Mostrar mensagens com a etiqueta 1966. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta 1966. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20487: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (15): O meu último Natal, 1966, em Bissau, no QG/CTIG (Virgínio Briote)


Não havia azevinho (Ilex aquifolium) na Guiné nem presépio nem reis magos mas, mesmo assim, não deixou de houve Natal, em 1966, ou pelo menos ceia de Natal no QG, em Santa Luzia, ao tempo do gen Schulz... Não faltaram o bacalhau, os doces e sobretudo  o álcool, muito álcool. A um mês de regressar a casa, o alf mil 'ccmd', da CCmds da Guiné, Virgíbio Briote, conta como foi.


Foto (e legend): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. O Virgínio Briote, nosso coeditor jubilado, contribuiu também em muito para o sucesso do arranque e desenvolvimento do nosso blogue nos primeiros anos...

Estamos a chegar ao fim do ano de 2019, estamos a blogar há mais de 15 anos (*) e as estatísticas do nosso  blogue falam por si: temos mais de 11,6 milhões de visualizações de página; cerca de 20500 postes publicados: 150 mil comentários; 801 membros da Tabanca Grande (eram 111 em junho de 2006), de todos os continentes, exceto da Antártida (, em contrapartida temos um legítimo representante do círculo polar ártico, um luso-lapão)... 


Para não falar de um enorme acervo documental, a começar pelas fotografias, mas também textos em prosa e em verso... Sem esquecer as dezenas de livros que os grã-tabanqueiros já publicaram, com origem em colaborações no blogue, do A. Marques Lopes ao Zé Saúde...

Parte destes resultados são também devidos ao prestígio, ao talento e ao trabalho do Virgínio Briote, que frequentou a Academia Militar mas não seguiu a carreira das armas, foi quadro superior na indústria farmacêutica; antes disso, fez uma comissão na Guiné como alf mil, CCAV 489 (jan/mai 1965, Cuntima) , e alf mil 'comando', cmdt Grupo Diabólicos, Brá ; set 1965/ set 1966).

Sempre admirei a sua escrita, de primeira água, e hoje vou repescar um texto antigo,sobre o seu Natal de 1966, o seu último Natal na Guiné (**)... Aliás, o Natal do seu "alter ego", o Gil Duarte... A maior parte dos membros da Tabanca Grande nunca leu este texto nem outros do Virgínio Briote: é um dos nossos primeiros postes, o poste P366, de 18 de dezembro de 2005 (**)


Já também dele republicamos, em tempos, uma das mais belas histórias de amor em tempo de guerra, e que merece ser lida e relida (***), e onde de resto se faz referência à bela (e infortunada) estudante cabo-verdiana, Teresa Correia, que foi paixão fulminante do Gil...
 
Gil Duarte, comando do CTIG, é um "alter ego"  do Virgímio Briote... Teresa, jovem estudante, 19 anos, de origem cabo-verdiana, não esconde a sua atração por Gil (e vice versa), mas também não esconde as suas simpatias pelo PAIGC, de que o pai, a trabalhar na Casa Gouveia, quer-se tornar militante... Estamos em Bissau, em meados da década de 60. Vasco e Benilde são os pais de Teresa (Tesa, na intimidade). Vieram da Praia. 


(...) "Durante os primeiros anos do nosso blogue, o Virgínio Briote foi um membro da nossa Tabanca Grande (ou tertúlia, como então lhe chamávamos), fidelíssimo, dedicado, empenhado, ativo, produtivo, ao mesmo tempo que ia produzindo e publicando textos, pessoalíssimos, belíssimos, no seu blogue 'Tantas Vidas': as dele, as do Gil Duarte, as da Teresa, sempre a Teresa, as do Capitão Valentim, as do Capitão Leão, as de uma geração inteira, de homens e mulheres, que amaram e desamaram, viveram e morreram, lutaram e perderam, a Dora, a Clara, a Matilde, o Leonel, o Manaças, o Marcolino da Mata e tantos outros, figuras de carne e osso que povoaram Brá, Bissau, Mansoa, o norte, o sul, o leste, as bolanhas, as picadas, as matas da Guiné... Foi o retrato de uma geração que ele construiu , como um puzzle, a partir da sua experiência, como comando e como homem, no TO da Guiné, nos anos de 1965/67" (Luís Graça, Poste P13194, de 26 de maio de 2014)

É uma pena que o nosso camarada tenha desistido de publicar, em livro, os seus escritos da Guiné, constantes do seu blogue "Tantas Vidas" que, entretanto, ele decidiu descontinuar e acabou por encerrar. Valha-nos, ao menos, o nosso blogue onde republicou a grande maioria dos seus escritos do "Tantas Vidas", e outros, até então inéditos.


Veja-se também a série do blogue "O Meu Natal no Mato" (que tem 70 referências).

__________

NATAL DE 1966

por Virgínio Briote


Uma eternidade aquele mês de Dezembro, nunca mais acabava.

Arrumações no quarto, ordem na papelada, cópias dos relatórios das operações, as centenas de fotos. Estas são para rasgar, isto onde foi, quem é este gajo, apontamentos ao lado, nomes dos camaradas atrás, e depois disto, para onde fui? Anotava o que se lembrava, folhas e folhas, dois anos quase, ali à sua frente, parecia um romance.

O aroma dela nas cartas, falta pouco, um mês só, não vou a Lisboa esperar-te, mas quando puseres os pés em terra, pensa em mim. E uma folha toda em branco, enorme, com tanto espaço para responder, sem ideias, nem sabia como começar.

Quero estar contigo, só contigo, sem mais ninguém por perto. Uma frase só numa carta. Não tenho mais para dizer, nem sei o que devo escrever.

O sono leve, intermitente, e as malas, o que vou levar? Uma chega, leva tudo. Já pensaste no que vais levar, o que é que vai contigo? Os livros, todos, uma muda de roupa civil, as coisas do quarto de banho. Os sapatos civis e militares, o camuflado, tudo no saco da tropa. Levaria vestida a farda amarela, a que envergara aquele tempo todo, as botas de cabedal e a boina. O resto fica tudo.

O despertar súbito, outra vez muito acordado, uma sensação de medo a aparecer, a tomar conta dele, uma vontade irreprimível de fugir, os pés fora da cama, o que vou fazer, para onde, a tremer como se estivesse com febre. No quarto de banho, frente ao espelho, este sou eu com as mãos na cara, isto vai passar, só falta um mês.

Tinha que ser, numa daquelas tardes entrou no cemitério. Foi directo à campa do Silva. As diligências que fizeram, até o dinheiro que receberam pelas armas que capturaram, reverteu todo para as urnas de chumbo, para as trasladações dos corpos dos camaradas mortos. Tantos trabalhos que ele e o capitão Leão tinham feito e o Silva ainda aqui está, à minha frente.

António Maria Alves da Silva. Nasceu em 17 de Janeiro de 1942. Faleceu em 6 de Março de 1966. Sem flores, sem nada.

A menina Teresa? É noutro lado. Lá em baixo, aquela do meio, sim, à beira daquela palmeira. Uma tampa de mármore. “A saudade dos teus Pais e Amigos. Maria Teresa Campos Correia. Nasceu na Praia em 27 de Maio de 1947. Faleceu em Bissau em 23 de Outubro de 1966. Paz à sua alma”. Um jarro simples com flores frescas.

A guerra via-a de muito longe, como se fosse um assunto que já não lhe dizia respeito. Mas mesmo assim, às vezes não podia esquivar-se aos relatos dos recém-chegados do mato.

A nova companhia de comandos andava por Tite. Raramente saíam com efectivos inferiores a dois grupos. Entretanto chegara outra companhia, de um jovem capitão, um tipo simpático. Então como é isto aqui, fresco, não? As zonas da guerrilha são todas iguais ou há diferenças? Antes que me esqueça, cumprimentos do Manilha, quando chegar a Lisboa contacte-o.

Praticamente inexpugnável o Sul, as NT confinadas aos aquartelamentos. Madina do Boé, um inferno, o Diem-Biem-Phu dos portugueses, o capitão de lá a dizer que só viviam dentro dos abrigos, cavados no solo, suportados por troncos e enchidos com cimento em barda. Passavam os dias a verem a vida em frente por entre os buracos. Abastecidos do ar, os aviões faziam malabarismos para não serem atingidos. Madina vai ser o primeiro aquartelamento a ser tomado pelo PAIGC, era um assunto arrumado, ouvia-se em muitas bocas.

Um Allouette mergulhou numa bolanha, na zona de Tite, não se sabia se fora atingido ou se fora um acidente. Foi montada uma autêntica batalha, daquelas que se veem nos filmes. Fuzileiros e comandos a protegerem o heli, sob fogo cerrado. O coronel da base aérea, ele próprio a pilotar um Dakota teve que se impor para meter os páras dentro do avião. Largou-os na zona da batalha, os pára-quedas abriram-se e toda a gente parou o fogo, não acreditas, Gil?

Um mecânico francês que estava em Bissau a fazer a manutenção dos helis foi transportado para o local com o equipamento todo para ver se conseguia tirar o aparelho das águas da bolanha. E não é que conseguiu, pá?

O norte em brasa, Barro, Bigene, Guidage, o Oio nem se fala, o leste ainda assim-assim!

Natal à porta, as montras de Bissau mudaram a cara, muitos militares nas ruas a entrarem e a saírem das lojas. Devia estar a fazer um ano andava por Barro e Bigene, foi um fim de ano diferente.

No QG [, em Santa Luzia,]  organizaram uma ceia de natal como devia ser, bacalhau e os doces todos. Estava lá toda a oficialada superior, Brigadeiro incluído.

