segunda-feira, 12 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18406: Notas de leitura (1048): “A History of Postcolonial Lusophone Africa”, autor principal Patrick Chabal, com participações de David Birmingham, Joshua Forrest, Malyn Newitt, Gerhard Seibert e Elisa Silva Andrade, Hurst & Company; Londres, 2002 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Maio de 2016:

Queridos amigos,
Apresentado em 2002 como a primeira investigação histórica abrangente sobre a África Lusófona pós-colonial, a cuidada investigação de Patrick Chabal e a sua equipa é um documento que requer a nossa atenção dado o seu rigor em dois pontos capitais. A construção da Nação-Estado nestes cinco países e uma descrição altamente documentada do processo político, económico e social de cada um deles (no caso vertente da Guiné-Bissau o seu autor foi Joshua Forrest, um autor credenciado e com diferentes e reputados estudos sobre o país).
Continuo a não perceber como é que não houve um editor para uma obra que teria seguramente encontrado milhares e milhares de leitores, desde os estudiosos ao grande público.

Um abraço do
Mário


A História da África Lusófona Pós-colonial:
Uma investigação de leitura obrigatória (2)

Beja Santos

“A History of Postcolonial Lusophone Africa” tem como autor principal Patrick Chabal, nome cimeiro da investigação dos movimentos revolucionários e das repúblicas africanas lusófonas, e conta com a comparticipação de investigadores de grande qualidade, como é o caso de David Birmingham, Joshua Forrest, Malyn Newitt, Gerhard Seibert e Elisa Silva Andrade, Hurst & Company, Londres, 2002.

Os regimes das cinco antigas colónias portuguesas de África seguiram caminhos distintos, uns gozaram da integridade nacional outros foram confrontados com guerras civis mas apresentaram afinidades com comportamentos já lamentavelmente conhecidos em quase todos os outros países africanos: autoritarismo e clientelismo dentro do sistema político; inabilidade do Estado para implementar um modelo minimamente harmonioso de desenvolvimento e que contasse com a confiança dos cidadãos; declínio gradual da economia que levou ao exacerbamento das questões do poder na cúspide dirigente. Também nesse contexto haverá que ter em conta a desmotivação das populações com os fracassos económicos, o desligamento entre os partidos únicos e os grupos étnicos, os programas de ajustamento estrutural que veio a significar o fim da mania das grandezas; e, no seu termo, a queda do Muro de Berlim que relançou a discussão dos processos de transição para o multipartidarismo e consagração da economia do mercado.

Os autores detalham com rigor os diferentes processos de transição económica e relevam as dificuldades suplementares vividas em Angola e Moçambique, devastados por guerras aparentemente sem fim à vista. Só a natureza desta investigação justifica a leitura deste livro.

A segunda parte do trabalho assenta em estudos estanques dos cinco países. Competiu a Joshua Forrest a investigação sobre a Guiné-Bissau. O investigador começa por chamar à atenção de como a independência da Guiné-Bissau foi saudada em África e noutros cantos do mundos, traduzia um sucesso militar e estratégico do PAIGC, resultava também do modo como Amílcar Cabral pusera a Guiné-Bissau no mapa internacional e das lutas revolucionárias, fora naquele território que emergira o embrião do MFA, da evolução que passara a ter a guerra a partir de 1973 concluíra-se da inevitabilidade de derrubar o governo e proceder à descolonização. Mas de 1974 a 2000 o PAIGC revelou-se incapaz de realizar os seus objetivos nomeadamente na construção do Estado e do desenvolvimento económico. As suas escolhas beneficiaram elites, caso dos ponteiros que criaram riqueza à custa de financiamentos que não foram restituídos aos cofres do Estado. Veio a demonstrar-se que o PAIGC e a direção política de Luís Cabral não dispunham de uma visão clara sobre as transformações que eram imperativas na administração. O falhanço da industrialização acelerada comprometeu todo o sistema financeiro, a dívida externa passou a ser um garrote; e o partido único que fora uma coqueluche revolucionária dividiu-se em frações, os tecnocratas passaram a ignorar as promessas de Cabral, os heróis do passado foram esquecidos, a despeito do nome de alguns aparecerem nas ruas e em certas instituições. Parecia que a economia estava ao serviço dos habitantes de Bissau. O partido-Estado isolou-se, cometeu erros palmares, caso da revisão constitucional concluída em Novembro de 1980, que deu munição letal aos guineenses contra as elites cabo-verdianas. A seguir, Nino Vieira repetiu em grande estilo os métodos autocráticos que criticou a Luís Cabral e fracionou ainda mais o PAIGC.

