora olhe para mim, tenho idade para ser seu pai! Olhe para mim, porra, está na frente de um casapiano, sabe o que representa isso? Não sabe! 
Olhe, faça as liquidações aos fornecedores amanhã, à hora que lhe der na gana! À hora que lhe der na gana! 

Na manhã seguinte, eram para aí 7 horas quando passou os olhos pela última página do livro, impresso na Tipografia tal na Amadora aos tantos dias do mês tal e tal, a pé antes que se arrependesse, o chuveiro em cima e o companheiro de quarto a protestar com o barulho, que é que te está a dar, pá, que horas são? 
Porta fora, ar fresco, o pequeno-almoço como já não se lembrava, quando acabou estava a oficialada menos jovem a entrar, o Capitão Valente também, os olhos e os óculos arregalados para ele, pareceu-lhe. 
Bom dia, fresco como uma horta acabada de regar, a caminho do edifício do comando da CCS, a prometer um novo horário. 

O motorista não era como alguns guias no mato, conhecia as voltas todas dos fornecedores, começou por o levar à Ultramarina, parou o jeep e não é que quando põe o pé no chão vê a Teresa a bater com o portão, livros e cadernos na mão. 
A farda amarela de terylene dava muito nas vistas, já não deviam chegar a uma dúzia as que ainda andavam pela Guiné toda, há muito que se usavam as fardas verdes, dos periquitos como lhe chamavam agora. 
Para a frente, a outro fornecedor. Deu a volta até ao último, à Casa Gouveia, entrou, o empregado recebeu, recibos no envelope, porta fora, o empregado cabo-verdiano a chamá-lo, um esquecimento qualquer, a devolução do envelope, um minuto, outro envelope, a pasta de mão a ficar gorda de recibos, este envelope está mais grosso, recibos atrasados, deve ser, deixa arranjar melhor, abriu-o, um maço de notas de 50 pesos. 
Ó senhor, há aqui um equívoco qualquer, não me mandaram receber, só pagar, deve ser engano, outra vez para dentro, uns minutos largos, as caras deles a olhar uns para os outros, um mais graduado a vir ter com ele, nada de especial, senhor alferes, apenas o costume para pequenos arranjos na cantina das praças, o senhor capitão tem conhecimento. Ficaram a olhar um para o outro e para o envelope. Decidiu-se pelos bons-dias, embora para a CCS. 

Esbarrou à entrada com um Capitão Valente diferente, sorridente, então que tal? 
Tem aqui os recibos, meu capitão. 
Deixe isso para depois, junte ao relatório do final do mês. 
Meu capitão, tome conta desta papelada toda, tem para aqui recibos que não são da minha gerência. 
No final da tarde, viu o capitão entrar-lhe pelo gabinete, com explicações sobre procedimentos a seguir, outros costumes também que ainda não conhecia, os recibos que vinham dentro dos envelopes, afinal, traziam todos acompanhamento, uma deferência para com a CCS, arranjos na cantina e tal. Boa tarde, meu capitão. 
Uns dias depois alguém conhecido dele, ouvira o Capitão Valente, na roda dos compagnons, explicar como se metia na ordem um gajo rebelde às horas do regulamento. 

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3 - Um mês e meio para o fim 

"A partir de hoje faltam-me 41 dias para o fim da comissão. Nunca mais volto cá, nem depois do Cabral se sentar no Palácio. Vou sem saudades desta terra. 
As veleidades de lutar pela Pátria aqui na Guiné ficam cá, deixei de acreditar. E aqui no QG, muito poucos têm coragem de defender a manutenção da guerra, a defesa disto está a limitar-se, é o que se ouve por todo o lado, à contagem dos dias que faltam para se irem embora. Apenas alguns oficiais, superiores sobretudo, fazem o seu papel, insistem na justiça da luta, mas quase ninguém lhes dá ouvidos. Junto deles, alguns dizem que sim como podiam dizer que sim a qualquer outra coisa, quando os vêem de costas mandam-nos à outra parte. E os que chegam, as primeiras coisas que querem saber é como se pode arranjar colocação no QG. Ainda agora chegou e já está a fazer perguntas dessas? Quem é quem, a ver se os papás, familiares ou amigos dão com a chave que lhes abra a porta para passarem o tempo nos corredores do ar condicionado".

