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quinta-feira, 15 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24400: (De) Caras (198): "Da minha varanda também vejo o mundo... Ou uma nesga, o da da minha rua" (Valdemar Queiroz, DPOC, Rua de Colaride, Agualva-Cacém, Sintra) - II (e última) Parte


Foto nº 11


Foto nº 12


Foto nº 13


Foto nº 14


Foto nº 15


Foto nº 16


Foto nº 17


Foto nº 18


Foto nº 19

Sintra > Agualva-Cacém > Rua de Colaride > Maio de 2023>    "Da mimha varanda também vejo. o mundo... Ou uma nesga, o da da minha rua"

Fotos (e legenda): © Valdemar Queiroz (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Segunda (e última)  parte da "fotogaleria da minha rua, vista da minha janela", enviada pelo nosso querido amigo e camarada Valdemar Queiroz, no passado dia 28 de maio...

Portador de uma doença crónica, incapacitante, a DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica), o Valdemar "não pode sair de casa", mas já se atreve agora a ir à para a varanda, sempre que o tempo e a qualidade do ar o permitem... Com um "telemóvel fatela" (sic), tirou duas dezenas de fotos... Depois de selecionadas e editadas por nós, foram publicadas neste e no poste anterior (P24399) (*)

Mora há meio século, em Agualva, Cacém, concelho de Sintra, na Rua Coloride... 

(...) "Vi nascer toda a urbanização da zona do prédio da minha casa. Passaram 50 anos, os casadinhos de fresco inauguraram os prédios da urbanização e com o andar dos anos os filhos foram crescendo e arranjaram outros locais para morar.

Os mais velhos, como eu, alguns ficaram, mas a maioria também saiu para outros lados. Agora, há cerca de 6-7 anos, os prédios começaram a ser habitados por outra gente, na maioria famílias de cabo-verdianos, mas também guineenses e angolanos.

E, agora, na rua só se vê gente de origem africana, talvez os de cá, já poucos, prefiram sair só de carro.

Eu, com o tempo mais quente,  vou para a varanda e vejo passar gente que me faz lembrar a Guiné e sempre vou tirando umas chapas  apanhando pessoas descontraídas." (...)

(...( Anexo umas fotografias tiradas da minha varanda, que são um filme do que vejo todos os dias, desde a chinchada à velhinha nespereira às flores do jacarandá. (*).~

Em comentário ao poste P24399 (*), acrescentou:

(...) As fotografias são tiradas por um telemovel fatela. Tivesse uma máquina como deve ser, dava para mostrar a envolvência dos fotografados.

Os arruamentos, zonas verdes e prédios têm um bom aspecto devido tratar-se de propriedade horizontal a grande maioria e como tal havido uma boa conservação.

Os prédios nasceram em 1972/73, no caminho de uma vacaria e moinhos de vento, ainda quase todos para alugar, a receber casados de fresco vindos de Lisboa, com a estação dos comboios a 10 minutos, e a meia hora do Rossio.

Levou alguns anos a ficar tudo arranjadinho como agora se vê, e os novos habitantes, principalmente as mulheres, fazem grande motivo de vaidade por viver no 2.º andar, que até dá para estender a roupa a secar. E até me dizem 'o vizinho está melhor?' (...)



Agualva-Cacém > 14 de setembro de 2021 > O João Crisóstomo veio, propositadamente, dar conhecer pessoalmente (e dar um abraço solidário a) o Valdemar Queiroz... Ei-los, os dois,  à entrada no prédio, na rua de Colaride (**)

O Valdemar Queiroz, minhoto por criação, lisboeta por eleição, foi fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70. Vive hoje, sozinho, em casa, em Agualva-Cacém. Tem um filho e netos nos Países Baixos.

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz / João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

quarta-feira, 14 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24399: (De) Caras (197): "Da minha varanda também vejo o mundo... Ou uma nesga, o da da minha rua" (Valdemar Queiroz, DPOC, Rua de Colaride, Agualva-Cacém, Sintra) - Parte I


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8


Foto nº 9


Foto nº 10

Sintra > Agualva-Cacém > Rua de Colarider > Maio de 2023>    "Da mimha varanda também vejo. o mundo... Ou uma nesga, o da da minha rua"

Fotos (e legenda): © Valdemar Queiroz (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso querido amigo e camaraada Valdemar Queiroz:

Data - domingo, 28/05, 17:31
Assunto - Quem não pode sair de casa, vai para a varanda.

Como não saio de casa, por motivos da DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica), com o tempo mais quente dá para ir ver "passar as modas" na varanda.(*)

Vi nascer toda a urbanização da zona do prédio da minha casa. Passaram 50 anos, os casadinhos de fresco inauguraram os prédios da urbanização e com o andar dos anos os filhos foram crescendo e arranjaram outros locais para morar.

Os mais velhos, como eu, alguns ficaram, mas a maioria também saiu para outros lados. Agora, há cerca de 6-7 anos, os prédios começaram a ser habitados por outra gente,na maioria famílias de cabo-verdianos, mas também guineenses e angolanos.

E, agora, na rua só se vê gente de origem africana, talvez os de cá, já poucos, prefiram sair só de carro.

Eu, com o tempo mais quente,  vou para a varanda e vejo passar gente que me faz lembrar a Guiné e sempre vou tirando umas selfies apanhando pessoas descontraídas. Hoje passou um homem e duas mulheres com um t-shirt BALDÉ, e de imediato lembrei-me do nosso caro amigo Cherno Baldé.

Anexo umas fotografias tiradas da minha varanda, que são um filme do que vejo todos
os dias, desde a chinchada à velhinha nespereira às flores do jacarandá. (**)

Espero que o Cherno goste
Valdemar Queiroz

E

Valdemar Queiroz, minhoto por criação, lisboeta por eleição, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; aqui, na foto, em Contuboel, 1969. Vive hoje, sozinho, em casa, em Agualva-Cacém. Tem um filho e netos nos Países Baixos. De vez em quando vai de urgência para o Hospital Amadora-Sintra com uma crise aguda, devido à sua "DPOC de estimação"... Não perde, mesmo assim, a sua vontade férrea de viver e o seu saudável humor de caserna... O nosso voto é que ele continue mais teimoso do que a filha da p...
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(**) Último poste da série > 4 de junho de  2023 > Guiné 61/74 - P24366: (De)Caras (196): "Deus deve ter-se esquecido de África": o nosso tabanqueiro nº 643, Jaime Silva, ex-alf mil paraquedista, 1ª CCP / BCP 12 (Angola, 1970/72), num corajoso e sentido depoimento sobre a sua participação na guerra colonial, à Camões TV, Toronto, Canadá

domingo, 4 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24366: (De)Caras (196): "Deus deve ter-se esquecido de África": o nosso tabanqueiro nº 643, Jaime Silva, ex-alf mil paraquedista, 1ª CCP / BCP 12 (Angola, 1970/72), num corajoso e sentido depoimento sobre a sua participação na guerra colonial, à Camões TV, Toronto, Canadá



Jaime Bonifácio da Silva (n. 1946, Seixal, Lourinhã), ex-alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72), professor de educação física reformado, antigo autarca em Fafe, a residir h0je na sua terra natal. Tem mais de 7 dezenas de referências no nosso blogue. Membro da Tabanca Grande nº 643, desde 31/1/2014


Angola >  Norte - Montes Mil e Vinte > 26 de junho de 1970 > Heli SA-330 Puma na  recuperação do 3º Pel da 1ª CCP /BCP 21 (1970/72)... Nesta operação morreu um soldado do meu pelotão.

