segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17898: (D)o outro lado do combate (11): Regime de Sékou Touré e PAIGC: propostas de reforço da cooperação militar, elaboradas por Amílcar Cabral, 4 meses antes de ser assassinado (Jorge Araújo) - III (e última) parte





1. Mensagem do Jorge Araújo , com data de 2 do corrente:


Caro camarada Luís,

Remeto, finalmente, a terceira parte (a última) do meu trabalho relativo às propostas que o AC  [Amílcar Cabral] enviou a Sekou Touré, em 14 de Setembro de 1972 (fez quarenta e cinco anos) pedindo mais apoios para "o combate do outro lado".

Espero que ainda vá a tempo... e faça sentido a sua publicação.

Vou tentar normalizar a minha participação no blogue, ainda que continue no activo académico com viagens semanais a Portimão.

Com um forte abraço de amizade,

Jorge Araújo. (**)







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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores:

Guiné 61/74 - P17897: FAP (102): Bissalanca, BA 12, 1973: uma foto histórica do Heli AL III 9377, do Grupo Operacional 1201, do ten cor pilav Vasquez, com nova configuração de armamento (José Matos)





Guiné > Bissalanca > BA 12 > 1973 > O helicanhão  AL III, com a nova configuração de armamento. Créditos fotográficos: Grupo Operacional 1201 (comandamte : ten cor pilav Fernando Jesus Vasquez, hoje ten gen ref).

Texto e foto:  José Matos  (2017) [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, de 19 do corrente, do nosso  amigo José Matos:

[Foto à direita: o nosso grã-tabanqueiro José [Augusto] Matos; formado em astronomia em 2006 na Inglaterra ( University of Central  Lancashire, Preston, UK );  é especialista em aviação e exploração espacial desde 1992; faz parte da Fisua - Associação de Física da Universidade de Aveiro; filho de um antigo combatente, nosso camarada da Guiné, já falecido;  é investigador independente em história militar]

Olá, Luís

Mando-te uma foto do AL III 9377 na BA 12 em 1973 
que é histórica e tem um certo interesse. 

Vemos o helicóptero armado com dois ninhos de foguetes SNEB de 37 mm e duas metralhadoras de 7.62 mm, tudo armamento que se usava no T-6G. 

Na altura, por indicação do comandante do Grupo Operacional 1201 (Ten cor pilav Vasquez) , foi testada esta configuração de armamento no AL III com vista a ser usada no TO, no caso de se verificar novos ataques em força contras os quartéis de fronteira. 

O armamento foi testado em primeiro lugar acoplado a uma viatura na carreira de tiro da BA12 para ver se os suportes aguentavam a pressão das armas. Depois foi adaptado ao helicóptero e experimentado nos Bijagós. 

Podemos também ver na imagem uma mira no lugar direito do helicóptero, que era a mira do Fiat calibrada para o AL III para pontaria das armas. Esta configuração nunca foi experimentada em combate, mas era uma possibilidade improvisada na BA12, que podia ter tido alguma utilização. 

Aqui fica a foto que podes creditar ao Grupo Operacional 1201.

Ab, 
José Matos


PS - SNEB: acrónimo do fabricante francês da granada-foguete, Société Nouvelle des Établissements Edgar Brandt
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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17303: FAP (101): Agora num expositor... Aventuras de um capacete... E não só... (Miguel Pessoa)

Guiné 61/74 - P17896: Notas de leitura (1007): Memórias boas da minha guerra, volume II, por José Ferreira; Chiado Editora, 2017 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,
Deste batedor de sete léguas, um andarilho que descobre em qualquer lugar convivas e antigos combatentes, já lhe fiz o retrato quando saudei o seu primeiro volume: "Regista os desenrascanços na cozinha, os apetites sexuais, as risotas sobre o linguajar do Norte, pena é que um leitor impreparado no jargão não conheça o significado de morcão, isto é não sabe se estamos a falar num atrasado ou num javardo. José Ferreira faz desfilar jovens que percorreram quartéis e partiram a descobrir mundo". Alguém também já o saudou pelo humor, pelo sarcasmo e pelos condimentos da solidariedade, é um narrador de mil e uma histórias onde cabem manhosos, espevitados, personagens de Camilo Castelo Branco.
Não esteve na operação Bola de Fogo, um dos eventos mais trágicos da guerra da Guiné, o levantamento de um quartel chamado Gandembel, mas tem fibra para homenagear aqueles mártires.
Que mais memórias não te faltem, José Ferreira, um abraço do
Mário


Memórias boas da minha guerra, volume II, por José Ferreira

Beja Santos

Entende-se por literatura da guerra colonial o subgénero literário onde se agrupam romances, contos, novelas, poesias, peças de teatro, ensaios históricos, antologias, biografias, registos fotográficos, memórias, diários, e algo mais, escritos de 1961 à atualidade e cujo tema nuclear tem como palco um dos três teatros onde essa guerra aconteceu. Não é novidade para ninguém que começa a haver uma zona de fricção entre esta literatura e uma outra que tem a ver com escritos elaborados por quem regressou de África ou seus descendentes. A guerra e o combatente dão a placa giratória e daí, mesmo nos livros de caráter memorial, o autor poder falar da sua infância e origens, a preparação, a viagem, episódios da comissão e acontecimentos do regresso. É importante registar que no mercado livreiro proliferam obras com saudades de África enquanto a literatura da guerra gira cada vez à volta das memórias. Talvez se perceba porquê. O combatente caminha para os setenta ou é já um septuagenário consolidado. Tem disponibilidade para juntar peças, já não guarda rancores, constitui amizades, encontra-se regularmente em tertúlias com quem combateu a seu lado, aliás é nesses espaços de convívio que cada um conta o que pensa que aconteceu. Depois, há salas de conversa, como os blogues ou as digressões pelo Facebook, Twitter e Instagram, redes sociais de boa ou belicosa convivência, vêm mais elementos à tona em dado momento organiza-se uma trama e temos um leque de memórias e muita vontade em publicá-las.

“Memórias Boas da Minha Guerra” é o segundo volume de alguém que fez parte de uma companhia de intervenção que atuou em mais de metade de todo o território da Guiné, regressou, manteve-se convivente e lendo os seus escritos fica-se com a ideia que o furriel Silva ou José Ferreira da Silva ou o escritor José Ferreira tem uma enorme sede de camaradagem, conserva um rol de episódios pícaros, burlescos, misturados com estúrdia e passagens por casas de gente mal-afamada. E sempre que vai ao passado sentimos, como num espelho estilhaçado, que ele nos dá uma imagem de gente da nossa geração que cresceu na guerra, foi alvo de endurecimentos vários e em encontros casuais ou programados, os retratos compõem-se e o leitor atento fica com mais imagens desse Portugal de 1950 e 1960, nomeadamente na região Norte. Tenho para mim que é deste modo que ganha a leitura deste segundo volume das memórias de José Ferreira, recentemente publicadas pela Chiado Editora.