Joshua Forrest centra a sua atenção sobre as reformas económicas e os graves erros praticados na política agrária, era como se estivesse a praticar totalmente o oposto que fora preconizado por Amílcar Cabral. Assim que se passou do coletivismo à abertura económica expandiram-se as propriedades designadas por pontas, foram estes novos agricultores os grandes beneficiários do programa de ajustamento estrutural que conduziram ao descalabro financeiro. Quando se chegou à década de 1990 agravara-se a dependência externa e a corrupção era larvar, como uma mancha de óleo alastrara por todos os ministérios. À procura de uma solução mágica, Nino Vieira procurou intensificar as relações com a França e a francofonia, integrou à pressa a Guiné na zona económica da África Ocidental, abandonou-se o peso em substituição do franco CFA. Joshua Forrest detalha como precocemente o PAIGC perdeu o controlo político do Estado, os governadores ignoravam os comités de tabanca e os meios rurais vivam desfasados da condução política de Bissau. Emergiram idiossincrasias ocultistas e espíritos de seita, o autor ilustra com movimentos operados entre Balantas, Manjacos, nomeadamente nas regiões do Oio, do Cacheu, Tombali e Catió, estes poderes obscuros foram progressivamente afrontando e corroendo a construção do Estado pós-colonial.

O isolamento do regime foi rastilho para cimentar o regime despótico de Nino Vieira, são sucessivas as ondas de golpes (ou a sua invenção), deposição de amigos de ontem transformados em inimigos públicos, a corrupção chegou ao negócio das armas e das drogas, um regime caótico entra em deliquescência e desagua num conflito que levou ao afastamento de Nino Vieira e à ascensão de uma Junta Militar – assim se invertiam aparatosamente as instituições do regime em que a soberania assentava no decisor político. Joshua Forrest descreve o conflito no interior do PAIGC para a abertura democrática, as eleições de 1994 deixavam saber que o partido-Estado já não era o que fora, Nino Vieira confrontara-se com um novo demagogo, Kumba Yalá, e ganhará as eleições presidenciais por uma unha negra, com a agravante de constar que à custa de fraudes eleitorais. Como os governos não dispunham de manobra para resolver os problemas de fundo, Nino Vieira ia substituindo os primeiros-ministros, agravando as animosidades que depois se estenderam à esfera militar, antes do conflito de 1998-1999 os combatentes da liberdade da pátria publicaram um manifesto profundamente crítico com o estado dissoluto do regime.

Em jeito de conclusão, Joshua Forrest recapitula as questões primordiais deste quarto de século da independência da Guiné-Bissau: a contradição entre o pensamento de Cabral e a prática política que se seguiu; disseca as sucessivas crises envolvendo a fragilidade do Estado, a incapacidade de se dispor de uma administração eficaz, o regresso do animismo comprovando a ausência do partido-Estado na trama social; a despeito do desfasamento entre o regime e as aspirações populares sobreleva o fenómeno espantoso e mal explicado do suporte popular a Nino Vieira, um césar que pontificou 19 anos a fio; e para além dos erros de política económica é também importante observar que o governo se alheou da vida local e permitiu o regresso insidioso das instituições políticas pré-coloniais.

Não esquecer que este importantíssimo livro na segunda parte também carateriza os processos de Angola, Moçambique, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe.

É leitura obrigatória para quem pretenda dispor de uma grande angular sobre os primeiros 30 anos da história das cinco antigas colónias portuguesas em África.
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Notas do editor

Poste anterior de 5 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18381: Notas de leitura (1046): “A History of Postcolonial Lusophone Africa”, autor principal Patrick Chabal, com participações de David Birmingham, Joshua Forrest, Malyn Newitt, Gerhard Seibert e Elisa Silva Andrade, Hurst & Company; Londres, 2002 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18395: Notas de leitura (1047): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (25) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18405: Parabéns a você (1402): Sarg-Ajudante Ref da GNR Manuel Luís Rodrigues de Sousa, ex-Soldado At Inf do BCAÇ 4512 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 11 de Março de 2018 > Guiné 61/74 - P18401: Parabéns a você (1401): Artur Soares, ex-Fur Mil Mec Auto da CART 3492 (Guiné, 1972/74) e Joaquim Sequeira, ex-1.º Cabo Canalizador do BENG 447 (Guiné, 1965/67)

domingo, 11 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18404: Blogpoesia (558): "Como desconhecido...", "Fome de paz...", e "A gente quastiona-se...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Como desconhecido…

A idade não perdoa.
O tempo transforma os corpos e os rostos da gente.
Me sinto mascarado.
Entro na minha terra como um desconhecido.
Só meu nome perdura ainda na memória dos mais velhos.
Minha aldeia está transformada.
Nada igual.
Tanta casa nova onde nenhuma havia.
Mais largos os velhos caminhos.
Todos virados para os automóveis.
Não sobra nada para os pedestres.
Só a velha ermida branca e o cruzeirinho em pedra ali estão.
Eu os olho e eles a mim.
- Olá, Quim Luís - parece ouvi-los.
Por onde tens andado?
Lhes respondo só em pensamento.
- Como estás mudado!
Eras um garoto a sério, sempre na brincadeira.
Já poucos restam da tua idade.
Vai aparecendo sempre. Fazes falta aos da velha guarda. Quando, para vós, éramos o centro de tudo…

Berlim, 4 de Fevereiro de 2018
19h34m
Jlmg

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Fome de paz…

Minha alma caminha célere para o infinito.
Sente fome de paz.
Deambula no mundo, feita migrante.
Desde o começo.
Uma chama viva a seduz.
Ora acesa ora escondida.
Farol ao longe que a conduz.
Uma voz a chama. Como sereia.
Caravela branca, alucinada.
No mar da vida. Tão agitado.
Fitando ao alto.
Estrela polar.
Transpõe desertos.
Verdes oásis.
Nuvens de sonhos.
São só quimeras.
Não perdeu a esperança.
Vai alcançar…

Berlim, 7 de Março de 2018
7h20m
Jlmg

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A gente questiona-se...