Beberam todos muito bem, alguns demais, como acontece sempre. Depois, ao ar livre, viram um filme italiano, com o Gianni Morandi, um cantor novo que estava na moda, a fazer o papel principal dentro da farda de um soldado, o que é que havia de ser? 

Um apaixonado, aquele Morandi, tirava canções atrás de canções. Tantas que a maralha lá de trás, entusiasmada, começou a acompanhar a música, primeiro muito baixo, depois já se sabe como é, outros entusiastas também, até o Morandi se virou para eles, a cantar de lágrimas nos olhos. Uns alferes de merda, uns comunistóides, que é para isso que agora servem as universidades, dizia um major do cága-e-tosse voltado lá para trás!

No outro dia, corria pelas mesas da messe uma história meio esquisita. Lá para as tantas, um noctívago quando ia a entrar para o quarto, ouviu música de samba a vir da porta entreaberta de uma das vivendas. Quis dançar também, empurrou a porta e fechou-a logo. Deve ter visto mal, uns gajos todos nus a dançarem encostados uns aos outros, pode lá ser?

Se calhar o líquido que tinha nos olhos era álcool! Mas eu vi, o fulano encostado ao sicrano, o beltrano amarrado ao… Estás a ver, nem te lembras dos nomes dos gajos!


____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 20 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20160: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (14): continuando a falar de..."futebol, elites e nacionalismo"


(**) Vd. poste de 18 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - P366: O meu Natal de 1966 no QG, em Bissau (Virgínio Briote)

(***) Vd. postes de:



30 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11507: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (11): Teresa, amores e desamores em tempo de guerra (Parte II) (Virgínio Briote, ex-alf mil, comando, Brá, 1965/67)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19489: A Galeria dos Meus Heróis (21): O "Duque de Palmela" ou o pão que o diabo amassou - Parte I (Luís Graça)

Luís Graça, ex-fur mil, CCAÇ 12,
 Contuboel, junho de 1969
A galeria dos meus heróis > O “Duque de Palmela” ou o pão que o diabo amassou - Parte I



por Luís Graça




1. “Duque de Palmela” foi alcunha que lhe puseram na tropa. Muitos militares tinham como alcunhas os nomes das terras donde provinham. Assim era mais rápido distinguir os Silva, os Santos, os Ferreiras, etc. , em cada pelotão ou companhia. E sempre era mais fácil que fixar o número mecanográfico, que na realidade ninguém sabia decor…

O Santos, antigo 1º cabo, emociona-se quando fala da Guiné. Dos camaradas que lá ficaram, uma boa meia dúzia. Dos que regressaram e que ele nunca mais voltou a ver. Da fome que passaram. Dos “embrulhanços”, das emboscadas no mato, das minas nas colunas logísticas, dos ataques e flagelações aos aquartelamentos,  destacamentos e tabancas… Do pão que amassou e cozeu em fornos, às vezes improvisados… E, claro, das “beijudas”… E ainda da sorte que, afinal, só teve na guerra, ao trocar a G3 pela amassadeira e a 
pá de padeiro...

Ainda se emociona, enfim, quando fala da sua infância e adolescência, marcadas pela pobreza e pela orfandade.

− Camarada, comi o pão que o diabo amassou!


2. Nasceu nas faldas da serra da Arrábida, perto da Quinta do Anjo, no concelho de Palmela. O pai, J. Santos, era de origem beirã, nascido em Gouveia. Fixou-se por ali, com a família, no início dos anos 30. Era pastor, quando, no período da II Guerra Mundial, fui chamado a cumprir o serviço militar obrigatório. Mobilizado pelo RI 11, em Setúbal, esteve como expedicionário, na ilha do Sal, em Cabo Verde. Rapou fome e sede, apanhou o escorbuto e nunca mais ficou bom dos pulmões. Regressou em 1943, casou em 1944, e teve o seu primeiro filho em 1945. O nosso herói.



3. Filho e neto de pastores, o J. Santos pastor continuou a ser, em regime de parceria pecuária. Tinha um rebanho de ovelhas que não era seu, era do patrão, um fabricante de queijo de Azeitão, um dos fundadores da cooperativa local em 1945.

No final do ano tinha direito a algumas crias que podia vender, mais tarde, como borregos, machos, em especial na altura da Páscoa, em que havia maior procura. O seu salário-base era uma miséria. Nunca conseguiu chegar a ter um rebanho seu.

Analfabeto, descobriu, por si mesmo, a importância que era saber ler, escrever e contar. Em Cabo Verde, tinha que pedir ao seu 1º cabo, um rapaz de Sesimbra, para lhe ler as cartas que recebia da namorada e dar-lhe a resposta na volta do correio.

Quando voltou à terra e casou, jurou a si mesmo que os seus filhos, se fossem machos, teriam que ir à escola, custasse o que custasse. Só teve rapazes e todos fizeram a 4ª classe, ou andavam na escola quando ele morreu, cedo, aos 38 anos, com a “doença dos pulmões" que trouxera da ilha do Sal.


Deixou viúva e 4 filhos menores. Estamos em 1958, o ano do ciclone político chamado general Humberto Delgado. Salazar continuaria sentado na cadeira do poder, mas o país nunca mais voltaria a ser o mesmo: no final dos anos 50 tinha começado a grande debandada rural…


4. O “Duque de Palmela”, o M. Santos, era o mais velho dos quatro irmãos. Tinha 13 anos. A mãe, viúva, ficou desamparada. Pouco ou nada tinha de seu. Vivia num casebre, com cobertura de colmo, numa propriedade do patrão e, por esmola, lá continuou a viver com um pequeno pedaço de horta que lhe dava uma mancheia de batatas e couves…

Naquele tempo não havia Segurança Social. A não ser para uma minoria de trabalhadores da indústria e serviços, cobertos pelas caixas de previdência, criadas no âmbito do sistema corporativo do Estado Novo. Os portugueses estavam divididos em três categorias sociais, conforme o rendimento: pensionistas, porcionistas e… indigentes. Só estes, uma espécie de párias, tinham direito a internamento hospitalar gratuito nos hospitais públicos, que de resto se contavam pelos dedos… Hospital queria dizer, até então, local onde se acolhem doentes pobres. Só os pobres iam para os hospitais para serem tratados e, em muitos casos, morrer. Os ricos tratavam-se e morriam... em casa.


5. O “Duque de Palmela” pegou numa sacola de serapilheira e aos treze anos, “homem já feito”, não teve outro remédio senão o de estender a mão à caridade, metendo-se ao caminho para arranjar o sustento da família.

− Não tenho vergonha de o contar aos meus netos que hoje vestem roupas de marca, e têm, cada um, o seu carro: uma rapariga que ainda anda na universidade e um rapaz, que já ajuda o pai, na administração da Panificadora, depois de tirar o curso de gestão hoteleira.

Bateu casais e aldeias nas faldas da serra, desde Azeitão e Quinta do Anjo até à vila de Palmela, "estendendo a mão à caridade". Ao fim do dia sempre havia algum pão, queijo, chouriço, toucinho, etc., para fazer o caldo, e meia dúzia de tostões, para além da fruta e legumes que ia surripiando, aqui e acolá, à beira dos caminhos.

− Os meus netos, uma vez, espantados, perguntaram-me se eu tinha passado fome… E eu respondi-lhes: ‘Não, meus queridos, eu, a vossa avó e os vossos tios não morremos de fome, graças a Deus… mas passámos muitas necessidades’… O que é diferente.

E, em jeito de conclusão, acrescentou:

− A roupa que tínhamos no corpo, aos mais novos, que ainda andavam na escola, valeu-nos a distribuição do pão, queijo e leite da Cáritas, para além do vestuário e do calçado em 2ª mão. Mas eu, aos 13 anos, fiquei conhecido como o “pé descalço”, porque as únicas botas que tinha, no tempo do meu pai, deixaram-me de servir…

− Camarada Santos, quantas histórias iguais à sua não poderiam contar muitos de nós que passámos pela Guiné ? Éramos um país de pobreza envergonhada! – interrompi eu.

− Diz bem, camarada, pobreza envergonhada!... Nos primeiros dias e semanas, custa muito um gajo estender a mão à caridade dos outros.. E eu já não era uma criança inocente… Corava de vergonha e baixava os olhos quando eram raparigas ou jovens mulheres que me vinham abrir a porta…


6. Depois a mãe pô-lo a trabalhar, por volta dos 14 anos. Teve vários ofícios. Andou a trabalhar à jorna no campo, na debulha do trigo, e foi aprendiz de moleiro. Só não quis ser pastor como o pai. Na altura cultivava-se muito cereal por aquelas bandas, e não faltavam moinhos de vento.

Até que por volta dos 16 anos arranjou trabalho como ajudante de forneiro numa panificadora, num dos  concelhos vizinhos. Comprou uma “pasteleira” em segunda mão, ia e vinha todos os dias de bicicleta, com sol ou com chuva… Cerca de 20 e tal quilómetros, ida e volta.

Ainda se cozia o pão a lenha, nessa época, só mais tarde vieram os fornos a eletricidade e depois a gás. A ver os colegas a amassar, a estender a massa, a cortar e a enfornar, depressa aprendeu o ofício de padeiro. De resto, a sua mãe também fazia pão em casa, com sobras da farinha do moleiro ou da Cáritas. Foi com ela que aprendeu mais alguns pequenos segredos da arte de padeiro.


7. Aos vinte anos foi chamado para a tropa, já a guerra tinha rebentado em Angola, e depois na Guiné e em Moçambique. Pela primeira vez, saiu da região: a viagem que tinha feito mais longe fora até Setúbal. Lisboa ficava na outra margem do rio Tejo, e ele nunca tinha andado de barco. Mais longe era ainda o Porto, aonde se chegava de comboio.