Fotos (e legendas): © Jaime Silva (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Um depoimento lúcido, sentido, sereno e corajoso do nosso amigo e camarada Jaime Bonifácio Marques da Silva, natural da Lourinhã, membro da Tabanca do Atira-te ao Mar (... e Não Tenhas Medo!), âà Camões TV, um estação de televisão luso-canadiana, com sede em Toronto, e que emite desde 2016, tendo cerca de 4 milhões de subscritores.

Episódio nº 5 do programa África Nossa - Operações de Intervenção, realizado por Paulo Fajardo. (Foi emitido o passado dia 29 de maio)...

Clicar aqui para ver o vídeo (10' 59'') (reproduzido com a devida vénia):

https://camoestv.com/documentarios/africa-nossa/africa-nossa-ep-05-operacoes-de-intervencao/

 África Nossa – EP 05 – Operações de Intervenção

Africa Nossa
29 Mai 2023

Sinopse:

África Nossa – EP 05 “África Nossa” – Esta é uma série documental realizada por Paulo Fajardo e com a produção da Camões tv MDC. São depoimentos inéditos de ex-combatentes da Guerra Colonial que entre 1961 e 1974, foram mobilizados para o ultramar, em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique.

Mais de 10 mil morreram e 30 mil regressaram feridos. Memórias que se perdem entre silêncios e que ainda hoje causam desconforto. Vamos a mais um depoimento de alguém que esteve nesse teatro de guerra. Uma produção MDC Media Group para a Camões TV, com realização de Paulo Fajardo.

Uma estação de televisão com sede em Toronto, Canadá, com mais de 3,8 mil subscritores. Criada em 2016, é dirigida fundamementalmente á comunidade lusófona.

Our New Channel is available 24h a day, 7 days a week, on Bell Fibe Tv 659 & Rogers Cable 672.

Camões TV Magazine every Sunday from 10am to 12pm on Bell TV 583; Bell Fibe 235 & 1235; Rogers Digital 129 & Rogers Cabo 12; Shawn 646.


www.camoestv.com
YouTube/camoestvofficial

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24074: (De) Caras (195): Em 1975, cinco anos depois, saí do Hospital Militar Principal com as marcas da mina A/P, armadilhada, que me mudou completamente a vida: estava destroçado, cego, sem a mão direita e com dois dedos na mão esquerda (Manuel Seleiro, 1º cabo, Pel Caç Nat 60, DFA, São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70)


Foto nº 1A > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > Março de 1970 > 1º cabo Seleiro à porta da sua morança. Faltavam-lhe dois meses para acabar a sua comissão de serviço... Mas só sairá da tropa em 1975... Uma mina vai-lhe mudar alterar completamente a sua vida e os seus sonhos...


Foto nº 1 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > 1970 1º cabo Seleiro à porta da sua morança, "cinco dias antes do acidente" (sic), com a mina que lhe roubou a vista e as mãos. (Claro que não foi em "acidente", foi "em combate"...)


Foto nº 2 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > s/d >  Esta foto foi tirada junto à porta da arrecadação do velho quartel de S. Domingos. A foto mostra três minas A/P em situações diferentes. A primeira está fechada e pronta a ser acionada. A segunda está aberta, vê-se a dinamite e o mecanismo. A terceira está aberta,  vê-se todo o mecanismo desmontado."


Foto nº 3 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > s/d >  A DO-27 na pista de São Domingos. Foi numa avioneta destas que veio a  enfermeira paraquedista (Maria) Ivone Reis (1929-2022):  foi ela quem assistiu os dois feridos da mina, em 11 de março de 1970, o Seleiro e o Guerra, na evacuação Ypsilon.

Escreveu o Hugo Guerra, hoje cor ref DFA: 

(...) "Comecei a levantar-me e senti o estrondo infernal, o sopro que me projectou de costas, o sangue quente a escorrer na cara e os gritos dele a dizer que estava morto… Mas não estava. Os nossos homens trataram-nos o melhor possível, pediram as evacuações e fizeram uma macas com bambus e camisas. Tinha medo de perder a consciência e passar para o outro lado.

Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo. (...) (*)


Fotos (e legendas): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. O Manuel Seleiro passou a ser nosso grã-tabanqueiro desde ontem. Já o devia ter sido há muitos mais anos... Mas só agora calhou falar com ele, ao telemóvel.  Senta-se  à sombra do nosso poilão, sob o nº 870 (**). E, como é da praxe, vamos publicar a seguir um texto dele, justamente aquele em que  relata as circunstâncias dramáticas da explosão da mina A/P que lhe roubou aos de vida e  os seus melhores sonhos. É um texto que um dia tem de figurar na antologia dos nossos melhores postes. Aqui reproduzido, com a devida vénia...

Quarta-feira, 10 de março de  2010 > Pel Caç Nat 60 Guiné 68/74 -P61: Aquele dia (Dez de Março de 70!)...

Quartel de S. Domingos. Sector Militar, de São Domingos: Algures nas matas da Guiné, junto a fronteira do Senegal. Decorria então o ano de 1970 na Guiné.

Destacamento de São Domingos, sete e trinta da manhã, o Pel Caç Nat 60 sai com destino à fronteira do Senegal, com o objectivo de pintar os marcos que faziam a divisão da fronteira Guiné/Senegal...

Às dez e meia da manhã, volvidos os primeiros vinte quilómetros, já em plena mata, há uma chamada de atenção, alguma coisa se passa. Os homens passam a palavra até chegarem à minha secção. Sou informado que, na frente, foi detectada uma mina anti-pessoal. Os homens ficam nervosos.