Nascemos apardalados.
Mas que vem a ser isto onde estamos mergulhados?
Onde é que eu vim parar!?
Donde se vem e para onde se vai?
O real é estático e é dinâmico?
O que é o movimento?
Real ou ilusório?
Propagação dos seres.
Tudo morre e desaparece?
Que acontece?
De que se compõem?
Hoje, acordei mergulhado nestas questões.
Tudo me parecia claro.
Vi o yin e o yan.
Claramente.
Compreendi o Buda.
Tudo em movimento tende para a quietude.
Do começo ao fim.
O verdadeiro estado é o ondulatório.
Como um farol.
Acende e apaga.
Permanece no mesmo lugar.

Bar dos Motocas, Berlim, 8 de Março de 2018
15h35m
Tarde linda de sol. 10 graus!...
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18390: Blogpoesia (557): No Dia Internacional da Mulher - "Mulher", por Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor do BCAÇ 3872

Guiné 61/74 - P18403: Álbum fotográfico do João Martins (ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69) - Parte II: Em Bedanda, em 1969, com o meu Pel Art e 3 obuses 14


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 135/199 > O temível obus 14... mais um elemento da guarnição africana do Pel Art, que dependia da BAC 1 (Bissau).



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 127/199 > Invólucros de munições deixadas em anteriores ataques do IN ao aquartelamento.


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 125/199 > Casa do chefe de posto


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 130/199 > Aspeto parcial do quartel... À direita o espaldão do obus 14.

Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 129/199 > Aspeto parcial do quartel... com uma casamata em primeiro plano.


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 133/199 > Espaldão do obus 14... Cimentando o terreno para permitir rodar o obus sem se enterrar.


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 144/199 > Beldades locais... fulas.

Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 136/199 > Aspeto parcial da tabanca


Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


 Guiné > Região de Tombali > Bedanda > Carta 1/50 mil (1956) > Posição relativa de Bedanda


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)



1. Continuação da publicação de uma seleção de fotos, reeditadas,  do álbum do nosso grã-tabanqueiro  João Martins (ex-alf mil art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69) (*)

Depois de ter estado em Piche, desde setembro de 1968 (com férias em agosto, na Metrópole, na sua amada praia de São Martinho do Porto), e de ter regressado a Bissau, para dar instrução, no BAC 1, o nosso camarada João Martins é colocado no sul, na região de Tombali, passando sucessivamente por Bedanda, Gadamael e Guileje, antes de ir de novo de férias a Portugal, em agosto de 1969...


Escreveu ele nas suas memórias, a propósito da sua passagem por Bedanda (**):

(...) Terminada a instrução que fui dar ao BAC   [Bateria de Artilharia de Campanha, nº 1]
, em Bissau, fui colocado em Bedanda onde já se encontrava um pelotão com três obuses 14 cm. 

Tive que fazer novamente as malas e apanhar uma aviioneta Dornier [DO 27] que, passando por Catió onde tirei algumas fotografias que já não sei identificar, acabou por aterrar em Bedanda. Sem dúvida um dos locais da Guiné que me deixou mais saudades.

Fazia a sua defesa a Companhia de Caçadores 6, do recrutamento da Província, um pelotão de milícia, e o pelotão de artilharia. A população era particularmente simpática e notava-se que tinha tido muito contacto com portugueses da metrópole. Aliás, a casa colonial existente, a do chefe de posto, era imponente.

Bedanda fica numa colina bastante elevada, atendendo aos padrões de altitude que normalmente se encontram na Guiné. Não sendo uma fortificação inexpugnável, não oferecia quaisquer vantagens ao inimigo que se colocaría sempre numa cota inferior. Por isso, os ataques eram pouco frequentes o que nos permitia respirar…

Atendendo ao “clima” relativamente ameno que se fazia, visitava com muita frequência a tabanca e cheguei mesmo a ir à pesca e a tomar banho no rio Ungariol, afluente do rio Cumbijã, na esperança de não me tornar um isco para os jacarés. (...)

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Guiné 61/74 - P18402 Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXIII: Mulheres e bajudas (5): Nova Lamego, 1967


Foto nº 324 > Nova Lamego, 1967 > Mãe e filha (e não filho, diz o nosso assessor Cherno Baldé, especialista em assuntos étnico.linguísticos; e mais: é uma balanta, e menino balanta não usa brincos...)


Foto nº 343 > Nova Lamego, outubro de 1967 > A minha lavadeira... Tinha aquele ar "penetrante", senão mesmo "atrevidote", mas eu sempre me comportei com ela como "oficial e cavalheiro", como era a minha obrigação...


