sexta-feira, 7 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17553: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (3): Págs. 17 a 24

Capa da brochura "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra"

Gabriel Moura


1. Continuação da publicação do trabalho em PDF do nosso camarada Gabriel Moura, "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", enviado ao Blogue por Francisco Gamelas (ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto, 1971/73).
 


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17542: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (2): Págs. 09 a 16

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17552: Inquérito 'on line' (118): "Em geral, o aerograma era seguro e rápido"... Prazo de resposta até 5ª feira, dia 13, às 16h59


Guiné > Zona leste > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Pista de Bambadinca > Ao fundo, o muro do cemitério ... Uma DO 27 na pista... Tímhamis uma relação de amor-ódio para com a D=-27, ara uma pequena aeronave, monotor, que adorávamos quando nos trazia de Bissau os frescos e a mala do correio ou, no regresso, nos dava boleia até Bissau, para apanharmos o avião da TAP e ir de férias... Era uma aeronave preciosa nas evacuações (dos nossos feridos ou doentes militares, bem como dos civis)... Era um "pássaro" lindo a voar nos céus da Guiné, quando ainda não havia o Strela... Em contrapartida, tínhamos-lhe, nós, os infantes, um "ódio de morte" (sic) quando se transformava em PCV (ponto de comando volante) e o tenente coronel, comandante do batalhão, ou o segundo comandante, ou o major de operações, ou outro "xico-esperto qualquer" ia ao lado do piloto, a "policiar" a nossa progressão no mato... Quando nos "apanhavam" e ficavam à nossa vertical, era ver os infantes (incluindo os nossos "queridos nharros") a falar, grosso, à moda do Norte, com expressões que eram capazes de fazer corar a Maria Turra..."Cabr..., filhos da p..., vão lá gozar pró c..., daqui a um bocado estamos a embrulhar e a levar nos corn...". Também os nossos comandantes operacionais (capitães QP ou milicianos) não gostavam nada do "abelhudo" do PCV, em operações no mato... Mas, enfim, fica aqui a lembrança mais positiva, a do transporte do correio aéreo, no âmbito do Serviço Postal Militar (SPM), Foto do álbum de Arlindo T. Roda, ex-fur mil da CCAÇ 12 (1969/71).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

I. INQUÉRITO DE OPINIÃO: 

"EM GERAL, O AEROGRAMA ERA SEGURO E RÁPIDO" (*)

[Seguro=em geral não se extraviava, não se perdia, era devolvido em caso de erro no endereço, não era facilmente violável, não havia censura, a pessoa sentia-se à vontade para escrever o que lhe apetecesse ...]

[Rápido = em geral demorava poucos dias a chegar ao destinatário]


Assinalar, diretamente, no canto superior esquerdo do blogue, uma das cinco hipóteses de resposta, de acordo com a perceção e e experiência de cada um, no TO da Guiné, entre 1961 e 1974:

1. Era seguro e rápido
2. Era seguro mas não rápido
3. Era rápido mas não seguro
4. Não era nem seguro nem rápido
5. Não sei / já não me lembro



Prazo de resposta: 5ª feira, 13/7/2017, 16h59


II. Comentário do editor:



Há quem defenda que o SPM foi o melhor serviço que a tropa criou em tempo de guerra. No entanto, nunca foi avaliado pelos "utentes" (os militares, os seus familiares e amigos, etc.). Mais de meio século depois da sua criação (em 1961), ainda vamos a tempo de dar a nossa opinião... Comecemos pelo aerograma, uma "genial" criação do Movimento Nacional Feminino,   isento de franquia postal (porte e sobretaxa aérea), e cujo transporte (entre Lisboa e Bissau, no caso da Guiné) era assegurado, em geral, pela TAP, de borla... (Presumo que a FAP também colaborasse.)


Pergunta-se: será que o aerograma era mesmo "seguro e rápido" ? Alguns de nós (e as nossas namoradas, esposas, amigos, familiares, etc.), achavam o aerograma mais "impessoal", preferiam a carta, devidamente estampilhada,  expedida "por avião" (, de resto, como o aerograma)... Mas como era paga (porte mais sobretaxa aérea), achávamos que tinha tratamento especial, diferente do aerograma... Seria o equivalente hoje ao "correio azul"... 

Além disso, achávamos que a carta era mais "íntima", prestando-se melhor á confidências (políticas, amorosas, filosóficas, etc.), podíamos inclusive enviar no envelope uma fotografia (ou mais folhas de papel de carta), o que era taxativamente proibido no aerograma... 

Mas a maioria de nós, militares, e sobretudo as praças, não se podiam dar ao luxo de pôr no correio (SPM) muitas cartas, por causa da "guita", daí a opção pelo aerograma, de distribuição gratuita pelo Movimento Nacional Feminino e com expedição sem encargos... (Para o ano de 1974, o MNE fez uma encomenda de 32 milhões de aerogramas, nunca pensando que esse ano seria também o o seu último ano de vida.)

Camarada, responde ao nosso inquérito sobre o "SPM do nosso contentamento"... A tua opinião é muito importante (LG).





Foto: © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados




Foto: © Alberto Nascimento  (2010). Todos os direitos reservados

Podia-se "escrever nas entrelinhas" dos aerogramas... Temos aqui dois exemplo de utilização do aerograma especial do Natal de 1968, concebido pelo Movimento Nacional Feminino... No primeiro caso, o nosso camarada A Marques Lopes, que era, na altura, alf mil da CCAÇ 3, em Barro, na região do Cacheu, mandou à irmã e ao cunhado um aerograma com o seguinte teor:

"Querida irmã e cunhado, um Natal feliz e que o Ano Novo seja sempre melhor que o anterior. António Manuel"... 