Quando cheguei ao local da mina, o alf mil Hugo Guerra 
[foto à esquerda ] nforma que vai tentar levantar a mina, Decorridos alguns minutos pergunto ao alf mil Hugo Guerra como iam as coisas, ao que ele me responde que estava nervoso.

O alf mil Hugo Guerra dá a ordem para que a mina seja desactivada. Tomei o lugar dele junto da mina.
Procede-se à segurança do local para que as coisas decorram sem incidentes. Mando afastar os homens a uma distância razoável, processo que requer muita atenção.

Procede-se à desminagem do local, o momento de muita tensão... O passo seguinte é desmontar o sistema da mina, que é constituido por dinamite e o detonador, este o mais perigoso, que requer particular cuidado...

O inevitável aconteceu, a mina estava armadilhada e explode. Gritos, confusão, leva algum tempo até os homens se recomporem.

No momento tudo ficou em silêncio depois as vozes de algums soldados Que se aproximavam. Senti umas mãos que me seguravam, era o enfermeiro José Augusto, que me prestava os primeiros socorros, colocava os garrotes para parar as hemorragias, o soro e uma injecção para as dores.

Alguns homens preparavam uma maca, com as camisas e uns paus para me transportar, fizeram cinco quilómetros comigo através da mata serrada. O alf mil Hugo Guerra sai ferido com alguma gravidade…
Como estava relativamente perto de mim foi atingido por estilhaços.

Pelo Rádio foi pedido ao quartel de São Domingos para mandarem viaturas ao nosso encontro para chegar mais rápido à pista onde deveria estar uma avioneta à espera. 

Assim foi, quando chegámos à pista já lá estava avioneta, fui entregue à enfermeira paraquedista (quero aqui prestar a minha homenagem a estas Mulheres, em particular à enfermeira Ivone Reis; estas Mulheres muitas vezes corriam riscos quando tinham de socorrer os feridos em pleno combate)...

Meia hora depois chegam à Base Aérea e fui levado para o Hospital Militar de Bissau. Já no hospital, foram feitas as primeiras intervenções cirúrgicas, provavelmente devido às anestesias perdi a noção do tempo, e do local onde me encontrava.

Num momento de lucidez ouvi passos, que se aproximavam perguntei onde me encontrava. Foi me dito que estava no hospital de Bissau, perguntei quando ia para Lisboa. A resposta foi... "amanhã".

No dia seguinte 
 [quinta-feira, 12 de março de 1970 ]pela manhã, tive a visita do Governador da Guiné, o general António de Spínola. Que deixou palávras de consolo e rápidas melhoras, e um elogio pelo dever de servir a Pátria...

Nesse mesmo dia à noite saí da Guiné no avião militar. Cheguei a Lisboa no dia treze de Março por volta das cinco da manhã, caía uma chuva miudinha.

As macas eram muitas pois este avião militar fazia o transporte de Angola, Moçambique, e Guiné, Em Lisboa as ambulâncias faziam o percurso de noite para não chamar a atenção dos lisboetas.

Nesta altura já estava internado no hospital Militar, na Estrela. Serviço de cirurgia plástica. Quero aqui informar que logo que dei entrada neste serviço, entrei em coma... Só decorridos quinze dias recuperei a consciência.

A partir daqui foi um desencadear de acontecimentos, uns bons e outros maus. Descobri que não tinha uma das mãos, o braço esquerdo estava com gesso, e tinha os olhos com pensos, este foi o primeiro choque que sofri.

Os dias iam passando lentamente, até descobrir que estava cego... Mas o mais grave desta situação, a minha família não sabia que eu estava gravemente ferido no Hospital Militar, os serviços do Exército não comunicaram o facto à minha família. Os meus pais tiveram a informação por um amigo meu que por essa altura prestava serviço no Hospital Militar.

O tempo decorrido da minha chegada a Lisboa, até os meus pais terem conhecimento foi de 23 dias
... Nesse  ano de setenta completei vinte e quatro anos, estava na flor da idade, andei de serviço em serviço durante mais quatro anos [no total, 5 anos, mais 20 meses no TO da Guiné, de julho de 1968 a março de 1970 ]. 

Em 1975 sai do hospital Militar com a bonita recordação: cego, sem a mão direita e com dois dedos na mão esquerda. Moral baixa, estado psicológico baixo. O Hospital Militar não dispunha de Psicólogos... (***)

PS - A data que consta no texto acima é a minha versão do acidente. A versão do alf mil Hugo Guerra aponta para o dia 13 de março de 1970. (*) 
[foto à esquerda: O Seleiro e o Guerra ].

Entrada para o Serviço Militar: 18 de abril de 67. Partida de Lisboa: 12 julho 1968 para a Guiné. Acidente na Guiné 10 de março de 1970. (****)

Manuel Seleiro, 1º cabo, DFA,

[Revisão / Fixação de texto / Negritos / Notas entre parênteses retos: LG ]
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (18): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra, ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 50, 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70); hoje cor ref, DFA

(**)  Vd. poste de 
16 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24072: Tabanca Grande (543): Manuel Seleiro, ex-1º cabo, Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70), natural de Serpa, DFA, sofreu cegueira total e amputação das mãos, ao levantar e desativar um engenho explosivo, durante uma operação, em 13/3/1970... Senta-se à sombra do nosso poilão, sob o nº 870.

(***) Último poste da série > 3 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24033: (De)Caras (194): O mecânico-desempanador Mota, da CCAÇ 3535 (Zemba, Angola, 1972/74), mais conhecido por "Matraquilho" (Fernando de Sousa Ribeiro)

(****) Também pelas minhas contas, e de acordo com a própria narrativa do Seleiro, o "acidente" foi a 11 de março de 1970, uma quarta-feira... Evacuados para o HM 241, em Bissau, os nossos camaradas partem em avião militar, para Lisboa,no dia seguinte, dia 12, à noite. Chegam a Figo Maduro, na sexta-feira, 13, às 5 horas da manhã.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24033: (De)Caras (194): O mecânico-desempanador Mota, da CCAÇ 3535 (Zemba, Angola, 1972/74), mais conhecido por "Matraquilho" (Fernando de Sousa Ribeiro)

1. Comentário do Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880, Angola, Zemba e Ponte de Rádi, 1972/74), ao poste P24012 (*)

É a primeira vez que encontro uma referência à especialidade de desempanador. Para mim é uma completa novidade, não sabia que existia semelhante especialidade. Que eu saiba, no meu batalhão em Angola,  não havia nenhum mecânico desempanador, porque todos acabavam por sê-lo, mais cedo ou mais tarde.

Na região dos Dembos, em todas as colunas auto seguia obrigatoriamente um mecânico, porque a vetustez das viaturas e o acidentado do terreno a isso obrigava. 