Tinham chegado da metrópole há dias, as caras não enganavam. Camaradas da escola militar, todos tenentes, faziam parte da primeira fornada de subalternos que marchavam para o ultramar, um ano como adjuntos dos comandantes de companhia no mato, para depois regressarem à metrópole, formarem companhias e partirem para Angola, Moçambique e Guiné. Era uma boa ideia, parabéns a quem a teve. 
Encontrou-os, cinco à volta de uma mesa na messe do QG, abriram espaço para mais um, os milicianos a passarem pela mesa a olharem para as caras que os recém-chegados costumam trazer. 
Falaram da vida deles, por onde tinham andado, o que tinham feito, queriam saber coisas, como estava a evoluir a situação militar, um a perguntar-lhe pela ilha do Como, é um tal Nino não é? 
Vocês querem mesmo saber a minha opinião? Esta é uma guerra quase só de milicianos. Não só alferes e furriéis, também cabos e soldados apanhados à mão, com a ajuda dos padres, dos tipos das juntas de freguesia, dos regedores, vai-se arrastando, mas é uma questão de tempo, meia dúzia de anos talvez, não muitos mais. Muitos mortos e estropiados depois, o PAIGC vai-se deitar nas camas onde agora dormimos. Sei que é uma chatice, que talvez preferissem ouvir outras coisas, mas é o que vos posso dizer. E desejar-vos sorte! 
As caras deles, vermelhas do calor, sem troco, a olharem uns para os outros. 
Dias depois deixaram de ser vistos na messe. 


Quase todos os finais de tarde passava pela piscina, depois descia até à cidade, passava pelo quiosque do Bento, mexia nos livros, à procura de novidades, levava um ou outro, mais ao seu gosto, As Vinhas da Ira num dia, O Inverno do Nosso Descontentamento dias depois. 
Na esplanada já encontrava poucas caras conhecidas, via muitos militares, mas quase todos com aspecto de recém-chegados, caras vermelhas, a escorrerem suor, à volta de mesas cheias de copos e garrafas de cerveja. 
Ao Hotel Portugal deixara de ir, outros deveriam ter tomado conta daquelas mesas, quando ocasionalmente por lá passava também só via caras novas. 

Num daqueles dias, ao fim da tarde, dirigiu-se para o quarto, cheio de boas intenções, vestir o fato de banho e ir até à piscina. 
Quando abriu a porta viu o Manaças a sair do quarto de banho e um enorme cheiro a desinfectante. 
Ó Manaças, andas a tomar banho em Old Spice? 
Não é Old Spice, é Tabac, é para disfarçar o DDT que tem um cheiro do caraças!  
DDT? Aqui dentro? Eu julgava que o pessoal da desinfestação andava a matar os mosquitos lá fora. DDT para quê? Uma camada de chatos, desde quando? Então e onde? Há quanto tempo andas com isso? Uma semana? É pá vamos mas é ao hospital, eles têm um líquido que tira isso tudo. 
Tu vais mas é agora ao médico, ao hospital militar. 
Porta fora, directo à messe, o Capitão Valente na mesa do costume, os compagnons à volta, ó nosso alferes, ainda bem que apareceu, preciso de falar consigo, no fim de jantar, estou ali pelo bar, apareça.

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4 - Um Folgado no QG 

Chegou-me um alferes da metrópole, da Administração Militar, vem destinado à companhia, é de uma família minha conhecida de há muitos anos. Vem-me mesmo a calhar, e para si também, que está morto por deixar a gerência das cantinas. Vou entregar-lhe a responsabilidade desse serviço. 
Você já teve a sua conta, tem sido um tipo leal, e eu aprecio muito isso, pode crer, tirando aqueles problemas que tivemos no início. Resolvemos bem o assunto, olhe que eu já o dava perdido. Vou deixar o filho da mãe para aí a comer relva, até ganhar flor! Mas sabe como é, não me canso de dizer, casapiano uma vez, casapiano para toda a vida. Eu tenho muita roda, sabe? Olhe, falta-lhe quê, para aí um mês, um mês e meio? Claro que vai ter que fazer, apareça por lá, todos os dias, dê uma ajuda na papelada, umas assinaturas e tal. 
Amanhã convinha que estivesse no edifício do comando aí pelas nove horas para as apresentações, a seguir leva-o ao pessoal das cantinas, vai-lhe passando a escrita, deixe tudo em ordem, ok?

O alferes miliciano da Administração Militar já tinha chegado. Só podia ser aquele militar que estava à porta do barraco do Capitão Valente, o tal edifício do comando. Caqui muito verde, óculos escuros graduados na pele muito branca. 
Mais um de óculos escuros logo pela manhã! 
Então o nosso capitão ainda não chegou, a mão estendida para o ilustre administrativo.
Chama-se Folgado?1 O nome é bom. Está a gostar de Bissau? Nem por isso? Olhe que esta terra tem muitos encantos, os olhos também ajudam. Mas se anda à procura de paisagens encontra-as, bem lindas, fora de Bissau, no mato.
As merdas que tinha ouvido dos outros já estavam entranhadas. Desculpe, Folgado, com estas coisas não se brinca, esqueça.
Passara o dia todo com o alferes, economista recém-licenciado, casado logo a seguir com uma colega, papeis passados à máquina pelo 314, para um e para o outro, assinaturas dos dois, a do capitão por baixo, gerência passada, trespassada, tudo.
Pronto, é tudo, Folgado, felicidades, que a vida lhe corra bem por aqui.