Deram-lhe a especialidade de atirador de infantaria, foi mobilizado para a Guiné, formou companhia no Campo Militar de Santa Margarida. E numa madrugada fria de inícios do ano de 1966 chegou de comboio ao Cais da Rocha Conde de Óbidos para embarcar, com a sua companhia, independente.


8. Na instrução da especialidade, o M. Santos foi o primeiro classificado em quase tudo. Ninguém o batia na carreira de tiro, com a G3, nem os oficiais do quadro permanente que vinham da Academia Militar, e que tinham muito mais treino. Nas provas físicas, era o campeão. Fazia um crosse de 30 quilómetros, quase a brincar, deixando a “concorrência” a grande distância. Baixo, entroncado, com um boa caixa de ar, era o típico militar português, de origem rural, capaz de sobreviver a muitas provações e até desaires. Vaticinava o segundo comandante da companhia, que tinha feito o “curso de operações especiais” de Lamego, ao mesmo tempo que evocava o exemplo do "Palmela" (mais tarde, já na Guiné, "Duque de Palmela"):

− Na hora do combate, debaixo de fogo inimigo, o “Palmela” será o primeiro a reagir, de pé, sem medo, o peito feito às balas… Nos ataques ao quartel, será o primeiro a saltar para as valas e a varrer o inimigo na orla da mata, ou junto ao arame farpado…

− E assim foi – confirmou o “Duque de Palmela” −, na primeira emboscada que tivemos, logo numa das primeiras colunas logísticas, uma vez que fomos buscar mantimentos a Buba, eu fui o único que fiz fogo de pé… Valeu-me o capitão, a meu lado, que me obrigou a amochar os cornos… E no primeiro ataque a um dos nossos destacamentos, fui eu e o capitão que manobrámos o morteiro 81, o capitão punha as granadas e eu aguentava o tubo com o ombro… No meio daquela confusão toda, não tínhamos o tripé, só o prato…

Se fosse furriel ou alferes, o “Duque de Palmela” tinha-se oferecido para os comandos.

− Chumbaram-me nos psicotécnicos, não sei porquê. Com números e letras é que nunca fui bom na tropa. Tirei a 4ª classe à rasquinha, não tenho vergonha de o dizer.

− E para os paraquedistas ? – atrevi-me eu a sugerir.

− Para os paraquedistas, nem pensar. Nunca me deu bem com as alturas! – explicou ele.


9. Ainda em Santa Margarida foi abordado por um oficial, português, com brilhante currículo em África, um dos heróis de Angola em 1961. O Santos disse-me o nome, mas por razões óbvias não o vou aqui citar. Andava ele, mais um cabo miliciano, e um primeiro sargento, a recrutar futuros voluntários para a Rodésia, a África do Sul e sobretudo o  Vietname.

− 'No caso de regressares com vida e saúde, como esperamos, finda a tua comissão na Guiné, tens aqui o meu contacto. Podemos fazer um pré-contrato. Se quiseres, assinas já, sem compromisso’… Esperamos por ti! − disseram-me eles.


Para o “Duque de Palmela” era a sua “independência económica, o prémio da lotaria que nunca lhe calhara, porque também nunca tivera dinheiro para jogar”!, exclamou ele, com um brilhozinho nos olhos.

Sobretudo, no Vietname, um 1º cabo de infantaria era capaz de ganhar tanto ou mais do que um capitão na Guiné, garantia-lhe um dos engajadores.

Começou a fazer contas por alto, e a ficar baralhado com os números. A cabeça nunca mais teve sossego. O risco era “um gajo lerpar e ficar por lá”. Mas isso também podia acontecer na Guiné, logo aos primeiros tiros. Era só preciso “confiar na estrelinha da sorte” e “rezar, todas noites, ao anjo da guarda", conforme a mãe lhe recomendara.

Confessou-me que nessa altura nunca ou raramente pensava na morte.

− Quando um gajo tem 20 ou 21 anos, não pensa sequer na morte. Tem a vida toda à frente dele. E nem sequer é capaz de imaginar o sofrimento daqueles que o amam… e que estão longe!

Por outro lado, quando embarcou em Lisboa, com destino à Guiné, os seus sentimentos eram muitos diferentes de boa parte dos seus camaradas:

− Para alguns dos meus camaradas, era como ir para a forca! Houve quem chorasse baba e ranho. Havia-os já casados e com filhos… Mas, para mim, não!... Não vou dizer que fiz uma festa a bordo, mas não conseguia esconder que estava algo excitada com a ideia de ir para a a guerra, a milhares de quilómetros de casa.

− Excitado ?!... Mas com saudades, não ?!...

− Claro, tive saudades da minha mãe e irmãos, ficaram cá dois para ajudá-la. O outro, a seguir a mim, já tinha cavado para França, e mandava-nos algum dinheiro.

E depois fez-me uma confidência:

− Nunca contei isto a ninguém, muito menos à família. Eu parecia um puto a quem deram um brinquedo, neste caso a G3. Mal comparado, era como o cão de caça, excitado pela algazarra dos homens e animais, antes dos caçadores e das matilhas largarem para a caça…

−É caçador, o camarada ?

− Tenho poucos vícios, mas este é um deles…

− Em suma, convenceram o camarada de que era um bom soldado e um grande português!

− E era, sem peneiras! Oxalá todos fossem como eu, ontem e ainda hoje! A vida foi-me madrasta até aos vinte e tal anos, mas depois compensou-me. Posso bem dizê-lo: passei um terço da minha vida, até aos vinte e tal anos, a viver mal, a comer o pão que o diabo amassou… E os outros dois terços a viver menos mal, graças a Deus. Claro, a trabalhar 12 horas e mais por dia na Panificadora…


A sua ideia fixa era ganhar dinheiro, "manga de patacão",  para depois montar o seu negócio quando voltasse:

− Estava a apontar lá para os 30 anos… Nessa altura, arrumava a farda, a espingarda automática, as cartucheiras e as botas… Regressava à terra, casava-me, constituía família, tornava-me um gajo decente, comprava um carro… Abria um café com fabrico próprio de pastelaria, em Palmela ou nas terras próximas…


10. Está grato a duas pessoas que lhe tiraram da cabeça “essa maldita ideia de ir para o Vietname”. Estava a ser uma obsessão. Nos primeiros tempos de Guiné, não se coibiu de partilhar o “segredo” com alguns dos seus camaradas mais próximos. Não sabe bem porquê, nem exatamente quando, começou a convencer-se de que poderia ficar “rico” se enveredasse pela vida de “mercenário” ou “legionário”. Impacientava-se, ainda tinha quase dois anos pela frente até acabar o raio da comissão na Guiné. 


Chegou a mesmo a arquitetar um plano para “desertar”, fugindo pela Guiné-Conacri. Afinal, a fronteira era ali tão perto. Bastava, numa noite de luar, ir à tabanca, e não voltar ao quartel, despedir-se da sua “beijuda” e, por volta das 3 da madrugada, rezar ao seu anjo da guardar e… zarpar!

Começou a estudar os trilhos que levavam à fronteira e que eram conhecidos dos gilas, os comerciantes ambulantes. O problema é que não tinha nenhum mapa do país vizinho. E depois havia a língua, as comunicações, os transportes, os papéis, o risco de ser apanhado pelo PAIGC ou pelas autoridades da Guiné-Conacri… E, claro, "encostado a um poilão" para lhe limparem o sebo!


Por outro lado, interrogava-se ele, como é que voltaria a contactar o grupo dos engajadores, que de resto eram portugueses e militares do exército português?!... Que história é que ele lhes iria contar ? … A par disso,  ele sabia que a estadia na Guiné, em zona de guerra, era fundamental para fazer currículo e se poder alistar amanhã num exército estrangeiro… E, por certo, eles não iriam querer um “desertor" no seu lote...

O seu sonho começou a cair por terra, como um castelo de cartas, à medida que se avolumavam as dificuldades para pôr em prática os seus planos de fuga… Começou a ter problemas de “consciência” e a “dormir mal”: desertar era virar as costas aos seus camaradas de armas, alguns dos quais eram já seus amigos do peito. E, se fosse apanhado, pelo lado português, tinha a vida estragada, apanhava uma porrada, uns bons anos de prisão… Até o poderiam fuzilar, alguém lhe tinha dito que, numa situação de guerra, podiam levar um desertor a um tribunal de guerra, condená-lo à morte e fuzilá-lo, sem apelo nem agravo…

Enfim, a coisa estava a tornar-se feia…



Na altura tinha várias madrinhas de guerra, mas havia uma com quem simpatizava mais. Era alentejana, “ali de Santiago do Cacém”.

− Olhe, acabaria por ser a minha senhora… Casámo-nos passado um ano e tal, do meu regresso da Guiné. Foi ela quem me tirou da cabeça essa “ideia maluca” de ir para o Vietname... Também me falavam da ‘Legião Estrangeira’ mas os sacanas dos franceses pagavam pior que os americanos..


11.E a outra pessoa a quem ele ficou “grato para o resto da vida”, foi o capitão, o seu comandante de companhia.

Era miliciano, tinha pelo menos dez anos a mais do que a maioria dos graduados da companhia, os alferes e os furriéis. Nunca confessou a ninguém o que pensava daquela guerra, mas estava lá porque fora “obrigado como a grande maioria do pessoal”… 


Aceitou a missão de comandar aqueles 160 homens e jurou, perante eles, todos formados na parada do Campo Militar de Santa Margarida, na véspera de partirem para o embarque, fazer tudo para os trazer de volta, "sãos e salvos", de regresso a casa e às suas famílias…

Sabia-se pouco sobre ele e a sua vida, se era casado, se tinha filhos, o que fazia na vida civil… Não era pessoa de muitas falas… Mas a verdade é que nunca se deixou intimidar quer pelo inimigo quer pelos superiores hierárquicos. Soube sempre defender, tanto quanto possível, os interesses e os bem-estar dos seus homens, pese embora a companhia ter feito uma boa parte da comissão às ordens do batalhão de Buba.

