segunda-feira, 8 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17331: Notas de leitura (954): Ruy Cinatti e uma viagem a Bolama, 1935, em “O Mundo Português”, revista de cultura e propaganda, arte e literatura coloniais, o seu número 24, de Dezembro de 1935 (Mário Beja Santos)


Guiné > Bolama > Agosto de 1935 > A chegada do vapor "Moçambique", com os participantes do 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias, entre os quais se contaria Ruy Cinatti (1915-1986), engenheiro agrónomo, poeta, antropólogo que iria mais tarde estabelecer uma relação especial com Timor.

Fonte: O Mundo Português, Vol II, nºs 21-22, Setembro-Outubro de 1935 (Exemplar  pessoal de Mário Beja Santos; digitalização e  edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
Entre chuviscos intermitentes, aquele sábado de manhã na Feira da Ladra permitiu-me adquirir esta preciosidade, ao longo dos anos em que entabulei grande amizade com o Ruy Cinatti, este nunca me fizera referência à sua visita à Guiné e muito menos mencionara existir texto de tal viagem. A sua grande recordação fora a Ilha do Príncipe, deu-lhe fulgor para escrever uma pequena gema literária, o conto "Ossobó".
É bom recordar que este antropólogo e poeta tinha 20 anos quando escreveu estas recordações de viagem.

Um abraço do
Mário


Ruy Cinatti e uma viagem a Bolama, 1935

Beja Santos

O 1º Cruzeiro de Férias às Colónias, coordenado por Marcello Caetano, constituiu uma novidade pelo modo como se pretendia atrair a juventude aos conhecimentos das parcelas do império. Guardaram-se vários testemunhos dessa viagem em que o regime procedera a uma rigorosa seleção de universitários de elevada craveira.
Um dos escolhidos foi Ruy Cinatti (1915-1986) que se irá afirmar como grande poeta, etnólogo, antropólogo e defensor da causa timorense. Tive o privilégio de receber alguns dons da sua amizade benfazeja. Conheci-o quando era membro da direção do jornal “Encontro”, a publicação da JUC – Juventude Universitária Católica, em 1966, fui pedir-lhe um poema, ofereceu-nos “O cego”, o primeiro dos seus “Sete septetos”, livro que viria a ser premiado com o Prémio Nacional de Poesia.
O meu livro “A Viagem do Tangomau”, arranca com um encontro em sua casa, convidar-me para jantar na véspera de eu partir para Mafra, para frequentar a recruta. Leu-me poemas de safra recente, que virão a ser publicados a título póstumo. E na correspondência que com ele troquei na Guiné, deu-me sábios conselhos, foi um lenitivo para a minha alma, daí o ter tratado sempre por “Dear father”.

Encontrei em “O Mundo Português”, revista de cultura e propaganda, arte e literatura coloniais, o seu número 24, de Dezembro de 1935, o seu texto “A Mocidade Académica e o 1º Cruzeiro de Férias às Colónias”. Chamou-me à atenção, na chegada a S. Vicente, a descrição crua que nos faz da vida dolorosa do cabo-verdiano:

“A vegetação em S. Vicente está reduzida a pequenos oásis de verdura – as ribeiras – regiões sobrejacentes aos leitos de ribeiras subterrâneas, onde se desenvolvem plantas dos climas quentes, e a pequenas extensões de vegetação arbórea cuja ramaria, passada certa altura, se estende, se inclina horizontalmente, se prostra ante a fúria niveladora do vento do deserto, que sibila, que ecoa doidamente nos recôncavos da rocha.
O resto são campos de calhaus partidos, triturados, onde a vida vegetal é impossível, porque as águas que nas épocas de chuva se despenham em torrentes pelas encostas arrastam o pouco húmus que se tenha depositado ou os materiais terrosos provenientes da desagregação da rocha.
Todos estes aspetos, geológico, climático, ausência de vegetação na maior parte das ilhas, motivada ou pela falta de chuvas ou pelo seu desperdício quando cai, conduzem à grande tragédia do arquipélago – a fome.
Em 1924, só em S. Tiago morreram à fome 20 mil pessoas. No Fogo, o colmo é arrancado das casas indígenas para ser cozido e servir assim de alimento. As crioulas levavam os filhos já mortos ao colo, iludindo os administradores, para receberem maior ração”.

E conclui:
“Foram S. Vicente e depois o Príncipe, as ilhas que, no desfilar tumultuante de visões sucessivas, mais indelével recordação deixaram no meu espírito”. 

E assim chegaram à Guiné, registará a sua viagem a Bolama:
“O mar muda de cor. Já não é azul ultramarino nem azul-cobalto. As águas são barrentas, com reflexos esverdeados provenientes dos aluviões arrastados pelo Geba e outros rios. A ondulação é mínima, apenas provocada pelo deslocamento do navio.
Atravessámos o dédalo das ilhas Bijagós, cobertas de intensa vegetação verde-amarelada, que me dá uma sensação muito diferente do que eu supunha vir a encontrar.
Costas baixas, em praia, abundantes em recortes e braços de mar, prolongando-se a perder de vista, a ponto de se julgar que a vegetação nasce das águas.
Era já tarde e o sol velado pela fímbria das nuvens caminhava para o ocaso. Não bulia uma folha. Estava tudo parado, tudo embebido num banho morno.
Caminhava ao longo de uma rua de Bolama, com os muros e as casas cobertas de musgo, onde o branco da cal há muito tempo dera lugar ao cinzento esverdeado da terra e das plantas. Andava e não via ninguém. Tudo estava deserto. Só ouvia o ecoar das minhas passadas no cimento do passeio.
Envolvia-me um silêncio sepulcral. Invadia-me um aniquilamento absoluto. Qualquer coisa me amolecia, tornava mais vagaroso o andar. Com a face, com o corpo a escorrer suor, bebi grandes golos de água do cantil; quanto mais bebia mais a sede me torturava.
De repente, em poucos minutos, o céu tapou-se de nuvens; uma ligeiria brisa baloiçou a folhagem dos poilões; começou a chover torrencialmente e a água, rejeitada pela terra saciada de humidade, corria em regatos para as margens lodosas do mar. Ali, refrescando a alma, refrescando o corpo com a deliciosa chuva a escorrer-me pelos cabelos e pela face, reagi.
Com outra alma, caminhei com energia, embebendo-me na paisagem tropical verde cinzenta. Nas margens do rio, onde o lodo borbulhava, o mangal de folhagem miúda muito cerrada estendia-se indefinidamente numa estreita faixa, com as raízes brutescas saindo da água.
Com o mesmo imprevisto com que tinha aparecido, as nuvens foram-se, e de novo o sol inundou a terra. Atravessei a cidade; segui por uma estrada onde, dentre o verde brilhante das bananeiras, das árvores de fruta-pão e dos poilões, surgiam as tabancas cor de argila.
Em volta, em porções de terreno sem área nem contorno definido, estendem-se as plantações de mancarra cultivada pelos negros. Grupos de indígenas, diferentes na aparência física e no vestuário, seguiam ao longo da estrada e estacionavam à porta das tabancas.
Uns, quase nus, com as costas tatuadas em relevo, com folhas de palmeira-leque e um grande cutelo nas mãos. Outros, vestidos com grandes camisas grandes que quase chegam ao chão, com o peitilho bordado e um alfange pendente a tiracolo. Mulheres, ora de tanga, ora envoltas em grandes panos, caminhavam com os filhos às costas e com grandes cabaças sobre o lenço amarelo enrolado em volta da cabeça.
Entrei numa tabanca de Fulas. Casas retangulares e circulares, o telhado de colmo estendendo-se para fora das paredes a servir de alpendre ou galeria. Sentados em volta os homens conversam, as mulheres entram e saem. As crianças brincam indiferentes ao que em volta se passa.
Lá ao longe, mas dentro da tabanca, o barulho de muita gente junta a falar atraiu-me. Fui lá.
Formando uma roda, homens e mulheres olhavam, gesticulando, o começo de um batuque. O tambor começou a suar e logo um negro despindo a camisa branca, descalçando as chinelas vermelhas, saltou para o meio, os músculos salientes a brilhar, exibindo o corpo atlético de um deus grego queimado pelo sol.
Começou a andar em volta, olhando a multidão que o cercava, saracoteando o corpo, batendo ritmicamente os pés, em flexões que iam aumentando com rapidez. Dirigiu-se às raparigas que em monte o olhavam embevecidas, num conjunto de cores em que o vermelho e o amarelo predominam.
Cantava a mesma frase com intervalos em que o som fica suspenso no ar e continuava cada vez mais excitado, na sua movimentada dança, dando saltos mortais.
De vez em quando chegava-se ao pé do tocador de tambor, dobrava-se, batendo com os dedos no chão e levantava-se me seguida bem alto, apontando para alguns dos que ali estavam. Era o desafio para a luta.
Ninguém veio. Mais alguns saltaram para o centro e com as mesmas atitudes desafiaram outros. Ninguém veio. Tudo se parecia temer. Em volta, homens e mulheres procuravam animar, batendo compassadamente as palmas, acompanhamento o canto intermitente dos lutadores. Nada conseguiram. Em breve começaram a dispersar. O sol já tinha desaparecido lançando apenas no horizonte um pálido clarão, que mais fazia realçar a beleza eternas das palmeiras.
Em redor os homens, sentados à porta das cubatas, lavavam os pés, preparando-se para a oração muçulmana”.