O "desempanador-mor" da minha companhia era um soldado mecânico chamado Mota (ainda está vivo, e espero que por muito mais tempo ainda), que resolvia sempre todos os problemas da maneira mais criativa possível. Servia-se de paus de fósforos (para substituir algum parafuso partido, por exemplo, renovando os paus quando eles mesmos também se partiam), chicletes (nomeadamente para vedar alguma fuga de óleo ou de combustível), etc. 

Com ele, todas as viaturas chegaram sempre ao seu destino pelos seus próprios meios. Uma vez, partiu-se a mola do acelerador de um unimog, mola esta que tinha por função manter o pedal do acelerador levantado. O Mota resolveu o problema substituindo a mola partida pelo elástico que tirou das suas próprias cuecas!

27 de janeiro de 2023 às 03:05

2. Comentário do editor LG:

Uma história incrível, Fernando, essa do Mota, o mecânico "desenrascador" e "desempanador". Que importa que não tivesse o "diploma" nem o "título"?! 

Também os houve na Guiné, havia mecânicos das Daimlers, por ex., que conseguiam manter operacionais essas relíquias da II Guerra Mundial... O Mota, mesmo que  vocês tenham estado em Angola, merece um poste no blogue dos amigos e camaradas da Guiné. Uma homenagem a todos os nossos mecânicos. Tens uma foto dele ou com ele? Candando (abraço, em angolês). 

Luís

3. Resposta do Fernando Ribeiro:

Data - sábado, 28/01/2023, 03:01

Caro Luis,

A única fotografia que tenho do mecânico Mota é esta (à esquerda), que data de 2016 e foi feita no convívio do meu batalhão realizado aqui no Porto. Ninguém o conhecia por Mota, mas sim pela alcunha de Matraquilho.

Quando a minha companhia chegou a Zemba, estavam num canto do bar dos soldados uns matraquilhos estragados. O Mota foi pedir ao capitão, Lamas da Silva, licença para reparar os matraquilhos. O capitão respondeu-lhe que não tinha que lhe dar licença nenhuma, porque os matraquilhos não faziam parte do espólio da companhia e, por isso, não tinham dono. Acrescentou que, se o Mota quisesse ficar com os matraquilhos, que ficasse, e fizesse deles o que muito bem entendesse. 

Isto foi música para os ouvidos do Mota, que tratou logo de reparar os matraquilhos e pô-los a render. E como renderam! Zemba era um cu-de-judas onde não havia comerciantes, nem "meninas", nem nada onde a malta pudesse gastar o seu dinheiro, a não ser o bar dos soldados. 

Os matraquilhos do Mota foram por isso um enorme sucesso, que a malta toda usava de manhã até à noite, metendo todas as moedas necessárias para jogar. O Mota a partir de então passou a ser conhecido pela alcunha de Matraquilho, o mecânico que personificava o portuguesinho desenrascado.

Um abraço, Fernando Ribeiro

4. Novo comentário do editor LG:

O teu Matraquilho faz-me lembrar, com as devidas distâncias (até geográficas e históricas...) o MacGyver, o herói de uma série que passou na RTP, em 1987, e era muito popular... É caso para perguntar quem imitou quem... Entre um e outro há uma distância de 15 anos... 

Lembras-te das aventuras do MacGyver?

(i) Aqui vai um excerto da RTP > Programas TV

"As aventuras de MacGyver: a sua mente é um autêntico canivete suíço

Richard Dean Anderson é Macgyver (foto à esquerda, cortesia da RTP), um agente astuto e muito inteligente, que opta por resolver situações de conflito sem recurso às armas e à violência. Um herói que arrisca a sua vida em delicadas operações de salvamento, utilizando como únicas armas, os utensílios que existem à sua volta" (...)

(ii) Na Wikipédia também se pode ler:

MacGyver (Profissão: Perigo no Brasil) foi uma série de televisão americana de ação-aventura criada por Lee David Zlotoff (...) . MacGyver durou 7 temporadas, de 1985 a 1992, no canal ABC nos Estados Unidos. A série foi filmada em Los Angeles  (...) e  em Vancouver (...) . O último episódio foi exibido a 21 de maio de 1992.

A série segue o agente secreto Angus MacGyver, interpretado por Richard Dean Anderson, que trabalha como “um solucionador de problemas” para a Fundação Phoenix em Los Angeles e como agente para o Departamento Governamental de Serviços Externos (DXS), ambas fictícias. 

Educado como cientista, MacGyver serviu na Guerra do Vietnã como técnico da brigada antibombas ("Countdown"). 

Muito versátil e possuidor de um conhecimento enciclopédico de ciências físicas, MacGyver resolve problemas complexos ao criar coisas a partir de objetos comuns, grande parte das vezes com a ajuda do seu canivete suíço; MacGyver também porta consigo fósforos e fita adesiva em alguns episódios. Prefere resolver suas missões sem violência e não gosta de usar armas de fogo devido a uma morte acidental que envolveu um de seus amigos de infância. (...)

[ Seleção / revisão e fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação neste blogue: LG]
___________

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24012: (De)Caras (193): Histórias de "desempanadores" precisam-se!... Para já, temos fotos do Francisco Candeias Cardoso, da CART 1525, "Os Falcões" (Bissorã, 1965/67)


Foto nº 1 > O Francisco Candeias Cardoso, sentado no capô do jipe


Foto nº 2 > O Francisco Candeias Cardoso,  montado no burro de Bissorã


Foto nº 3 > O Francisco Candeias Cardoso, na ponta esquerda, apoiando-se nos varais da carroça do burro de Bissorã (uma espécie seguramente em vias de extinção)


Foto nº 2 > O Francisco Candeias Cardoso é o primeiro a contar da direita, junto ao memorial da CART 1525 em Bissorã


Foto nº 5 > O Francisco Candeias Cardoso,  desempanador, a exercer a sua função...

Guiné > Região do Oio > Bissorã > CART 1525 (1965/67) > O 1.º cabo  (ou soldado?) desempanador Francisco Candeias Cardoso... PelaS fotoS (18, sem legenda) que divulgou na página dos "Falcões", vê-se que o Cardoso era um tipo brincalhão e divertido, e que alinhava nas jogatanas de futebol... Aparece nos convívios,  vive em Armação de Pera, no Algarve. A companhia tinha mais dois desempanadores: Arménio da L. Branco e José C. G. Sampaio... 

Fotos alojadas na página da CART 1525, na seção "Páginas Pessoais".  Reproduzidas aqui com a devida vénia...ao autor (Francisco Candeias Cardoso) e ao editor (Rogério Freire).
 