Tem muita ironia, em lugares de amenidade como Dunane pode gerar-se uma situação crítica, a memória salta até ao Porto e visita-se uma zona de meretrício na Rua Escura, começa-se a falar no morcon e depois temos uma galeria de retratos, com o Geninho à cabeça:  
“Parecia um miúdo da escola primária. Tinha 1,37 m de altura. A espingarda Mauser, pousada, com a coronha no chão, à sua frente dava pelos olhos. O curioso é que ele era um jovem socialmente bastante desenvolvido e de trato muito agradável. Quando o mandaram embora, ele lamentava-se dizendo: 
- Vou triste, porque até gosto disto e gostaria imenso de servir a minha Pátria”.
Há os molengões, os ronceiros, gente com uma perna mais curta dois dedos do que a outra, gente que sonhava alto, dando um espetáculo que atraía a caserna por inteiro…

E há o amontoado de situações inesquecíveis como os bolos de bacalhau à moda de Catió, o Chico de Alcântara, o cabo Felgueiras, aquele dia 26 que se festejava com um casamento, imagine-se, num quartel em plena guerra, um a fazer de padrinho, outro de irmão da noiva, os noivos em toda a sua alvura e pujança, o sacristão, o moço da água benta e até o fotógrafo.

Ficamos a conhecer histórias de gente que passou uma infância na miséria e até se abre o pano para um palco de amores camilianos, caso do Diogo de Carvalho que se ofereceu para a tropa, havia a história do comportamento do pai que depois de viúvo engravidou uma jovem casada que trabalhava lá em casa, o Diogo adorava a Guidinha, filha de boas famílias, chegaram a brincar ao sexo sem consequências, depois a Guidinha desapareceu, nem às festas da Senhora da Mó veio, anos mais tarde Silva e Diogo encontram-se, Diogo licenciara-se em Coimbra, seguira a carreira da magistratura e depois falou-lhe da Guidinha:
“Lembras-te daquela história da minha paixão? A miúda sempre seguiu para freira. Chegou a diretora de colégio. Recentemente, quando faleceu o tio padre Benjamim houve um funeral especial, que teve muito impacto aqui na região. Por curiosidade quis ver a Guidinha durante o velório”.

Como as memórias são como as cerejas, José Ferreira leva-nos a Crestuma junto a rio Douro, apresenta-nos a terra onde vive, vemos a velha fundição de Arcos de Ferro e Verguinha, fundada em 1793. Mais tarde (e até hoje) Companhia de Fiação de Crestuma, e isto para dizer que após independência da Guiné veio uma equipa de guineenses para aprenderem a trabalhar com teares e outras máquinas, havia a promessa de construir uma fábrica em Bolama. O projeto caiu na água. E após mais umas histórias entremeadas de estúrdia e de que de se guardam boas recordações até ao presente, chegamos à operação Bola de Fogo, a construção de Gandembel onde a CART 1689, a que José Ferreira pertenceu, teve papel primordial na fase de arranque. Ele estava de férias nessa altura mas homenageia os seus camaradas cozendo várias histórias.

Em Abril de 1968 foi lançada esta operação para a implantação de um aquartelamento no corredor de Guileje, na região entre Gandembel e Ponte Balana, intervieram para além da CART 1689 duas companhias de comandos e outras unidades com destaque para a CCAÇ 2317, a quem coube o fel mais amargo. É uma sequência trágica de tiros de obuses, minas, fornilhos, abertura de um quartel dentro da natureza bravia, sem réstia de população, houve que fazer limpezas com motosserra e passar a ser atacado a qualquer hora do dia, são esses os relatos pungentes que José Ferreira organiza, ressalto o sofrimento físico, a violência das mortandades, não faltam cenas horríveis com pedaços de carne humana e lembra-se o alferes Monteiro que já tinha concluído a sua comissão e que se ofereceu para este último serviço:
“No início desta reta, à terceira cratera, do lado direito, e junto à estrada, via-se um tufo de três palmeiras. Numa delas estava uma perna de calças de camuflado, com uma bota amarrada e pendurada da copa da palmeira. No tronco da palmeira central, estava a tampa do crânio de uma cabeça com cabelo louro à altura de um metro e quarenta do chão. O resto do tronco até ao chão era uma massa de carne e sangue, impregnada na casca da palmeira. Deduzimos que eram os restos mortais do alferes Monteiro. Ele era o único branco e louro do pelotão”.

É este o remate trágico de um livro inconfundível de memórias que começa em aldeias remotas, em jovens cheios de sonhos que aprenderam a crescer na picada e nos quartéis do fim do mundo e hoje contam à lareira aos netos histórias inacreditáveis que a voracidade mediática e velocidade do nosso tempo reduziram a narrativas do fantástico, uma espécie de contos de fadas dentro de guerras cujo sentido escapa às novas gerações.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17887: Notas de leitura (1006): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (5) (Mário Beja Santos)

domingo, 22 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17895: Agenda cultural (599): "Conspirou? Certamente, mas…", título do trabalho apresentado pelo Coronel Art Ref António José Pereira da Costa no Congresso Internacional levado a efeito nos passados dias 11 e 12 deste mês, na Academia Militar (Campus Amadora), subordinado ao tema "Gomes Freire de Andrade: O Homem e o Seu Tempo"



Oeiras > Ponta de São Gião > Praia da Torre > Freguesia de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caixas > Forte de São Julião da Barra, visto do lado poente > 3 de setembro de 2017 >  É considerado o maior e mais compeloa militar de defesa no estilo Vauban, ainda existente em Portugal. No passado, era nossa maior fortificação marítma, baluarte da defesa do reino e da sua capital.... No séc. XIX tornou-se prisão política. Foi aqui que o "mártir da Pátria",  gen Gomes Freire de Andrade, foi executado, não por fuzilamento (como ele pediu) mas por enforcamento, sendo o corpo cremado e as suas cinzas deitadas ao Tejo, em 18/10/1817. Foi acusado de liderar uma conspiração contra os ingleses que governavam o país, enquanto o regente (e futuro D. João VI) e a corte viviam no outro lado do Atlântico, desde 1807, na sequência das invasões napoleónicas. Um processo de justiça infamante, como muitos na nossa história...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017), Todos os direitos reservados. [Edição:r: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Em mensagem do dia 17 de Outubro de 2017, o nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª da CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), enviou-nos para publicação, a nosso pedido, o texto da sua intervenção no Congresso Internacional, levado a efeito nos passados dias 11 e 12 deste mês, na Academia Militar (Campus Amadora), subordinado ao tema Gomes Freire de Andrade: O Homem e o Seu Tempo[*].


Conspirou? Certamente, mas…

Declaração de Interesses 

Como bom Brandoniano, para a elaboração deste trabalho, tomei como base a obra de Raul Brandão, "Vida e Morte de Gomes Freire", que considero absolutamente inultrapassável, no detalhe e na profundidade da análise dos acontecimentos e das personalidades dos intervenientes. É pouco provável, mas se surgir algum documento, que não tenha sido analisado por Raul Brandão, ele nunca poderá produzir grandes alterações relativamente à visão dos factos que nos deu. Para além daquela obra, consultei outros documentos, nomeadamente a "Memória sobre a Conspiração de 1817 […] Escripta e Publicada por hum Português", "Amigo da Justiça e da Verdade" e atribuída por Raul Brandão a Joaquim Ferreira de Freitas, (o padre Amado). O exemplar que consultei foi oferecido à Sociedade Martins Sarmento pelo Conde de Vila Pouca e será a versão mais completa deste texto. Aparentemente publicada em Londres, apresenta um sem número de anotações manuscritas a lápis de cor azul. Estou convencido de que foram feitas pelo escritor tal, é a semelhança entre a sua caligrafia e a das anotações. Devo confessar que estou de acordo com uma boa parte dos comentários que deixou.