Ruy Cinatti escreve este texto com 20 anos. Chamou-me à atenção a dedicatória que ele apõe:
“Para o muito caro José Vaz Pinto, esta recordação do nosso cruzeiro de maravilha com a amizade de Ruy Cinatti Vaz Monteiro Gomes”.

____________

Nota do editor

Último poste da série de 5 de Maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17321: Notas de leitura (953): "Buruntuma - Algum Dia Serás Grande - Guiné-Gabú - 1961-63", por Jorge Ferreira (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17330: Agenda cultural (558): Sessão de lançamento do livro de Graça Fernandes, “Aparições em Fátima – 1917”, hoje. dia 8, 2ªf, às 17:30, na Sociedade de Geografia de Lisboa. Um dos apresentadores é o cor inf ref e escritor Manuel Bernardo



Sessão de lançamento do livro de Graça Fernandes,  “Aparições em Fátima – 1917” (Lisboa, 2017, edição de autor), no dia 8 de maio de 2017, 2ªf, às 17:30, na Sociedade de Geografia de Lisboa (R. Portas de Santo Antão 100, 1150 Lisboa).

Convite que nos chegou, com pedido de publicação, da parte de um dos apresentadores, o cor art ref Manuel Bernardo, escritor e nosso leitor, autor de "Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné 1970/80".




___________________

Nota do editor:

Último poste da série > 5 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17320: Agenda cultural (557): Lançamento do livro "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo. Sábado, 6 de maio, às 15h30, em Leiria, no Celeiro da Casa do Terreiro. Apresentação do nosso camarada António Graça de Abreu. O autor fez parte do Grupo dos Amigos da Capela de Guileje.

Guiné 61/74 - P17329: Manuscrito(s) (Luís Graça) (117): Festa, alegria e folia no XII Festival Internacional da Máscara Ibérica (Lisboa, Praça do Império, Belém, 4-7 maio 2017)... O fascínio da gaita de fole!


XII Festival Internacional da Máscara Ibérica (FIMI), Lisboa, 6 maio 2017, Praça Império, Belém: Real Banda de Gaitas de Oviedo, Astúrias, Espanha.. Uma  referência cultural, um ícone,


Vídeo 1' 45''. Luís Graça (2017). Disponível em You Tube > Luís Graça


1. O Festival Internacional da Máscara Ibérica (FIMI), que se realiza em Lisboa,  já vai na sua 12ª edição. Este ano, pela primeira vez, foi no  Praça do Império, em Belém, um espaço cénico por excelência, enquadrado pelo mosteiro dos Jerónimos, o Centro Cultrural de Belém e o estuário do Tejo, um espaço mais imponente do que  a baixa lisboeta. (*)  

Fui lá, na tarde de sábado, para assistir ao desfile das máscaras ibéricas,  mas só levava uma das pilhas da máquina fotográfica meio carregada. A outra já tinha sido gasta num evento anterior, ao fim da manhã e almoço. Ainda  deu para fazer vários vídeos e bater algumas chapas.

Não posso, mais uma vez, deixar de mostrar, aos nossos leitores, através do vídeo  que  junto, o meu fascínio por este  instrumento, a gaita de fole (ou foles ou apenas gaita), da família dos aerofones. Fico feliz por,.  no nosso país a gaita mirandesa, em risco de se perder, nos anos 60 do séc. passado, devido à "modernização" da sociedade portuguesa, a emigração, a guerra colonial, a concorrência do acordeão, etc., conhecer hoje uma revitalização excecional, graças ao trabalho de muita gente, desde os etnomusicólogos aos artesãos locais.

O FIMI, este ano, contou com 36 grupos (metade portugueses) e mais de 650 participantes, que deram a Lisboa um clima de festa, alegria, magia e folia... a que se associaram milhares e milhares de lisboetas e turistas, numa comunhão de cumplicidade e universalidade (**).  Na paz ou na guerra,  no templo ou no teatro, a máscara foi usada e continua a ser usada para nos transfigurar, fazendo a  necessária ligação entre o profano e o sagrado, entre a vida e a morte, entre o racional e o irracional que há em nós. A gaita é um instrumento indispensável neste cenário.  Mas o festivale não é só desfiles, exibições e concertos...Este ano havia uma parte gastronómica fortíssima em que cada terra ou região pôde mostrar os seus trunfos em matéria de comidas e bebidas...E aqui o Portugal profundo continua a surpreender-nos com os seus vinhos, os seus azeites, o seu pão, os seus quejs, os seus enchidos, os seus doces... 

_______________

domingo, 7 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17328: Convívios (796): XXXI Encontro do pessoal da Magnífica Tabanca da Linha, dia 18 de Maio de 2017, em Carcavelos (Manuel Resende)

 

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Resende (ex-Alf Mil Art da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71) com data de 1 de Maio de 2017:

Caros membros da Magnífica,
Já foram contactados pelo Facebook, mas como há alguns que não ligam nada a essas tecnologias, que respeito, junto envio convite por e-mail.


MAGNIFICA TABANCA DA LINHA 

XXXI CONVÍVIO

Caros “Magníficos”, 
Vai-se realizar no próximo dia 18 de Maio de 2017, terceira quinta-feira do mês de Maio, o 31.º Convívio da Magnífica Tabanca da Linha, no Hotel Riviera em Carcavelos, já conhecido de convívios anteriores, e cuja morada, para os que não sabem, aparecerá no fim desta mensagem. 

Como de costume, as inscrições são feitas da mesma forma, ou seja: 
- No Facebook, clicando em "VOU" (não esquecer de indicar o número de pessoas). 
- Por e-mail ou telefone para: 
- Jorge Rosales - jorge.v.rosales@gmail.com - 914 421 882 
- Manuel Resende - manuel.resende8@gmail.com - 919 458 210 

INSCRIÇÕES ATÉ 15-05-2017 – (segunda-feira até às 24h)


- - - E M E N T A - - - BUFFET - - - - 

- Entradas - Pão, queijo, manteiga, salgados e outros 
- Sopa -  Aveludado de galinha com amêndoa 
- Prato quente -  Cozido à Portuguesa 
- Sobremesas - Leite creme - Salada de Frutas 
- Bebidas - Vinho Branco e Tinto Terras de Aleu – Douro Águas Minerais, Sumos, Refrigerantes 
- Café 

Preço por pessoa: 20.00 € 

HOTEL RIVIERA 
Rua Bartolomeu Dias, Junqueiro, 2775-551 Carcavelos 
Tel. 214 586 609 (Próximo da Marginal) 

Um abraço a todos
Manuel Resende
____________

Nota do editor

Último poste da série de 24 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17278: Convívios (795): XII Encontro do Pessoal da CCAÇ 2726, dias 14 a 18 de Junho de 2017, no Funchal (Luís Paulino, ex-Fur Mil)

Guiné 61/74 - P17327: Blogpoesia (509): "Um carro de fogo"; "Os discursos do piano" e "No cotovelo da praça", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728



1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Um carro de fogo

Espelhado no céu,
Um carro de fogo,
Esparzindo luz e calor,
Avança em vertigem
Até à linha do horizonte.