Fotos: © Francisco Candeias Cardoso / Rogério Freire (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. No Pelotão de Manutenção, da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), constituído por 33 militares, havia:
  • 1 oficial de manutenção (o alf mil Ismael Augusto);
  • 7 mecânicos auto (o 2º srgt Daniel, o fur mil  Herculano José Duarte Coelho, os  1ºs cabos João de Matos Alexandre e António Luis S. Serafim, mais três soldados (Amável Rodrigues Martins, Rodrigo Leite Sousa Osório e Virgílio Correia dos Santos);
  • 1 bate-chapas (o 1º cabo Otacílio Luz Henriques, mais conhecido por "Chapinhas");
  • 1 correeiro estofador (1º cabo Norberto Xavier da Silva);
  • 1 mecânico electro auto (1º cabo Vieira João Ferraz);
  • 22 condutores auto: 2 cabos  e 20 soldados...
O que será feita desta gente toda, a começar pelo Ismael Augusto, que é o nosso grã-tabanqueiro nº 609 ? (*). E o "Chapinhas" ? Faço votos para que estejam bem, e de saúde. 

Estranho não existir um "desempanador" na CCS/BCAÇ 2852... Mas não faltava um correeiro estofador, mesmo que eu nunca tivesse visto burros, machos ou cavalos em Bambadinca, nem carros de tração animal, os principais clientes do correeiro estofador...(O correeiro faz obras de couro, como arreios; o estofador  faz móveis ou peças de móveis estofados.)

Mas vou encontrar esta especialidade de desempanador nas subunidades de quadrícula deste batalhão (CCAÇ 2404, 2405 e 2406)... Estas companhias, numa reduzidíssima equipa de mecânicos autos,  tinham pelo menos um ou dois desempanadores... (em geral, um 1º cabo, podendo haver também um soldado "mecânico auto desempanador").

Não sei muito bem o que os desempanadores faziam ou podiam fazer no "mato", em caso de avaria   ou  "atascanço" de uma viatura (coisa frequente, sobretudo no tempo das chuvas). Confesso que não me lembro de ver nenhum em funções... Na prática, eram os condutores autorrodas, que tinham que resolver ou remediar o problema, como a ajuda dos militares das escoltas,  longe do aquartelamento mais próximo (no caso das colunas logísticas, que podiam durar dois dias, com distâncias até 60 km)... 

Também não tenho ideia de ver, no CTIG, o pronto-socorro em ação... a não ser talvez nalguma estrada alcatroada (só conheci uma  a sul do rio Geba: Bambadinca-Bafatá). Nem me lembro sequer de ver um pronto-socorro em Bambadinca, mas devia haver...
 

2. Creio que na Tabanca Grande só temos um desempanador, o Alberto Sardinha, da CCS/ BCAÇ 1877 (Teixeira Pinto e Bafatá, 1966/67) (**). 


(...) "Fui Mecânico Desempanador Auto da CCS/BCaç 1877. Cheguei à Guiné em 1966, fiquei em Bissau no Quartel da Amura durante 9 meses, de seguida fui para Brá, perto do Aeroporto de Bissau, dali para Teixeira Pinto, dali para Bafatá. (...)

É de Ponte Sor, mora no Seixal, o Carlos Vinhal desafiou-o a  "abrir o livro", na altura em que o apresentou ao pessoal da tertúlia: 

(...) "Esperamos que as tuas próximas mensagens venham mais compostas. Há sempre uma história para contar, já que todos nós guardamos na nossa memória peripécias várias. Terás por aí fotos que te lembrarão situações boas e más. Como desempanador foste muitas vezes ao mato recuperar viaturas avariadas ou atoladas? Nos quartéis improvisavam quando não havia sobressalentes à mão? Como vez já te sugeri assuntos para desenvolver" (...)

Mas o camarada Alberto Sardinha, infelizmente, ficou por aqui, ou seja, "empanado". Por isso tem apenas uma referência no nosso blogue (e com este poste, duas)... Tem página no Facebook desde janeiro de 2019. Mas pouco ou nada fala da tropa e da guerra.  Lá vai "facebook...ando",   com  familiares e amigos, como bom alentejano que é, e de uma bela terra, Ponte Sor.

Ora nós queríamos histórias de desempanadores... Fomos encontrar um camarada com esta especialidade, pertencente à CART 1525, os Falcões (Bissorã, 1965/67): o Francisco Candeias Cardoso, algarvio, segundo cremos... Não tem  "estórias", mas tem algumas fotos, que reproduzimos acima (cinco ), com a devida vénia ao autor e ao editor da página... 

Pode ser que o Cardoso nos veja e fique com vontade de se juntar a nós... Dos "Falcões" só temos o Rogério Freire, sentado à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande... De qualquer modo, aqui fica também a nossa homenagem a estes camaradas da "ferrugem", que eram poucos mas tinham que ser bons... (***)

A CCS / BCAÇ 2852 não tinha "desempanadores" mas tinha "corneteiros / clarins",  eram nada mais nada menos do que cinco: 1 sargento, 2 cabos, 2 soldados... Deviam-se fazer grandes paradas de honra em Bambadinca, mas já não me lembro... ou então devia andar distraído ou desenfiado no "mato".

3. O "desempanador", "o que desempana", do verbo "desempanar" 

desempanar
desempanar | v. tr.
 
de·sem·pa·nar  
(des- + empanar, avariar)

verbo transitivo

Resolver a avaria de (ex.: desempanar um motor). = CONSERTAR, REPARAR ≠ AVARIAR, EMPANAR

"desempanar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/desempanar [consultado em 25-01-2023].
___________

Notas do editor

(*) Vd. poste de 14 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11249: Tabanca Grande (390): Ismael Augusto (ex-alf mil manut, CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), novo grã-tabanqueiro, nº 609

(**) Vd. poste de 13 de março de  2012 > Guiné 63/74 - P9603: Tabanca Grande (324): Alberto Sardinha, ex-Soldado Mecânico Desempanador Auto da CCS/BCAÇ 1877 (Teixeira Pinto e Bafatá, 1966/67)

(***) Último poste da série > 10 de janeiro de  2023 > Guiné 61/74 - P23967: (De)Caras (192): Os bravos comandos cap Maurício Saraiva e fur mil Joaquim Morais (morto em combate, no Quitafine, em 7/5/1965) (Virgínio Briote)

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23967: (De)Caras (192): Os bravos comandos cap Maurício Saraiva e fur mil Joaquim Morais (morto em combate, no Quitafine, em 7/5/1965) (Virgínio Briote)


Guiné > Bissau > Comandos  do CTIG > Gr Cmds "Os Fantasmas" > 1964 >  Da esquerda para a direita o fur mil 'cmd' Joaquim Morais (que viria a morrer em combate em Catungo, Cacine, em 7/5/1965,  e o alf ml 'cmd' Maurício Morais (promovido a tenente e depois  a capitão, no 10 de junho de 1965)


Guiné > Bissau > Comandos  do CTIG > Gr Cmds "Os Fantasmas" > 1964 > O alf mil 'cmd' Maurício Saraiva desfilando à frente dos seus homens, junto ao palácio do Governador.