Foto nº  362 > Nova Lamego, 1967 > Mulheres e bajudas em festa... Fulas,  a avaliar pelo lencinho na cabeça (diz o nosso Cherno Baldé, que tem "olho clínico" para topar os pequenos pormenores...)



Foto nº 354  Nova Lamego, 1967 > Legenda no verso: "N Lam Dez 1967: Um abajuda e o seu par, numa tabanca, algures na Guiné"


Foto nº 325 > Nova Lamego, 1967 > Bajudas, fulas, pilando


Foto nº 302 > Nova Lamego, 1967 > Bajuda manjaca...(Também havia alguns manjacos no chão fula...).

Guiné > Região de Gabu  > Nova Lmago  > 1967b> CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69).

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), e que vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado [, foto atual à direita].


Legenda:

As mulheres e raças na Guiné – Nova Lamego, São Domingos e Bissau:

As fotos de tronco nu foram feitas exclusivamente para mostrar a variedade de modelos e formas dos seios das mulheres africanas, destas raças que conheci.

Este conjunto é apenas uma parte, tenho mais, mas apenas seleccionei estas. Tem outras de corpo vestido, eram em ocasiões especiais de festas e roncos, em que as meninas e mulheres se vestiam a rigor.

A maioria delas são da raça Felupe, predominante em São Domingos onde passei a maior parte do tempo, também tenho  de Balantas e outras. /...)

As fotografias a preto e branco foram tiradas entre setembro 67 até fevereiro de 68 em Nova Lamego e depois desta data algumas em Bissau em Março, e em S. Domingos a partir de abril. As fotografias, slides, a cores só começam em finais do 1º semestre de 68, embora também tenha a preto e branco depois dessa data, ora fazia a preto e branco, ora a cores, como tinha duas câmaras a funcionar era conforme os rolos que havia.

Algumas fotos eu estou também incluído, algumas com brincadeira de ocasião e da idade, nada era de maldade, eu conhecia as tabancas e as famílias e era lá mesmo em frente aos pais que fazia estas fotos. Depois eu dava uma cópia para cada uma delas, era isso que as motivava a deixarem fazer as fotos. Algumas não queriam mesmo, especialmente as chamadas mulheres grandes, casadas e com filhos. Era mais fácil tirar fotos às bajudas, raparigas solteiras e ainda muito jovens.

Não afirmo que todas as raças estejam certas, era o que escrevia nas fotos, mas a maioria já era passado algum tempo, e depois os slides não dava para escrever. (...)
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Guiné 61/74 - P18401: Parabéns a você (1401): Artur Soares, ex-Fur Mil Mec Auto da CART 3492 (Guiné, 1972/74) e Joaquim Sequeira, ex-1.º Cabo Canalizador do BENG 447 (Guiné, 1965/67)


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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Março de 2018 > Guiné 61/74 - P18396: Parabéns a você (1400): Joaquim Cruz, ex-Soldado Condutor do BCAÇ 4512 (Guiné, 1972/74)

sábado, 10 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18400: (Ex)citações (331): Os problemas no CTIG logo em 1963: memórias de cá e de lá (Jorge Araújo)


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Julho de 1973 > Estrada Xime-Bambadinca >  Ponte do Rio Udunduma: imagem de um buraco aberto no chão, coberto de troncos de palmeira, terra e chapas de zinco a cobri-los, protegido no exterior com bidões de gasóleo cheios de terra, com uma pequena abertura, tendo no seu interior uma cama de ferro, com colchão, do mobiliário militar. Este buraco foi o meu “quarto” durante alguns meses… 


~
Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Julho de 1973 >  Destacamento da Ponte do Rio Udunduma, na estrada Xime-Bambadinca. Imagem do 'condomínio fechado'. 


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Agosto de 1973 >  Rio Udunduma, na Estrada Xime-Bambadinca > Plano de água incluído no Destacamento da Ponte… Creio que o canoísta é o camarada José Sebastião.



Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Setembro de 1973 >  Imagem de parte da parada do aquartelamento de Bambadinca, onde estava sedeado o comando do BART 3873 e a sua CCS, e que distava 4 kms do Destacamento da Ponte do Rio Udunduma (contrastes da/na guerra). 


Fotos (e legendas): © Jorge Araújo (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 

(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue desde março de 2018



OS PROBLEMAS NO CTIG LOGO EM 1963: 

Memórias de cá e de lá


1. INTRODUÇÃO
As rotinas da minha continuada actividade operacional, constituídas por missões/ acções de obrigatória responsabilidade diária, têm-me impedido de dizer “presente no imediato” aos apelos do Blogue da Tabanca Grande (BTG), como eu gostaria que acontecesse. Mas, logo que a agenda o permite, lá vou ordenando algumas letras que funcionam, também, como “prova de vida”.

Assim, o caso em apreço relacionado com o tema em título, ainda que com algum atraso, levou-me a optar por uma triangulação entre memórias pessoais de cá e de lá, contributos já divulgados no nosso Blogue e trabalhos de investigação que começam a surgir, com mais frequência, sobre esta problemática.