Título

O título que escolhi foi inspirado numa frase de Raul Brandão, na qual, referindo-se a Mathilde de Faria e Mello e não temendo más interpretações, o autor pergunta: “Casada?” e reponde: “Certamente!”.

Não existe nenhuma certidão daquele casamento, mas não importa. Matilde teve, durante a sua vida o comportamento de uma mulher casada e que amava (muito) o seu marido.

Da mesma maneira podemos perguntar: A conspiração existiu? Certamente!

Gomes Freire sabia-o, mas não a denunciou, embora não acreditasse nela. Contudo, achava-a necessária e até imperativa. As duas situações são, portanto, semelhantes. Nenhum dos dois se prendeu com questões de forma para fazer o que achava que devia ser feito. Em última análise diremos que ter conhecimento da revolta e não a denunciar é pactuar com ela… A conivência é uma forma de colaboração.

Venho falar de Gomes Freire enquanto Homem, Homem com H grande, como Raul Brandão lhe chama várias vezes, expressão que é o máximo elogio que se lhe pode fazer, a ele ou a outro qualquer homem e especialmente a um militar.


Palavras-chave

Escolhi três palavras-chave, que traduzem sucintamente o desenrolar dos acontecimentos: Revolta, Beresford e Tortura. Vou abordá-las não necessariamente por esta ordem.

A vida de Gomes Freire é uma constante aquisição de experiência e capacidades no campo operacional, completada com a observação e estudo prático e teórico da gestão de grandes meios logísticos e humanos. Quando regressa a Portugal, em 1815, não teria outro oficial capaz de ombrear consigo nestas áreas. Acresce que terá sido chamado a desempenhar funções no âmbito dos assuntos civis e governo militar, nas diversas cidades onde foi representante do poder napoleónico o que lhe concede uma nítida vantagem sobre os seus pares. Era um homem valente, culto, sabedor, experiente, próximo dos soldados e do povo. Seria, por isso, o oficial-general mais completo do seu tempo. Como denominador de todas estas qualidades, uma última: a frontalidade. Uma verdadeira mistura explosiva!

E, por uma questão de personalidade, em choque permanente com os superiores hierárquicos, de mentalidade reduzida e anquilosados pela burocracia, mas sempre prontos a demolir quem se lhes opusesse. As invejas não tardaram a surgir e, sufocadas por algum tempo, explodirão em Tortura, logo que para isso tiverem ocasião.


O Construir da Inveja

A sua vida foi um amontoar de invejas e ressentimentos dos que nunca lhe perdoaram as suas capacidades e o seu voluntarismo. Tendo assentado praça como alferes no Regimento de Infantaria de Peniche (a 9 de Outubro de 1782) começa a sua actividade operacional, incorporado na Marinha. As oito investidas realizadas na baía de Argel (Julho de 1784) sobre o poder naval ali sediado foram muito duras. As barcaças artilhadas com que esse tipo de ataques era feito eram dificilmente manobráveis e os combates realizados a curtas distâncias. Estas circunstâncias marcaram-no, enquanto militar e homem, a par dos múltiplos aspectos da organização da campanha (23 de Junho a 24 de Setembro de 1784) que terá observado em pormenor.

Ao voltar a Portugal, em menos de quatro anos, atinge o posto de sargento-mor do seu Regimento (27 de Abril de 1788). Naquele tempo, o sargento-mor era a terceira figura do regimento e aquelas funções eram desempenhadas por oficiais criteriosamente escolhidos e que, de um modo simplificado poderemos dizer que eram os “comandantes executivos” da unidade. O regulamento do tempo responsabiliza-os, entre diversas funções, pela disposição do regimento para a batalha.

Mas é em 1788, na Guerra da Crimeia, que, verdadeiramente, se forma como militar através da participação em combates violentíssimos, levados a cabo por grandes efectivos, em maus terrenos e sob condições meteorológicas severíssimas. As descrições de Raul Brandão apontam para situações fome e frio, com a soldadesca a viver miseravelmente em barracas de campanha, para não falar do saque da cidade de Oczakov (Dezembro de 1788) defendida por 310 canhões. O número de mortos de ambas as partes atinge várias dezenas de milhar.

Regressado a Portugal, como coronel dos exércitos russos, parte então, (20 de Setembro de 1793) à testa do regimento de que era coronel para a Campanha do Russilhão. As descrições de Raul Brandão sobre esta campanha são verdadeiramente surrealistas e, por outras vias, sabemos que foi uma operação tão inútil quão inconveniente. A logística foi péssima (alimentação, alojamento e higieno-sanitária), quando não falhou e a actividade operacional decorre em condições climáticas muito severas. Os franceses, de invadidos passaram rapidamente a invasores, e a retirada é acompanhada de deserções em massa dos militares espanhóis que se sentem muito felizes cada vez que se rendem. O ambiente entre a oficialidade portuguesa é mau, sem que John Forbes Skellater tenha mão nos seus inferiores. É aí que Gomes Freire cria uma amizade para a vida com António de Sousa Falcão – em horas de perigo e incerteza – e uma inimizade que roça o ódio com Luís Carlos de Clavière e D. Miguel Pereira Forjaz, ajudantes de ordens de João Forbes Skellater. Os ajudantes-de-ordens, normalmente oficiais do estado-maior, eram intermediários entre um comando superior e os comandos inferiores. Transmitiam pessoalmente ordens, observavam a sua execução e a situação da unidade. Conferenciavam com o respectivo comandante e depois reportavam as suas impressões ao comandante que os enviara. Tinham, por isso, grande influência nas decisões que eram tomadas e eram tidos – com razão ou sem ela – como intriguistas e manipuladores da acção do comando a que pertenciam.


Para além de outros indícios claros de desorganização e indisciplina, a situação no comando do Exército Auxiliar Português tornou-se tão insustentável, que Gomes Freire é mandado regressar a Lisboa. Chega mesmo a falar-se da abertura de uma devassa ao comportamento das forças portuguesas no combate de 20 de Novembro de 1794.

É aqui que a inveja começa a desenvolver-se e a sede de vingança desenhar-se para ser servida em doses de tortura, mal a oportunidade surja.

O episódio cómico-bélico denominado Guerra das Laranjas foi mais uma afirmação de Gomes Freire no campo operacional. Era então Quartel-mestre do Exército de Trás-os-Montes, servindo sob as ordens do Marquês de La Rosière, o que atesta a sua capacidade de organizador de forças e gestão de meios logísticos. Ao protagonizar uma acção ofensiva sobre Monterrey, a que hoje poderíamos chamar “golpe-de-mão” torna-se num dos três oficiais que procuraram lutar contra o marasmo que foi a actuação das forças portuguesas. Os outros foram Matias José Dias Azedo (em Campo Maior) e Eusébio de Sousa Soares (em Vila Real de Santo António).