E ao canto superior direito, por cima do presépio, acrescentou: "Uma ginginha!.. Pois dar de beber à dar é o melhor"...

O desenho, do lado esquerdo, foi "vandalizado": (i) há tabancas a arder; e (ii) a criança e o soldado "sangram"... Sobre este aeograma natalício, o A. Marques Lopes, um dos nossos primeiros camaradas a entrar para o nosso blogue,  comentou o seguinte em 2005: "Este é mais outro aerograma que descobri. Mandei-o, pelo Natal, em 1968. O que eu quis transmitir é que eram natais de morte e que o que procurava era esquecer, dando de beber à dor".

No segundo caso, temos a cópia do aerograma original que o nosso camarada Alberto Nascimento, veterano da guerra da Guiné (ex-sold condutor auto, CCAÇ 84, Bambadinca, 1961/63) reutilizou para desejar a todos os membros da Tabanca Grande votos de  "um Natal muito feliz e um bom 2011"...

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

6 de julho de 2017 >  Guiné 61/74 - P17550: O Serviço Postal Militar (SPM) do nosso contentamento: cartas e aerogramas... (E, a propósito, o que é feito dessas 10 toneladas de correio diário que circulavam nos vários teatros de operações durante a guerra ?)

27 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17518: Antologia (76): "O Correio durante a guerra colonial", por José Aparício (cor inf ref, ex-cmdt da CART 1790, Madina do Boé, 1967/69)... Homenagem ao SPM - Serviço Postal Militar, criado em 1961 e extinto em 1981.

(...) O serviço prestado pelo SPM foi notável. Muito para além dos números impressionantes de milhões de aerogramas, cartas, encomendas, vales do correio e valores declarados, por eles tratados e enviados; durante os anos de guerra a expedição média diária foi de 10 toneladas de correio (!!!) para um total transportado de 21 mil toneladas. É que nunca falhou, mesmo nos locais mais perigosos, difíceis e isolados, e os prazos médios entre a expedição e a recepção eram mínimos. (...) 

(**) Último poste da série > 31 de maio de 2017 Guiné 61/74 - P17418: Inquérito 'on line' (117): Imagens com história: a minha ida a Fátima (4/4/1965) e a minha chegada ao Cais da Rocha Conde de Óbidos (4/4/1974) (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P17551: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje", da autoria do 2.º Sargento Ref António dos Anjos, Tipografia Académica, Bragança, 1937 (3): Págs. 24 a 32 (Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto)


1. Terceira parte da publicação do livro "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é hoje", da autoria do 2.º Sargento António dos Anjos, 1937, Tipografia Académica, Bragança, enviado ao Blogue pelo nosso camarada Alberto Nascimento (ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 84 (Bambadinca, 1961/63).


(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 3 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17538: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje", da autoria do 2.º Sargento Ref António dos Anjos, Tipografia Académica, Bragança, 1937 (2): Págs. 15 a 23 (Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto)

Guiné 61/74 - P17550: O Serviço Postal Militar (SPM) do nosso contentamento: cartas e aerogramas... (E, a propósito, o que é feito dessas 10 toneladas de correio diário que circulavam nos vários teatros de operações durante a guerra ?)


"Este Aerograma foi-me devolvido tal como está, traçado de balas ou estilhaços na emboscada de 26/10/1971, efectuada à Coluna Piche-Nova Lamego, em que faleceram o Alf Mil Soares, o 1º. Cabo Cruz, o Sold Cond Ferreira e o Sold Manuel Pereira, todos da CART 3332.Guardo-o religiosamente comigo..." (*)

Documento que nos foi enviado pelo nosso grã-tabanqueiro  Carlos [Alberto Rodrigues] Carvalho, ex-fur mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche e Ponte Caium, 1970/72, irmão da nossa amiga Júlia Neto e, portanto, cunhado do nosso saudoso Zé Neto. Muito provavelmente o aerograma ia no saco do correio... Pelo que se depreende, o destinatário do aerograma era um seu familiar, possivelmente a sua mãe (Rosa Maria Silva Simão Melo Rodrigues de Carvalho), que vivia em Lamego.  Não temos tido notícias deste camarada. Página no facebook: Carlos Alberto Carvalho.


Carta


José Casimiro > Cacine, 22/5/73:

Queridos pais: Vou-lhes contar uma coisa difícil de acreditar como vão ter oportunidade de ler: Guileje foi abandonada [a bold, no original], ainda não sei se foram os soldados que se juntaram todos e abandonaram o quartel, ou se foi ordem dada pelo Comandante-Chefe, mas uma coisa é certa: GUILEJE ESTÁ À MERCÊ ‘DELES’ [, em maíusculas, no original].

Não sei se as minhas coisas todas estão lá, ou se os meus colegas as trouxeram. Tinha lá tudo, mas paciência.

Se foi com ordem de Bissau que se abandonou a nossa posição, posso dar graças a Deus e dizer que foi um milagre, mas se foi uma insubordinação, nem quero pensar…

Mas… já não volto para lá!!! Não tinha dito ainda que Guileje era bombardeada pelos turras há vários dias e diversas vezes por dia. Os soldados e outros não tinham pão, nem água. Comida era ração de combate e não se lavavam. Sempre metidos nos abrigos e nas valas. A situação era impossível de sustentar. Vosso para sempre (…).