Dito isto, espero contar com a vossa benevolência pelo facto de repetir algumas ideias expressas anteriormente nos trabalhos citados, a começar pela investigação histórica elaborada pelo nosso amigo José Matos, também ele membro da Tabanca Grande, e que aqui foi reproduzida em duas partes [P15795 e P15796], e já publicada na Revista Militar n.º 2566 de Novembro p.p., com o título “O início da Guerra na Guiné (1961-1964)”.

O artigo da autoria de José Matos acabou por suscitar o interesse e o elogio dos que sobre ele se manifestaram, levando cada qual a produzir o seu comentário de acordo com a sua perspectiva, sinal de que o tema [digo eu] continuará em aberto.



Porém, o principal destaque recaiu na avaliação feita pelo Coronel Fernando Louro de Sousa, na qualidade de novo Comandante-Chefe da Guiné nomeado em finais de 1962 pelo Governo de Lisboa (Oliveira Salazar), mas que só em 20 de Março de 1963 chegaria a Bissau, dois meses depois do ataque ao Aquartelamento de Tite, em 23 de Janeiro, considerado por todos os intervenientes [incluindo a literatura] como a data do início do conflito armado naquele território ultramarino.

Seis meses após ter iniciado as suas funções, exclusivamente como Comandante-Chefe, apresenta em Lisboa, em 4SET1963, uma exposição da situação ao Conselho Superior Militar, enumerando um conjunto de problemas que dificultavam a resposta das NT ao esforço de contra-subversão, a saber:

(i) Deficiente instrução das tropas e quadros;

(ii) Deficiente equipamento das unidades no terreno;

(iii) Falta de pessoal / insuficiência de efectivos;

(iv) Abastecimento (material, munições, víveres e água);

(v) Falta de enquadramento / aproveitamento militar dos guineenses;

(vi) Instalações inadequadas;

(vii) Cansaço das NT, sempre ansiosas por acabar a comissão e voltar para a metrópole.



2. ENTRE AS MEMÓRIAS DESSA ÉPOCA E AS MINHAS


A eclosão do conflito armado na Guiné que, mau grado, acabaria por ser o meu destino nove anos depois, na condição de combatente miliciano, tem lugar quando tinha somente doze, ou dez anos se considerar o início da insurreição armada em Angola, em 15MAR1961, realizada pela UPA [União dos Povos de Angola], desconhecendo por completo, na época, o que estava na génese de cada uma, apenas gravando o conceito “Guerra do Ultramar”, com que foi baptizado.

Frequentava, então, o Liceu Camões, a segunda escola pública a ser construída em Lisboa, na Praça José Fontana, e inaugurada em 16OUT1909, sendo a primeira o Liceu Passos Manuel, em 1836, e que na sequência do «25 de Abril de 1974» passou a designar-se por Escola Secundária de Camões, mudança de nome verificada, aliás, em todos os Liceus existentes nessa época.

Nesse período o que mais me marcou e que ainda hoje retenho daqueles ambientes carregados de emoção, muitas lágrimas e uma mancha humana acenando com lenços brancos, foram as imagens dos embarques, no cais da Rocha Conde de Óbidos, dos diferentes contingentes de militares zarpando rumo a Luanda, Bissau ou Lourenço Marques, então mais velhos do que eu nove/dez anos.



Lisboa > Cais da Rocha > 1963 (há mais de meio século) >  Imagem (cinzenta como o ambiente) que se viria a tornar banal em Lisboa, uma vez que passou a ser repetida tantas vezes quantos os embarques dos contingentes com jovens milicianos (combatentes) realizados com destino a um dos três Teatros de Operações (Angola, Guiné ou Moçambique). E foram largas centenas. Era o momento da despedida reciproca e que para alguns foi para sempre… lamentavelmente. A partir de 1971, passou a ser utilizado, também, o transporte aéreo através da FAP, por ser mais rápido, cómodo e económico quando comparado com o marítimo (foto de autor desconhecido).



Entretanto, a avaliação provavelmente empírica de Louro de Sousa deveria ser reflexo daquele que terá sido o primeiro grande PROBLEMA que se colocou aos responsáveis políticos da época - os RECURSOS (quer os HUMANOS quer a competente LOGÍSTICA) - sempre imprescindíveis em qualquer organização, de que a MILITAR não é excepção, particularmente em contexto de guerra. E esses problemas não estavam resolvidos… nem nunca estiveram.

De referir que o conceito de logística, enquanto ramo autónomo da ciência militar, significa a arte do planeamento e da execução de movimentos e sustentação de forças. Nela se inclui um vasto conjunto de actividades complexas e interdisciplinares que vão desde a sua concepção e desenvolvimento; obtenção, recepção, armazenagem, movimentos, distribuição, manutenção, evacuação e alienação de materiais, equipamentos e abastecimentos e todas as actividades de apoio sanitário.

Por outro lado, as distâncias entre a Metrópole e cada um dos três TO, às quais se adicionam a inexperiência em relação ao modo como gerir, com sucesso, a natureza social e política do conflito e, ainda, à teimosia cega de não o resolver com bom senso, conduziram a uma maior exigência operacional dos efectivos aí destacados. Os recursos humanos e logísticos cresceram, por isso, ao longo dos anos, concomitante com as responsabilidades atribuídas aos jovens militares, fazendo recair sobre estes, desde o seu início, o ônus da manutenção de Portugal no continente africano em nome da Pátria, isto é, em nome da perpectuação do regime político vigente, se necessário com recurso da sua própria vida, como está plasmado na vasta bibliografia existente, quer seja nacional ou internacional.