O companheiro de quarto fora ao hospital, foi atendido por um médico de quem nem o nome fixou, mostrou-lhe as partes baixas, milhões de bichinhos, o doutor de óculos e lupa, de longe, mas são chatos, senhor alferes, são chatos mesmo, estes já nasceram com DDT, quanto mais DDT lhes der mais os gajos engordam, ó nosso sargento prepare aí um frasco daquele líquido para os ácaros aqui do nosso alferes, pode subir as calças, o alferes todo envergonhado, nunca se vira em tal achado. Ficou à espera que lho preparassem o líquido, feito de propósito segundo as regras da farmacopeia militar guineense, habituada também a este tipo de ataques. 
É puro, meu alferes, o frasco vai um pouco mais de meio, enche com água, agita bem, para cima e para baixo, deixa assentar a espuma, toma banho primeiro, seca-se com uma toalha, toalha para dentro de um alguidar, não se esqueça. 
Se não quiser queimar a sua roupa, mergulhe-a em água, lençóis, toalha, toda a roupa em que em tocado, com uma boa quantidade deste líquido e deixe-a num tanque ou em alguidares uns dias. O meu alferes toma banho, deixa-se secar, depois passa o líquido diluído em água por toda a zona genital, atrás também, orifícios não, claro, pelas pernas abaixo, deixe-se estar uns dez minutos, vai sentir um ardorzinho, depois banho outra vez, deixe-se estar outros dez minutos com água por todo o lado, fique a secar, eram uma vez esses chatos, vai ver, o alferes a perder o seguimento, cheio de comichões e já sem paciência para tanta minúcia, sim, sim, claro, nosso sargento, é o que vou fazer. 

É pá, estou à rasca, olha para isto, arde-me isto tudo, olha como está a pele, até os pelos caíram todos. Passei a merda do líquido, se calhar mais concentrado que devia, não enchi o frasco de água até acima para ver se fazia mais efeito. 
Mete-te no chuveiro, água a correr, entra pá, lingrinhas, quem te disse que um matemático tem que ser um bom enfermeiro? 
É pá, a água ainda me faz arder mais! 
Quem te mandou sair da água, não é nada de grave, tem calma, levanta-te, vamos ao hospital. O Manaças tremia todo, quase tanto como o Fiat Necker a descer Santa Luzia abaixo, Associação, Palácio, estrada para Brá, a chiar como nunca, agora até esta chocolateira a ganir nas curvas, rectas e tudo, uma grande travagem, o carro virado ao contrário, que classe, a porta do camarada a dar para as escadas do hospital, só faltaram palmas, poeirada e olhos não. 


Meia hora depois o Manaças desceu as escadas com um ar já mais aliviado e entrou no carro. 
Então, estás melhor ou não? Cheiras a pomada! Queres que te leve ao quarto? Eu vou ficar por aqui, como qualquer coisa no Império, uma sandes de queijo, pãozinho acabado de sair do forno, com uma cerveja em cima. Queres vir? 
Manaças, quanto tempo te falta para acabares a comissão, dezasseis meses ainda? Estás a fazer o teu pé-de-meia para quando chegares à metrópole comprares uma bruta máquina, não? Para o teu curso primeiro, a máquina fica para depois. E então, ora conta lá, os alunos das tuas explicações portam-se bem, aprendem com facilidade? 
Interessados, atentos, bom comportamento, vontade de aprender, não estão ali para brincar, é como quisessem aproveitar um tempo que nunca tiveram. 
Não, não é o caso de serem explicações, de terem que pagar, tenho até dois alunos a quem nem estou a levar nada. Vi que não era fácil eles pagarem, disse-lhes para pagarem quando pudessem. 
Não, não me apercebo de animosidade contra nós, não lhes vejo ódio, sinto-os até amigáveis, há qualquer coisa entre mim e eles, talvez um espaço que ainda não consegui estreitar. Nunca abordei o assunto da guerra com eles, mas penso que não lhes será difícil perceber o que penso. 
Falaram do ambiente da metrópole e muito de Coimbra. Manaças, o companheiro de quarto, tinha vindo de férias há dois meses, estava a juntar dinheiro para ir outra vez, queria ir para a Figueira entre Julho e Agosto, passar as férias ao sol e ao vento, com a namorada, colega dele em Coimbra. 
Gostas dela? 
Nem me fales! 
E não tiveste vergonha de andar para aí a apanhar chatos? 
É pá, não me fales mais nisso, até me sinto fraco! 
Pois deves estar, falta-te peso, milhões de chatos a menos, para aí um quilo, não? 
Sei lá, a gaja meteu-me a camada que viste e deu-me de brinde um escarepe, já viste? 
A brincarem um com o outro, acabaram a rir-se, duas sandes no meio de outras tantas cervejas. 
Sabes como é, desde que vim de férias, sem ver o padeiro, as bajudas que vão aos quartos de Santa Luzia buscar a roupa para lavar, todo o bicho careta se mete com elas, ganharam tanta ou mais resistência que os meus chatos, dali nunca levei nada. 
Uma noite da semana passada, fui até ao Hotel Portugal, estive lá a beber umas cervejas, meti-me num táxi, é pá nunca na tua vida contes isto a alguém, ouviste? 
Disse ao taxista que me apetecia dar uma volta para espairecer, o gajo meteu pelo Cupilão, quase ninguém àquela hora naquelas vielas, até tive receio, veio-me à cabeça aquela história que se conta dos dois gajos que apareceram com as gargantas cortadas, o taxista saiu, voltou passado um bocado, disse-me que eram 20 pesos2, que ela estava à minha espera.
Entrei um pouco desconfiado, olha pá, esqueci-me de tudo quando a vi na cama, de pernas dobradas, de barriga para cima, só com uma camisa de noite curtinha, nunca tinha visto tanto. Tinha ao lado dela na cama um bebé e no chão de terra andavam galinhas e um porco a passear, vê lá tu!
Chatos, escarepe de brinde, galinhas e porcos na assistência, 20 pesos para o taxista. Misérias, Manaças, confissão amanhã na Sé!
Volta à praça, o Palácio do Governador Schulz com as luzes apagadas, direcção ao QG. 
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Notas: 
1 - Nome fictício 
2 - Equivalente a 20$00 (vinte escudos) da Metrópole 