Fotos (e legendas): © Virgínio Briote  (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


CTIG > Companhia de Comandos / Gr Cmds "Os Dianólicos" > Cartão de identificação do alf mil 'cmd' Virgínio António M. da Silva Briote. Assinatura (ilégível): Nuno Rubim, cap art 'cmd'


1. O nosso Virgínio Briote (Vb) tem as melhores páginas, alguma vez escritas, sobre os Comandos do CTIG (1964/66)... E, seguramente, sobre alguns dos velhos comandos de Brá...

Felizmente vivo, é nosso coeditor (jubilado por razões de saúde). Nasceu em Cascais, foi alf mil em Cuntima, CCAV 489 / BCAV 490 (jan/mai 1965); fez depois o 2º curso de Comandos do CTIG; esteve à   frente do Gr Cmds  "Os Diabólicos" (set 65/set 66); regressou a casa em janeiro de 1967; trabalhou numa multinacional da indústria farmacêutica onde foi brilhante quadro superior; é casado com a encatadora Maria Irene, professora do ensino secundário reformada... (Ambos são pais e avós babados.)

O Vb teve um blogue que infelizmente decidiu desativar. Chamava-se "Tantas  Vidas"; http://tantasvidas.blog.pt/ . Publicou postes entre janeiro de 2006 e março de 2009. Textos de antologia que mereciam conhecer o prelo.  Depois achou que tinha dito tudo... Fechou o blogue (e o bau). 

Mas o Arquivo.pt que anda há muito, desde 1996, à caça de páginas na Web, de preferência em português, não lhe pediu licença e foi-lhe fazendo sucesssivas capturas de páginas do seu blogue... Só há dias é que ele soube, porque eu lhe disse. A última captura foi em 24 de maio de 2009, às 21h54... Veja-se aqui o endereço:

https://arquivo.pt/wayback/20090524215817/http://tantasvidas.blog.pt/2009/3/

Mas, em 2015, ainda recuperámos muitos desses textos do "Tantas Vidas", criando a  série "Guiné, Ir e Voltar". Publicámos cerca de 3 dezenas de postes, entre 28/6/2015 (Poste P14803) e 7/1/2016 (Poste P15588). 

O Virgínio Briote é um dos históricos do nosso blogue para o qual entrou em 23/10/2005.  Tem 265 referências. Tivemos curiosidade em saber o que é tinha escrito sobre alguns dos seus camaradas mais velhos, no Comandos do CTIG, como o Maurício Saraiva, o Amadu Djaló, o João Parreira, o Joaquim Morais..., que pertenceram ao Gr Cmds "Os Fantasmas", entretanto extintos em maio de 1965. Aqui vai um excertp, em complemento do poste P23960, assinado pelo João Parreira) (*).


Guiné, ir e voltar > Os bravos comandos cap Maurício Saraiva  e fur mil Joaquim Morais (morto em combate, no Quitafine, em 7/5/1965)

por Virgínio Briote (**)

(i) O cap 'cmd' Maurício Saraiva

O capitão Maurício Saraiva, promovido a capitão por distinção, até então o único vivo com a Medalha de Valor Militar em Ouro, depois de duas cruzes de guerra, tinha metido o chico, estava em Lisboa na Academia Militar.

Aproveitara as férias para vir a Bissau dar-lhes instrução operacional, e sair com eles para o mato durante o curso de comandos para oficiais e sargentos do CTIG.

Foi um dos fundadores dos comandos da Guiné. Tinha estado em Angola, com o Godinho, os irmãos Roseira Dias, o Miranda e outros. Depois formou o grupo dos Fantasmas e com ele percorreu a Guiné de uma ponta a outra.

Deixou fama pela forma como fazia a guerra, por vezes parecia encará-la como se fosse uma brincadeira. Fazia que retirava, dava às vezes até sinais de fuga descontrolada, como se quisesse animar o IN a mostrar-se confiante. Escondia-se com o grupo, paciente, uma ou duas horas se fosse preciso. E depois, Fantasmas ao ataque! Uma série de êxitos coroavam-no e era objecto de mal disfarçada homenagem, numa altura em que a regra era ver as NT recolhidas a posições defensivas.

Mas nem sempre as coisas correram bem. Tanta intrepidez e desafio também lhe trouxeram sérios problemas.

Novembro de 64, dia 28. Perto da fronteira com a Guiné-Conacri, na estrada de Madina do Boé para Contabane, a uma escassa centena de metros do pontão sobre o rio Gobige, os Fantasmas detectaram uma mina anti-carro.

Levantaram a mina e simularam o rebentamento. Ficaram emboscados nas proximidades cerca de 2 horas. Viram um grupo IN aproximar-se e afastar-se logo que deram pela presença de mulheres na estrada. Uma hora depois viram um elemento IN a fugir. Afinal, estavam em igualdade de circunstância, todos sabiam da presença uns dos outros. No dia seguinte voltou com o grupo ao local. Meteu-se com alguns soldados no Unimog mais pequeno à frente, e encaixou o resto do grupo no Unimog maior atrás. A primeira viatura passou, a outra, uma dezena de metros atrás, não. Pisou uma mina. A viatura incendiou-se, as munições explodiram como foguetes num arraial minhoto e do depósito de combustível saía fogo. Quase todos os homens foram projectados a arder. Sete mortos logo ali e três feridos graves. Regressaram doze a Bissau. Com o grupo dizimado, poucos dias depois arrancou com os restantes para uma operação.

(ii) A morte fo fur mil 'cmd' Morais, já em fim de comissão

Já quase no final da comissão, em Cameconde, lá para o sul, no Quitafine. No diário do furriel João Parreira, um deles, podia ler-se:

(...) “6 Maio 65. Saímos às 15h00 para a operação “Ciao”, num Dakota até Cacine e depois em viaturas até Cameconde, onde já se encontrava um pelotão à nossa espera. O Capitão Rubim foi connosco. Saímos às 19h00 em direcção ao objectivo. Segundo as informações que nos foram fornecidas, a base IN era composta por cerca de 80 homens bem armados, comandados por Pansau Na Isna, chefe militar, adjunto do João Bernardo Vieira, de etnia Papel, mais conhecido pelo Comandante Nino.