Considerando que o conceito problema [contexto acima] faz parte, justamente, do nosso léxico do dia-a-dia [ex: tenho um problema; só temos problemas; arranjaste-me um problema; como resolver este problema; …] recupero aqui a definição do escultor e escritor italiano Bruno Munari (1907-1998) que nos diz: “todo o problema implica um certo saber do não saber, ou seja, antever, se terá ou não solução e para isso é preciso experiência” (in. Das Coisas Nascem Coisas, Lisboa. Edições 70, 1982, p. 39).

Durante a presença no CTIG (1972-1974), que decorreu entre os nove e os onze anos do conflito, reconheço a existência dos problemas caracterizados anteriormente por Louro de Sousa, por experiência feita da actividade operacional na minha Unidade Orgânica [CART 3494], ainda que admita serem de menor escala face ao esforço que naturalmente foi despendido para os minimizar ao longo do tempo uma vez que foram operacionalizadas diversas mudanças no terreno em função da reformulação das estratégias/tácticas propostas pelas sucessivas chefias militares nomeadas pelo Governo Central, mas sem grandes resultados.

Contudo, esse contacto directo com as várias realidades leva-me a ter uma percepção dualista, ou seja, NÃO e SIM, uma vez que eram distintos ou desiguais a natureza de cada um deles, bem como os contextos e locais onde se actuava, variando em função da geografia do terreno e da proximidade das linhas de fronteira, quer a norte quer a Sul, onde, nestas regiões, estavam sedeadas as principais bases do PAIGC. Esta localização facilitava-lhes a vida, e muito, pois ampliava o quadro de opções de mobilidade para realizarem as suas actividades de ataques e flagelações aos alvos seleccionados. Era também desigual a vida nas Cidades, nas sedes de Batalhão (CCS), nos Aquartelamentos e Destacamentos, e quanto mais no interior maior, levando-nos a (con)viver com o fenómeno da interioridade e com as situações adversas sem alternativas.

Outro problema, não menos importante, estava relacionado com o esforço que era necessário fazer para manter em funcionamento a rede da estrutura logística, sem a qual não teria sido possível suportar tanto tempo, por efeito dos insuficientes recursos locais e financeiros, ainda que uma parte dela estivesse a cargo de cada umas das Unidades por descentralização de competências.

Voltando ao ano de 1963, recordo que a principal actividade era a de estudante no Liceu Camões onde existiam na minha turma alguns colegas que, em função de interesses comuns, convivíamos grande parte do tempo escolar partilhando ideias e actividades (comportamento normal no processo de socialização). Um dos interesses em presença estava relacionado com a prática lúdica, vulgo futebol, à hora do almoço, com jogos no relvado central do Parque Eduardo VII ou na zona cimentada perto da Estufa-Fria, umas vezes competindo entre nós (estudantes), outras envolvendo elementos estranhos ao grupo, funcionários administrativos de empresas instaladas na zona.

De entre os vários elementos do nosso grupo, e pelas razões que seguidamente justificarei, quero recordar o nome do saudoso colega e amigo Artur José de Sousa Branco, meu companheiro de alguns anos, e que face ao seu entusiasmo pelas letras e pelo desporto, conseguiu conciliar ambas as actividades, ingressando nos escalões de formação do S.L. Benfica. Ao atingir o escalão de sénior e antes da sua incorporação obrigatória no serviço militar representou (creio) o Sport Benfica e Castelo Branco.

Quis o destino que cada um de nós, depois de nos separarmos por algum tempo, fazendo percursos distintos, acabaríamos por convergir para o mesmo itinerário ultramarino, rumando à Guiné, eu para CART 3494 (Xime/Mar’72) e ele, poucos meses mais tarde, para a CCAV 8350 (Gadamael). Em 4 de Junho de 1973, dez anos depois do início da Guerra e a um do seu epílogo, acabaria por tombar no “jogo dos operacionais” ou seja, no “jogo da superação permanente e da sobrevivência”.


Recebi a notícia da sua morte ainda durante a “comissão” através da comunicação social da metrópole, que me era enviada pelo meu pai duas vezes por semana, na qual se faziam referências regularmente às principais ocorrências nos diferentes TO, em particular no que concerne às baixas d
as NT, desconhecendo, no entanto, os detalhes do sucedido com o meu/nosso camarada Sousa Branco, ex-Alf.Art., como era conhecido entre nós.