Como militar experiente e bem habilitado nas duas áreas fundamentais para o efeito, Gomes Freire de Andrade expediu opiniões sobre a reorganização do Exército e, por sugestão do Duque de Sussex, acabou por escrever (1806) um livro de mais de 400 páginas no qual expõe um plano para a reorganização do Exército visando evitar os graves inconvenientes sobre a vida das populações motivados pelas levas, pelo serviço militar tão longo e dos graves prejuízos para a agricultura que considera a base da vida do país.

Nesta área, é o trabalho mais completo produzido por um oficial português até então. É proposta uma divisão territorial do país para efeitos defensivos, determinados os principais eixos de aproximação a Portugal e, consequentemente, quais as medidas logísticas, dispositivo a adoptar, de treino regular das unidades, e até uma avaliação em termos financeiros das medidas preconizadas. Este trabalho ter-lhe-á granjeado mais alguns ódios, especialmente porque as I e a III Invasões utilizaram os eixos que havia apontado. É mau ter razão antes de tempo.

À data da I Invasão, Gomes Freire é responsável pela defesa da área de Setúbal, recebendo ordem de Junot para comandar a II Divisão das tropas que marchariam para França. Aguardando um desembarque britânico, (que só surgirá quando a Inglaterra entender que é conveniente) resiste à ordem procurando demorar o encontro com a unidade que iria comandar, mas, ao tentar atravessar a Espanha, a sublevação das populações põe-lhe a vida em perigo. Consegue entrar em França e, a partir da sua apresentação em Paris, a sua vida é um autêntico rosário de colocações, em variadas tarefas que seria óptimo que conseguíssemos detalhar. O período entre 1808 e a sua rendição em Dresden, em 1814, é talvez o mais rico da sua vida, mesmo sendo pobre como Job e não passando de um prisioneiro condecorado e armado. Depois da rendição é conduzido, sob prisão à Hungria, e só regressa a Paris, a 5 de Junho de 1814, perdido da sua Matilde que o procurou num percurso de mais de 2000 Km numa Europa esventrada por muitos anos de guerras de vários tipos e formas. Nunca lhe poupará elogios e ela estará ao seu lado especialmente no momento da captura.

Gomes Freire sabe que não é bem quisto em Lisboa e procura demonstrar, antecipadamente que, a menos que tivesse realizado o milagre de S. António, nunca combatera em Portugal, nem na Península Ibérica. É uma dura batalha a produção do cartapácio (processo, como hoje diríamos) que lhe permitiria fugir à sanha dos procuradores. Mesmo assim, quando regressa a Lisboa, via Londres, em 25 de Maio de 1815, ainda passa pela Torre de Belém por alguns dias.


A revolta existiu… 

Os documentos que constam na devassa mostram que havia uma revolta em movimento. Quando Gomes Freire chega a Lisboa, os franceses tinham saído de Portugal havia cerca de quatro anos, depois de um saque de mais de oito meses. Os afrancesados são perseguidos pelas suas ligações – especialmente ideológicas – ao invasor e a situação social é uma catástrofe.

A descrição de Raul Brandão fala de falta de braços nos campos, recorda que a corte fugiu e já poderia ter voltado, que o tratado de comércio com a Inglaterra põe o país a saque económico, que a reestruturação exército cria mal-estar, embora Beresford tenha “cortado a direito”. Há suspeitas de imoralidade na Igreja, fome nas Beiras e os preços sobem loucamente. O número de órfãos, viúvas e desenraizados é enorme. Um dos conspiradores é coronel, visita de casa de Gomes Freire, casado e com filhos. Há trinta meses que não recebe vencimento. Quem não conspiraria nestas circunstâncias? Para um homem próximo do seu povo e pronto a defender os seus camaradas estão criadas as condições para que, pelo menos feche os olhos à revolta e chefie, se necessário.


A Tortura 

A análise dos factos, ocorridos entre 25 de Maio (domingo) e 18 de Outubro de 1817 (sábado) revela um processo kafkiano. Para além da óbvia condenação, deveria passar por um crivo de tortura bem estreito.

A prisão dos réus ocorre 25 de Maio de 1817, numa operação bem planeada e conduzida, entre a meia-noite e as quatro horas da manhã, sob controlo de oficiais estrangeiros. Beresford chega ao Regimento de Cavalaria de Alcântara pouco antes da meia-noite e à quatro da manhã já está em casa, no Pátio do Saldanha. Verificamos uma demonstração de força materializada pelos efectivos empenhados e ainda por 5 baterias (cada um com 4 peças + 1 obus) prontas e com os murrões acesos, junto do Arsenal do Exército.

Só Gomes Freire é enviado para S. Julião da Barra e mantido incomunicável até à execução.
O lugar onde esteve preso e as condições de vida celular a que foi sujeito nos primeiros dias de prisão confirmam-no.

O processo não observa as regras processuais em vigor nem a jurisprudência existente ao tempo.
Nunca virá a ser acareado com os outros réus que o acusavam, o que seria uma diligência elementar.
É interrogado na cela, apenas na presença de um desembargador e um escrivão.


No âmbito da tortura poderemos acrescentar a assistência médica que lhe é “prestada”, em duas visitas, realizadas a 6 de Julho e 12 de Julho pelo físico-mor do Exército, José Carneiro Barreto, o que seria sinónimo da intenção de um tratamento feito por alguém de créditos clínicos firmados. Os relatórios revelam um agravamento do reumático de que o General sofria e que estaria directamente relacionado com as condições de habitabilidade da cela onde estava preso, assim como com a idade e os sofrimentos da vida em campanha. Gomes Freire queixou-se de indisposição de estômago e […] de incommodo  de ventre que, na opinião do cirurgião, são bem de acreditar pela conspurcação da língua e outros signais. O médico pretendeu combater a indisposição de estômago com um emético (produto que provoca o vómito) e o incommodo de ventre com um catártico (laxante). Queixou-se também de enxaquecas que o médico não valorizou. O médico propõe que seja permitido ao prisioneiro que se barbeie, pois será um primeiro passo para a cura de uma erupção cutânea que o aflige.

Ainda no âmbito da saúde, sabemos que o tenente-coronel Haddock, em serviço na fortaleza, informa Beresford de que Gomes Freire algumas vezes está agitado.

A devassa não observa as regras processuais em vigor, como o advogado dos réus demonstra na sua contestação à sentença. Nega-se-lhe o apelo para o Rei que era um direito que tinha e os documentos que entrega a Archibald Campbell desaparecem e não têm qualquer efeito. É aqui que o réu se compenetra de que vai morrer e desabafa com Campbell.

No âmbito da tortura, encontramos ainda a indicação do método e local de execução designado na sentença.

A sentença foi proferida em cinco dias e os recursos apresentados pelo advogado de defesa prontamente considerados improcedentes, o que, para uma justiça fortemente burocratizada, como a do tempo, é muito suspeito. (17 de Outubro de 1817).

O pouco tempo que mediou entre a condenação dos réus e a execução da sentença. Pode parecer estranha a publicação deste documento, ocorrida já após a execução. Todavia, sabemos que era necessário actuar contra (hum, principalmente) dos réus e secar as veleidades dos que quisessem repetir a aventura.