Aerograma


José Casimiro > Guileje, 22/4/1973

Meu querido pai: Hoje foi um dia de fartura cá no Guileje, recebi nada mais nada menos do que 10 cartas, uma das quais era uma que eu tinha mandado à avó, e que foi devolvida, pois não existe o nº que me disseram, no Largo das Fonsecas. Adiante...

Pai, recebi as "cacholas", até dá para gozar. Recebi o salpicão - estava uma delícia. Quando eu chegar aí, não deve haver peixes no rio nem nomar. Quanto a a fotos de pretas [, desenho de um corpo  feminino parcial.], eu já tinha arranjado, e mandei os rolos para Cufar, para o irmão da Ana levar aí a casa, mas ele não pôde ir de férias, e vai mandar aqui para Guileje, e eu mando para Bissau, pois aqui já não revelam

Quando puder mandar rolos, mande. A Olinda (Montijo) tem-me escrito. A mãezinha que gaste  do meu dinheiro para remédios, é um desejo meu que gostava que fosse cumprido, ok ? Retribua os cumprimentos à D. Elisa e família. Mando-os também para todos os vizinhos com que eu me dava bem. Para todos em casa um grande beijo (A BIG KISS) [, desenho de uns lábios]. Sempre vosso,  J. Casimiro.



Carta


José Casimiro > Gadamael, 26/6/73


NOW WE HAVE PEACE [, em inglês, finalmente temos paz]

Minha querida mãezinha:


É com imensa ternura que, mais uma vez, lhe dedico uns minutos do meu pensamento. Neste momento batem 8 horas numa emissora de London [sic] que ouvimos no rádio.

Então, como têm passado todos aí em casa, enquanto o vosso soldadinho finalmente tem sossego, pois os turras não nos têm chateado, nestes últimos dias ?!

Ontem chegou uma companhia nova aqui, veio substituir a companhia daqui, e há-de vir uma outra, daqui a uns dias, para nos substituir. Vai haver bebedeira, pela certa, e vamos para o Cumeré, para completar a Companhia, substituir mortos e feridos graves. O capitão também foi ferido gravemente, e foi evacuado para a Metrópole. O outro capitão, o daqui, também foi ferido.

Há já alguns dias que vivemos em paz de espírito, e agora, desde há alguns dias fui nomeado instrutor de um novo grupo de milícias (pretos, 40). Ensino-lhes desde armamento a táctica de combate a ginástica. É um passatempo e não saio para o mato, pela primeira vez em oito meses, feitos ontem, dia 25.

Já passou a nuvem negra que tapava o nosso amor, entre mim e a Ana, até ando mais feliz, pois embora não quisesse, ela não me saía do pensamento, pois gosto muito dela.

Parece que há um aumento de 500$00 a partir de Março e que recebemos tudo junto em Agosto. Mande dizer quanto marca o saldo B[anco] B[orges]. & Irmão.

 Um beijo para ser dividido igualmente entre todos, do militar J. Casimiro.


[Na vertical, na margem esquerda: Pax, Now we make love not war [Paz, agoramos fazemos amor e não guerra; na margem direita, PAZ]


1. O ex-fur mil op esp José Casimiro Carvalho [. foto à direita, c. 1973[, com residência na Maia, confiou-me, no I Encontro Nacional da Tabanca Grande (Ameira, Montemor-o-Novo, 14 de outubro de 2006), uma pequena colecção de aerogramas e cartas que escreveu à família durante o período em que esteve em Guileje e depois Cacine e Gadamael, coincidindo com o abandono de Guileje pelas NT. A unidade a que ele pertencia - a CCAV 8350, Os Piratas de Guileje - esteve lá entre dezembro de 1972 e maio de 1973.

Depois do regresso à metrópole, em 1974, ele entrou para Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana (BT/GNR),  primeiro como soldado e depois como agente patrulheiro. Está aposentado. De qualquer modo, quem o conhece (e conheceu na Guiné), nunca dirá dele que era um daqueles milicianos "politizados", com posições críticas face à guerra colonial e ao regime político de então. Como, de resto, a grande maioria dos milicianos e demais militares, incluindo os do quadro permanente, que durante 13 anos fizeram a guerra do ultramar (ou guerra colonial), na esperança, em todo o caso,  que o poder político acabasse por encontrar uma solução (política) para aquela maldita guerra que prometia eternizar-se...

Apresentamos acima um exemplo de um carta, devidamente selada (correio aéreo), e de um aerograma, amarelo, sem franquia,  enviados pelo nosso camarada José Casimiro Carvalho (ex-fur mil op esp, CCAV 8350) à família. A carta tem data de 22/5/1973, e foi remetida de Cacine, onde ele estava retido. Nesse mesmo dia, Guileje fora abandonado pelas NT.  O aerograma tem data de 22/4/1973, e é expedida de Guileje. Uma segunda carta é já de Gadamael, e tem data de 26/6/1973. (**)

No aerograma, dirigido ao seu "querido pai",  o nosso camarada tem uma conversa trivial, diz que está feliz por ter recebido nada menos do que 10 cartas, além das encomendas postais... Há uma evidente cumplicidade entre dois homens, pai e filho, mas não há inconfidências relativamente à situação militar...