− E lá, fomos carne para canhão!... O primeiro ano foi duro… E tivemos os primeiros mortos… Depois ficámos em quadrícula, espalhados por alguns destacamentos e a ajudar a reforçar a autodefesa de algumas tabancas fulas da região do Forreá.

O capitão acabou por saber do “segredo de Polichinelo” do “Duque de Palmela”… Às tantas só faltava publicar na “ordem de serviço” um requerimento dele a pedir a autorização para se alistar nas tropas do Tio Sam…

Como o capitão o achava “temerário”, para não dizer "prematuramente apanhado do clima”, na melhor ocasião retirou-o do 1º pelotão, com o acordo expresso do respetivo alferes com quem, de resto, o nosso 1º cabo Santos, o “Duque de Palmela”, não fazia “farinha”…

− ‘Antes que o gajo faça alguma maluqueira e nos estrague a vida a todos’ – terá dito, na altura, o capitão.

Sabendo da sua profissão na vida civil, pôs o “Duque de Palmela” na padaria. Para qualquer outro no seu lugar, seria um prémio, uma promoção. Mas, para o nosso homem, foi uma tremenda desconsideração, quase uma despromoção… Padeiro era básico, tal como o cozinheiro… Nessa noite apanhou uma “cadela de todo o tamanho”…

− … Mas no dia aprazado já lá estou eu, no meu posto, a substituir o padeiro da companhia que, vim a saber mais tarde, tinha sido transferido para Bissau… 


De facto, o rapaz, que o Santos foi substituir,  fora pai, e logo de dois gémeos. Alguém meteu uma cunha à Cilinha, a patroa do Movimento Nacional Feminino. E o rapaz lá foi para o “bem bom” do quartel de Santa Luzia, em Bissau. Apesar de continuar com a exercer a sua especialidade, que era a de fazer pão para a tropa...  

(Continua)



_______________


Nota do editor:

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18493: (D)o outro lado do combate (25): Jorge Araújo, "adesão" dos blufos balantas ao PAIGC? ... Eu diria antes que eles foram empurrados para os braços do Amílcar Cabral, devido ao terror provocado pelo bombardeamento indiscriminado das suas tabancas, pelas NT, nos anos 1962/63... (Cherno Baldé)


Excerto da lista das FARP emitida pelo organismo de Inspecção e Coordenação do Conselho de Guerra do PAIGC - Sector de Cubisseco de Baixo. Bigrupo comandado por Quintino Gomes (n=34). Fonte: Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum / Fundação Mário Soares.

Comentátios so poste P18487 (*):



I. Tabanca Grande Luís Graça:

Se esta ficha de inspeção e coordenação do Conselho de Guerra das FARP / PAIGC corresponde efetivamente ao Bigrupo do Cmtd Quintino Gomes, ficamos a saber mais o seguinte:

(i) o bigrupo tinha 34 elementos (a ficha não está datada, o que é um pena, mas deve ser de c. 1966):

(ii) era a seguinte a composição do bigrupo: 1 comandante, 1 comissário político, 2 chefes de grupo, sendo os restantes elementos atiradores e assaltantes:

(iii) só 7 eram casados (20,6%) e, pelos apelidos, a maioria seria balanta, seguida dos biafadas e mandingas:

(iv) só encontro, assim de repente, um tipo do leste, de Bambadinca, o nº 24, mas pelo nome é balanta...

Talvez o nosso assessor, o Cherno Baldé, nos possa dar aqui uma mãozinha... Não encontro nomes fulas...

PS - Cherno, meu querido assessor, além de irmãozinho:

Quando (e se...) puderes, dá uma vista de olhos a este poste do Jorge Araújo sobre a composição sociodemográfica do bigrupo do Quintino Gomes...

Pelos nomes, filiação e local de nascimento, podes tentar descobrir se há algum fula?... A mim pareceu-me que não...

E já agora o Quintino Gomes seria de que etnia?... E o Mário Mendes?... Ambos morreram em 1972...

Queres ainda comentar o facto do PAIGC recrutar "putos" de 14, 15, 16 anos?!.. Na nossa tropa, o "mancebo" podia ter 16 anos, idade mínima legal para se alistar na tropa (caso do "puto" Umaru Baldé, da CCAÇ 12, e outros...).


II. Cherno Baldé (Bissau), nosso assessor para as questões etnolinguísticas:

Caro amigo Luís,

Antes de mais, as minhas felicitações ao Jorge pelo empenho, pela curiosidade de olhar para o "outro lado" e pelas informações que nos tem fornecido sobre aspectos muito úteis da guerra colonial ou de libertação.

Quanto aos elementos solicitados sobre a pertença étnica, o que salta logo a vista é que não há elementos do grupo etnolinguístico Fula. De seguida, o grupo seria constituído em cerca de 70% de Balantas, pouco mais de 17% de Beafadas e um numero residual de Mandingas (2), Nalus (1), Mancanhe (1) e provavelmente Papel (O Cmdt do Bigrupo Quintino Gomes), que de todos é o mais difícil de identificar porque é o único com nome completo de assimilado. Tem no entanto, uma particularidade interessante que é o nome do pai (Amisson), quer dizer "Sozinho", que entre os assimilados crioulos (Cristãos), significa orfandade ou o facto de ser filho único da parte da mãe, provavelmente.

O Quintino tanto podia ser da etnia Manjaca como Papel, eu decidi, por pura intuição, que devia ser da etnia Papel, mas o facto de ter nascido em Empada dá-lhe uma possibilidade grande, também, de ser filho de Manjacos que emigraram para o sul alguns anos antes da guerra à procura de terras de cultivo. Portanto o caso do Quintino fica em aberto.

PS - Eu compreendo o Jorge que, para a análise, utiliza a variavel "adesão" [ao PAIGC] no ano tal [. c. 1962/63,] mas ns realidade, muitos daqueles jovens foram empurrados para a guerrilha devido ao erro estratégico do exército português em bombardear e queimar as suas aldeias de forma indiscriminada, logo no início da guerra...

Mais que adesão?!... Eles foram obrigados a escolher um dos lados e o PAIGC soube aproveitar bem o conhecimento que tinha do terreno e das suas capacidades de resiliência física e mental.

Um abraço amigo,
Cherno AB
 ______________

Nota do editor:

Último poste da série > 5 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18487: (D)o outro lado do combate (24): estudo sociodemográfico: o caso do bigrupo do cmdt Quintino Gomes (1946-1972) (Jorge Araújo)

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16662: (De)Caras (51): Domingos Ramos, desertor do exército português e herói nacional da Guiné-Bissau: entre o mito e a realidade: as últimas palavras que ele nunca poderia ter dito, nem muito menos escrito, antes de morrer, em 10/11/1966, no ataque a Madina do Boé (Jorge Araújo)





Guiné > PAIGC > Manual escolar, O Nosso Livro - 2ª Classe, editado em 1970 (Upsala, Suécia). Lição nº 23, pp. 74/75: Um grande patriota...  b

Exemplar cedido pelo Paulo Santiago, Águeda (ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho , 1970/72).

Fotos: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Todos os direitos reservados.~




Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68) – imagem do aquartelamento 

[foto do nosso camarada Manuel Coelho, ex-fur mil trms, da CART 1589, P8548, com a devida vénia].




Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009), em Ciências da Actividade Física e do Desporto; professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes),
Portimão, Grupo Lusófona.




GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE A MORTE DE DOMINGOS RAMOS EM MADINA DO BOÉ - A VERDADE DOS FACTOS: ENTRE O REAL E A FICÇÃO -



1. – INTRODUÇÃO

Creio não estar muito longe da verdade se afirmar que a maioria dos camaradas, ex-combatentes, independentemente da época em que isso aconteceu, está a acompanhar com atenção e interesse a divulgação de algumas das principais experiências vividas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, cujas missões aconteceram nos anos de 1966 a 1969. (*)

Trata-se, com efeito, de um importante contributo histórico (digo eu!), cujo valor que eventualmente possamos atribuir à informação transmitida em cada questão, mesmo que seja relativo, permitir-nos-á reflectir sobre o “outro lado do combate”, para melhor compreendermos cada uma das nossas diferentes missões.

Na operacionalização desta possibilidade, abrem-se novos caminhos de análise individual e colectiva que, quando cruzadas com outros saberes e experiências pessoais adquiridas em cada contexto, ajudar-nos-ão a estar mais próximo da “verdade dos factos”, ainda que se aceite que “entre o real e a ficção” se tenha de superar uma “pista de obstáculos”, com várias “paliçadas” sempre em crescendo, passe a imagem de âmbito militar.

Os principais temas em destaque têm sido as dificuldades em sobreviver naquele tempo e naquele ambiente de guerra-de-guerrilha, aonde o conceito de improviso sobrepunha-se ao de logística, pois esta não existia, fazendo das pernas o principal meio de “transporte”, com caminhadas longas e diárias, onde o consumo de arroz (hidratos de carbono), a caça e a pesca (proteínas magras), garantiam a subsistência possível à maioria de cada uma das comunidades, e que serviam para suavizar a fome.