Porém, face à existência do nosso Blogue, descobri este episódio no P14325 narrado na primeira pessoa pelo nosso camarada José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp, em sua memória, a quem envio um forte abraço de agradecimento, onde ele refere o seguinte: “sou (fui) um dos intervenientes desse triste e doloroso episódio na História da CCAV 8350”. Recorda que na tarde de 4JUN1973, em Gadamael, o Alf Mil Branco saiu com um reduzido grupo de combate (12 homens) para fazer um reconhecimento nas imediações do aquartelamento, na antiga pista, a cerca de 1 km do arame farpado. O grupo cai de imediato numa emboscada e só não foi totalmente aniquilado graças à pronta intervenção das tropas paraquedistas (CCAÇ 122/BCP 12, acabada de chegar a Gadamael, na manhã de 3JUN, sob o comando do cap. paraquedista Terras Marques).

Este acontecimento está, também, publicado em “A última missão, de José Moura Calheiros, 1.ª ed., Caminhos Romanos, Lisboa, 2010, pp. 527/528”.

Nesse mesmo ano de 1973, quando estava já contabilizada uma década do conflito armado, o problema das instalações inadequadas mantinha-se, situação gravada nas imagens abaixo [para memória futura], de que é exemplo o Destacamento da Ponte do Rio Udunduma, sito na estrada Xime-Bambadinca. Este espaço fora ocupado a partir de 29MAI1969 pelo camarada Carlos Marques [ex-Fur.Mil da CART 2339], acompanhado por elementos do seu GComb, data em que a ponte aí existente [velha] foi danificada por elementos do PAIGC, história já narrada nos P12565, P12586 e P12734.

Trata-se de um mero exemplo e não caso único, naturalmente, como se pode provar através do riquíssimo espólio existente no Blogue da Tabanca.

Recordo, nas fotos acima , esse tempo e esse espaço no cada vez mais distante ano de 1973 [julho, agosto e setembro]..




3. UMA VISÃO HISTÓRICA SOBRE A LOGÍSTICA DE PORTUGAL NA GUERRA DE ÁFRICA (1961-1974), POR PEDRO DA SILVA MONTEIRO (CAP)

Para concluir a presente narrativa, consideramos pertinente divulgar o que vem sendo feito a nível da investigação histórica relacionada com o fenómeno da “Guerra do Ultramar”, destacando o trabalho do Capitão Pedro da Silva Monteiro, elaborado certamente no âmbito da sua formação académica e destinado à Academia, publicado na Revista Militar n.º 2539/2540 de Agosto/Setembro de 2013, com o título “A Logística de Portugal na Guerra Subversiva de África (1961 a 1974)”, e que se enquadra na nossa temática.

A investigação em referência identifica, como questão central, em que medida a manobra logística de
Portugal influenciou as operações militares nos três TO e contribuiu para a sustentabilidade da Guerra Subversiva de África, de 1961 a 1974.

Desta questão de partida inicial a investigação derivou para mais seis subtemas, a saber:

a) - Qual a estrutura logística de Portugal antes e durante da guerra?

b) - Que dificuldades sentiram os serviços de apoio logístico de Portugal e quais os maiores problemas verificados?

c) - O que esperava o governo português do sistema logístico?

d) - Quais as necessidades sentidas pelas forças em operações, e que abastecimentos foram fornecidos?

e) - Que apoios logísticos recebeu Portugal do exterior?

f) - Como é que os serviços de apoio logístico se adaptaram às exigências operacionais e que implementações foram feitas?


Eis uma parte do resumo elaborado pelo autor.





Neste sugestivo trabalho de investigação encontramos algumas análises de dimensão histórica e política que ajudam a situar a problemática identificada por Louro de Sousa, em 1963.

Recebam um forte abraço de amizade.

Jorge Araújo.

10MAR2016.

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P18399: Convívios (842): Vai realizar-se no próximo dia 22 de Março o XXXVI Convívio da Magnífica Tabanca da Linha, no Restaurante "Caravela de Ouro", em Algés (Manuel Resende / Jorge Rosales)


Vai realizar-se no próximo dia 22 de Março, quinta-feira, com início às 12 horas, mais um convívio da Magnífica Tabanca da Linha, o 36.º, no Restaurante "CARAVELA DE OURO",  em Algés.



Página no Facebook de A Magnífica Tabanca da Linha


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Nota do editor

Último poste da série de 4 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18378: Convívios (841): XXXV Encontro Nacional dos ex-Oficiais, Sargentos e Praças do BENG 447 - Brá, 1964-1974, a realizar-se no dia 14 de Abril de 2018 na Tornada, Caldas da Rainha (Lima Ferreira, ex-Fur Mil do BENG 447)

Guiné 61/74 - P18398: Os nossos seres, saberes e lazeres (256): Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 14 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Há quem fuja de viajar no Outono e no Inverno no Norte da Europa. É um equívoco, sendo facto que a temperatura esfria, o céu se apresenta nublado e os dias encurtem, é tudo uma questão de programar o melhor aproveitamento possível das horas de luz, uma cidade como Bruxelas franqueia as portas de esplêndidos museus, tem jardins e parques soberbos, nos bairros típicos aguarda o visitante a traquitana mais diversa e o turista endinheirado tem galerias de arte, lojas de antiguidades e ourivesarias soberbas, Antuérpia é ali ao lado, continua a ser um dos centros de lapidação de pedras preciosas sem rival. O viandante vinha com propósitos de estadia low-cost e foi bem-sucedido, como, com toda a sinceridade, se está a contar.