Já nas cartas, há matéria que poderia ser considerada muito "sensível" e "classificada", como por exemplo o abandono de Guileje por parte das NT...e, um mês depois de terríveis combates  em Gadamael, o J. Casimiro Carvalho informa a sua "querida mãezinha" de que finalmente há paz, e que está a haver rendição de tropas, que a sua companhia, a CCAV  8350,  vai para o Cumeré, e que vai haver bebedeira, pela certa, e que ao mesmo tempo houve mortos e feridos graves, incluindo dois capitões, um dos quais evacuado para a metrópole!...

Ora, se eu alguma vez escrevesse uma carta destas para casa, era um terramoto, deixava os meus pais e irmãs a sangrar de dor!...De qualquer modo, muitos de nós nunca escreveriam cartas deste teor, não só para poupar a família mas também por autocensura.

Em suma, o J. Casimiro Carvalho, que não esconde nada aos pais,  parece usar o aerograma para a "conversa da treta" e as cartas para as inconfidências, as informações sobre a situação militar, etc.  Era algo de intuitivo para os militares,  o aerograma, na sua perceção, prestava-se mais à devassa, à violação... Ou seria o contrário ?


2. As questões que se podem pôr hoje, em relação à satisfação e confiança no Serviço Postal Militar (SPMS)  (***), são as seguintes: 


(i) o nosso correio era seguro ?



(ii) o aerograma, sem franquia,  era mais seguro 

do que a carta selada ?



(iii) a malta fazia autocensura ou, pelo contrário, escrevia, 

nos aerogramas e cartas,  tudo o que lhe apetecia ?



(iv) o correio era rápido ? quanto dias demorava a chegar ? (dependendo de a distribuição ser feita por avioneta
 ou por coluna auto)



(v) as cartas, os aerogramas, os valores declarados e  as encomendas postais não se extraviavam ?



(vi) houve camaradas que escreveram mas não chegaram a pôr no corrreio aerogramas e/ou  cartas com medo de serem abertos e lidas pelas autoridades militares e/ou  pela PIDE / DGS ?



(vii) era frequente (ou, pelo contrário, era raro) dar-se informações detalhadas sobre a situação político-militar tanto na Guiné como na Metrópole ?

A resposta a estas questões dá pano para mangas,,,e para alimentar o nosso blogue neste verão...


3. Relendo as  cartas que o meu cunhado José Ferreira Carneiro escreveu  à irmã, Alice Carneiro (****), constato que o aerograma, em Angola, não seria tanto fiável quanto a carta; podia levar um mês a chegar, enquanto a carta (, por via área,) demorava três dias a chegar a casa dos pais...

O correio era muito importante, nos dois sentidos. O aerograma tranquilizava as nossas famílias. Mas também é verdade que podia veicular boatos de toda a espécie, a par de informações que, para as chefias militares, deviam ser classificadas ou reservadas...

Recordo-me de, em finais de maio de 1969, quando cheguei à Guiné, o terror do "periquitos" eram então as histórias que se contavam de Gadembel e de Madina do Boê. Tanto a retirada de uma e outra ainda estavam na memória de muita gente. O nosso grã-tabanqueiro, Henrique Cerqueira, por sua vez, tinha mais confiança no aerograma do que na carta. Mas as nossas namoradas e esposas não gostavam nada de receber o aerograma em vez da carta, que o diga o nosso Manuel Joaquim! (*****).


José Carneiro, 1º cabo trms, de rendição individual,
Camabatela,  norte de Angola, 1969/71
José Carneiro > Camabatela 16/06/70

Querida mana Chita: 

 Estou a escrever uma carta porque os aeros [aerogramas] chegam a demorar cerca de um mês até chegarem ao seu destino, isto quando não são devolvidos. Estou mesmo muito aborrecido com isto. Pensei agora só escrever cartas, mas de 15 em 15 dias. Assim as cartas só demoram 3 dias a chegar a vossa mão. Tens que escrever é para a caixa postal. Que achas? Assim não repetimos as notícias. Quando receberes carta minha, peço-te que telefones aos pais para ficarem descansados. Está bem assim? (*)



Henrique Cerqueira > Comentário de 6/12/2012 (**)

[ foto à esquerda: Henrique Cerqueira,  ex-fur mil, 3.ª CCAÇ/BCAÇ4610/72, e CCAÇ 13, Biambe
e Bissorã, 1972/74; vive no Porto]:



(...) Para mim o aerograma tinha uma grande vantagem em relação à carta envelope normal. É que no aerograma havia maior possibilidade de enviar informações que o Estado (PIDE/DGS) considerava de teor político e assim os censurava. 

Tinha que haver o cuidado de colar bem as margens. Assim os censores tinham uma maior dificuldade em violar o aerograma e, como eram aos milhares, havia que contar com a "burrice preguiçosa" dos tais indivíduos. Este foi um conselho dado por um agente da DGS que na altura estava em Bissorã.(Era um novato e ainda com as ideias pouco contaminadas). 

Aliás quando o tive de acompanhar a Bissau no pós-Abril e sob detenção, tive mais uma vez a possibilidade de verificar que o indivíduo politicamente era mesmo um pouco "inocente". Ou seja era mais um "recrutado" pelo objectivo monetário e não político. 

Eu próprio senti na pele essa pressão de recrutamento um pouco antes do 25 de Abril. Felizmente resisti conforme pude, pois que até ameaças de repatriamento da família para a metrópole eu recebi. Como já disse, eu tinha a mulher e filho comigo em Bissorã nos últimos nove meses da comissão.