Tabanca do Xime . Foto de Jorge Araújo (1972)


No contexto estritamente militar, os diferentes relatos confirmaram que a maioria dos feridos em combate (algumas centenas, se somarmos os números indicados pelos três médicos) eram tratados em enfermarias de campanha construídas de colmo, algumas da sua iniciativa e responsabilidade, aonde se realizavam grande parte das cirurgias e amputações, quase sempre durante a noite, seguindo para Boké, o hospital de rectaguarda do PAIGC situado a cerca de trinta quilómetros da fronteira Leste com a Guiné-Bissau, as situações mais problemáticos, de que um exemplo concreto, já aqui dissecado, foi o caso do cmdt Mamadu Indjai em agosto de 1969 [P16506 + P16562].

Devido ao muito trabalho a que estavam sujeitos, às enormes dificuldades logísticas e ao número de ocorrências contabilizadas no contexto das suas missões, e das tensões a elas associadas, os médicos consideraram, como uma forte probabilidade, não ser possível dai saírem sãos e salvos, ainda que sentissem grande apoio, respeito e solidariedade.

Para além do acima exposto, eram também operacionais [armados] da guerrilha, integrados maioritariamente em bigrupos, sendo informados dos dias dos ataques onde estavam os portugueses (aquartelamentos, destacamentos, colunas de abastecimento, tabancas, …) quase sempre com armas pesadas.

Ficavam geralmente na rectaguarda a um quilómetro de distância, aonde montavam o posto sanitário com o equipamento de primeiros-socorros, para ser usado em caso de necessidade de prestação de cuidados de saúde, contando em situações pontuais com apoio de uma unidade de enfermagem.

Partindo da crença de que este assunto, tal como muitos outros, mereceria o seu aprofundamento por via dos muitos comentários recebidos, que agrademos, reforçada pela sugestão avançada pelo camarada Luís Graça ao referenciar novos elementos documentais relacionados com a figura de Domingos Ramos e a sua morte, eis mais um pequeno contributo de reforço ao referido no meu poste anterior [P16613] (**).



2. – A MORTE DE DOMINGOS RAMOS EM MADINA DO BOÉ

Neste ponto, para enquadrarmos o tema da morte do cmdt da Frente Leste Domingos Ramos, ocorrida a 10 de novembro de 1966, em Madina do Boé, iremos recuperar algumas das passagens já abordadas anteriormente pelo dr. Virgílio Camacho Duverger, com destaque para a questão 11 (“Participou em acções de guerra?”), mesclando-as com outros elementos históricos, uns mais fiáveis que outros, mas todos eles a merecerem a nossa reflexão.

Como foi referido anteriormente, o dr. Virgílio Camacho Duverger chega a Conacri em junho de 1966, integrado num contingente de cerca de três dezenas de elementos, entre os quais oito médicos, em que um deles é o nosso conhecido dr. Domingo Diaz Delgado.

É colocado no Hospital de Boké, aonde permaneceu dois meses, sendo depois transferido para a Frente Leste [agosto de 1966] para uma base existente no interior da República da Guiné, na região do Boé, com o objectivo de construir uma enfermaria de campanha que pudesse servir de apoio aos combatentes aí colocados sob a direcção do Cmdt Domingos Ramos, cuja principal missão militar era atacar o quartel de Madina do Boé [até à exaustão, visando a expulsão das NT, o que veio a acontecer dois anos e meio depois, em fevereiro de 1969].

Neste aquartelamento, naquele tempo, estava instalada a CCAÇ 1416 comandada pelo Cap Mil Jorge Monteiro, aí permanecendo entre maio de 1966 e abril de 1967, sendo nesta última data rendida pela CCAÇ 1790, comandada pelo Cap Inf José Aparício. [Vd. foto acima]

 Ao terceiro mês de estar naquela região [novembro], é-lhe pedido que realize um reconhecimento ao referido quartel, considerada por si como a missão mais importante em que participou, tendo por companhia o dr. Milton Echevarria, médico do seu grupo na Frente, e o apoio de guias/guerrilheiros destacados para aquela acção, caminhada que, disse, demorou perto de cinco horas, uma vez que a base estava a cerca de três quilómetros dali.

Em 10 de novembro de 1966, uma quarta-feira, a operação concretizava-se. Antes do ataque, na companhia de um enfermeiro cubano anestesista que havia chegado para reforçar o grupo de saúde, criou um posto sanitário avançado em território da Guiné-Bissau, perto da zona do combate, de modo a facilitar a assistência médica e a prestar os primeiros socorros aos combatentes que ficassem feridos, pois não era fácil chegar ao hospital de Boké.

Conta que a primeira morteirada lançada pelos portugueses [da CCAÇ 1416] cai, por casualidade, no local aonde estava o posto de observação no qual se encontrava o comandante da Frente, o guineense Domingos Ramos. Os estilhaços da granada atingem-lhe o abdómen causando-lhe uma ruptura hepática violenta que não deu tempo para o levar até ao hospital para o poder operar. Durante a evacuação, a caminho do hospital [não indica qual: se a enfermaria que ajudou a criar em território da Guiné-Conacri, se o hospital de Boké], Domingos Ramos faleceu.

Este episódio é descrito pelo assessor militar cubano Ulises Estrada [1934-2014], pois encontrava-se a seu lado, nos seguintes termos:

(...) "Eu encontrava-me ao lado de Domingos [Ramos], em que metade do seu corpo cobria o meu para proteger-me, coisa que não pude evitar, e abrimos fogo com um canhão B-10 colocado numa pequena elevação situada a cerca de seiscentos metros do quartel. Os portugueses [CCAÇ 1416] tinham montado postos de vigia na zona e responderam com disparos certeiros de morteiro, embora nós continuássemos a disparar com o canhão sem recuo, metralhadoras e espingardas.

"Pouco tempo depois de iniciado o combate, senti que corria pelo lado direito das minhas costas um líquido quente e pensei que estava ferido por uma das morteiradas que caíam ao nosso redor. Era Domingos [Ramos], sangrava abundantemente. Peguei no seu corpo com a ajuda de outro companheiro e o conduzimos ao posto médico, situado a cem metros da zona do combate. O médico cubano [Virgílio Duverger] informou-me que havia falecido.

"Não podíamos deixar o cadáver do dirigente guineense nas mãos dos portugueses. Pegámos no seu corpo e num camião nos deslocámos pelos campos de arroz até à fronteira com Conacri. Chegámos a Boké, aonde se encontrava o posto de comando fronteiriço, e entregámos o seu cadáver ao companheiro Aristides Pereira [1923-2011], para que pudesse fazer o funeral e render-lhe as honras que merecia este combatente, que foi um dos primeiros grandes chefes do PAIGC a morrer em combate”. (...)


[Excerto traduzido por JA, do castelhano: «Recordando Amílcar Cabral, líder anticolonialista da Guiné-Bissau», em: http;//45-rpm.net/sitio-antiguo/palante/cabral.htm].



Canhão s/ r 82 mm e alma lisa,, B-10, de origem soviética...  Uma arma versátil e temível...  Sess
ao de terino possivemente na base de Boké.

Fotograma do filme "Madina Boe" (Cuba, 1968, 38'), do realizador José Massip (1926-2014), obtidas a partir da função "print screening" do teclado do PC e da visualização de um resumo, em vídeo (28' 22'') , disponibilizado no You Tube, na conta "José Massip Isalgué". O documentário foi carregado no You Tube no dia da morte do cineasta (ocorrida em Havana, em 9/2/2014). O documentário chama-se "Amílcar Cabral" (e pode ser aqui visualizado)



De notar que Domingos Ramos viria a morrer dois anos depois da cerimónia de juramento de fidelidade dos guerrilheiros do PAIGC, ocorrida em 16 de novembro de 1964, nos arredores do Gabu, com a presença de Amílcar Cabral. Este acto de juramento de fidelidade, com que encerrou os trabalhos da constituição das primeiras unidades do Exército Popular, e da qual fez parte, tinha como lema “força, luz e guia do nosso povo, na Guiné e em Cabo Verde”.

À frente das FARP estavam importantes dirigentes do partido, tais como Domingos Ramos, Chico Mendes, Luís Correia, Lúcio Lopes e Honório Fonseca. Foram criadas novas frentes de batalha: no Gabu (local do juramento); no Boé (Madina, Beli, Cheche); a Leste, e em São Domingos (no Norte). [in: Luís Cabral, «Crónica da Libertação», 1.ª edição, Julho de 1984, edições «O Jornal», Publicações Projornal, Lda, Lisboa, p 230].



Mapa da região do Boé, com a localização do quartel de Madina, assinalando-se a direcção do hospital de Boké.

3. – AMÍLCAR CABRAL E A MORTE DE DOMINGOS RAMOS:

- DO REAL À FICÇÃO

Poucos dias após a morte de Domingos Ramos, Amílcar Cabral [1924-1973], na qualidade de secretário-geral do PAIGC elabora um documento de cinco páginas A4, dactilografado, a que chamou de «MENSAGEM» dirigida a «Todos os responsáveis e militantes do nosso Partido» e a “Todos os combatentes das nossas Forças Armadas”, de que se reproduz o título:




Trata-se de um documento político e ideológico fazendo apelo, no essencial, ao reforço da luta armada em todas as frentes, utilizando a figura de Domingos Ramos como meio de acção psicológica tendente à prossecução da libertação nacional.

Eis as duas primeiras páginas  [, de cinco]:






Quanto ao sucedido, lamenta [naturalmente] mais uma perda na luta armada de libertação nacional, referindo-se  “à morte do nosso grande camarada Domingos Ramos (João Cá), membro do Bureau Político do nosso Partido, companheiro exemplar e querido de todos os camaradas, militantes de vanguarda da nossa luta de libertação” (p3).