Já na madrugada do dia 7, a poucos quilómetros do objectivo demos indicações ao pelotão para permanecer ali e esperar pelo nosso regresso, com a missão de proteger a nossa retirada ou dar-nos apoio, caso fosse necessário. Assim, seguimos silenciosamente até perto do acampamento, situado na mata a sudoeste de Catunco. Apesar de termos feito uma aproximação cuidadosa, fomos detectados por uma sentinela. Tentámos assaltar o acampamento. Mas eles estavam bem preparados, reagiram ao nosso fogo e o tiroteio prolongou-se. Quando o fogo deles abrandou, entrámos por ali dentro e vimos material abandonado durante a fuga. Oito armas, cunhetes de munições, granadas, petardos, equipamentos, minas, fardas, e muitos documentos, entre os quais um caderno que pertencia a um tal Armindo Pedro Rodrigues, com elementos importantes da Ordem de Batalha do PAIGC.

Carregados com o nosso material e com o que tínhamos capturado, regressámos para junto do pelotão de recolha. Juntámo-lo e começamos a vê-lo em pormenor. Faltava o aparelho de pontaria de um morteiro, até então ainda não apreendido na Guiné.

O Morais afiançava tê-lo visto lá. O tenente Saraiva chamou o Amadú  
[Djaló] e o Morais e disse-lhes para voltarem ao acampamento. Embora estivéssemos conscientes do perigo, arriscámos, partindo do princípio que o IN se tinha retirado após as baixas sofridas. O Morais perguntou quem é que queria ir com ele e com o Amadú. Ofereci-me bem assim como o capitão Rubim, o furriel Matos e mais 7 camarada, 10 no total.

De novo no interior do acampamento a arder. Vi uma árvore gigante, com umas cavidades enormes. Espreitei para dentro de uma, o Morais para a outra, à procura de material, e o restante pessoal, por ali perto, fazia o mesmo. Subitamente, rajadas de metralhadora e granadas de bazuca caíram-nos em cima. Uma destas rebentou entre nós. Um pequeno estilhaço partiu a coluna do Morais, que caiu sobre uma fogueira. Eu fui atingido no lado direito das costas, mas na altura nem localizei o ferimento.

Vi o Morais a morrer quando o olhei de relance. Um vago murmúrio, depois mais nada, um ar sereno no rosto, pareceu-me. Deitei-me e reagi ao fogo, mas passado pouco tempo fiquei sem força no braço, a G-3 ficou muito pesada, e depois já nem o gatilho conseguia apertar. Passei a espingarda para o braço esquerdo e fiz fogo, mas julgo que não fui nada eficaz. Os outros 8 camaradas, embora ligeiramente, foram todos atingidos. Depois os restantes elementos do Grupo foram lá buscar-nos. Junto do pelotão de apoio, injectaram-me morfina. Tinha perdido muito sangue. Prestaram-me os primeiros socorros em Cacine.

Fomos evacuados para Bissau. Eu de barriga para baixo, bem atado, com mais uma injecção de morfina, e o Morais, morto, cada um em macas de lona, encaixados no exterior do heli 
[um AL II]. Durante o trajecto, e em duas localidades diferentes, na minha sonolência ouvi rajadas de metralhadora que me pareceram passar rente ao helicóptero. Pareceu-me uma eternidade a viagem até ao hospital de Bissau, onde, depois de me terem operado, fiquei internado.

8 Maio
. O Marcelino [da Mata] foi o primeiro a vir ver-me ao Hospital. O crucifixo que eu trazia ao peito era uma crosta, uma grande cruz de sangue seco. Pedi-lhe que o lavasse.

9 Maio. Muitos camaradas me visitaram hoje, o major Dinis, o tenente Saraiva, o alferes Pombo, os furriéis Matos, Moita e o Miranda, claro. Da parte da tarde vieram a D. Beatriz Sá Carneiro, mulher do Comandante Militar e a D. Mariana do MNF  
[Movimento Nacional Feminino].

O Morais era órfão de pai. No caso dele correu tudo no mesmo sentido. Mal. Não era necessário a presença dele nesta operação, já tinha acabado a comissão. Em Brá tentaram persuadi-lo, mais que uma vez, a não ir. Tantas vezes, que diferença vai fazer sair mais uma, insistia. Não embarcou com o Batalhão a que pertencia, por ter combinado que esperava que o tenente Saraiva e os furriéis Matos, Moita e Ilídio acabassem a comissão. A estes faltavam-lhes apenas 15 dias. Imaginava o regresso à Metrópole, todos juntos num navio, como se regressassem de um cruzeiro de férias.

O Miranda recebeu o corpo no Hospital. Foi ele com o Mário Dias, o Fabião e o Ilídio que o lavaram, vestiram e deitaram no caixão. Fizeram uma colecta para a compra do caixão de chumbo. E coincidência, morreu no mesmo dia em que o seu Batalhão de origem desfilava em Lisboa, com a missão cumprida.”


(iii) Ponham-se em sentido quando ouvirem pronunciar o nome do 'Nino'

Claro que, fosse para onde fosse, o Saraiva trazia com ele esses e outros acontecimentos, como se uma auréola o enfeitasse.

Quando reentrou em Brá, para passar o tal mês de “férias”, apresentaram-lhe os novos que estavam a frequentar o curso e pessoal já bem conhecido dele, o capitão Rubim, o sargento Mário Dias, os furriéis Miranda, Moita, Matos, Fabião, o João Parreira, o cabo Marcelino da mata, os soldados Kássimo, Tomás Camará, o Adulai Jaló e outros.

Dos novos conhecia um ou outro, e aos que não conhecia tinha algum tempo à frente para os ver trabalhar no mato e depois veria a quem entregaria o crachá. Passava a vida a pô-los em sentido. Uma volta na conversa e lá vinha o Nino à baila. O Nino, estão a olhar para mim? ( Consideeava o Nino como um verdadeiro chefe militar e, apesar de inimigo, merecedor de respeito.)

O Nino , que porra, estes gajos são todos surdos? O Nino, ele a insistir e os alferes com falta de entendimento. Sentido, porra! Aqui nos comandos quando se fala no Nino, toda a macacada, vocês também, saltam como uma mola, estejam onde estiverem, não interessa, põem-se a pé! Em sentido!

E foi assim que se fez escola, dali para a frente, sempre que alguém pronunciava o nome do Nino, os outros punham-se em sentido.

Uma vez, em Biambe, na zona do Oio, uma tempestade como não havia na memória deles, tinha partido o grupo em dois, aí pela uma da madrugada, noite negra como só em África quando o céu está todo tapado. Um, sozinho, lá encontrou o trilho depois de andar a tactear o chão. Daqui não saio, vou-me mas é sentar!