Um abraço a todos e viva o "aerograma" que até era de borla. (****)

4. Haverá, por certo, outros camaradas com opinião qualificada sobre a organização e o funcionamento do Serviço Postal Militar (SPM) , a sua alegada independência face à PIDE / DGS, e à própria hierarquia militar, as demoras do correio, os eventuais extravios, e sobretudo o risco de violação da correspondência. 

Em suma, o SPM era mesmo o do nosso contentamento? Era o melhor serviço que a tropa nos prestava? Nunca nos fizeram um inquérito... de satisfação... Mas, meio século depois, ainda vamos a tempo de fazê-lo, mesmo que o SPM tenha sido extinto em 1981 e a guerra acabado em 1975, com o regresso dos últimos soldados do império...

Mas haverá por certo muitas cartas e aerogramas ainda por salvar... Vamos fazer um apelo aos filhos e netos dos nossos camaradas, esposas, madrinhas de guerra, antigas namoradas, amigos, amigas,  etc., para que salvam o "património epistelográfico" dos nossos "rapazes"...

O que é feito dessas 21 mil toneladas de correio que circularam durante a guerra colonial? As "cacholas", os salpicões, os queijos, o bacalhau, etc., isso comeu-se e fez-nos muito bom proveito... A "guita" gastou-se em "putas e vinho verde", como diria esse rapaz holandês de nome impronunciável por um "tuga" e que nunca foi à guerra, um tal Jeroen Dijsselbloem... Mas as cartas e aerogramas que escrevemos e recebemos, camaradas?!... O que é feito delas?... A maior parte foi parar ao caixote do lixo, mas outros apodrecem nos nossos baús...

Parabéns aos camaradas e às amigas que já aqui partilharam parte do seu espólio postal: o Mário Beja Santos, a Cristina Allen, o Manuel Joaquim, o Renato Monteiro, o José Ferreira Carneiro, a Alice Carneiro, o J. Casimiro Carvalho, o António Graça de Abreu, o José Teixeira, o Armor  Pires Mota, o Silvério Dias, o Albano  Mendes de Matos e outros (cito de cor!)...
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de novembro de  2010 >Guiné 63/74 - P7327: Facebook...ando (1): O aerograma traçado de balas ou estilhaços na emboscada de 26/10/1971, na estrada Piche-Nova Lamego, e em que morreram 4 camaradas da CART 3332 (Carlos Carvalho)

(**) Vd. postes de:

5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 9

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

Vd. também poste de

1 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9837: Cartas de Gadamael: maio e junho de 1973 (J. Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp, CCAV 8350, Guileje, 1972/73)

(***) Vd. poste de 27 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17518: Antologia (76): "O Correio durante a guerra colonial", por José Aparício (cor inf ref, ex-cmdt da CART 1790, Madina do Boé, 1967/69)... Homenagem ao SPM - Serviço Postal Militar, criado em 1961 e extinto em 1981.

(...) O serviço prestado pelo SPM foi notável. Muito para além dos números impressionantes de milhões de aerogramas, cartas, encomendas, vales do correio e valores declarados, por eles tratados e enviados; durante os anos de guerra a expedição média diária foi de 10 toneladas de correio (!!!) para um total transportado de 21 mil toneladas. É que nunca falhou, mesmo nos locais mais perigosos, difíceis e isolados, e os prazos médios entre a expedição e a recepção eram mínimos. (...)


(*****)  Vd. poste de 19 de junho de  2013 > Guiné 63/74 - P11732: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (16): Aerogramas e insuficiência das mensagens

(...) O aerograma foi um óptimo meio de comunicação mas sempre o olhei como um substituto menor da tradicional carta usada nas relações afectivas, principalmente no discurso amoroso (ou fizeram-me crer nessa menoridade). Tendo, muitas vezes por preguiça, desleixo, cansaço ou mesmo falta de tempo, recorrido ao aerograma para manter uma periodicidade regular na minha correspondência de guerra, nunca ninguém se me “queixou” do seu uso, exceto a namorada. Receber aerogramas em vez de cartas, era coisa de que ela não gostava nada. Mas lá foi disfarçando … até já não poder mais. (...) 

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17549 Ser solidário (203 ): Em troca do meu livro ("Lameta"), os meus amigos podem ajudar, com algum dinheiro, o projeto de construção de uma escola em Manati-Boibau, Liquiçá, Timor Leste... Por mor das crianças timorenses mas também da língua que nos serve de traço de união (João Crisóstomo)

João Crisóstomo, Porto das Barcas, Lourinhã. 1/7/2017.
Foto: Luís Graça
1. Mensagem do nosso amigo e camarada da diáspora, conhecido ativista de causas sociais, a viver em Nova Iorque, João Crisóstomo [, ex-alf mil da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67]

Data: 16 de junho de 2017 às 23:28
Assunto: Sugestão


Caro Luís Graça,

A minha ida a Timor foi experiência grande para mim. Mesmo "preparado",  fiquei boquiaberto  como que vi e senti. Por alguma razão tenho por vezes ouvido dizer que Timor é uma ilha enfeitiçante, que não podes mais esquecer depois de lá ires e a veres.   Não conseguia compreender bem o que me diziam, mas agora compreendo. Se antes me interessava por Timor agora o meu interesse redobrou e,  embora ainda sem saber como prosseguir, sei que tenho mesmo de tentar fazer algo mais.

O que segue  é uma sugestão  para responder a muitos dos que receberam o livro LAMETA, que eu dei a várias dezenas de camaradas  da Guiné e outros amigos, e  que com a melhor das vontades me têm perguntado como podem " pagar" o livro. Isso está fora de questão, mas o que segue  talvez possa ajudar a ir ao encontro dessa boa vontade.  Se puderes publicar no teu/nosso blogue a mensagem que a partir de agora vou incluir no livro no acto de entrega,  fico muito grato.