Acrescenta que “o camarada Domingos Ramos tombou no seu posto heroicamente, durante um ataque feito a uma caserna inimiga em 10 de novembro [1966], no qual causámos mais de trinta mortos e várias dezenas de feridos às tropas colonialistas” (p3).

A propósito desta afirmação, que é ficção, eis, no quadro abaixo, o número de baixas das NT verificado no período entre 1 de setembro e 8 de novembro de 1966 em todo o território do CTIG, não constando nos registos consultados qualquer morto ou ferido durante o ataque supra.




De notar, ainda, que até à data deste ataque, que não teve consequências, a CCAÇ 1416/BCAÇ 1856 registava quatro baixas, a 1.ª, em 22 de novembro de 1965, do Alf Mil Adelino da Costa Duarte, do 3.º Gr Comb [P12320 – homenagem de Manuel Luís Lomba], e as restantes, curiosamente oito meses despois, em 22 de junho de 1966, a saber: o Sold. Augusto Reis Ferreira, de Montargil (Ponte de Sôr); o Sold. Carlos Manuel Santos Martins, da Cova da Piedade (Almada) e o 1.º Cabo Rogério Lopes, de Chão de Couce (Ansião).

A referência a estas três baixas tinha já sido lembrada por José Mota Tavares, ex-Alf Mil Capelão da CCS/BCAÇ 1856 [P16049] no qual acrescenta “tenho imensas histórias de (…) Madina do Boé (8 ou 10 vezes debaixo de fogo, três mortos, duas fugas durante a missa para o abrigo…)”].

Sobre o martírio de Madina do Boé, pode-se ver um pouco da história da CCAÇ 1790 em:

https://www.youtube.com/watch?v=7vKuLzJVgU0 (1.ª parte)

https://www.youtube.com/watch?v=wn7Oeba1b_g (2.ª parte)


Recuperando a mensagem de Amílcar Cabral, este refere que, quanto à situação de Domingos Ramos, ela era muito grave e que já não teria salvação. Daí “o camarada Domingos Ramos dirigiu palavras de encorajamento aos seus companheiros de direcção do Partido, a todos os combatentes da nossa luta, dando assim mais uma grande prova de amor ao nosso povo, de dedicação sem limites ao nosso grande Partido e de certeza da vitória final da nossa luta” (p3).

Eis as duas páginas seguintes do documento atrás citado (3 e 4):






Prossegue com uma deliberação:

“tendo em conta os grandes serviços que o camarada Domingos Ramos prestou ao seu povo, à construção da nossa Pátria e ao desenvolvimento da nossa luta como militante e dirigente do nosso Partido, guardamos eternamente a memória do nosso camarada Domingos Ramos como a de um Herói Nacional. Por isso, a data de nascimento do nosso camarada Domingos Ramos será considerada uma data nacional, a sua fotografia será afixada em todos os lugares de trabalho do nosso Partido e construiremos um monumento à memória do camarada Domingos Ramos logo que a nossa terra seja independente” (p4).

Termina dizendo: “penso que as melhores palavras com que devo acabar esta mensagem são as que o camarada Domingos Ramos escreveu para mim, nos últimos momentos da sua vida (p. 5):


Fonte: Fundação Amílcar Cabral > Casa Comum > Arquivo Amílçcar Cabral (Com a devida vénia...)


Citação:
(1966), "Mensagem aos responsáveis e militantes do PAIGC e aos combatentes das Forças Armadas por ocasião da morte de Domingos Ramos", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42298 (2016-10-31)

Pasta: 04602.044
Título: Mensagem aos responsáveis e militantes do PAIGC e aos combatentes das Forças Armadas por ocasião da morte de Domingos Ramos
Assunto: Mensagem dirigida aos responsáveis e militantes do PAIGC e aos combatentes das Forças Armadas, assinada por Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, por ocasião da morte do dirigente Domingos Ramos.
Data: Fevereiro de 1966 [Novembro de 1966]
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral - Iva Cabral



Estas palavas escritas, supostamente por Domingos Ramos, são mais uma ficção só possível no contexto da guerra. De facto, todos os testemunhos dos que dele estiveram mais próximo e o socorreram, caso do Ulises Estrada e do médico Virgílio Duverger, nada referem.

Qualquer um de nós que viveu um cenário semelhante [e eu sou um deles, mais do que uma vez] não aceita, como verdade, o que acima é descrito, por muitas e diferentes razões. Desde logo, do ponto de vista cognitivo, o ferido com a gravidade referenciada cai redondo no chão e a consciência vai-se [foi-se]. Mas, esquecendo este pormenor muito importante, vamos a questões práticas.

Aonde estava, e de quem eram: o bloco de notas e a esferográfica? Com tanto sangue, a existir papel, este estava limpinho com as mãos ensanguentadas? E a esferográfica escrevia no papel molhado? E quem guardou o papel escrito? Se o Ulises Estrada foi o primeiro a dar-lhe apoio, recorrendo a outro guerrilheiro para o transportar até junto do médico, aonde chegou já morto, como era possível escrever uma mensagem tão estruturada e sem gaffes de memória ou funcionais. Como a terá escrito: de pé, sentado ou deitado? E onde a escreveu: nos joelhos, no chão ou nas costas de alguém? A caligrafia utilizada: foi em minúsculas ou em maiúsculas? …

Eis algumas razões que me levam a concluir estarmos perante uma ficção que passou, durante muitos anos, por verdade… (***)

Obrigado pela atenção.

Um forte abraço de amizade com votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

24OUT2016.
____________________

Notas do editor:


(*) Vd,. postes de:

12 de outubro de  2016 >  Guiné 63/74 - P16592: Notas de leitura (889): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte X: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger´[I]: viajando até Conacri com nomes falsos... (Jorge Araújo)


18 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16613: Notas de leitura (892): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XI: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [II]: Estava a 3 km de Madina do Boé, em 10 de novembro de 1966, quando o cmdt Domingos Ramos foi morto por um estilhaço de morteiro da CCAÇ 1416 (Jorge Araújo)


20 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16506: (De)Caras (45): Médicos cubanos 'versus' comandante Mamadu Indjai (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/74)



(***) Último poste da série > 24 de outubor de 2016 > Guiné 63/74 - P16633: (De)caras (49). O 'embarazo' das esposas... O campeão de luta fula, Arfan Jau, do 4º pelotão, respondendo à moda do Porto à senhora do capitão, intrigada com a carecada que ele havia apanhado: 'Senhora, Arfan Jau cá tem cabelo, manga de fodido'... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12697: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (10): Monitor na instrução de recrutas no RI 14, em Viseu



Viseu > RI 14 >  1966 > Instrutores, Monitores e Soldados duma Recruta  na semana de campo  > Eu estou no centro à frente, com a mão direita no queixo.



Viseu > RI 14 > 1966 > Preparar Homens para a Guerra:  Pelotão de Recrutas no Dia do Juramento de Bandeira. Eram cerca de 8 dezenas!... o Mário Gaspar éo "12.º de cima, a contar da esquerda"...


Fotos (e legendas): © Mário Gaspar (2014). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do Mário Gaspar [foo à direita], enviado 
em 26 de janeiro último:


Camaradas e Amigos: Encontrei estas fotos muito velhas, e escrevi algo que tem a ver com as mesmas. O assunto apresentado não é novo, mas como podem existir dúvidas sobre o número exagerado de elementos que compunham um Pelotão, podem contá-los. Como é o Dia do Juramento de Bandeira, estão também elementos da fanfarra. Mas devem rondar os 77/78 jovens militares. E qualquer Pelotão tinha mais ou menos o mesmo número.

Um abraço, Mário Vitorino Gaspar


2. Monitor na instrução de recrutas no RI 14,  em Viseu

Eu Mário Vitorino Gaspar, ex Furriel Miliciano de Artilharia n.º 03163264 com o Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas.

Em 3 de Janeiro de 1966, fui chamado a frequentar o 2.º Ciclo do CSM,  na Escola Prática de Artilharia (EOA), em Vendas Novas, e terminei o Curso de Atiradores de Artilharia, em 2 de Abril, do mesmo ano. Promovido ao posto de 1.º Cabo Miliciano em 3 de Abril de 1966.

Após 10 dias de licença – no dia 13 de Abril de 1966 – mandaram-me apresentar no Regimento de Infantaria n.º 14 (RI 14), em Viseu, ficando como Monitor na Instrução de Recrutas.


Coronel Carlos Faustino da Silva Duarte
Comandante do RI 14, Viseu (1965/68)

O  Comandante do RI 14 em Viseu (1965/68) era  o Coronel Carlos Faustino da Silva Duarte [, foto à esquerda], que fazia parte da equipa da Académica de Coimbra que ganhou a Taça de Portugal em Futebol em 1939.

O Comandante da Companhia era – se a memória não me falha – o Capitão Amaral.

O Comandante de Pelotão era o Alferes Miliciano Antunes (que ficara deficiente em Moçambique, e que aguardava ser operado na Alemanha) – que julgo ter ido para a Brigada de Trânsito da GNR – depois eu, um outro Cabo Miliciano, e um 1.º Cabo Readmitido (PCAB/RD). Formámos os quatro a equipa.

Como já afirmei, dei algumas recrutas, desde Abril a Agosto (a restante equipa ainda ficou em Viseu depois sair), e os Pelotões de Instrução eram constituídos por 77/78 jovens, oriundos de diversas terras, alguns e muitos, nunca tinham visto sequer o mar. E não foi em Viseu que tiveram essa oportunidade. Não era de modo algum possível preparar homens para a guerra – com Pelotões tão numerosos e em condições.