Se esbatem com luz
As copas ainda negras das árvores
E as linhas quebradas dos telhados.

Mais uns momentos
E uma bola gigantesca assoma
Numa festa viva
Que irá durar o dia inteiro.

Foi sempre assim, desde os tempos imemoriais,
Mesmo quando uma manta espessa,
Ensopada d’água,
O tolda e cega.

Agora, a terra acorda e exulta,
Mergulhada em vida,
Este mar imenso
Que a todos banha…

Berlim, 1 de Maio de 2017
5h50m
Jlmg

************

Os discursos do piano

Dá gosto ouvi-lo
quando, imponente e confiante,
sobe ao púlpito.
Discursa ininterrupto,
Se adrega, durante horas,
Com a mesma alma e entusiasmo.

É dele. Fala de tudo.
Sem subterfúgios.
Vai direito aos termos.
Não escolhe as notas.

Peremptório, se impõe sózinho,
Às orquestras impantes.
Nunca se fica.
A tudo responde pronto e certo.

Dá gosto ouvi-lo falar de Rachmaninov,
Seus concertos 2 e 3.
De Chopin. De Tschaykowsky.
Beethoven e tantos mais.

Arrebatador, ninguém fica a dormir.
Se forem exactas as mãos
De quem o toca.

Adora Rubinstein, apesar da idade.
Diverte-se com o fogoso jovem, Lang Lang
E suas cabriolas,

Saboreia os toques suaves e doces
Duma Hélène Grimaud
Ou da sensual Khatia Buniatiswilli.

Fica triste quando tudo acaba,
Apesar das palmas...

ouvindo concerto nº 1 para piano de Chopin
Berlim, 1 de Maio de 2017
20h59m
Jlmg

************

No cotovelo da praça

Nada passa no cotovelo da praça.
Tudo deserto.
Foram embora as barracas e os estendais.
Ficaram os paus estendidos p’lo chão.
Há papéis e garrafas plásticas vazias
Pelos cantos.

Tarda em passar o carro do lixo.
Aquelas bancadas fartas de tudo.
Fruta. Bolaria. Rolos de fazenda.
Cabides de roupa.
Pronta a vestir.
Em pano-cru ou cotim.

As albardas e arreios das alimárias.
Benfazejas.
Fazem tudo por palha seca e água na celha.
Restam ainda seus excrementos vegetais.

Voam moscas nas bancadas secas do peixe à mostra.

Há restos de cordas e amarras.
Alguns pregos presos ao chão.

E o vento louco na sua dança,
Vai varrendo as folhas
Como o diabo faz às almas
Quando entram no inferno…
Está mesmo na hora de me ir embora.

Ouvindo música de filmes
Berlim, 3 de Maio de 2017
8h49m
Jlmg
____________

Nota do editor

Último poste da série de 1 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17299: Blogpoesia (508): "Um banho de frescura..."; "Bosque verde..." e "A voz humana", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17326: Fotos à procura de uma... legenda (85): Nossa Senhora de Fátima de Guileje... a propósito do lançamento do livro de Luís Branquinho Crespo, "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje ou a caminho de Guileje > 2010 > "A Nossa Senhora de Fátima de Guileje"... A última doação à Capela de Guileje, uma imagem de N. Sra. de Fátima, trazida de Portugal por António Camilo e Luís Branquinho Crespo. 

Recordamos aqui uma mensagem do nosso saudoso amigo Pepito (1947-2014), com data de 16/3/2010:

"Luís: Mais uma importante contribuição dos nossos amigos da Capela de Guiledje, o António Camilo e o Dr. Luis Branquinho Crespo (na foto), que fizeram questão de se deslocarem a Guiledje para doarem a imagem da Nossa Senhora de Fátima à Capela. Este gesto tão bonito, foi acompanhado pelos votos de que esta oferta ajude a Guiné-Bissau a encontrar rapidamente os caminhos da Paz. Abraço. Pepito."

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2010). Todos os direitos reservados [ Edião e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário do nosso editor, inserido no  poste P17320 (*), a propósito do lançamento do livro "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo, advogado em Leiria, que esteve na zona leste, Xitole/Saltinho, entre 1968 e 1970, possivelmente a comandar um Pel Caç Nat (sabemos que no  final de 1968, ao tempo do BCAÇ 2852, o Pel Caç Nat 63 estava no Saltinho, o  Pel Caç Nat 53 em Bambadinca, e o Pel Caç Nat 52 em Missirá: em abril de 1969, o Pel Caç Nat 63 vai para Bambadinca).

 Luís, caro camarada da Guiné:

Antes de mais os meus parabéns pela publicação do livro "Guiné: um rio de memórias". Fico sempre feliz quando vejo um camarada meu, dos tempos da Guiné, exorcizar em livro, em prosa ou em verso, os fantasmas que ainda povoam a floresta galeria da nossa dorida memória..

Embora não nos conhecendo pessoalmente, o nome do Luís não me era estranho... Não estudei em Leiria, sou da Lourinhã e acompanhei, à distância, através do meu amigo de infância Álvaro de Carvalho, hoje conhecido psiquiatra, a irreverência e a inquietação, poética, cultural e cívica, da sua geração (onde se incluem figuras públicas como o Alberto Costa...) enquanto estudantes do liceu de Leiria... Recordo-me de ler, fascinado, o vosso jornal e sobretudo a vossa produção poética...

Por outro lado, tenho velhos e bons amigos aí, em Leiria (...). Vou, desde 1975, com alguma frequência à bela capital do Liz... É nesse concelho, em Monte Real, que se tem realizado, todos os anos, desde 2010, o Encontro Nacional da Tabanca Grande, o mesmo é dizer, do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, que tem 13 anos de existência...

Em contrapartida, sinto-me constrangido, ao escrever-lhe, porque nunca cheguei a dar resposta, que eu me lembre, ao seu amável convite, de 2/12/2013, para aceitar apreciar e comentar o seu manuscrito e ajudá-lo a encontrar um editor. Remexendo numa das minhas várias caixas de correio, deparei-me com a sua mensagem... Nem sequer foi aberta, o que é lamentável, mas eventualmente desculpável: nessa altura, eu ainda estava no ativo, como professor universitário, e nem
sempre conseguia dar resposta aos muitos mails que recebia, quer por razões profissionais, quer na qualidade de editor do blogue. Confesso que não me lembro desta sua mensagem...

Peço-lhe, tardiamente, que aceite as minhas desculpas. Fico feliz por ter encontrado um editor, para mais da terra. Vou ler o livro e prometo fazer-lhe uma bela recensão, eu ou o nosso crítico literário
Mário Beja Santos. Também seria interessante podermos publicar o texto de apresentação.(...) Sei que o apresentador é de cinco estrelas, o meu amigo e nosso camarada António Graça de Abreu.

E faço questão desde já de o convidar, a si, Luís, para integrar a nossa Tabanca Grande. Somos já 742 os grã-tabanqueiros registados (54, infelizmente, já falecidos)... O Luís tem por certo histórias e fotos para partilhar connosco. Para já, e para o apresentar, só preciso de duas fotos, uma do tempo da Guiné e outra atual, e um pequeno CV militar...

Em tempos publicámos uma espantosa foto que o saudoso Pepito nos mandou com o Luís, de costas, "desembrulhando" a nossa senhora de Fátima de Guileje... Na altura o Luís foi, com o Camilo e o Pepito até Guileje, fazer a entrega da imagem... É uma belíssima e feliz imagem, que junto remeto, para o caso de não a ter. O Luís, afinal, fez parte do Grupo de Amigos da Capela de Guileje! (**)

Receba uma alfabravo do camarada Luís Graça.
____________


Guiné 61/74 - P17325: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXI Parte: Cap XII - Op Tesoura, Cadique, dezembro de 1965: "Meu furriel, eu sou um criminoso, um assassino! Numa das casas, quando lancei a granada, estava um bebé a chorar lá dentro!" (1º cabo Cigarra)


Guiné > Região de Tombali >  Cufar >  CCAÇ 763 (1965/67) > "Tomada de assalto a tabanca [, Cadique,] que se encontrava deserta, obviamente procede-se à sua destruição. Os Vagabundos, comandados por Mamadu, terão essa tarefa como determinado. Simples: porta aberta, granada incendiária descavilhada para dentro, porta fechada e fugir para se abrigar. Em segundos o que era uma morança, é uma cópia do inferno de Dante."

Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.


Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]

Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XVIII Parte > Cap  XII - Guerra 3 (pp. 70-76)

por Mário Vicente

Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele;

(xvii) depois de umas férias (... em Bissau), Mamadu regressa a Cufar e á atividade operacional: tem em Catió, um inesperado encontro com o carismático capelão Monteiro Gama...

(xviii) Op Tesoura: dezembro de 1965,  tomada de assalto a tabanca de Cadique, cujas moranças  são depois destruídas com granadas incendiárias.


Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXI Parte: Cap XII:  Guerra 3 (pp. 70-76)



XII Guerra 3


Dezembro de 1965. Quinze horas do vigésimo primeiro dia. O bulício na messe de sargentos era grande, pois tinha havi­do correio e toda a gente comentava as notícias. As mais ínti­mas guardavam-se para a décima vez de leitura, mesmo depois de decoradas, por terem um sabor especial. De repente tudo se alterou. Bastaram estas simples palavras do Amadeu, cabo da secretaria:
- O nosso capitão chama ao comando os nossos sar­gentos e furriéis.

Torcásio teve uma cólica de tal maneira que correu ime­diatamente direito à latrina. Alguns dar-lhes-ia, mais tarde, a revolta aos intestinos, enquanto outros, pensando para onde seria, iam sentindo o estômago apertando-se… apertando-se, de forma que só nele caberia um trago de whisky, já que ajudava um pouco a controlar o nervoso miudinho que sempre aparecia nes­tas ocasiões. Interessante a reacção dos homens a estas situa­ções. A ansiedade, a incerteza do momento de contacto, princi­palmente quando se progredia na mata, punha os nervos em franja. Era medo? Sim! Mas esse controlava-se. A dúvida de onde, como e quando o IN se manifestava, é que tornava a guer­ra difícil e asfixiante. Após o contacto se efectuar, parecia to­mar-se um tónico,  aí, então, a cabeça raciocinava logicamente e a máquina de guerra começava a funcionar. 


Mamadu, apesar de menino dos Rangers de Lamego, teve bastantes dificuldades de adaptação nos primeiros tempos de Guiné pois, quando começava o tiroteio, não conseguia deitar-se. O seu corpo saltava impelido por um "mola", uma  estranha força a uma altura de meio metro. Tinha de estar de pé para tudo observar. Teve sorte porque se tornava num alvo facílimo. Com o tempo foi-se adaptando, e pôde por fim utilizar as teorias e práticas de contra-guerrilha insufladas nas serras do Marão, Meadas e rios Douro e Balsemão.

Verificando as presenças, Paolo informou Carlos de estarem todos os (des)interessados na excursão.

Carlos, com a sua fluidez e síntese, explanou então aos alferes e sargentos, a excursão a efectuar. Coisa simples, ir ao outro lado do Cumbijã onde, como já sabíamos, punha e dispunha o nosso amigo João Bernardo Vieira, ('Nino'). Objectivo: varrer a região de Cadique e destruir as instalações dos nossos amigos na região. Esta simpática visita seria intitulada operação Tesoura e teria a colaboração de mais uma companhia do batalhão, bem como a habitual ajuda de duas secções, do João Bacar Jaló, comandadas pelo Quêba. O embarque seria no cais de Impungueda e a LDM desembarcar-nos-ia no tarrafo junto à bolanha, próximo de Cadique Iála.

Vinte horas do mesmo dia. Os três grupos de combate estão formados em frente ao comando. Cinco minutos depois, é dada ordem de progressão até ao local de embarque. Em coluna, "fila de pirilau" pela ordem determinada, segue à cabeça, uma secção da milícia comandada por Gibi, seguida pela secção dos Vagabundos do furriel Mamadu; depois as secções de Chico Zé e Tambinha do 2°. grupo de combate; seguidamente viria o comando com uma secção de milícia e o 3°. grupo; fe­chando a coluna o 1°. grupo de combate.

O embarque efectua-se pelas 02h30 no máximo silêncio. O desembarque no local determinado também sem problemas, a lancha regres­sa e a companhia começa a progressão para o objectivo. Pelas 3hOO somos flagelados pelo IN. Nada de resposta, nada de denunciar posições, mas em certa parte o alerta estava dado. Tinha-se perdido a surpresa.

4hOO, aguarda-se um pouco mais o clarear do dia para se começar o assalto e a destruição das instalações inimigas. Próximo das 5hOO, tomam-se as posições de assalto. Quêba e seus homens, que passam a noite a mascar cola, formam a primeira linha; o 2° grupo de combate faz a cobertura; o 3° e o 1 ° . grupos fazem o envolvimento lateral.

5h10. Carlos dá ordem de assalto. Por momentos, vivemos um verdadeiro holocausto. Mamadu ordena:
- Olindo, já!

Sai a primeira dose da bazuca, depois grita para o homem da MG42:
- Ferreira, varre os poilões à direita.

O matraquear das G3 é ensurdecedor, a penumbra e neblina matinal não definem correctamente ainda a forma das coisas. Com o fumegar e saída dos projécteis das espingardas, parece que a terra se abriu para dar saída a um enxame de pirilampos.

Parecem cobras deslizan­do por entre o capim, Mamadu, já na operação Saturno, tinha tido oportunidade de acompanhar estas máquinas de guerra: cor­rida em zigue-zague, quinze a vinte metros, paragem imediata, joelho em terra, olhos de águia rompendo a frente, três segundos para perscrutar o horizonte, rajada varrendo a frente, nova corrida e assim sucessivamente, até se consumar o assalto.

Sabe-se que a guerra é um meio de destruição do próprio homem, mas quando o sangue ferve e temos de matar para não morrer, tudo se transforma nesse momento.

Tomada de assalto a tabanca que se encontrava deserta, obviamente procede-se à sua destruição. Os Vagabundos, comandados por Mamadu, terão essa tarefa como determinado. Simples: porta aberta, granada incendiária descavilhada para dentro, porta fechada e fugir para se abrigar. Em segundos o que era uma morança, é uma cópia do inferno de Dante.

E se está alguém lá dentro? Não seria a primeira nem a última!

Após a destruição efectuada, Mamadu reagrupa a secção, mas algo estranho acontecia, o cabo Cigarra chorava. Preocu­pado.  o furriel pergunta:
- O que é que foi, pá? Estás ferido?

Há sempre um estilhaço que nos pode apanhar. Mas o cabo diz não ser nada, talvez do fumo possivelmente.

Sem problemas esta fase da operação. Pior a batida à mata de Cadique Iála onde as coisas se baralharam um pouco com forte resistência do IN. Com o apoio aéreo resolveu-se a questão e, milagrosamente, desta vez sem um ferido sequer. Há horas felizes!

Batida que foi a mata, a companhia deslocou-se para a estrada de Cadique, onde se garantiria a protecção a um grupo de combate dos páras que iria entrar em acção.

Concluída a operação, havia que reembarcar, no cais de Cadique Nalu. Embarque um pouco atribulado pois, para além do cais estar destruído, a maré ainda a encher, a lancha tinha problemas para encostar, houve que entrar no lodo até aos joelhos. Coisa da guerra que,  como já se viu,  a preparação era feita como no jogo do pau. Aprendia-se a levar pancada. 

Finalmente lá se embarcou, descurando um pouco a segurança, é verdade, mas hoje é o nosso dia e a sorte também conta nesta vida de antiguerrilha. Não se pode levar sempre porrada,  carago, como costumava dizer, na sua típica linguagem tripeira, esse grande amigo que é António Pedro. Tivemos bas­tante sucesso na operação, conforme informações posteriores que confirmaram termos causado baixas significativas ao IN, já por nós calculadas dados os rastos de sangue que verificáramos na mata.