Vou na próxima semana a Portugal, em rota para a Eslovénia.  Gostaria de poder conversar contigo sobre isto e muito mais; vamos a ver se conseguimos agendar o nosso tempo para isso.
 Um abraço, João



Um pano tradicional ("tais") timorense... Foi-me oferecido por um aluno de doutoramento em saúde pública  (Escola Nacional de Saúde Pública / Universidade NOVA de Lisboa), um antigo guerrilheiro, enfermeiro da FRELIMO, preso aos 15 anos pelos indonésios.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Comentário do editor LG:

João, desta vez não vieste com a tua Vilma que, entretanto,  te espera, de braços abertos, na  Eslovénia. Se bem percebi, partes, na 4ª feira, dia 6, para a terra da tua amada. Mas,  olha,  foi bom rever-te e estar contigo no Porto das Barcas, Lourinhã, no passado sábado (*), saboreando mexilhões e sardinhas assadas, em frente ao mar, com a tua Nova Iorque do outro lado... Na 6ª feira, tinhas estado a jantar com o Eduardo Jorge Ferreira, outro dos nossos amigos da Tabanca de Porto Dinheiro de que é, de resto, o competente, dedicado e popular régulo... Tenho aqui umas fotos,  que já publiquei (*) e que te vou mandar, da nossa tarde, bem animada, passada naquele que é o mais antigo porto lagosteiro do mundo (Jean Costeau dixit, segundo dizem os amigos do Porto da Barcas, o nome só por si tem ressonâncias medievas).

Quanto à tua sugestão, não podia ter melhor cabimento e acolhimento no nosso blogue (**). Somos um blogue de gente solidária e o teu pedido por certo não vai cair em saco roto. Sobretudo por parte daqueles dos nossos amigos e camaradas cujo coração está mais próximo de Timor Leste e da sua doce e corajosa gente: esses, irão por certo poupar alguns euros em bicas e imperiais, pô-los no mealheiro e transferir esse dinheiro para a conta que acabas de abrir na Caixa Geral de Depósitos:

IBAN: TL 3800 2012 4493 6910 0016 2 
CODE: CGDITLDI

Tens que falar mais, aqui, dessa escola e desse projeto, a que está associado um amigo e colega do Eduardo Jorge Ferreira, professor de educação física, que já professor na Lourinhã e que julgo residir no concelho da Lourinhã: o prof Rui Chamusco, beirão do Sabugal. Não o conheço pessoalmente mas o Eduardo tem-me falado dele e foi ele que vos pôs em contacto. Trabalhou vários anos, como cooperante em Timor, e a ideia de construir esta escola em Manati-Boibau é dele... Desejo-vos, a ele e a ti, bom sucesso para esta campanha solidária. (LG)





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(**) Último poste da série > 24 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17392: Ser solidário (202): A ONG portuguesa VIDA há 25 a trabalhar na Guiné-Bissau: conheçam alguns dos seus projetos (Armando Tavares da Silva)

Guiné 63/74 - P17548: Os nossos médicos (86): Cenas da vida de um médico no CTIG, Alfredo Roque Gameiro Martins Barata, Alf Mil Médico da CCAÇ 675 (José Eduardo R. OLiveira)


Alfredo Roque Gameiro Martins Barata
Lisboa, 12.04.1938 † 20.06.2017


1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex-Fur Mil Enf.º da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), com data de 30 de Junho de 2017, aceitando o desafio do nosso editor Luís Graça, falando-nos do ex-Alf Mil Médico, Dr. Martins Barata, recentemente falecido:

Caros Amigos
Correspondendo ao pedido, e no seguimento do meu compromisso, segue uma pequena história protagonizada pelo n/Alferes Médico Alfredo Roque Gameiro Martins Barata.

Abraço-vos.
JERO


Na família tinha a fama de... distraído. Na vida militar essa ”fama” não colheu e se algumas dificuldades teve... terá tido mais a ver com o facto de ser uma pessoa muito bem-educada.
E, como se sabe, na vida militar encontra-se filhos de... muitas mães com quem, muitas vezes, não resulta um tratamento do tipo “português suave”! Mas... adiante.

Recordo que cumprimos na Guiné, integrados no CCaç 675, a nossa comissão de 2 anos (de meados de 1964 a meados de 1966).
Em Binta, depois de uns meses de “prática militar”, instalámos o nosso Posto de Socorros no “Largo da Tomada da Pastilha”, que não era só “aberto” a militares. Havia também grande número de nativos que o frequentavam e que apresentavam o mais variado tipo de enfermidades. Tivemos casos de lepra (uma doença que era suposto já estar então erradicada...), elefantíase e um terrível surto de sarampo.

Largo da Tomada da Pastilha

Uma das histórias clínicas mais espantosa passou-se com uma nativa que um dia se apresentou à consulta queixando-se de ter engolido uma cobra enquanto dormia!

O Dr. Barata já falava umas ”coisas” dos dialetos locais e rapidamente percebeu que a sua doente devia padecer de lombrigas que, durante o sono, lhe teriam chegado à boca.

Pensou num vomitório e na apresentação de um pequeno réptil à doente após a medicação, “cena” que ficou marcada para o dia seguinte.
Entretanto encomendou-se a captura de uma pequena cobra, o que não foi difícil de conseguir.