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5 - Vat 69 

Os Homens de guerra de F. Ponthier, de Estalinegrado às terras da Argélia e de Marrocos, o reencontro de dois homens de armas na mão, 35 pesos. Uma agulha no Palheiro do J. Salinger, um jovem burguês expulso de casa a vagabundear por N.Y., drama da juventude, 35 pesos. A Morte do Cavalinho do Bazin, o duelo entre a mãe e o filho pequeno, uma perseguição implacável, a triste conclusão dessa luta, uma recordação da Teresa. O Escândalo Profumo, de três jornalistas, 40 pesos. A Sentença, de M. Gregor, a história da violação de uma jovem de 16 anos por um grupo de soldados americanos, numa cidade alemã ocupada. Chegar é já em si bastante, de José da Câmara Leme, uma série de contos que interligados são histórias de meia dúzia de homens de guerra, mercenários da Legião Estrangeira, passadas na guerra da Argélia, 35 pesos. Uns atrás dos outros, marchava tudo, a boa média a manter-se. 
Começava normalmente pela uma ou duas, os dois comparsas a assobiarem de olhos fechados, o Manaças de papo para o ar, a boca escancarada, é por causa deste corneto, dizia ele. Por aí fora, até às 6 ou 7, o corpo sem posição, braços dormentes, livro no chão, acordava logo, com os barulhos, não podia ficar, metia-se no chuveiro, meio esquisito a sair para o dia alto a caminho da CCS do Capitão Valente. 
À saída da messe encontrou o Manaças com os dois companheiros, então, queres vir dar uma volta, anda daí, meteram-se no carro, janelas abertas, a descer devagar a avenida até à cidade, e de repente todos à gargalhada com a história das aventuras no Cupilon de uma figura militar importante do QG. Uma história descoberta na cama de uma menina, a satisfazer também as necessidades de um camarada mais falador. 
Vamos comer um gelado, o mais periquito e mais calado também para os outros. 
Mesmo bons, é uma casa nova de uma senhora cabo-verdiana, abriu há pouco tempo. 
Este gajo ainda agora chegou e já conhece mais que ele, vai longe! Para onde? 
Benfica, por aí, uma rua para cima, umas escadinhas até à vivenda, uma varanda aberta para a rua, três ou quatro mesas, cadeiras à volta, muita frequência. 
Uma taça de gelado para cada, copo de água a acompanhar, olhos para a rua, uma sirene de ambulância ao longe, um dente a doer-lhe logo à primeira colher, uma dor fininha, que chatice, julgava que isto já estava sossegado, eles a quererem conversa, a mão na cara sem saber para quê, é um dente, não? 
A dor parecia que ia embora, ouvia o que estavam a dizer, colher na boca a medo, aí vinha ela outra vez, mão na bochecha para quê? 
Não posso mais, tenho que me ir embora! Espera um pouco, vamos todos. 