Camuflados cheios de lama e todos molhados, já na lancha, ainda alguém se lembrava de ter envolvido cigarros e isqueiro (nessa altura já não era obrigatória a licença) em saquinho milagroso de plástico. Geralmente almas caridosas, pelo que Mamadu come­çou a deliciar-se com umas gostosas fumaças, enquanto a lancha fazia marcha à ré até alinhar pelo meio do rio. Hora de sabor e de sonho. Mas o cabo Cigarra, continuava estranho! Mamadu estava preocupado.

Aproveitando a maré enchente, a LDM desliza suave­mente rio Cumbijã acima rumo a Cufar, num ronronar silencioso.

Em sentido contrário, o meu pensamento aproveita a deslizante maré para se transformar, e desgovernado rodopia e avança em louca navegação sem instrumentos de bordo, num abandono fantasmagórico de barco sem timoneiro.

Qual o ganho desta revolta sem ânimo, se o desalento que me assalta não leva a lado nenhum, nesta trama trágico-marítima? Fora do tempo e do modo, galopante,  a tua lembrança de mulher aparece! Descubro-te agora figura não apagada nos teus olhos negros vivos e cintilantes.

Corrói-me a inexistente coragem - forte motivação - para existir para ti e contigo. Sinto-me possuído e consumido por febrão de paludismo incurável, na existência da tua imagem. Num décimo de segundo tenho de abandonar-te, figura presente. O matraquear das PPSH, as 'costureirinhas', e o sibilante assobiar das metralhadoras Degtyarev passam uns metros acima da blindagem. O cabo marinheiro põe o motor da lancha numa po­tência louca, os dois fuzos agarram-se à metralhadora cobertos pela blindagem, ordem imediata para ninguém levantar cabe­ça. Apesar de mais de cem homens a bordo, a lancha levanta a proa e o doce deslizar transforma-se em louca hidroplanagem rio acima.

Não resisto. É mais forte do que eu. Pé sobre a rampa da lancha, espreito. O rio neste local alarga um pouco, mas é nítido o fumegar das Preciosas no tarrafo. A experiência do marujo é importante. Aproxima-se mais da margem contrária. Ouvi neste momento nitidamente o estampido cavo, da saída de granadas das RPG2. A coisa está preta. O motor continua no seu louco ronco forçado.

Mais uma vez volto a ti. Sinto-te perto de mim. Rodopiamos ao som da banda, junto ao Pelourinho. A minha mão esquerda aperta com sensibilidade extrema a tua mão direita, enquanto o meu braço, com enlevo, envolve o teu frágil corpo. Um balanço mais forte, um estrondo fortíssimo e escorrego pela blindagem da LDM. Aperto contra o peito a minha companheira G3, imagem há pouco transformada em ti. Um braço amigo segura-me. Uma granada de RPG tinha rebentado por cima da blindagem do abrigo da metralhadora. Cigarra, meu cabo amigo continuava para além da sua defesa, junto a mim. Espero, meu amigo, que a sorte nos sorria, assim como tu não me abandonas. 

Um ferido ligeiro, não é nada mau. Um pequeno esti­lhaço no ombro do fuzo impecavelmente tratado pelo Juvelino que tinha tanto de bom enfermeiro, como de tarado sexual. A zona de emboscada passou. A LDM voltou ao suave deslizar sobre as águas do Cumbijã. No cais de Impungueda, as viaturas esperavam o desembarque dos grupos de combate. O fuzo seguia na lancha até ao navio patrulha, o qual já entrara no rio para fazer a cobertura.

No cais, o furriel Mamadu, comandante dos Vagabundos, saltou para o unimog e sentou-se na capota por cima do moto­rista, como era habitual. Cara encovada, cheia apenas por uma barba mal arranjada, olhos fundos, ar de poucos amigos, gritou para o cabo Cigarra:
- Esta merda está pronta?
- Sim, meu furriel!

Respondeu o cabo no seu modo sereno e simples. Mamadu fez sinal ao alferes do grupo de combate, levantando o polegar da mão direita, que por sua vez informou Carlos. Após dez minu­tos de espera por causa das Amélias se acomodarem, que em to­dos os lados as há, a coluna arrancou direito, ao aquartelamento.

À chegada, como de costume, o pessoal que tinha ficado em Cufar aproximava-se e queria saber como tinha decorrido a Operação. Os valentes do arame farpado queriam saber se havia algum prisioneiro, para molharem a sopa. Necessidade psíquica para estes heróis ultrapassarem a cobardia fora do arame, e assim limpar o cu, borrado ainda da última saída ou flagelação às instalações!

Mandados destroçar os grupos de combate, cada qual foi tomar o seu magnífico duche, sob os bidões de gasolina ou petróleo, não importava, desde que tivessem água. Quem não tivesse bidões que a puxasse a pulso com baldes do poço. 

Nesta época já Mamadu, Francisco José e António Pedro dividiam entre si o quarto de adobe, reconstrução de armazém da antiga quinta do sr. Camacho. Mamadu pediu a Amadu, soldado nativo impedido dos três furriéis, para lhe limpar a G3 e os carregadores, bem como o cinturão e cartucheiras, e dirigiu-se para os chuveiros. Jata cantarolava debaixo da água.
-Amadu! Quero roupa lavada, calças e camisa civil - gri­tou Mamadu.

Depois de atirar com o camuflado cheio de lama para um canto, meteu-se debaixo do chuveiro e sentiu a água morna como que saída do esquentador. Que merda de terra esta, até a água fria é quente!... Se os americanos tivessem estas condições, não paravam um dia no Vietname! Só mesmo o portuguesinho aguenta esta porra, cogitou enquanto se ensa­boava.
-Amadu! - voltou a gritar-Diz ao Lopêz que quero o copo de bambu cheio e gelado!
-Furiel, bó cá cume nada? Bó cá tem cabeça,  furiel!
-Amadu, cala a boca e faz o que furriel manda, meu saco de carvão!
-Chi, minino, lassa picou mesmo furiel Mamadu! Mim bai chama Miriam, mim cá entende furiel, hoje!
-Bó suma burro de Bafatá!- gritou Mamadu enfure­cido.
-Vem buscar o camuflado que está cheio de lama e faz tu conversa giro com Miriam. Gosse gosse, tira esta merda daqui.

Jata tinha saído do chuveiro, calçou as sabrinas e enrolou a toalha à cintura, sem se limpar. Olhando para Vagabundo que tirava a espuma do corpo, deu um assobio de piropo e disse:
-Manga de ronco. Conforme estás hoje, há festa da grossa!
-Não me chateis, também tu! Zarpa! Fora! Vai levar onde levam as galinhas.

De facto não se encontrava bem... Sentia-se neurótico. Queria estar só, não queria ver, ouvir, sen­tir, ninguém por perto. O ego exige-nos muitas vezes o isolamen­to. Há momentos que são só nossos. Deixem-no só, por favor!...

Vagabundo estava mesmo no fundo. Vestiu-se lentamente, da mesma forma, descalço aproximou-se do bar e sen­tou-se num canto sozinho. O Lopêz conhecia já as tempestades e os tornados perfeitamente, pelo que, com a sua sensibilidade, evitava-os. Devagar, mais parecendo deslizar sobre gelo, levou o velho copo com dose dupla, colocou-o sobre a mesa, e mais uma vez adivinhando tudo, junto colocou um maço de Português Suave e uma caixa de fósforos. De idêntica forma deslizou para detrás do balcão, e a sua boca continuou um túmulo. Tão bem que nos conhecias, Lopêz, e quão mal nós te tratávamos!

Ao primeiro gole, o velho copo ficou meio. Um pouco nervoso, Vagabundo abriu o maço de cigarros, acendeu um e também este ficou pelo meio na primeira passa. Ao lado, mas silencioso, Chico Zé observava e adivinhava que Mamadu esta­va voando em direcção ao Alentejo. Verdade! Mas já não voava, tinha aterrado numa praça onde existia um pelourinho.