Tudo preparado, chega-se ao dia seguinte e, conforme o plano estabelecido, é administrado à paciente o vomitório, tendo por perto a pequena cobra (já morta) para, no “pós-vómito”, convencer a nativa que... estava curada. O pior foi mesmo o que se seguiu.
O vomitório, durante alguns longos minutos, provocou vómitos sim mas a todo o pessoal do Serviço de Saúde menos à doente que... nunca mais vomitava.
Finalmente lá aconteceu e a cena da cobra resultou inteiramente.

JERO
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14738: Os nossos médicos (85): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (15): Africanização Portuguesa

Guiné 61/74 - P17547: Os nossos seres, saberes e lazeres (220): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (9) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 15 de Março de 2017:

Queridos amigos,
Foi o último dia de viagem, comecei cedo pelos jardins de Ponta Delgada, segui para a Lagoa do Fogo, daí para a Caldeira Velha, por fim a Ribeira Grande e depois o aeroporto.
O jovem aspirante a oficial miliciano que fui nestas paragens jamais esqueceu do que aprendeu, as estimas com que foi cumulado e até aquele misterioso princípio dos vasos comunicantes que assegura encontros imprevisíveis, o médico oftalmologista que me tratou dos olhos depois de uma mina anticarro deu-me o privilégio de uma amizade feita de telefonemas constantes e abraços sempre que chegava à Ilha Verde. Foi a notícia triste que colhi nesta viagem: um brutal AVC derrubou-o, articula uns sons pouco compreensíveis, vive agitado. Faltou-me coragem para o ver, ele era a imagem viva da alegria de viver. Mais uma razão para regressar, para lhe confidenciar o bem que ele me fez aos olhos que conservo.

Um abraço do
Mário


São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (9)

Beja Santos

A viagem está praticamente no fim, cumpriu-se o sonho de voltar àquela ilha que logo provocou fascínio ao viandante, era a primeira vez que alugava casa e vivia distante do seu meio de criação. Duas experiências foram mais que enriquecedoras: deu recrutas a jovens de todas as ilhas, ou quase, descobriu em si capacidade de liderança, será fundamental quando chegar à guerra que irá travar na Guiné, à frente de soldados nativos; e descobriu, mais ou menos deslumbrado, a capacidade de fazer amizades que o tempo se encarregará de consolidar. Cinquenta anos antes, percorreu troços de São Miguel ao fins-de-semana, e os arredores de Ponta Delgada ao fim da tarde. Ali viveu de Outubro a Março, conheceu todos os céus nublados, brumas, rugidos dos vagalhões oceânicos, subiu a cumeeiras, atravessou canadas, conheceu plantas exóticas, aí teve como guia um sueco botânico altamente preparado, gostou da bagacina, do metrosídero, das araucárias, das longas fileiras de hidrângeas, das coloridas azálias, de pétalas fosfóreas. Era o princípio do enamoramento. E que nunca mais se quebrou.




Deu vazão a um programa previamente esboçado e contou com ajudas do seu amigo Mário Reis, andou de Ponta Delgada até à Lagoa, percorreu as Fajãs, a Relva, as Feteiras, os Ginetes, deu a volta à costa Sul até aos Fenais da Luz. Deliciou-se com a estadia no Vale das Furnas, não só a magia da lagoa nem das caldeiras mas com as encostas floridas, magnólias e azálias. Foram dias de intensa luz, só interrompidos pelas chuvas diluvianas que caíram quando estava na Achada, e tinha havido o achado de conhecer o Nordeste, a extraordinária revelação desta viagem, ficou cliente da Serra da Tronqueira e daquelas pontas que dão pelo nome de Madrugada e Sossego. Aliás, os nomes das localidades e dos relevos são poderosos pela sonoridade, pela espessura telúrica e a singularidade insular: Ribeira Quente, Faial da Terra, Pico da Vara, Lomba da Fazenda, S. António de Nordestinho, Rabo de Peixe, S. Vicente de Ferreira, Ajuda da Bretanha.


Tinha saudades da Ribeira Grande, foi segundo ou terceiro passeio que fiz fora de Ponta Delgada. Impressionou-me a Ermida do Espírito Santo com a sua fachada barroca, nunca tinha visto uma coisa assim, delicada e imponente. Mais tarde, por diligência amiga de José Medeiros Ferreira e Melo Bento, aqui fiz uma conferência no salão magnífico da câmara municipal. O tempo corre, é só mais itinerância por estes espaços íntimos, por essas árvores tão bem tratadas, esta digna sobriedade de jardins, áleas, recantos. Houvesse tempo ia ver o mar, iria até Rabo de Peixe, numa das recrutas tinha três soldados daqui provenientes, falavam com um acento cerrado, precisei sempre de intérprete. Vim visitá-los no Natal de 1967, foi uma emoção. E é com outra emoção que parto, já com imensa vontade de regressar, logo que se aprouver, ficou muitíssimo para ver e rever, não faz diferença pois o viandante despede-se com um até já.