O livro a meio, a dor fininha, intermitente passou a corrente contínua, a latejar, parecia que o sacana do dente queria sair da boca, como se também já tivesse cumprido a comissão. Desvairado no quarto de banho a bochechar com uísque. 
Vodka é melhor, não tens aí vodka, pergunta o Manaças. Vat 69 de serviço, boca abaixo pela garrafa, calor no estômago, na cabeça, parece que isto agora vai. Qual vai, qual carapuça, cama fora, desaustinado, camisa e calças num rápido, sapatos sem cordas nem nada, porta fora, onde vais, pá? 
Meteu-se no VW, se a porta de armas não se abre tão depressa, ia o pau e o militar de sentinela, a acelerar pela avenida de Santa Luzia abaixo, não dava mais o desgraçado, nem chiava nem nada, a lembrança do fim da comissão, que se lixe! Nunca ninguém tinha tido uma dor como esta, a boca, cabeça, tudo a latejar. Farmácia perto da Amura, junto à Ultramarina. Olhe saiu agora isto, Optalidon, é uma coisa nova, leve este tubo. 
Quantos tem, doze, acha que dá? 
Vai dar e sobrar, amigo, tome um agora, se não abrandar, tome outro daqui a 4 horas. 
Tem aí água? Foram logo dois pela boca abaixo, carro outra vez, uma festa numa vivenda e eu aqui com esta dor de dentes. 
A festa dos dentes é que não havia maneira de acabar, isto agora vai começar a abrandar, mais devagar pela avenida acima, o sentinela ao encontro, pau da porta de armas a levantar-se, a chave de mansinho na porta, também não valia a pena, ressonavam como uns porcos. A dor é que nada, só se fosse maior. 
Depois desapareceu, adormeceu. Quando acordou, não havia grandes alterações, os dentes doíam menos, mas doíam, sentia-se era um bocado estranho. Sabes que horas são, pá? Cinco, da tarde!

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Continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 12 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15357: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXI Parte): Grande Hotel; Água IN; E agora para onde? e CCS, QG

Guiné 63/74 - P15384: Parabéns a você (989): Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 16 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15372: Parabéns a você (988): José António Viegas, ex-Fur Mil Art do Pel Caç Nat 54 (Guiné, 1966/68)

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15383: Inquérito 'on line' (19): Batota em relação às causas das baixas das NT? Provavelmente não havia... Havia, isso sim, dualidade de critérios e os trâmites normais da burocracia da justiça militar (Abílio Magro / Manuel Amaro / Carlos Vinhal / Luís Graça / José Martins / Jorge Cabral)


Comentários ao poste P15378 (*):
1. Abílio Magro ex-fur mil amanuense,  CSJD/QG/CTIG (Bissau, 1973/74)

Os processos eram instruídos nas Companhias e, de acordo com o respectivo "instrutor", a caracterização era efectuada na CSJD/QG/CTIG. [CSJD = Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina],

Supõe-se que muitos dos "instrutores" nada sabiam das consequências futuras para os militares ou seus familiares, pelo modo pouco rigoroso como era instruído o processo. Por outro lado, outros "instrutores", bem mais preparados e conhecedores destes "meandros", lá conseguiam "dourar a pílula",  escondendo habilmente alguns factos e, assim, conseguir algum benefício para o militar atingido ou acometido de doença.

Na CSJD/QG/CTIG, face aos factos constantes do processo (reais ou não) era emitido o respectivo parecer.
´
Tenho a ideia, não a certeza, que o relato das testemunhas era manuscrito pelo instrutor (Alf. Mil, por norma) e as testemunhas não assinavam, ficando o instrutor responsável por elas. Neste contexto, o processo podia muito bem ser conduzido para o lado mais conveniente, houvesse vontade e engenho para isso. 

Para ficarem com uma ideia de como a "coisa" funcionava, quero referir o assédio de que fui alvo, em Setembro de 1974, por parte de alguns Capitães Milicianos, comandantes das Companhias que tinham regressado a Bissau e que aguardavam embarque para a Metrópole.

E o assédio tinha em vista a minha colaboração diária (nocturna e paga) a fim de os ajudar na conclusão dos vários processos pendentes na Unidade, sem o que esta não poderia embarcar, denotando os Capitães Milicianos, portanto, algum desconhecimento da matéria em causa.

Noutras circunstâncias tê-los-ia ajudado,  com muito gosto e "sem honorários", mas acontecia que eu também estava ansioso para "bazar dali" e, naquela altura, chegava ao fim do dia cansado de tanto queimar papelada e, com o calor das chamas e a fumaça, tinha sempre a garganta seca.


2. Luís Graça [editor, ex fur mil, arm pes inf, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71]


Não deixa de ser significativo que mais de um terço (22 em 59, ou seja, 37%) dos respondentes ao inquérito 'on line' desta semana, tenham optado pela resposta "Não sei / não tenho opinião"...

A questão é técnica e juridicamente complexa... Poucos de nós, ao fim e ao cabo, lidaram com este problema... Temos, muitos de nós, a experiência das "baixas", dos camaradas que morreram ou foram feridos... Não sabemos, em muitos casos, como é que o processo burocrático se desenrolou, seguindo os trâmites normais da justiça militar...

A alguns de nós causa estranheza ou provoca até revolta ao vermos, nas listas oficiais dos mortos na guerra do ultramar, camaradas nossos, que conhecemos, como o Quaresma, da CART 2716 (Xitole, 1970/72), terem morrido por "acidente"... 

O Quaresma morreu por estar numa zona de guerra e todos os dias armadilhar e desarmadilhar o engenho explosivo colocado numa das entradas do quartel, para a malta poder dormir "mais descansada"... E quantos casos não houve como o do Quaresma ?! Ora é preciso que estes casos venham à luz do dia!...