Conheci-te menina e moça. És um ano mais velha que eu. Eu ainda adolescente, com borbulhas na cara a despontar uma rara barba, sorrindo introvertido, envergonhado, olhos no chão. Por vezes, num arranque de dignidade, tentava procurar os teus olhos, com o rubor na face de te querer namo­rar.

Ninguém nos ajudou, ninguém nos desculpou, antes pelo contrário, tentaram conspurcar. As nossas mãos límpidas e cora­ção puro para uma simples paixão jovem. Hoje, tão longe tão per­to desse tempo, recordo com angústia que ninguém quis deixar­-nos provar a límpida água da ébria nascente dos nossos sonhos.

Espreitámo-nos por entre janelas de cortinados arren­dados, tendo o pelourinho como sentinela, arvorado em cúmplice guardião, em dias cálidos de verão, ou sorrir de sol em tardes de festa do Santo Mártir. Na sombra das acácias, teceram-se teias de segredos e ternura contida.

Nos meus olhos, a doce tentação do emanar da mensa­gem possível. A vastidão do forte sentir, a envolvente aventura da alma, na ânsia da emoção mal disfarçada. O encoberto e silenciado crime do meu (nosso?) amor, era a certeza de coisa sofrida no amplificar dos sentidos, tentando perscrutar o inaudível me­lódico som de guitarra chorando.

Uma mão tocou-lhe o ombro, e acordou. O Chico Zé tinha-se aproximado, a mão fez mais pressão e falou baixinho:
- Que é isso,  pá? Escreve pelo menos!
- Nunca! Dói-me muito.

Gargalhada.

-Nunca digas nunca. A malta não pode ficar assim. Vamos comer qualquer coisa, depois vão uns fadinhos de Coimbra, O.K.? Anda lá. Espera, vamos primeiro provocar o Jata.

Mamadu reagiu, limpou a garganta com o resto do Dim­ple e, conjuntamente com o Zé, atacaram:

"Diziam que era a mais bela de Andaluzia
Mais bela quando cantava à luz do luar,
Manuela .... Manuela ... "



Jata deu um salto no outro lado da sala e gritou:

- Cabrões! Lopêz dá-me uma 'bazuca'! (A 'bazuca' era um acerveja de 6,6 dcl.)

Não podia ouvir esta canção, tinha de recorrer à cerveja para apagar, ou pelo menos diluir, a lembrança sentida da mulher amada. Quase enlouquecia. Por vezes a dor era tão forte que as lágrimas rolavam-lhe pelo rosto em pérolas de saudade.

Carlos Manuel e António Pedro aproximavam-se, depois outros. Estava o coro formado. Olhos nos olhos, a guerra pre­sente morria naqueles momentos.

"Ao longe sulcando o espaço
Vai um bando de andorinhas”


O pensamento daqueles jovens, tornados homens de guerra, voava também com as andorinhas. Uma, de certeza, pousaria docemente no campanário da Matriz de N. S. do Paço, e chilreante, tentaria transmitir uma mensagem ao pelourinho.

Era nestas alturas que Lopêz se tornava Chefe man­dante, como ele o sabia fazer tão bem.

-Como é que é, hoje não se come? Vá.  meninos, para a mesa! Depois dizem que a comida não presta.

Abeirava-se mais junto do grupo e sussurrava baixinho, na sua voz gaguejante:

- Olhem que o G3 (, alcunha do primeiro sargento da companhia, ) já está a resmungar.

Aceitavam-se, por vezes, as ordens do Lopêz e o pessoal lá se ia sentando para a opípara refeição, tendo ainda o trabalhão de consultar a lista para escolher o menu:

Esparguete guisada com carne de vaca,

Carne de vaca guisada com esparguete,

Carne de vaca acompanhada de esparguete,

Esparguete para acompanhamento de carne de vaca. 

Difícil!

- Quem me escolhe a ementa hoje que eu estou indeciso? - pedia Tambinha, solícito.
- Come e cala, senão vais pró rancho geral comer baca­lhau amarelo com ciclistas ou batatas podres.

Era verdade. Por vezes não havia facilidades de abaste­cimento, várias vezes se tinha recorrido ao arroz pilado nas tabancas. E que mais queria a malta?

Não havia de vez em quando perdiz, pato, pombo verde e outras aves caçadas pelos doentes da caça?! E gazela com feijão frade?!...


Cada mês havia um gerente de messe. Quando calhava o Mamadu ou o Chico Zé, o G3 entrava em pânico pois não sobra­va um peso, e se as contas davam alguma coisa a favor, havia. bebidas de borla para toda a malta.

Vacas, isso não havia problemas. Quando o stock estava a acabar, fazia-se a operação Vacas. Só de voluntários, pois não se queria muita gente. Poucos, mas dos bons. Parecendo fácil, era muito difícil e extremamente perigosa. Vamos a uma:

Zona: Bolanha da tabanca de Boche Mende entre a mata de Cufar e Cabolol, só a pronúncia deste último nome, dava logo para fazer uma selecção.

Armamento: G3, um lança granadas foguete, uma MG42, granadas de mão ofensivas e defensivas.

Munições: à descrição.

Operação: o grupo de combate não poderia ter menos de trinta homens nem mais de trinta e cinco. O grupo seria dividido em três subgrupos: dois de segurança e um de "campinos".

O grupo saía direito ao cais de Cufar e seguia pelo tarrafo acima até junto à mata de Cufar Nalu. Assim que encon­trasse local apropriado, cambava o rio Manterunga, para o lado da bolanha de Boche Mende. Nesta zona de ninguém, tabancas que se encontravam abandonadas, existiam várias manadas de vacas. Localizada a manada que estaria em melhores condições de manobrar, era montado o dispositivo de segurança pelos dois grupos para esse efeito. Depois seria o trabalho dos "campinos" que tentariam reunir e conduzir o maior número possível de ca­beças para o local onde se cambaria o rio. Não era fácil, pelo contrário, exigia perícia, sangue frio e valentia. A primeira dificuldade, consistia em separar o touro dominante, chefe da manada, dos restantes animais.

Havia duas opções que só no terreno, e no momento se podiam determinar, resultando daí o sucesso ou insucesso da operação. Ou se abatia o touro e corríamos o risco de sermos detectados por algum grupo do PAIGC que andasse próximo, ou até espantar a manada. Tentava-se ir calmamente isolando o macho, de forma a manada ser conduzida facilmente. Tudo muito bem no papel, mas no terreno, só com gente com sangue mais frio do que rãs.

Nem sempre sucedeu bem e uma vez tivemos de pedir o auxilio da artilharia e dos morteiros 81. Com o rabinho entre as pernas e sem vacas, voltámos ao aquartelamento. Outros dias de sucesso compensavam generosamente esse desaire.

Após o jantar, o furriel, como de costume, passou pelo abrigo da secção para verificar o moral da malta. O pessoal estava contente, as coisas tinham corrido bem, havia uma mesa de lerpa, que terminou imediatamente à entrada do chefe dos Vagabundos. Alguns escreviam à luz do candeeiro, feito das garrafas de cerveja com mechas e petróleo lá dentro. O cabo não estava. Há problema!, pensou Mamadu. Perguntou então onde é que ele se encontrava ao que o Ferreira, o homem da MG42, respondeu, dizendo tê-lo visto jun­to ao cajueiro, em frente ao abrigo. Dirigindo-se para lá, dá com o mesmo quadro, o cabo a chorar.
-Que se passa pá, há problemas com a família?!. .. São saudades?!. ..

O cabo engasgou, um soluço abafado e triste saiu-lhe da garganta, virou a cara e disse, soluçando:
-Meu furriel, eu sou um criminoso, um assassino! Numa das casas, quando lancei a granada, estava um bebé a chorar lá dentro!

Mamadu apertou-lhe o braço com força, olhou para o céu e blasfemou, gritando!

-Oh, Deus! Oh, Tu que em tudo mandas, acaba depressa com esta merda de guerra suja, ou então Tu próprio tens de nos perdoar.

Grandes problemas existem nesta guerra, mas aparecem como acto natural, em natureza perversa e suja. Não há impos­síveis. Tudo hoje nos aparece como normal, nesta sujeira envol­vente de lama.