Um abraço do
Mário


Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (6)

Beja Santos

O viandante procura ser meticuloso, mete num bloco de notas o que vai fazendo ao longo do dia. Ora, como se escreveu anteriormente, andou-se por Namur e passou-se por raspão pela exposição “Shakespeare Romântico”, no museu Félicien Rops, artista que o viandante cultiva pela crueza, ferocidade dos seus desenhos e telas, quebrou com convencionalismos e foi sempre controverso com uma sensualidade inaudita para a época, como a capa desse folheto ilustra. A exposição de Shakespeare permitia uma leitura paralela entre as obras do autor de Hamlet e a visão pictórica dos artistas do meado do século XIX, sempre à procura das grandes epopeias amorosas, e daí este quadro de Paul Steck, a Ofélia dos amores hamletianos. Pede-se desculpa de não ter ido no noticiário da viagem a Namur, como convinha.



Tem sido dito com insistência que a chamada Bruxelas Capital dispõe de uma folgada cintura arbórea/florestal que permite aos amantes da natureza, na maior parte das comunas, sair de casa e entrar rapidamente num bosque, num parque ou num determinado troço da floresta de Soignes. O viandante sugerira na véspera ao seu anfitrião, caso houvesse luz e não o habitual céu de chumbo que fosse calcorrear o bosque de Cambre, de uma extraordinária beleza. Houve mesmo luz, pode-se ver o extraordinário cromatismo deste bosque em pleno Outono.




À volta dos lagos, havia uma questão intrigante: por que diabo as águas estavam completamente esverdeadas, tratar-se-ia do fenómeno da eutrofização? Não se encontrou resposta, no regresso perdeu-se a inquietação sobre aquela água verde. Mas que dá uma visão espetacular, dá, ainda por cima, gera equilíbrio e harmonia com o matizado do arvoredo circundante.



Para onde quer que se volte, o viandante deslumbra-se com a paleta de cores, esta desagregação de amarelos, verdes e castanhos, por vezes emaranhados, em muitos casos com o seu perfil autónomo. Abençoada manhã, uma enorme tranquilidade, gente a correr, gente a namorar, um completo folguedo com a nesga de sol e estes poderosos revérberos que tornam os bosques fascinantes, numa última acalmia que prenuncia o Inverno.



A tarde está pardacenta, o viandante apanha um autocarro e lança-se no centro da cidade. Hoje é que é, vai em adoração a essa monumentalidade que dá pelo nome de Palácio da Justiça. No livro “Bruxelas Percursos”, que serve de guia, diz-se claramente: “O Palácio de Justiça de Bruxelas não deixa ninguém indiferente. O seu financiador, o rei Leopoldo I e ministros escolheram, em 1861, Joseph Poelaert para seu arquiteto. Metáfora de uma justiça temível e invencível, o edifício devia ser uma obra excecional, símbolo de uma jovem nação em formação. Durante 17 anos, Poelaert, glorificado e depois repudiado, enfrentou esta construção desmesurada. Um monte de colunas, arcos babilónicos, escadarias e vestíbulos monumentais criam uma silhueta enigmática diante da qual passamos amiúde mas onde é raro entrar-se”. O viandante leva 40 anos de andanças por esta terra, viu sempre andaimes, reparações, pinturas, da cúpula ao piso térreo. O clima também não ajuda, a pedra enegrece facilmente. E o gigantismo do edifício é esmagador. Aqui estamos em contemplação.




O preito de homenagem aos mortos da guerra é constante em todo o país. Os exércitos do Kaiser por aqui entraram de roldão, deram pretexto à Grã-Bretanha em enfronhar-se na terra. O rei Alberto I não partiu para o exílio, confinou-se numa nesga de terra, junto à França, ali esteve em permanência a animar os seus homens, ficou por isso conhecido como o rei soldado. Os exércitos de Hitler esmagaram a resistência das tropas de Leopoldo III, assenhorearam-se do país, levaram os judeus belgas para os campos de concentração. A Bélgica sabe o que é ocupação, daí a difusão destes memoriais para que as novas gerações reconheçam que a paz é o bem supremo da humanidade.


É sem dúvida alguma um dos mais belos miradouros da cidade, mesmo por baixo está o reino do bricabraque, o bairro de Marolles e o seu velho mercado cheio de tradições, por aqui, no século XIX, andaram judeus da Europa de Leste a vender tudo e mais alguma coisa. Até onde a vista alcança temos o centro da cidade, quando os reis eram donos do Congo pretenderam ombrear, ressalvadas as distâncias, com Paris, remexeram na cidade de alto a baixo, fizeram avenidas desafogadas, refizeram igrejas, as novas riquezas mostraram a sua magnificência em palácios, Bruxelas acolhia a expressão de vanguarda das belas artes, a gastronomia fina, os pratos típicos de mexilhão e os chocolates que fazem furor no mundo. Dentro em breve vai chover, é uma boa ocasião para o viandante se lançar nas lojas de livros e cd’s usados. Amanhã, é certo e seguro, há experiências novas.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18375: Os nossos seres, saberes e lazeres (255): Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (5) (Mário Beja Santos)