No dia da execução, Gomes Freire barbeia-se e farda-se a rigor, mas é obrigado e despir a farda e a vestir a alva dos condenados e a humilhação prossegue, enquanto aguarda a execução descalço durante várias horas. O tenente-coronel Haddock dá-lhe uns sapatos para que possa marchar para o patíbulo com certa comodidade. Isso irá valer-lhe aquilo que a que hoje chamaríamos um processo disciplinar que encerra sem consequências. Seria garrotado de acordo com a sentença. Pede para ser fuzilado nos mesmos moldes que o marechal Ney. Acaba enforcado.

Antes tenta despedir-se dos soldados, mas é impedido de se lhes dirigir. São prontamente virados de costas para o patíbulo a fim de não lhes poder transmitir alguma mensagem maçónica, ao mesmo tempo que os frades presentes iniciam um canto religioso em altos berros.

D. Miguel Pereira Forjaz dá ordem pessoal ao Arsenal Régio para o fornecimento do alcatrão a usar na queima do cadáver de Gomes Freire.

Tudo se conjuga para um assassínio premeditado, precedido de tortura.


E a Igreja Católica 

A posição da Igreja Católica não surpreende. Uma ordem de 8 de Junho de 1817, ordena a celebração (a 22 Junho) de um Te Deo de Acção de Graças em todo patriarcado de Lisboa, pela descoberta da conspiração. Haviam passado 15 dias sobre a prisão dos réus e a Igreja já os dá como culpados, chamando-lhes “insensatos, temerários e atrevidos”. A sua hierarquia congratulou-se com a vitória das forças conservadoras na repressão aos subversivos e assim, ganhou em dois tabuleiros: apoiou o poder, o que sempre lhe trouxe dividendos, e ganhou tempo retardando a evolução das ideias na sociedade.

Virá a surgir no processo, sim, mas apenas no que respeita a uma das suas tarefas habituais e que mais ninguém desempenhava: a encomenda das almas dos condenados à morte que, quase de certeza iam parar o céu, considerando que se haviam arrependido e confessado os seus pecados e tinham pouco tempo para pecar...


William Carr Beresford, Marechal-General 

William Beresford (reestrutura o Exército a partir de 15 de Março 1809) é o primeiro a saber da conspiração. É, essencialmente, um militar estrangeiro a quem é dada uma missão. Reestruturado o Exército Português e expulsas as forças francesas de Portugal (Maio de 1811) continua a sua acção, agora procurando levar a Regência a conduzir uma política que fosse favorável aos interesses ingleses. O seu poder foi aumentando por delegação do poder real, nomeadamente depois de cada ida ao Brasil.

Os denunciantes Pedro Pinto de Morais Sarmento, José de Andrade Corvo de Camões (ambos militares) e o bacharel João de Sá Pereira Ferreira Soares, procuram-no na sua casa e descrevem-lhe o que haviam sabido em consequência da denúncia involuntária de um tal António Cabral Calheiros Furtado de Lemos, tenente demitido do Regimento de Infantaria n.º 3. Prova-se durante o processo que está perturbado, mas as suas atitudes conspirativas são tidas como correctas.

Beresford procura conselho (noite de 22 de Maio), reunindo-se, em sua casa, com três funcionários superiores da administração: o Cipriano Ribeiro Freire (Presidente da Junta do Comércio), o Visconde de Santarém e José António de Oliveira Leite de Barros (Desembargador do Paço e Auditor-geral do Exército). Conforme o conselho que lhe é dado, no dia seguinte, procura o Marquês de Borba que se compromete a informar a regência.
Participada a revolta, assegura a captura dos conspiradores numa operação que dura apenas quatro horas, conduzida sob controlo de um número considerável de oficiais estrangeiros. Terminada a operação, publica em Ordem do Dia um louvor à tropa, em 30 de Maio de 1817. Aparentemente uma atitude simpática para como o Exército e a Polícia, mas até que ponto não poderá ser um auto-louvor?
Depois, aparentemente, sai de cena.

Os pedidos de Beresford seguem sempre as vias “hierárquicas” normalmente através do Intendente Geral de Polícia, João de Matos Vasconcelos Barbosa de Magalhães.

Logo em 29 de Maio de 1817, pede (à Regência) que Gomes Freire "tenha aqueles artigos que o seu commodo exigisse” e nomeia Archibald Campbell como responsável pela sua guarda. Naquele tempo, era possível que os criados acompanhassem os senhores durante os seus períodos de prisão. Tal não foi autorizado a Gomes Freire, embora Beresford tivesse estranhado uma tal atitude. Campbell, enquanto governador da Praça, sustenta-o durante os seis primeiros dias de reclusão. Por fim, não podendo melhorar mais as condições de vida do preso, pede para ser substituído, mas Beresford não aceita. Não assiste à execução, embora Gomes Freire tenha pretendido despedir-se dele e agradecer-lhe o seu empenho. Declara-se doente.

Os papéis enviados, por Gomes Freire, para a Regência, são elaborados sob controlo de Campbell e recebidos com autorização do governo. Foram entregues ao Marquês de Borba, Presidente do Governo, mas desapareceram. Tal como Beresford, Archibald Campbell é cuidadoso no contacto com as autoridades portuguesas e procura evitar confrontos com o “desembargador” que promoverá a execução.

A recusa das autoridades em permitir que o preso se barbeasse, apesar das insistências de William Beresford e Archibald Campbell, é prova indirecta de que quem controlava o tratamento que lhe era dado, pretendia causar-lhe toda a dor que lhe fosse possível, porém não o assumindo directamente. Campbell dispôs-se até a assistir à actuação do barbeiro, ou procurou que fossem fornecidas navalhas especiais ao prisioneiro para que se barbeasse. Nenhuma das soluções foi autorizada o que prova que, mesmo na prisão e independentemente da condenação que viesse a receber, Gomes Freire não estava a salvo da intenção da Regência de o torturar e que a ajuda dos britânicos era necessariamente tímida. É provável que esta solução não desagradasse a Beresford. Sabemos que ele e Gomes Freire só viveram simultaneamente em Lisboa durante pouco mais de dois anos, sendo lógico que mal se conhecessem pessoalmente. William Beresford é censurado por querer avistar-se com Gomes Freire o que nunca sucederá.

Amanhã completam-se 200 anos sobre a morte de
Gomes Freire de Andrade

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BIBLIOGRAFIA 

ANDRADE, Gomes Freire de, Ensaio sobre o Methodo de Organisar em Portugal o Exército Relativo à População, Agricultura e Defeza do Paiz, Nova Officina de João Rodrigues Neves, Lisboa, 1806.

BRANDÃO, Raul, Vida e Morte de Gomes Freire, 4.ª edição, Editorial Comunicação, Rua da Misericórdia, 67-2º, 1200 – Lisboa, Janeiro de 1988, Colecção Obras Completas de Raul Brandão, Depósito Legal n.º 20027/88.