Na parte nova do aquartelamento, ainda no abrigo da secção, estava Vagabundo uma noite a dormir a sono solto, quando pelas vinte e quatro horas, mais ou menos, foi acordado pelo Orlando que estava de sentinela.
- Meu furriel! Meu furriel!
- O que foi?

Perguntou Vagabundo levantando-se e pegando imediatamente na G3.
- Não é nada, não faça barulho, deixe a arma venha ver, por aqui!

Saíram contornando as bananeiras, junto ao cajueiro, Orlando disse baixinho:
- Olhe ali para o curral das vacas, junto ao poilão!

Mamadu ficou pasmado, embora o luar não fosse o natural de África, pois a noite apresentava-se um pouco escura. A cena não era só visível, mas perfeitamente audível. O Fumaça, empoleirado nas raízes do poilão, calções em baixo, possuía a vaca preta, a Pretinha,  como se lhe chamava derivado da sua man­suetude. A mão direita afagava o bicho, enquanto se ouvia uma voz rouca e trémula de excitação:
-Está quieta, pretinha ... está quieta ...

Vagabundo
ia dar um berro. Dominou-se, pegou no braço de Orlando e sussurrou:
-Anda, vamos embora, os outros não utilizam a cabra? Deixa os animais,  coitados,pois é deles a noite como dos lobiso­mens. É o que esta maldita guerra faz de todos nós! Não somos animais, rapaz, somos bestas.

Fumaça ficou satisfazendo os seus instintos animalescos, e Vagabundo, num turbilhão mental de dor, de revolta, de dó e de confusão, pensou num ser Superior. Pensou, pensou, até entrar no escuro, e não conseguiu resposta nenhuma. Mas sentiu uma certeza: Deus deve estar completamente desfeito e desi­ludido, ao verificar a merda em que se transformou o homem que criou.

_______________

Nota do editor:

19 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17258: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XX Parte: Cap XI - Como se Constrói uma Capela... ou o insólito encontro com o carismático capelão Monteiro Gama, do BCAV 490 (Binta e Farim, 1963/65)

sábado, 6 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17324: Manuscrito(s) (Luís Graça) (116): Nada disto é fado...ou o encantatório "Fado Saltério", 2º teledisco dos "Melech Mechaya", tema fortíssimo que assinala o lançamento do novo disco "Aurora"



Com a devida vénia... You Tube > Melech Mechaya 

Vídeo 5' 02''


1. "Fado Saltério" ?... Felicíssima combinação... O saltério era um instrumento antigo de cordas, muito popular na peninsula ibérica nos tempos modernos, dando origem a um instrumento triangular moderno com 13 ordens de cordas....Mesmo assim pouco comum, nas nossas bandas de hoje...

 Confesso que é um tema que me fascinou desde que o ouvi há uns tempos atrás, ainda em "laboratório"... Agora no teledisco é encantatório, que é algo mais do que fascinante... É um tema poderoso, para se ouvir "ao romper da bela aurora" ou ao "pôr do sol", ou a qualquer hora do dia ou da noite, em que a gente precise de um sopro de vida...

O grupo, os "Melech Mechaya",  continua a escancarar portas, a fazer fusões, a dar-nos novas sonoridades... e neste caso dá um contributo espantoso para a reinvenção / renovação / reconstrução  do fado... E o teledisco, realizado pelo talentoso Miguel Veríssimo, também merece nota "5 estrelas". Está lá tudo, o humor e o amor, a nossa humanidade, a alegria e a tristeza, a sedução e o pudor, a exaltação e a melancolia!.. Está lá a vida, na sua bipolaridade, estamos lá  todos, está a nossa idiossincrasia portuguesa!...

Meus amigos, isto é música da boa, portuguesa, universal, feita por gente nossa, talentosa! (... Não me posso alargar em adjectivos, porque sou fã do grupo, de há muito, logo um pouco suspeito)... Boa sorte para o novo disco, uma boa e bela "Aurora"... Muitas, boas e belas "Auroras"...

Para saber mais sobre o novo disco "Aurora", o 4º do grupo, a ser lançado no dia 12/5/2017, clicar aqui.


2. Em tempos escrevi esta letra para os Melech Mechaya... Não passou no "crivo", mas agora penso que podia ser cantada, e que era apropriada para este "Fado Saltério"... Sem imodéstia... 


nada disto é fado

nada disto é fado, é apenas história, indevida, 
ruas do ouro e da prata, de outrora, querida. 

colina acima, rua abaixo, no metro de lisboa, 
ou no amarelo da carris, é a vida, à toa. 

a vida é um assalto à caixa de pandora, meu amor, 
beware of pickpockets, avisa o revisor. 

alcântara, a ponte de fogo, suspensa
sobre a tua cabeça,  e a nossa raiva, tensa. 

em almada, a teus pés, tens o estuário do tejo, 
mas é na solidão do terreiro do paço que eu mais te desejo. 

compro castanhas, quentes e boas, com ternura,
enquanto a vida segue pelas ruas, sujas, da amargura. 

nada disto é fado, é apenas história, indevida, 
ruas do ouro e da prata, de outrora, querida. 

lisboa, 21/3/2011

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 16 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17248: Manuscristo(s) (Luís Graça) (115): O compasso pascal

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17323: Efemérides (249): Dia 7, domingo, dia da mãe... O Museu da Marinha oferece bilhetes às mães para a exposição "Vikings - Guerreiros do Mar", composta por 600 peças originais provenientes do Museu Nacional da Dinamarca... A não perder.


O cartaz e o convite é do Museu da Marinha, em Lisboa


A TUA MÃE É UMA GUERREIRA! SERÁ QUE TAMBÉM É VIKING? VENHAM AMBOS DESCOBRIR…

A Marinha Portuguesa irá oferecer bilhetes para o Museu de Marinha no próximo dia 7 de maio a todas as mães.
O Museu de Marinha apresenta ao público a exposição “Vikings - Guerreiros do Mar”, composta por mais de 600 peças originais provenientes do Museu Nacional da Dinamarca.

O termo Viking é habitualmente usado para se referir aos exploradores, guerreiros, comerciantes e piratas nórdicos que invadiram, exploraram e colonizaram grandes áreas da Europa e ilhas do Atlântico Norte entre o final do século VIII e o século XI.

A cultura viking tinha um carácter essencialmente guerreiro, pelo que estes “homens do norte” eram conhecidos pelas suas espadas, sendo que os mais ricos e poderosos tinham as melhores e mais belas.

Mas ficaram também conhecidos pelos seus longos e característicos navios, que também utilizaram para estabelecer rotas de comércio que perduraram durante séculos. 

Traga a sua mãe e venha celebrar o dia da Mãe connosco, venha viajar nesta Aventura Épica, no Museu de Marinha.

Oferta válida para a mãe, na compra do bilhete para o/a descendente. Deverão ser portadores de BI/CC. Os bilhetes apenas poderão ser adquiridos na Bilheteira do Museu de Marinha, não sendo possível a sua compra Online.
_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 25 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17283: Efemérides (248): 25 de Abril: Um regime em conspiração (Carlos Matos Gomes, Cor Cav)

Guiné 61/74 - P17322: Homenagem aos limianos que morreram pela Pátria nas guerras do ultramar (Mário Leitão) - Parte IV





Mário Leitão,  farmacêutico reformado, 
residente em Ponte de Lima, ex-fur mil de Farmácia, Luanda, 1971/73. 



(Continuação)








De José da Silva Sousa a  Manuel Fiúza Parente Bouças  (n=14)
.

1. Continuação da divulgação do artigo publicado na Revista Limiana (I Série, 2007-2014, nº 37, abril de 2014, director: José Pereira Fernandes), da autoria do nosso camarada e grã-tabanqueiro Mário Leitão.

Proprietário da Farmácia Lopes, em Barroselas, Viana do Castelo, farmacêutico reformado, residente em Ponte de Lima, ex-fur mil de farmácia, Luanda, 1971/73, o Mário Leitão tem-se dedicado, de alma e coração, à recolha e tratamento da informação relativa aos limianos,  os naturais do concelho de Ponte de Lima, mortos nos TO de Angola, Guiné e Moçambique bem como no continente ou outros territórios, no cumprimento do serviço militar, no período que abarca a guerra  colonial (1961/74).