A chuva não parava, pareciam pedras a cair, faziam tanto barulho no camuflado que receou que o denunciassem. Ainda bem que só tinha as cuecas debaixo, menos peso para carregar. Nada de sinais, nem de trás nem da frente. Esta é boa, onde é que os gajos se meteram, que merda, assobiou baixo, a imitar o pássaro que afinaram no curso. Nada de respostas, minutos a passar, chuva em barda. Estou frito, estou mesmo perdido, o coração como um cavalo a galope, até sentia calor, olhava para todo o lado e só via escuridão, pirilampos nem vê-los, nada, só ouvia o barulho da água a bater. E agora, o que faço? Eles hão-de dar pela minha falta, não me vão deixar aqui. E se não derem?

Calma, esperas pelo nascer do dia, viras as costas ao Sol, cortas mato, nada de trilhos, sempre em frente, até à estrada Mansoa-Bissorã, escondes-te, há-de aparecer uma coluna um dia destes, quase todos os dias passam. Depois é só saltar para a estrada e pronto. E se a guerrilha te vê, o que é que fazes? Pois. Minutos a durarem horas, o coração outra vez.

Um pequeno som, pareceu-lhe, serão eles, ou estarei a sonhar? Um assobiar baixinho. É isso, são eles, nunca mais vinham, assobia também, assobio cada vez mais próximo, uma mão, o Kássimo, o Saraiva atrás. Então e os outros? O capitão, danado, a bufar, e os outros? Kássimo à frente a assobiar, dentro do trilho, foram andando para trás, mãos no cinturão do da frente. Encontraram o capitão Rubim e o alferes Vilaça, os dois sentados, costas com costas. A dormir na forma, ah?

No outro sábado o Saraiva encontrou os quatro alferes sentados, tinham acabado de almoçar na messe de Brá. E o programa para hoje, qual é, perguntou. Vou até Bissau espairecer, diz um, outro vou mas é dormir com a cama, a correspondência a preocupar o terceiro, o quarto, sei lá? Ele arranjava um melhor, têm 5 minutos para se equiparem para sair.

Levou-os para o aeroporto, os motores já quentes do Dakota pronto para descolar. Foram para leste, Nova Lamego até Canquelifá, perto da fronteira com a Guiné-Conakri. Chegaram com o Sol quase a ir-se. Esperaram fechados dentro do avião, os motores parados.

Abriram-lhes as portas, entraram directos para uma GMC com as lonas corridas. Meteram-lhes lá dentro queijo partido aos bocados e pão. O Saraiva, gargalhada baixa, a pedir os cantis, para encher de água fresca, disse. O meu não precisa, está cheio até cima, nem se ouve, mesmo que o abane, diz um. Passe, o capitão a insistir. Que a marcha ia ser longa, cerca de 20 km, e a água vai ser decisiva.

Ouçam bem, só bebem quando eu der sinal, todos a beber ao mesmo tempo.



© Foto do Júlio Costa Abreu. Com a devida vénia.

Carvão negro na cara e nos braços, pareciam manjacos e mandingas. Pôs-se o sol, meteram-se no mato, dois a dois, trilhos fora, quilómetros e quilómetros, a noite toda.

Comandos ao ataque, o Saraiva desalmado a gritar, como gostava de começar o dia. Fizeram-se a eles, por ali dentro, as casas de mato com 2 ou 3 gajos que nunca lhes tinham sido apresentados a pisgarem-se. Depois, um dos intrusos passou à história. Da gargalhada. Quando sentiu os projécteis de uma metralhadora pesada inimiga a bater lá em cima nas árvores, até disse para os outros, olha a NT a apoiar! Os outros a rirem-se, uma força danada dentro deles. No caminho do regresso lembraram-se da genica que sentiram, estamos numa forma do caraças, não estamos?

Nunca souberam de onde tinha vindo tanta gana, se calhar tinha sido quando o capitão, finalmente, autorizou meterem água, devia ter vitaminas. A certa altura do caminho de retirada, começaram a ficar sem forças. Estranharam, nunca lhes tinha acontecido, não acertavam com o trilho, não era só um, eram todos. Menos o capitão. Alguns paravam, encostavam-se às árvores, queriam sentar-se, os olhos para cima. Quem parar fica para trás, o Saraiva lá à frente, na esgalha. Em pequenos grupos foram chegando. Em Canquelifá, uma cerveja gelada, boca abaixo, duma vez só. Alguns só acordaram com os motores do Dakota e um ou dois nem assim. A caminho do avião, pareciam zombies, em coluna por um, pelo campo fora.

Da outra vez, mandou tapar-lhes os olhos com algodão, fita adesiva e um lenço negro por cima. Só tiram os lenços e o adesivo quando eu mandar. É para ver se adivinham para onde vamos passar o fim-de-semana. Viaturas pela estrada fora, para onde havia de ser, para o Oio. Quando entraram em Mansoa, pararam. Então, quem é amigo? Para onde vamos então? Toca a tirar os lenços, olhos e ouvidos bem abertos agora. Foram por ali fora até Bissorã. A mesma história do queijo e do pão, uma cerveja para cada um, cantis cheios de água, por aqueles trilhos, a noite toda.

Um cigarro agora é que sabia bem. Pois, também a mim me apetecia estar na praia de Carcavelos, ao sol com a miúda, os ouvidos dele em todo o lado. Fumas no fim do fogo. O dia clareou, estavam no sítio certo, as casas de mato em frente. Os guerrilheiros é que faltaram à chamada naquela altura. Não saímos daqui enquanto os gajos não aparecerem, o capitão a provocá-los. Vieram mais tarde, quando já não dava muito jeito, mas arranja-se sempre qualquer coisa, que remédio. Um daqueles alferes integrado na equipa do furriel Moita, apanhado num campo de mancarra, com nada para se abrigar, ou estava com pressa de regressar a Bissau, ou tinha visto no cinema uma cena parecida, chateou-se, aqui vou eu, quem quiser que venha. Quis lá saber da parelha e da equipa, meteu-se por aquelas casas de mato dentro. Depois ficou lá dentro sozinho, sem saber bem o que fazer. Os companheiros daquele fim-de-semana encontraram-no a olhar para o ar, para os ramos das árvores a abanarem com as balas. Estes gajos nunca mais aprendem, porra, 20 flexões aí já, o Saraiva oportuno como sempre. Agora sim, podem fazer fogo com o isqueiro, toca a fumar! (...) 

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Parênteses retos com notas / Subtítulos: LG]