FREITAS, Joaquim Ferreira de (o padre Amado), Memória sobre a Conspiração de 1817, vulgarmente chamada Conspiração de Gomes Freire, Escripta e Publicada por hum Português, Amigo da Justiça e da Verdade[1], Impresso em Londres por Ricardo e Artur Taylor e em Lisboa na Impressão Liberal, em 1822. Este último mais completo foi oferecido à Sociedade Martins Sarmento pelo Conde de Vila Pouca (S.L.f-3-72)

[1] - Autoria atribuída por Raul Brandão
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Notas do editor

[*] Vd. postes de:

6 de Outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17829: Agenda cultural (589): Congresso Internacional, dedicado a Gomes Freire de Andrade, na Academia Militar (Campus Amadora), nos dias 11 e 12 de Outubro de 2017, com a uma intervenção a cargo do Cor Art.ª Ref António J. Pereira da Costa
e
8 de outubro de 2017 Guiné 61/74 - P17834: Agenda cultural (590): Bicentenário da morte do general Gomes Freire de Andrade (1757-1817): eventos (António J. Pereira da Costa, cor art ref)

Último poste da série de 22 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17894: Agenda cultural (598): DocLisboa2017: Hoje, às 16h15, no Cinema São Jorge, "Os Cantadores de Paris" (Portugal / França, 2017, 80'), um filme de Tiago Pereira

Guiné 61/74 - P17894: Agenda cultural (598): DocLisboa2017: Hoje, às 16h15, no Cinema São Jorge, "Os Cantadores de Paris" (Portugal / França, 2017, 80'), um filme de Tiago Pereira






Cinema São Jorge - Sala Manoel De Oliveira,
Lisboa


Os Cantadores de Paris 

Tiago Pereira | 2017 | Portugal, França, 80’

“Como é cantar uma cultura que não se conhece? 

Três portugueses, uma italiana, uma alemã e seis franceses formam o grupo Cantadores de Paris, dedicado ao cante alentejano. 

Trazemos elementos do grupo a Serpa para os cruzar com os grupos locais.”  (Tiago Pereira )

Projecções:

22 OUT / 16.15, Cinema São Jorge – Sala M. Oliveira

28 OUT / 16.15, Cinema São Jorge – Sala M. Oliveira


Vd. aqui "trailer" do flme > Sinopse:

"A música portuguesa a gostar dela própria2 apresenta um filme de Tiago Pereira

Em Paris criou-se um grupo de Cante Alentejano formado por pessoas de várias proveniências.
O cante Alentejano tem uma coisa incrível que é o seu lado de confessionário, os homens másculos, bem constituídos cantam sobre as flores e os passarinhos e as mulheres quando não imitam os motes dos homens cantam segredos femininos e lamentam-se por estar casadas, as pessoas usam o cante como escape do que de outra forma não seria bem visto em sociedade. Isto é uma análise possível, a minha neste caso. 

O documentário quer-se nesse tom de confissão, não é uma reportagem, o que importa é mostrar não é narrar, não é um filme de entrevistas, os interpretes usam a câmera como espelho, como algo que está lá no camarim ou na rua e falam com ela, podem-se vestir ou pintar em frente a ela mas também usá-la como confessionário, confessam-se, falam dos seus medos, da dificuldade do cantar em português, do que o cante os faz pensar e sentir."

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de outubro de  2017 > Guiné 61/74 - P17891: Agenda cultural (597): DocLisboa2017, de 19 a 29 de outubro: destaque para dois filmes sobre a África Lusófona, um realizado na Guiné-Bissau ("Spell Reel", de Filipa César, 96') e outro em São Tomé e Príncipe ("O Canto do Ossobó", 99')

Guiné 61/74 - P17893: Blogpoesia (534): "O que vejo da minha janela..."; "Os vira-casacas" e "O Tratado da Insolência", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:

 
O que vejo da minha janela…

Não é o mundo inteiro que eu vejo da minha janela.
Linda. Rica ou feia é só uma parte minúscula.
Só dela não retiro a ideia global do que seja o mundo.
É preciso saltar para fora e longe.
Ver o novo e o diferente.
Trazer para dentro e reflectir.
Retirar o bom. Extirpar o mau.
Enriquecer a ideia e a visão das coisas.
Melhorar. Avançar depois.
Novas etapas. Crescer.
Não ficar igual. O que é mais pobre…

Berlim, 17 de Outubro de 2017
17h9m
Jlmg

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Os vira-casacas

Eu era miúdo. Nos tempos pós-guerra.
Eram de fome.
De vez em quando, chegava um freguês:
-Ó Quinzinho. Pode virar-me este fato?
Meu Pai saudoso, era alfaiate, o estendia na mesa, examinava.
- Sim senhor.
Pode vir buscá-lo p’rà semana.
Os tempos passaram.
A guerra amainou.
Mudou-se a fome.
Agora é de vergonha.
Dum dia para o outro, a toque dos ventos,
Se vira a casaca,
Tudo em casa.
Nem precisa alfaiate…

Berlim, 22 de Outubro de 2017
9h19m

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O Tratado da Insolência

Anda por aí um livro de grande tiragem, denominado
– Tratado da Insolência -.
Foi adoptado como livro base, de formação política, por aquela ala de políticos baixos,
Que a utiliza como escada na vida.
Em vez da escola.
É o vale tudo. Acabou-se a Ética.
Para derrubar o adversário.
E lhe ocupar a cadeira.
Tudo serve.
- Mentir? O mais que se puder.
- Ofender? Que mal é que tem?
É o bota-abaixo, de qualquer jeito.
- Assumir as culpas próprias e responsabilidades? Que estupidez! Nem pensar nisso.
- Imputá-las aos outros. Assim é que é.
Se quer ser insolente… deve comprá-lo.
Ficará mestre!...
Mas, por favor, emigre para bem longe…
noutro planeta que não a Terra.

Berlim, 20 de Outubro de 2017
5h10m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17863: Blogpoesia (533): "São verdes e negras..."; "Mais um pouco..." e "Língua materna", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17892: Fotos de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74, que está a preparar a edição de um terceiro livro, memorialístico, "Em Nome da Patria"



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > "Beleza das mães [. biafadas,] de há 44 anos... Reparem na perna e braço do bebé"...



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > Malta do 1.º pelotão, à civil...



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > "A espectacular equipa dos 'Serrotes de Fulacunda' que só perdia quando eu jogava. Tinham de me deixar jogar porque eu era o cantineiro. O autor {o segundo a contar da esquerda, na primeira fila,] é, naturalmente, o "dono da bola"...


Amarante > José Claudino da Silva >  s/d > Bate-chapas, "self-made man" ou "homem que se fez a si próprio", escritor, com dois livros publicados (um de poesia e outro de ficção). Está a elaborar um terceiro com as cartas que foi trocando com a futura esposa.

Fotos (e legendas): © José Claudino da Silva (2017), Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Fotos do álbum de José Claudino da Silva:

(i) natural de Penafiel;

(ii) residente em Amarante;

(iii) bate-chapas, reformado;

(iv) ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART /BART 6520 / 72, Fulacunda, 1972/74;  (*)

(v) "self made man" ou "homem que se fez a si próprio", escritor, é autor de dois livros, um de poesia (2007) e outro de ficção (2016), estando a finalizar um terceiro ("Em nome da Pátria"), de que iremos pré-publicar alguns excertos, com a devida autorização do nosso camarada;

(vi) membro nº 756 da nossa Tabanca Grande. (**)
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sábado, 21 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17891: Agenda cultural (597): DocLisboa2017, de 19 a 29 de outubro: destaque para dois filmes sobre a África Lusófona, um realizado na Guiné-Bissau ("Spell Reel", de Filipa César, 96') e outro em São Tomé e Príncipe ("O Canto do Ossobó", 99')



1. Está decorrer, de 19 a 29 deste mês, o DocLisboa 2017, o mesmo é dizer, o 15º Festival Internacional de Cinema... E por que se trata, de facto, de um dos mais prestigiados festivais de cinema documental, a níval mundial, é apropriado o slogan promocional, "em outubro o mundo inteiro cabe em Lisboa"...