3. Manuel Amaro [ex-fur mil enf, CCAÇ 2615 / BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71]

Se houve "batota",  não tive conhecimento.
Os três mortos da minha Companhia, a CCAÇ 2615, foram todos mortos em combate e todos eles considerados como tal.

O problema creio que estaria na separação entre combate e... acidente.

Não espero, nem faria sentido, aparecerem hoje os coronéis reformados a dizer que, quando eram capitães (ou alferes),  tinham mentido, tinham feito "batota".

No meu Batalhão houve dois casos complicados. O alferes Queiroz (CCAÇ 2616, Buba),  morto a levantar uma mina, junto ao quartel, creio que foi considerado em combate. Já o furriel Ferreira, da mesma companhia, morto a levantar uma mina, na estrada Buba-Nhala, terá sido considerado acidente.

Mas creio que os investigadores dos factos e as testemunhas dos mesmos, agiam sempre de acordo com a legislação.


4. Carlos Vinhal [, editor, ex-fur mil art MA, CART 2732, Mansabá, abril de 1970/março de 1972] 

No caso das minas, normalmente a diferença entre morto por acidente ou em combate dependia de a mina ser "amiga" ou do IN.

Na minha Companhia, o Alferes de Minas e Armadilhas morreu ao tentar neutralizar uma mina AP inimiga, sendo considerado morto em combate. Naturalmente, diria eu.

Um camarada, por ironia do destino impedido na Messe dos Oficiais, quando se dirigia para um abrigo para entrar de reforço, caiu abaixo do Unimog,  sendo considerado morto por acidente.

Acho que não haveria muita batota, existiriam por vezes situações dúbias que cada um classificava como queria. Os afogados, por exemplo, mesmo a fugir do IN, eram mortos em combate ou por acidente?


5. Luís Graça / José Marcelino Martins:

Veja-se mais este caso, infeliz, já aqui abordado no blogue:

7 de agosto de  2007 >  Guiné 63/74 - P2035: Alf Mil Guido Brazão, da CCAV 2748/BCAV 2922, morto em acidente com arma de fogo, Canquelifá, 22/10/70 (José M. Martins)


(...) 8º VOLUME – Mortos em Campanha
Tomo II
Guiné – Livro 1
1ª Edição (2001) Página 553 (2º registo)

Nome - Guido Ponte Brazão da Silva
Posto - Alferes Miliciano de Cavalaria – Operações Especiais
Numero - 19769668
Unidade - Companhia de Cavalaria n.º 2748
Unidade Mobilizadora - Regimento de Cavalaria n.º 3 – Estremoz
Estado Civil - Solteiro
 (...) Freguesia - São Vicente
Concelho São Vicente – Madeira
Local de Operações - Camamelifén [, deve ser gralha: Canquelifá]
Data do Falecimento - 22 de Outubro de 1970, em Canquelifá
Causas da morte - Acidente, com arma de fogo
Local da sepultura - Cemitério da Ajuda – Lisboa

Observações: Accionamento de granada – armadilha IN


6. Jorge Cabral [, ex-alf mil art, cmdt  Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá. 1969/71[

E os suicídios, Luís? 
Tive um no meu Pelotão, mas desconheço como foi classificado...

Abraço.
J.Cabral
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15382: Efemérides (203): Inauguração de um Memorial de Homenagem aos Combatentes por Portugal na Guerra do Ultramar, levada a efeito na Freguesia de Candelária, Ilha do Pico, Açores, no passado dia 11 de Outubro (José da Câmara)

Candelária - Pico - Açores - Memorial aos Combatentes de Portugal na Guerra do Ultramar


1. Alertados pelo nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), que nos enviou a respectiva ligação, aqui reproduzimos, com a devida vénia à Liga dos Combatentes e ao seu Núcleo do Pico, a reportagem da cerimónia de inauguração de um Memorial de Homenagem aos Combatentes por Portugal na Guerra do Ultramar, levada a efeito na Freguesia de Candelária, no passado dia 11 de Outubro.

No dia 11 do corrente mês de Outubro, o Núcleo da Ilha do Pico, com o apoio dos Combatentes da freguesia da Candelária, levou a efeito uma vez mais o Dia do Combatente do Pico, na citada freguesia da Candelária. Com o apoio do Presidente de Junta daquela Freguesia, ergueu-se um memorial em homenagem aos Combatentes por Portugal na Guerra do Ultramar, realçando o nome do Combatente daquela freguesia que tombou ao serviço da pátria no teatro de guerra da Guiné.