Júlio de Lemos Martins Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 779,
morto no TO  Guiné em  2/8/1965, por afogamento.  
A lista (52 nomes no total) é enriquecida com fotos e valiosas notas biográficas. Depois dos 24 primeiros nomes (*), publicam-se os 14 seguintes. Os camaradas mortos no TO da Guiné vão assinalados por nós a vermelho (sublinhado). São 4 nesta lista, tendo pertencido às seguintes subunidades/unidades:

DInt 707;
CART 3359 / BART 3844;
CCAÇ 797 / BCAÇ 559,

Não há indicação da unidade a que pertenceu o José da Silva Sousa.

Um dos nossos camaradas limianos que não voltou à sua terra natal foi o Júlio de Lemos, cuja memória já tinha aqui evocada pelo Mário Leitão (**). 


Guiné 61/74 - P17321: Notas de leitura (953): "Buruntuma - Algum Dia Serás Grande - Guiné-Gabú - 1961-63", por Jorge Ferreira (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Num futuro não muito longínquo, os investigadores e todos aqueles que pretendam fazer a historiografia da nossa guerra, terão de se implicar no visionamento destas imagens e nas que se seguiram. Nas que primorosamente Jorge Ferreira organizou temos uma Buruntuma que antevê a guerra, que se fortifica, que vigia as fronteiras. São imagens de encontro, de descoberta, não há ali uma só ruga ou vinco de hostilidade, naquele ponto ermo onde em breve vai troar a artilharia e instalar-se o desassossego permanente. E temos que ter orgulho sabendo de antemão que esses historiadores terão no nosso blogue um fonte documental e imagística ímpar, sem rival. Sim, temos que ter muito orgulho no peso desta memória e no permanente cuidado em dar-lhe acrescento, luminosidade e compreensão.

Um abraço do
Mário


Buruntuma e uma leve reflexão sobre as imagens na História

Beja Santos

Ando há largos meses para ir entregar no Arquivo Histórico-Militar uma resma de fotografias de uma Companhia que andou pela Guiné entre 1959 e 1961, as fotos já estão reproduzidas no nosso blogue, registam a amenidade de uma vida militar que surpreende usos e costumes, com soldados a pescar na bolanha, até se mostra uma ponte em Teixeira Pinto que ficou inacabada, sabe-se lá porquê. Têm estas imagens importância para o estudo da História? Indubitavelmente. Era aquela a paz que havia, uma placidez que se traduzia em percorrer todos os percursos sem os bofes de fora ou o coração contrito, não se anteviam perigos, nem explosões, nem intimidações. Vejamos agora o álbum Burutuma, publicado pelo nosso confrade, com data de Dezembro de 2016, e aqui já referido. São a recuperação de memórias de alguém que viveu na região do Gabu e foi colocado em Buruntuma em 1961, integrado na 3.ª Companhia de Caçadores a comandar 20 militares metropolitanos pertencentes ao Esquadrão de Cavalaria n.º 252 e 20 soldados nativos a quem tinha dado instrução em Bolama. Vamos conhecer a Buruntuma de uma Guiné que dá sinais de efervescência, os Manjacos do Movimento de Libertação da Guiné, procurando antecipar-se ao PAIGC, flagelam S. Domingos e vandalizam Susana e Varela, em meados do ano. Afluem mais contingentes que são disseminados pela província.

As memórias de Jorge Ferreira não estão associadas a nenhuma tragédia, em Buruntuma e arredores vive-se numa relativa acalmia. Jorge Ferreira percorre Pirada, Sonaco, Bajocunda, Piche, Cabuca e outros lugares, envolve-se em ações de vigilância e abastecimento. E parte para Buruntuma, junto da fronteira com a República da Guiné. Regista o património imobiliário existente: casa do régulo, armazém de mancarra, casas comerciais, escola primária, instalações da PIDE. Só existe uma cerca de arame farpado e uns bidões cheios de areia que protegiam a única estrada, saída do armazém de mancarra que lhes servia de aquartelamento. Concebeu-se uma solução que consistiu na abertura de um “poço” no centro do aquartelamento por onde os militares acediam a um túnel que desembocava num sistema de trincheiras que circundava todo o perímetro de defesa, nos cantos puseram-se as armas pesadas. Fizeram-se postos de observação, cavalos de frisa, construiu-se refeitório e cozinha. Com uma pitada de humor fala de um problema insanável, a localização de Buruntuma. “Com efeito, estando a povoação contígua à fronteira, em caso de ataque que não pudesse ser rechaçado, a retirada estava fora de questão. Com efeito, a única que a permitiria, a estrada Buruntuma-Piche corria paralela à fronteira natural – um afluente do rio Corubal, e portanto essa retirada seria facilmente anulada através de emboscadas de guerrilheiros acantonados na margem do rio”. Dito de outro modo, Buruntuma estava entregue à sua sorte.

As ações de nomadização abrangiam o triângulo Buruntuma-Canquelifá-Bajocunda. Contava-se com a inequívoca fidelidade dos Fulas, neste caso com a colaboração do régulo de Canquelifá, instalado em Buruntuma, Sene Sane. O contingente militar fora bem acolhido, integrava vários Fulas. Buruntuma mudou de forma, ganhou outra natureza, não se descuraram as populações locais, deu-se professor à escola, melhorou-se a enfermaria, apareceu médico. Jorge Ferreira concluiu a sua comissão em Junho de 1963, altura em que a guerrilha ganhara alento no Sul, consolidara posições no Corubal e no Morés. O PAIGC terá sérios revezes junto das populações nesta primeira fase, tudo se alterará em 1969 com a retirada de Madina do Boé, de Beli e de Chéche, começarão então a exercer-se pressões sobre o Cossé, e entretanto Buruntuma passará a ser seriamente fustigada a partir da República da Guiné. Como escreve Jorge Ferreira logo em 1964 em vez do seu escasso efetivo vão aparecer 250 homens. Naquele fim de mundo deixava de haver paz.

A paz e os preparativos para a guerra dominam este álbum que tão carinhosamente Jorge Ferreira organizou: a majestade do régulo Sene Sane, a Buruntuma tal como foi encontrada à chegada, a construção das trincheiras, os marcos da fronteira, as ações de nomadização, a preparação de refeições, as viaturas atascadas, os jogos de futebol, os batuques, o fascínio das bajudas, os veneráveis homens grandes, as crianças de sorriso aberto, tecelões, djilas, tocadores de Korá, caçadores, dançarinos, rapazes Papéis, lavadeiras, bajudas Balantas com saia Bijagó.

Não há uma só crispação nestas imagens, a guerra é uma possibilidade mas ainda não se experimentou, daí a expressão de leveza em todos os rostos metropolitanos, à cautela, Jorge Ferreira leu uma obra estimulante “Os Fulas do Gabu”, de Mendes Moreira, ainda hoje uma referência obrigatória para o estudo dos Fulas, anota que há um islamismo impregnado de práticas animistas e feiticistas, descreve a sua habitação, vestuário, enfeites, atividades produtivas. É um lugar ermo, uma fronteira recente, porosa, se bem que exista aquela fronteira natural, um afluente do Corubal que Jorge Ferreira captou em dia de bruma. Estamos perante uma Buruntuma que ainda não viu o ferro e fogo, um punhado de homens, brancos e pretos, ali vivem amistosamente e deixaram o seu largo sorriso para uma posteridade em que os contemplamos com o mesmo agradecimento que endereçamos a Jorge Ferreira que lega este álbum aos seus entes queridos, aos seus camaradas da Guiné, lembrando a todos que naquele terrunho se moldou o seu caráter e se fez homem.

Também enternecidos, agradecemos-lhe a ampla riqueza que é o tesouro destas imagens.


____________

Nota do editor

Último poste da série de 1 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17301: Notas de leitura (952): Guerra da Guiné: Os atores, a evolução político-militar do conflito, as revelações surpreendentes - Apresentação dos três volumes alusivos aos aspetos operacionais na Guiné, da responsabilidade da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974 (3) (Mário Beja Santos)