De acordo com o programa, na Competição Interbacional, "este ano, o Doclisboa apresenta 19 filmes em competição, 12 dos quais em estreia mundial ou internacional. Estão representados 17 países, numa selecção que se caracteriza pela diversidade temática, estética e formal, numa amostra daquilo que é o pulsar do cinema mais actual produzido em todo o mundo."

Em contrapartida, na Competição Portuguesa apresentam-se "11 trabalhos [...que] atravessam vários formatos e universos neste espaço aberto à exibição de criações livres, com as linguagens plásticas e narrativas mais diversas.". E há as outras seções já habituais: Verdes Anos (21 filmes de "novos realizadores", proporcionando  "uma visão alargada sobre a riqueza e diversidade dos trabalhos produzidos em território nacional);  Retrospetiva (dedicada ao cinema checo e quebequiano); Heart Beat; Da Terra à Lua; Riscos: Cinema de Urgência; Doc Alliance... além de Passagens, Atividades Paralelas, Projeto Educativo... (É obrigatório consultar o programa,para o leitor não se perder!...).

Para séniores (, como é o caso da maior parte dos nossos leitores), os preços por sessão são a 3 euros e meio  (Culturgest, Cinema São Jorge, Cinema Ideal) ou 2, 15 € (Cinemateca)... Há "vouchers", de 5, 10 e 20 bilhetes,  ficando cada sessão mais barata.

 No "Observador",  de 18 do corrente, o crítico Eurico de Barros escolheu 11 filmes para 11 dias, de uma vastíssima programação (duas centenas de longas, médias e curtas metragens).

No Público, de 19 do corrente, Jorge Mourinha assina  a crónica "Doclisboa, dez dias de aventuras em rally paper"... onde  escolher é que é o busílis!... Pensando na generalidade dos nossos leitores e na sua ligação à África lusófona, ficam para já aqui duas sugestões deste conhecido crítico cinematográfico

"(...) Nas competições, vale desde já a pena marcar na agenda dois títulos que evocam as memórias do colonialismo e da independência: o assombroso Spell Reel, de Filipa César, finalmente em estreia nacional, em busca do cinema perdido da Guiné-Bissau, e O Canto do Ossobó, de Silas Tiny, que olha para a presença colonial em São Tomé e Príncipe.

"Spell Reel e O Canto do Ossobó serão também projectados em sessões escolares, que têm lugar entre as 10h30 e as 14h, e que, para aqueles que tiverem essa disponibilidade, são este ano abertas ao público" (...)

Spell Reel

ESTREIA PORTUGUESA

PRIMEIRA OBRA
Filipa César | 2017 | Alemanha, Portugal, França / Germany, Portugal, France | 96’
Sinopse:

Um arquivo de material audiovisual em Bissau. À beira da ruína completa, as imagens testemunham o nascimento do cinema guineense enquanto parte da visão descolonizadora de Amílcar Cabral, o líder da libertação assassinado em 1973.
Sessões  > 26 OUT / 18.45, São Jorge – Sala M. Oliveira27 OUT / 10.30, Culturgest – Grande Aud. | Sessão para escolas aberta ao público
Ver aqui o "trailer" (2' 00'')

O Canto do Ossobó
The Song of Ossobó



ESTREIA MUNDIAL

Silas Tiny | 2017 | Portugal | 99’

Sinopse:

Rio do Ouro e Água-Izé foram das maiores roças de produção de cacau em São Tomé e Príncipe durante o período colonial português. Milhares foram marcados pelo trabalho forçado equiparado à escravatura. Regresso ao meu país, para encontrar os vestígios desse passado.

[Silas Tiny é o nosso conhecido realizador de "Bafatá Social Clube",  2012, 78']

Sessões > 23 OUT / 22.00, São Jorge – Sala M. Oliveira
26 OUT / 14.00, São Jorge – Sala 3 | Sessão para escolas aberta ao público
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P17890: Convívios (828): os esquálidos, esgrouviados, a companhia do Como, os bravos do Cachil... os 'últimos moicanos' da CCAÇ 557 (1963/65), mais de meio século depois do seu regresso, voltam a encontrar-se, pela 29ª vez, no próximo dia 4 de novembro, agora em Sapataria, Sobral de Monte Agraço (José Colaço)


Ponte de Sôr > 5 de novembro de 2016 > CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > Convívio anual dos "resistentes"... onde nunca faltam  o Francisco dos Santos, aqui ao centro (com o  José Colaço, à esquerda a "fazer guarda de honra"). O Francisco é  nosso grã-tabanqueiro, tal como o Zé Colaço, (*)

Foto (e legenda): © José Colaço (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, com data de hoje, de José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), membro da nossa Tabanca Grande desde Junho de 2008:

Caríssimo Luís e editores

Luís, os veteraníssimos, ex-militares da companhia de CCAÇ 557, os esquálidos, esgrouviados, a companhia do Como,  os bravos do Cachil...   eis as alcunhas que alguns camaradas e o povo da Guiné dedicou à nossa companhia...

Após cinquenta e dois anos do seu regresso,  os ex- militares da CCAÇ 557, os resistentes, organizam o seu vigéssimo nono consecutivo almoço anual de convívio.

Este ano terá lugar no dia 04/11/2017,  no restaurante "O Ferrador",  na localidade de Sapataria,  Sobral de Monte Agraço. (**)

Anexo do nosso último convívio,. em Ponte Sor, em 5/11/016... No grupo, destaca-se o nosso conhecido poeta popular Francisco dos Santos, ao centro (e eu, Colaço,  à esquerda a fazer guarda de honra).

Um abraço,
José Colaço
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16778: Convívios (775): Almoço anual dos veteraníssimos ex-combatentes da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), em Ponte de Sôr, no passado dia 5...Este ano fomos só vinte, mas o nosso poeta Francisco Santos continua vivo e inspirado (José Colaço)

Guiné 61/74 - P17889: (Ex)citações (325): Os capitães de África, pelo professor Rui Ramos (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,

A história das guerras do império, por vagas sucessivas, envereda pelos seguintes domínios: 

(i) logo a seguir ao 25 de Abril os teóricos à esquerda e extrema-esquerda a desvelar aspetos sombrios do colonialismo, desde a palmatória aos massacres, 

(ii) e o teóricos da direita e extrema-direita a apontar para a tragédia da descolonização; 

(iii) o novo fluxo prendeu-se com o sofrimento daqueles que combateram pela presença portuguesa, perseguidos e executados, isto a par da permanente acusação do dedo soviético e da ganância norte-americana à espreita de petróleo e diamantes; 

(iv) seguiu-se a acusação irrestrita de que a descolonização prejudicou por inteiro os descolonizados; 

(v) no fluxo presente, em que é impressionante o acervo de conhecimentos sobre o que foram as campanhas de África e em que contexto internacional se moveram as decisões de Salazar e Caetano, passa-se banho lustral sobre os fundamentos das lutas de libertação e temos historiadores a falar dos teatros de guerra sem jamais os ter estudado.