A comemoração iniciou-se pelas 11horas com uma Missa em Sufrágio de todos aqueles que perderam a vida ao serviço da Pátria e dos Combatentes regressados, mas já falecidos.
Terminada a missa, houve a cerimónia de inauguração do memorial, tendo a mesma tido a participação de uma Guarda de Honra, por militares da GNR, tendo os toques regulamentares sido executados por trompetes da Banda Filarmónica Lira de São Mateus, que no inicio da cerimónia prestou homenagem à Bandeira Nacional, tocando o Hino Nacional e a Guarda apresentado arma, na forma regulamentar.

Feito o descerramento da lápide do memorial, usaram da palavra a Presidente do Núcleo da Ilha do Pico da Liga dos Combatentes, o representante do senhor Presidente da Direção Central da Liga, deslocado ao Pico para o efeito e o Presidente da Freguesia da Candelária.
Estiveram presentes na cerimónia para além de várias centenas de populares e Combatentes, diversas autoridades civis e militares, salientando-se, os representantes do Comandante do Comando Operacional dos Açores, do Comandante da Zona Militar e Zona Marítima dos Açores, do Comandante Regional dos Açores da GNR e também um representante do senhor Presidente do Governo Regional dos Açores.
Terminadas as cerimónias houve um almoço de convívio, no qual participaram 440 convivas incluindo as autoridades convidadas.


O discurso do Presidente do Núcleo, foi o seguinte:

Excelentíssimo Senhor Diretor Regional do Ambiente em Representação de sua Excelência o Senhor Presidente do Governo Regional dos Açores.
Senhor Presidente da Freguesia da Candelária
Senhor Representante do Senhor Presidente da Direção Central da Liga dos Combatentes;
Senhor representante do Senhor Comandante do Comando Operacional dos Açores.
Senhor representante do Senhor Comandante da zona Marítima dos Açores.
Senhor representante do Senhor Comandante da Zona Militar dos Açores.
Senhor representante do Senhor Comandante Regional da GNR.

Quero agradecer o facto de os comandos aqui invocados, bem como a Direção Central da Liga dos Combatentes, vos ter feito deslocar hoje aqui para participarem neste dia maior dos Combatentes do Pico.

Excelentíssimas demais autoridades militares e civis,
Minhas senhoras e meus senhores!
Combatentes...

Há 27 anos por iniciativa de um pequeno grupo de combatentes efetuava-se o primeiro convívio dos Combatentes do Pico. Convívio que de ano para ano foi crescendo e aumentando o número de participantes, envolvendo familiares, autoridades locais e regionais, de tal modo que hoje é o maior convívio de Combatentes dos Açores e, atrever-me-ia a dizer mesmo do país.

Hoje aqui nesta freguesia da Candelária, no dia que passámos a denominar Dia do Combatente do Pico, estamos inaugurando mais um marco em que se pretende perpetuar a memória dos Combatentes por Portugal, deixando marcado na pedra os nomes daqueles que desta freguesia um dia partiram para servir a Pátria em terras do então ultramar português, tendo somente um deles lá perdido a vida.

Nós que um dia, entre os anos de 1961 e 1974 partimos com destino à guerra e regressámos estamos hoje aqui também para celebrar a amizade e a camaradagem que então se criou em horas, muitas vezes de grande risco.

Comemoramos a vida mas nunca esquecemos aqueles nossos camaradas que como nós um dia partiram e não lograram regressar com vida. Já que perderam a sua ao serviço da Pátria.

Hoje convivemos, mas não esquecemos tantos problemas que a guerra acarretou para as vidas de tantos. Problemas relacionados com a saúde, problemas de ordem psicológica e problemas de ordem familiar.
Passados que foram tantos anos não deixámos de estar marcados;

Marcados muitas vezes pela falta de compreensão daqueles que nos rodeiam, mas também muitas vezes originando sofrimento para os mesmos;

Marcados pelo estigma da guerra. Cujas marcas mais ou menos profundas jamais se apagarão.

Todos nós que sofremos na carne os erros políticos de então, hoje continuamos a padecer dos mesmos, já que os nossos governantes pouco têm feito para minimizar o sofrimento e a injustiça de que muitos Combatentes padecem, por não lhes ser reconhecido que os males de que hoje padecem foram motivados pelo facto de terem participado na guerra.

Cumprimos o nosso dever ao serviço dos considerados interesses vitais do país pelos responsáveis políticos de então. Não seria pois mais que justo o reconhecimento hoje dos sacrifícios então suportados!

Tem sido a Liga dos Combatentes a organizar-se onde tem sido possível para permitir aos Combatentes e às suas famílias um fim de vida mais condigno!

O Núcleo do Pico da Liga dos Combatentes também quer fazer parte dessa rede que se vai montando pelo país fora, através da qual são prestados serviços de apoio médico-psicológico e outros, mas como primeira passo, tem de ter um local onde o possa fazer, o que até ao momento, embora tenham sido feitos vários esforços ainda não se conseguiu. Dentro em breve pensamos que teremos esse local tanto desejado. Já vemos a luz, diria que a meio do túnel!