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Nota do editor

Último poste da série de 28 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17519: Os nossos seres, saberes e lazeres (219): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (8)(Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17546 Agenda cultural (571): Recrição da batalha do Vimeiro, de 1808, e mercado oitocentista: Vimeiro, Lourinhã, 14, 15 e 16 de julho de 2017 (Eduardo Jorge Ferreira, ex-alf mil, Polícia Aérea, BA 12, Bissalanca, 1973/74; presidente da assembleia geral da Associação para a Memória da Batalha do Vimeiro)


A batalha do Vimeiro, de 1808, travado pelo exército napoleónico e as forças luso-britânicas,  vai ser recriada, no local, a 14, 15 e  16 de julho de 2017. Esta batalha, entre o Exército Francês, comandado por Junot, e o Exército Anglo-Luso, sob o comando de Sir Arthur Wellesley, futuro Duque de Wellington, aconteceu justamente no Vimeiro e arredores, no dia 21 de agosto de 1808, quatro dias depois dos combates travados na Roliça, concelho de Bombarral. As baixas (mortos e feridos) foram das 2 mil para o lado francês; 700 para  o lado luso-britânico. A inequívoca vitória dos portugueses  e seus aliados pôs termo à I Invasâo Napoleónica.

Imagem (reproduzida coma devida vénia,,,): © 2017 Município da Lourinhã | Todos os Direitos Reservados



1. É um sugestão (cultural e turística) do nosso amigo e camarada  Eduardo Jorge Ferreira [ex-alf mil, Polícia Aérea, BA 12, Bissalanca, 1973/74, presidente da assembleia geral da Associação para a Memória da Batalha do Vimeiro]


De 14 a 16 de julho, terá lugar no Vimeiro (concelho da Lourinhã) a Recriação Histórica da Batalha ocorrida em 1808 e um Mercado Oitocentista com um vasto conjunto de atividades temáticas que proporcionarão uma viagem até ao início do séc. XIX.

Nestas comemorações o visitante  poderá encontrar ofícios da época, animações de rua, teatro, concertos, workshops para os mais pequenos, visitas guiadas ao Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro, mostra e venda de produtos e gastronomia.

Todos os dias o evento conta muita música e com animação permanente, onde diversos animadores vão dar vida a diferentes personagens, que vão percorrer as ruas do mercado, misturando-se com os visitantes. Neste espaço é possível, ainda, assistir à demonstração de ofícios (tanoeiro, entalhador, curtimenta da pele, oleiro,  entre outros).
A entrada é GRATUITA.


PROGRAMA


SEXTA-FEIRA, 14 DE JULHO

19h00 – Abertura do Mercado Oitocentista - Visita ao Mercado pelo Rei e sua Comitiva (Recinto)

20h00 – "Visita do Rei D. Manuel II ao Vimeiro" (Junto ao Monumento do 1.º Centenário)

20h30 – Banquete em Honra de Sua Majestade (Tenda Real)

22h30 – Concerto: Orquestra Ligeira Monte Olivett (Palco Wellington)

00h00 – Espetáculo de Malabares de Fogo (Junto ao Monumento do 1.º Centenário)

SÁBADO, 15 DE JULHO

10h00 – Abertura do Mercado Oitocentista

10h00 – Hastear das Bandeiras com a presença dos Grupos de Recriadores (Junto ao Monumento do 1.º Centenário)

10h30 – Peddy Paper (Ruas do Vimeiro)

11h00 – Desfile dos grupos de recriadores pelas ruas da Lourinhã em direção à Praça José Máximo da Costa. Cerimónia do hastear de bandeiras junto ao edifício dos Paços Município, seguida de mensagem de boas-vindas do senhor Presidente da Câmara.

15h00 – Visita guiada encenada ao CIBV  Inscrição obrigatória através do e-mail cibatalhavimeiro@cm-lourinha.pt limitada a 50 pessoas. Mediante o número de inscrições, poderá ter lugar uma reedição da iniciativa pelas 16h30].

15h30 às 17h30 – Manobras militares livres, desenvolvidas pelos grupos de recriadores (Acampamento Militar)

16h00 – Workshop "Dançar em tempo de Gerra"

17h00 – Atelier didático infanto-juvenil (CIBV)

18h00 – Concerto: Coro Munincipal (Anfiteatro CIBV)

19h00 – Baile Oitocentista (Junto ao Monumento do 1.º Centenário)

22h00 – Recriação Histórica da Batalha do Vimeiro - combate noturno (Campo de Batalha)

23h00 – Concerto: Orquestra de Sopros e Percussão Jovens do Oeste (Palco Wellington)

00h30 – Espetáculo de Malabares de Fogo (Junto ao Monumento do 1.º Centenário)


DOMINGO, 16 DE JULHO


Encontro do Grupo “Oeste Sketchers” a decorrer ao longo do dia

10h00 – Hastear das bandeiras seguida de cerimónia de homenagem aos mortos em combate (Junto ao Monumento do 1.º Centenário)

10h30 às 11h00 – Manobras militares livres, desenvolvidas pelos grupos de recriadores (Acampamento Militar)

12h00 – Recriação Histórica da Batalha da Vimeiro – combate pelas ruas do Vimeiro seguido de assalto à igreja

15h00 – Jogos de Guerra do Período Napoleónico (CIBV) [Jogos de estratégia com miniaturas (War Games) numa vertente de demonstração/participação que versam o período napoleónico para o público em geral (a partir dos 14 anos).]

15h00 – Workshop de Pintura de Miniaturas Napoleónicas (CIBV)

16h00 – Encenação “A Desfolhada”, pelo Rancho Folclórico Clibotas (Junto ao Monumento do 1.º Centenário)

16h00 – Workshop de modelagem de barro (Mercado - Espaço infantil)

17h30 - Concerto pelos Grupos: Manuk e ZaraGaitaS (Palco Wellington)

19h00 – Cerimónia do arriar das bandeiras pelo Grupo Recriadores da AMBV (Junto ao Monumento do 1.º Centenário)