Encontra-se no trabalho de Rui Ramos bojardas como a seguinte, a propósito da invasão da Guiné Conacri, em 1970: "O PAIGC acabou por abandonar todos os acampamentos permanentes no interior do território".

Pasma como quebra o silêncio para denunciar a inqualificável besteira.

Um abraço do
Mário


Os capitães de África, pelo professor Rui Ramos

Beja Santos

Em escassas duas semanas, de quatro proveniências diferentes recebi o artigo que o professor Rui Ramos publicou no jornal Independente em 2006 sobre as guerras que travámos em África:

http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2017/09/oscapit%C3%A3es-de-%C3%A1frica-por-prof-rui-ramos.html. (*)

O documento é naturalmente polémico, será precisamente por isso que anda nas redes sociais, dá satisfação aos descontentes e azedumentos. À pergunta de que aquela guerra fora o simples resultado da natureza do regime político em 1961 ou da idiossincrasia do seu chefe, o historiador não hesita: “Nenhum governo português poderia ter feito outra coisa em Março de 1961”.

E refere as chacinas, os apelos à violência da UPA, incluindo o ideólogo de alguns revolucionários, Frantz Fanon. Na suposição de que o historiador aposta na imparcialidade e na contextualização dos factos, estava sem querer que houvesse algumas palavras abonatórias de que se encetara desde o termo da II Guerra Mundial uma gradual consciencialização anticolonial, que o Estado Novo estava ciente de que vinham problemas do principal anfiteatro planetário, as Nações Unidas, onde as novas nações independentes clamavam pelo fim das colónias.

O Estado Novo iludiu a realidade, e depois de umas largas pinceladas sobre a chegada de colonos a Angola e Moçambique, remata que não teria sido fácil em 1961 o abandono de África, ninguém pensara em retirar nem mesmo o PCP e os demais antissalazaristas. Houve portanto guerra aos movimentos de libertação porque era inevitável, ponto final, foi uma História sem antecedentes, um autêntico conto de fadas.

Rui Ramos fala da evolução da guerra e da estratégia salazarista, cita mesmo Marcelo Caetano em Março de 1974: “Não será por falta de dinheiro que nos renderemos”. Dinheiro houvera muito, mas estava tudo a correr mal desde 72, primeiro a crise mundial de alimentos, dispararam os preços, só baixarão no fim da década, a seguir o primeiro choque petrolífero e o castigo árabe a Portugal, pensou-se em racionamento, houve quilómetros de bicha, candonga a gasolina, se o professor Rui Ramos conversar com alguns do seus colegas e que conhecem economia e finanças, ficará surpreendido como a inflação subiu acima dos 30% no fim do primeiro trimestre de 1974.

Apregoa os mesmos argumentos de que a guerra se apresentava viável, que os principais movimentos de libertação constituíam um complicado folhetim de desânimos, cisões constantes, ajustes de contas sanguinários e deserções espetaculares. Era bom que o professor Rui Ramos estudasse a fundo o que foi o PAIGC, por exemplo, teve altos e baixos mas foi-se fortalecendo e prestigiando, conseguiu os necessários apoios técnicos, em armamento e equipamento, formou quadros e nos últimos anos da guerra fez reverter para o interior da Guiné uma matéria-prima de grande qualidade, os quadros cabo-verdianos que não tinham condições de estender a guerrilha a Cabo Verde.

Não esclarece muito bem o que mudou de Salazar para Marcello Caetano, deste refere novos argumentos, mais complicados, assentes numa solidariedade humanitária, para justificar as operações militares. “Convenceu-se também de que a estratégia da guerra limitada e de longa duração não podia continuar”.

Então, o historiador atira uma régua para cima da mesa, já que era necessário pôr fim à guerra: “Caetano proporcionou aos chefes militares os meios para romperem com a modesta rotina salazarista e tentarem esmagar a guerrilha. O ano 1970 foi marcado por iniciativas dramáticas: a invasão da Guiné Conacri, o grande assalto ao Planalto dos Macondes em Moçambique, e um novo plano de operações no Leste em Angola. Os resultados iniciais não foram maus. Na Guiné, o PAIGC acabou por abandonar todos os acampamentos do território”.

Penso que nunca ficaremos a saber se o académico ilude os factos, é ignorante e tacanho ou consultou os dossiês errados. Tivesse ele procurado ler o que foi o ano militar da Guiné de 1970, e mesmo 1971, e descobriria que o PAIGC não abandonou nenhum acampamento, esquece-se que ainda há muita gente viva que por aqui anda e que os arquivos estão cheios dessa documentação. O académico sugestionou-se, sentiu-se livre para dizer umas bojardas.

O que aconteceu depois? Kaúlza e Spínola teriam ficado despeitados por não terem sido candidatos à presidência da República, em 1972 e foi posta a propalar a tese de que o governo não lhe dera os recursos materiais ou as autorizações políticas necessárias. Curiosamente, esta argumentação não bate certo com o que, depois do 25 de Abril escreveram militares como Kaúlza de Arriaga ou Silvino Silveira Marques e mais recentemente um tenente-coronel aviador de escrita alucinada, Brandão Ferreira.

O que escreve sobre o desfecho do regime e a ascensão do MFA é pura pirotecnia argumentativa: os capitães entendiam que a democracia portuguesa se iria fazer abrindo estradas, administrando escolas e hospitais, como se fazia em África. O historiador profere estes dislates, tanto quanto sei ninguém lhe foi ao pelo. Será por indiferença? Segue-se, no termo do artigo, a verrina e a destilação de veneno:

“Só a mitologia de esquerda podia dar uma boa consciência aos homens do MFA. Só ultimamente se começou a perceber o verdadeiro sentido da retirada portuguesa. Havia mais africanos a combater do lado português do que do lado dos partidos armados. Na Guiné, metade dos confrontos com o PAIGC eram da responsabilidade das milícias locais”.

Que ninguém se pasme como se pode ser tão leviano. E nem uma palavra sobre aquele trimestre fatídico para Marcello Caetano, em que mandou negociadores sigilosos falar com o PAIGC, a FRELIMO, o MPLA, a FNLA e a UNITA. Numa entrevista a um jornal brasileiro, Caetano irá com uma certa displicência que era inevitável as independências, era um fenómeno internacional onde já não cabia a argumentação portuguesa em prol de um Portugal do Minho a Timor. (**)
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Notas do editor:

(*) O link constante no texto não funciona pelo que tive de pesquisar na net uma alternativa. Encontrei este: http://macua.blogs.com/files/os-capit%C3%A3es-da-%C3%A1frica-ii---2004.pdf que permite até carregar o PDF.

(**) Último poste da série de 16 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17867: (Ex)citações (324): os memoriais de Buruntuma (CART 1742, 1967/69) e Ponte Caium (3º Gr Comb, CCAÇ 3546, Piche, 1972/74): Abel Rosa, António Rosinha, Carlos Alexandre e Valdemar Queiroz