Para que possamos conseguir este objetivo, precisamos do apoio de todos e esse apoio traduz-se em fazerem-se sócios da Liga dos Combatentes, aqueles que ainda o não são. O pagamento de uma quota de um euro e meio por mês pensamos que não é muito., mas faz toda a diferença. O núcleo não sobrevive sem essa vossa ajuda.

Se formos unidos, poderemos alcançar objetivos que de outra forma serão inatingíveis.

Vivam os Combatentes do Pico.
Vivam todos os Combatentes.
Viva Portugal.

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15247: Efemérides (202): Em cerimónia levada a efeito no passado domingo, em Fânzeres, Gondomar instituiu o dia 11 de Outubro como Dia Municipal do Combatente, coincidente com o dia 11 de Outubro de 1961, quando faleceu em campanha, em Angola, o primeiro gondomarense (Carlos Silva)

Guiné 63/74 - P15381: Blogues da nossa blogosfera (71): BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Buba e Nhala, 1973/74)... O próximo encontro do pessoal é em Ponte de Lima, 11 de junho de 2016. Tem 25 mil visualizações de página. Editores: Jaime Ramos e Adalberto Costa Silva, ex-furriéis mil, 3ª companhia


Página principal do blogue do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa,  Buba e Nhala, 1973/74). Contactos: E-mail: batcac4513@gmail.com | Editores (ex-fur mil, 3ª companhia): Adalberto Costa Silva (telem: 965 816 315) | Jaime Joaquim dos Santos Ramos (telem: 917 221 437).

O BCAÇ 4513 tem igualmente uma página no Facebook, mais dinâmica.  Julgo que seja mantida pelo Jaime Ramos (que vive em Avintes, Vila Nova de Gaia). Não há nenhuma referência ao nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné) nem à nossa página do Facebook (Tabanca Grande Luís Graça).




1. O blogue do BCAÇ 4513 foi criado no final de 2010. Tem já mais de 25 mil visitas (ou visualizações de página).   Traz a lista mominal de todo o pessoal do batalhão (nome completo, posto, e subunidade).

 É sobretudo um blogue orientado para os encontros do pessoal.  O 1º foi na Mealhada, em 2009. O próximo, o 8º encontro (2016), está marcado para Ponte de Lima, 11 de junho de 2016. Contactos: Marino Costa (telem 932 917 056) e  Avelino Brito (telem 961 442 380).

Tem algumas fotos do tempo da comissão no TO da Guiné, a maior parte sem legenda nem referência ao autor.  Tomámos a liberdade de selecionar, editar e reproduzir, com a devida vénia, as seguintes (que numerámos de 1 a 5). Lembramos os nossos leitores da importância de identificar a autoria e a proveniência das fotos. Os créditos fotográficos têm de ser acautelados...

Pomos o nosso blogue à disposição do Jaime Ramos, do Adalberto Costa Silva e demais camaradas não para a divulgação de eventos que interessam ao pessoal do batalhão, comio para a partilha de memórias comuns. Como gostamos de dizer, na nossa Tabanca Grande cabemos todos com tudo aquilo nos une e até com aquilo que nos pode separar... Parabéns pelo vosso trabalho. (LG)




Foto nº 1 > Foto s/ legenda nem autor > Julgamos que a  foto documenta os trabalhos da estrada Aldeia Formosa-Buba (1973774)



Foto nº 2 > Foto s/ legenda nem autor > Um grupo de combate possivelmente em Aldeia Formosa



Foto nº 3 > Vista aérea de Aldeia Formosa, janeiro de 1973 Foto de JMV [, José da Mota Vieira, fur mil da 3ª C/BCAÇ 4513]; originalmente publicada, juntamente com mais outras 10 fotos de Aldeia Formosa, do mesmo autor, no portal Prof2000, que tem uma excelente galeria de fotos de antigos combatentes;  o Prof2000 "é  um projecto com serviços de suporte a formação de professores a distância e de apoio às TIC nas escolas",  tendo como público-alvo "Escolas, Centros de Formação, Centros Novas Oportunidades, professores, projectos de escola e comunidade educativa em geral".


Foto nº 4 > O Vicente e o José Mota Vieira, 1973. Foto do JMV. Cortesia do autor e do  portal Prof2000.  O Vicente deve ser o Manuel Gomes Vicente, também fur mil da 3ª companhia.


Foto nº 5 > Vista panorâmica de Nhala > Sem data nem referência ao autor





2. Informação dos editores:

Camaradas do BCAÇ 4513 que nos honram com a sua presença, sob a o poilão da na Tabanca Grande, pedindo desde desculpa se, por lapso, omitimos o nome de mais alguém:


(i) António Manuel Murta Cavaleiro, ex-alf mil inf MA, 2ª C/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74) (desde 12/11/2014)

(ii) José Carlos Ramos dos Santos Gabriel, ex-1.º cabo op cripto, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Nhala, 1973/74) (desde16/8/2011)

(iii) Fernando Silva da Costa, ex-fur mil trms, CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (desde 25/10/2009)

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