A higiene não fazia parte das suas vidas. Assisti a casos caricatos de pouca ou nula higiene, principalmente quando era destacado para receber os mancebos, 50 cada vez em formatura – mas ainda à civil - para irem ao Médico e à vacina; fazerem os Testes Psicotécnicos; irem ao barbeiro; receberem o fardamento e tomarem  banho.

Pois o curioso era mesmo o banho. Moços existiam que nunca tinham tomado banho, alguns deles, até com crostas na cabeça, tornavam-se os mais interessados numa higiene normal. Outros com enormes cabeleiras. Por fim, alguns deles, vinham-me contar, e orgulhosos,  que já haviam tomado mais de um duche.

Mas toda esta conversa porquê ? Tudo tem a ver com o número exagerado de futuros militares do Exército Português, nos Pelotões, com tão pouco tempo de instrução pela frente. E tratava-se de preparar homens para a guerra.

E como é difícil acreditar que o Exército Português, preparava homens para uma guerra nestas circunstâncias, envio uma foto no Dia do Juramento de Bandeira – de uma das algumas recrutas que dei como Monitor de um Pelotão – no RI 14, em Viseu, no ano de 1966. Sou o 12.º de cima, a contar da esquerda.

No dia 6 de Agosto marchei para a Escola Prática de Engenharia (EOE) em Tancos para frequentar e completar o XX Curso de Minas e Armadilhas, iniciado a 8 de Agosto de 1966 e terminado a 17 de Setembro de 1966.

Estava encontrado o meu destino: - Guiné!
_________________

Nota do editor:

Último poste da série > 6 de fevereiro de  2014 > Guiné 63/74 - P12682: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (9): SOS, procuro os meus camaradas 'Zorbas', José Paulo Oliveira de Sousa Teles (alf mil), Luís Alberto Alves de Gouveia (alf mil), José Fernandes Durães (fur mil enf), José Norberto Rodrigues Vieira (fur mil), Carlos Alberto Monteiro Leite (fur mil), Rui Filipe Alves Ribeiro (fur mil)

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11825: (In)citações (53): Bem haja quem fundou o blogue, bem haja quem apreciou as crónicas do meu pai, e tu, pai, continua a escrever, peço-te. Da filha que te adora (Paula Ferreira)


Guiné > Bissau > 17 de dezembro de 1966 > O Veríssimo Ferreira, a esposa  e a filha Paula, de 2 anos e meio



Loures > Casa da família Ferreira > O pai, a mãe e a filha em dia de aniversário da filha-mais-que-tudo... Sabemos que ele é pai e avô babado. Escreveu ela, a Paula, aliás, Titau Ferreira,  na sua página do Facebook, no dia 6 deste mês: "50 anos - a responsabilidade de eu cá estar é destes senhores"... (Paula: o batalhão da Tabanca Grande, a 600 vozes, canta-te os Parabéns a Você, com uns dias de atraso!...Que sejam 50 anos de prata, ouro e diamante, a comemorar ao longo do 2º semestre de 2013!... Por outro lado,  há uma frase nossa que, contigo, ainda faz mais sentido: "Os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são!").

Fotos: © Veríssimo Ferrea«iora (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem:  L.G.]


1. Comentário da nossa leitora Paula Ferreira ao poste P11821 (*)

Eu sou a menina que está na foto e que tinha dois anos e meio quando esteve na Guiné.

Sempre tive muito orgulho em dizer que o meu pai foi um combatente: não só na Guerra do Ultramar mas também na vida. Nunca nada lhe foi dado de mão beijada .Sempre trabalhou e lutou para ter alguma coisa na vida. É um exemplo de dignidade, integridade e muitos outros valores que tentei transmitir aos seus netos para quem ele é um ídolo e uma referência.

Não deixes de escrever, pai. Estas crónicas ajudam a exorcitar o passado cruel, e ajudam-nos a conhecer-te melhor. Respeitamos muito o sofrimento e a dor da guerra dos ex-combatentes, mas é importante que essas memórias sejam partilhadas para ficarem para as futuras gerações.

Ao meu pai, e a todos os que escrevem neste blogue deixo o pedido: continuem a escrever a història. Para os vossos filhos, netos e bisnetos. Só quem lá esteve a pode contar.

Bem haja quem fundou o blogue, bem haja quem apreciou as crónicas do meu pai, e tu, pai, continua a escrever. Peço-te. Da filha que te adora. Paula Ferreira. (**)

2. Comentário de Hélder Sousa (*):

(...)  A "cereja em cima do bolo" vem exactamente de onde certamente não esperavas, especialmente por aqui (confesso que também não esperava, fiquei até com alguma emoção), veio de uma tal 'menina' Paula que,  de uma forma cheia de amor filial, com grande empolgamento e com toda a razão, escreve as palavras certas e que subscrevo totalmente.

Já conhecia a foto da família em Bissau através do Facebook e aproveito a ocasião para te render homenagem quanto ao facto de teres podido proporcionar à tua família (existente à data) a possibilidade de conhecerem esse pedaço de África, mesmo em tempos de incerteza, para que pudessem "crescer", em conhecimento e riqueza interior.

Presumo que,  mesmo muito jovem, terá ficado alguma coisa na memória de infância que permita ter agora uma 'filtragem' quando surgem notícias depreciativas sobre a Guiné, as suas terras e suas gentes.

Caro amigo Veríssimo, dá-te uma 'folga', recupera o fôlego e sempre que possas e queiras... escreve! (...)

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10322: Em busca de ... (201): Luís Filipe Anacoreta Soares, ex-cap mil art, CCAÇ 1498 (Có, Binar, Bissau, 1966/67), que me trouxe de Có, e me pôs na Casa do Gaiato em 14 de janeiro de 1968... Vivo em França há mais de 20 anos (Paulo Mendonça)


1. Mensagem do nosso leitor Paulo Mendonça, natural da Guiné, atualmente a viver em França, e antigo aluno da Casa do Gaiato, Paço de Sousa, Penafiel [, à esquerda, foto da entrada principal do estabelecimento]:

De: jason39 wash [ pmendonca@hotmail.fr]

Data: 2 de Setembro de 2012 22:27


Bonjour!

Estou à procura desta pessoa, Luís Filipe de Anacoreta Soares, Capitão Miliciano da Companhia de Caçadores 1498.

Chamo-me Paulo Mendonça, nasci em Có, Bula, Cacheu, fui criado na Casa do Gaiato de Paço de Sousa onde este Capitão me levou, em 14 de janeiro de 1968.

Saí da Casa do Gaiato aos 14 anos,  e vivo aqui em França há mais de 20 anos... 

Queria saber alguma coisa desta pessoa ou sua família

Obrigado pela sua ajuda

À bientôt

Paulo Mendonça


Guiné > Região de Tombali > Gadamael Porto > CCAÇ 798 (1965/67) >  Em baixo, da esquerda para a direita, em segundo lugar o Cap mil  Anacoreta Soares, seguida do Alf mil  Assunção e e do alf mil Manuel Vaz.

Foto (e legenda) Manuel Vaz (2012). Todos os direitos reservados.

2. Comentário de L.G.:


O Paulo Mendonça teve a gentileza de me telefonar, tinha eu acabado de chegar de férias. Pedi-lhe que passasse o seu pedido a escrito e que me mandasse um mail. Eis a minha resposta, de ontem:

OK, PaulO. Cá recebi a mensagem.. Amanhã vou publicar no blogue... Para já não tenho ninguém da CCAÇ 1498, registado no blogue... Mas tenho notícias do batalhão a que pertencia a CCAÇ 1498, o BCAÇ 1876 (Bissau e Bula, 1966/67)...

Não sei se a tua história é parecida com a do menino Adilan... Mas lê aqui:

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search?q=Adilan



Acrescento agora mais o seguinte:

Segundo os dados de que dispomos, a CCAÇ 1498 foi mobilizada pelo Regimento de Infantaria nº  2,  em Abrantes, embarcou para o TO da Guiné em 20/1/1966 e regressou à metrópole em 4/11/1967. Esteve em Có, Binar e Bissau. 

A CCAÇ 1498 teve 3 comandantes: (i) Ten inf Manuel Joaquim Fernandes Vaz; (ii) Cap cav Miguel António Carvalho Santos Melo e Castro; e (iii) Cap mil art Luis Filipe Anacoreta Soares.

Sabemos que o cap mil Anacoreta Soares também comandou, temporariamente, a CCAÇ 798 (Gadamel Porto, 1965/67), segundo relato alf mil Manuel Vaz (vd. foto acima):

(...) A Companhia estava condenada a não ter Capitão. Passado algum tempo, depois do Cap Vieira dos Santos sair, foi nomeado Comandante, o Cap Mil Anacoreta Soares que não se manteve até ao fim, acabando por ser transferido para o Norte. Quando faltavam três meses para a Companhia regressar à metrópole foi atribuído o Comando da mesma ao Cap Vilas Boas a quem faltava sensivelmente o mesmo tempo para ser promovido a Major. A situação diminuiu a capacidade operacional da Companhia que só actuava como tal, quando tinha Comandante efectivo" (...)
Paulo, aqui fica registado o teu pedido. Se for vivo, como esperamos, o teu "padrinho" deve ter mais de 75 anos: sendo capitão miliciano em 1966, devia já ter perto dos 30 anos quando te conheceu.

 Pode ser que algum camarada da CCAÇ 1498 leia esta mensagem, e entre em contacto contigo ( pmendonca@hotmail.fr) ou com o nosso blogue (luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com) e nos traga as notícias (boas) que tu desejas ouvir (e nós também).

Sobre Casa do Gaiato, tens o respetivo sítio na Internet. Um dos nossos camaradas, membros da nossa Tabanca Grande, Joaquim Peixoto, de Penafiel, foi lá professor durante alguns anos. Pode ser que ele te possa ajudar também a localizar o paradeiro do teu benfeitor.

Um abraço. Bonne nuit! Luís Graça

PS - Estás à vontade para escrever, ao nosso blogue,  a contar a tua história de vida, as circunstâncias em que vieste para Portugal, a tua idade, a terra do teu benfeitor, etc. Essas pistas podem ajudar-nos a chegar mais depressa ao nosso camarada Luís Filipe Anacoreta Soares ou alguém da sua família.

_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 23 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10290: Em busca de... (200): Camaradas da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (K3 e Lamel, 1969/71) (Ricardo Almeida)

sábado, 15 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7619: Memória dos lugares (120): Bambadinca, ao tempo do Manuel Bastos Soares, ex-Fur Mil, CCAV 678 (1964/66), e da Dona Violete da Silva Aires, a professora primária cabo-verdiana



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá >  Bambadinca > Fevereiro de 1966 > Vista aérea da tabanca de Bambadinca, à esquerda, e do Geba Estreito, à direita; em segundo plano, o morro, onde se situava o quartel e outras instalações civis e administrativas. Estas duas fotos foram tiradas de uma aeronave civil, dos TAG - Transportes Aéreos da Guiné, fretada pelo Cap da CCAV 678 para trazer víveres, de Bissau, para o pessoal.

[Na altura ainda ainda não existiam as modernas (no meu tempo, 1969/71) instalações do comando, messe e aposentos de oficiais e sargentos (LG)].




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá >  Bambadinca > Fevereiro de 1966 > Vista aérea de Bambadinca, tirada do lado do Rio Geba e da estrada Bafatá-Bambadinca, vendo-se:

(i) em primeiro plano a tabanca, atravessada a meio pela estrada;

(ii) em segundo plano, a íngreme (e poeirenta, no tempo seco) rampa de acesso ao aquartelamento e aos edifícios administrativos da localidade (posto administrativo, correios, escola, capela...);

(iii) em terceiro plano, a tabanca de Bambadincazinho (à esquerda da estrada) e do outro lado, a pista de aviação e o cemitério local;

(iv) em quarto plano a bifurcação da estrada: para a esquerda, o Xitole e o Saltinho (não havia ainda Mansambo, aquartelamento só construído em 1968, pela CART 2339); para a direita, o Xime.

Ao fundo, do lado direito, talvez o Rio Udunduma, afluente do Rio Geba.






Guiné > Zona leste > Bambadinca > Julho de 1965 > Festa de 1º. aniversário da CCAV 678. Na mesa dos oficiais e sargentos, o 1º de frente e da esquerda é o Fur Mil At Manuel Bastos Soares, autor destas fotografias, natural de Vila Nova de Gaia e residente na Maia, Gueifães, vizinho do Abílio Machado (Bilocas), ex-Alf Mil da CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

Recorde-se que a CCAV 678 foi mobilizada pelo RC 7, partiu para o TO da Guiné em 18/7/1964 e regressou à Metrópole em 27/4/1966. Passou por Bissau, Fá Mandinga, Bambadinca e Xime. Teve 3 comandantes: Cap Cav Juvenal Aníbal Semedo de Albuquerque; Cap Cav Inácio José Correia da Silva Tavares; e Cap Art José Vitor Manuel da Silva Correia.





Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Bambadinca > Abril de 1965 > Capela local > Um grupo de meninos e meninas (só uma das quais é branca, filha do chefe de posto do Xitole, a frequentar a escola primária em Bambadinca), no dia da comunhão solene, devidamente enquadrados por uma freira, católica, muito possivelmente missionária e estrangeira (italiana)





Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Bambadinca > Abril de 1965 > Festa da primeira comunhão > A menina branca, filha do chefe do posto de Xitole, ladeada pela Professora Primária Dona Violete (à esquerda, de óculos escuros) e a esposa de um dos comerciantes locais (à direita), ou mais provavelmente de um encarregado de uma das casas comerciais existentes em Bambadinca nessa época, Casa Gouveia ou Casa Ultramarina... (Recorde-me vagamente desta cara, ainda em 1969; dos comerciantes locais só conheci então o Rendeiro e Zé Maria).


Fotos (e legendas(: © Manuel Bastos Soares (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Telefonou-me, há dias, o nosso camarigo Manuel Bastos Soares que esteve em Bambadinca quatro anos anos de mim e da restante malta da CCAÇ 12(1969/71)... Ele pretendia o nº de telefone do Beja Santos para poder falar-lhe e comentar com detalhe as fotografias recentemente aparecidas na série Operação Tangomau...

O nosso camarigo Manuel Bastos Soares também passou pelo Xime, por Ponta Varela (onde ainda havia uma tabanca abandonada) bem como por Ponta do Inglês (cujo destacamento foi construído no seu tempo). Num patrulhamento a Ponta Varela, um dos seus camaradas pisou uma mina e ficou lá (ou foi evacuado, de heli, mas terá morrido, a seguir)...

Confidenciou-me que tem as melhores recordações de Bambadinca e que gostava de lá voltar. Por razões familiares, não tem podido colaborar com o nosso blogue, como desejaria. Mas prometeu-me mandar a foto dele, actual, pedida há mais de 2 anos... Recorde-se que ele entrou para o nosso blogue em Novembro de 2008.

Para o distinguir do outro Manuel Bastos (que esteve no TO de Moçambique, também membro do nosso blogue, desde a I Série, escritor e criador do blogue Cacimbo), passamos a identificá-lo por Manuel Bastos Soares.

Da apresentação que nos fez na altura, ficou-se a saber que o Manuel Bastos Soares é natural de Santa Marinha, Vila Nova de Gaia, e esteve na Guiné, como Fur Mil, de Julho de 1964 a Abril de 1966, primeiro na CCAÇ 555 (em Cacine e Cabedú, no Cantanhez) (**) e depois na CCAV 678, Bambadinca. 

Reside em Gueifães, Maia, a escassos 200 metros do nosso Bilocas, o nosso camarigo Abílio Machado, Alf Mil da CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), e fundador do grupo musical Toque de Caixa.

Mandou-nos então, o Manuel Bastos Soares, algumas fotos do seu álbum fotográfico, com as respectivas legendas. Numa delas descobrimos a Dona Violete, a professora da escola primária de Bambadinca que ainda lá estava no tempo do tempo do Beja Santos (Pel Caç Nat 52, 1968/70), do pessoal do BCAÇ 2852 (1968/69) e do meu tempo CCAÇ 12 (1969/71).

Estas fotos merecem ser de novo publicadas, mas agora com melhor resolução e contraste, em formato extra-largo (**) . E esperamos que, entretanto, apareçam mais...

Em Novembro de 2008, já tínhamos falado ao telefone com ele. Como na altura escrevi, "a cumplicidade da Guiné e o conhecimento de Bambadinca vieram logo ao de cima. Passados 30 segundos, já estávamos falar como velhos camaradas, e a tratarmo-nos como deve ser, entre camaradas da Guiné, ou seja, por tu"...

Foi nessa altura que ele me disse que tinha participado da construção do destacamento da Ponta do Inglês, e que havia passado por Fá, pelo Xime e pelo Enxalé. 

Nesse tempo ainda não havia o cais do Xime, nem a estrada Bambadinca-Bafatá era alcatroada... Teve mortos no Buruntoni e em Ponta Varela... Ao todo, a CCAV 678 terá tido 4 mortos, se bem percebi... Fez colunas logísticas ao Xitole, sempre com porrada... Nunca foi ao Saltinho.´

De vez em quando passa pela Tabanca de Matosinhos, às 4ªs feiras, seguindo a sugestão que então lhe dei. Foi formador numa escola profissional (CENFIM), está reformado há mais de 5 anos, é bom em desenho técnico, tem bons conhecimentos de informática mas gosta mais de conversar do que escrever... 

Espero que desta vez ele apareça mais vezes no nosso blogue. Já na altura, eu tinha-o desafiado a assinalar-nos as diferenças existentes em 1965/66 por comparação com as fotos de 1969/70, do Humberto Reis (ex-Fur Mil Op Esp, CCAÇ 12, 1969/71, o nosso cartógrafo-mor...).

Desejei-lhe as boas vindas ao nosso blogue que ele, de resto, já conhecia e acompanhava há mais de um ano, silenciosamente... (Sentindo-se mais disponível depois da reforma, escreveu em 2007 a palavra Guiné no Google e foi dar com o nosso blogue, cuja leitura, frequente, já não passou a dispensar).

Pelas fotos de 1965 percebe-se que houve posteriormente uma escalada da guerra, na região de Bambadinca, que terá levado à saída das famílias portuguesas e ao aumento dos efectivos militares.

No seu tempo ainda não havia nenhum batalhão sediado em Bambadinca

(i) O primeiro terá sido o BCAÇ 1888 (1966/68);

(ii) seguido BART 1904 (que esteve lá, de Fevereiro de a Outubro de 1968);

(iii) o BCAÇ 2852 (de Outubro de 1968 até Junho de 1970);

(iv) o BART 2917 (Maio de 1970 /Março de 1972);

(v) o BART 3873 (que ficará até Janeiro de 1974);

(vi) e, por fim, o BCAÇ 4616/73 (de Janeiro até ao fim, Agosto de 1974).


________

Notas de L.G.

(*) CCAÇ 555: Mobilizada pelo RI 16, partiu para o TO da Guiné em 29/10/1963 e regressou à Metrópole em 28/10/1965. Estve em Bissau, Cabedú e Bissau. Era comandada pelo Cap Inf António José Brites Leitão Rito.