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sábado, 11 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3294: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte I) (Carlos Silva / Gabriel Moura )


1. Mensagem do nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil At Armas Pesadas da CCAÇ 2548, Jumbembem, 1969/71, com data de 29 de Setembro de 2008

Assunto: Ataque ao Aquartelamento de TITE

Amigo Luís

Aqui vai um trabalho que acabo de publicar no nosso SITE http:/www.carlosilva-guine.com/

Penso que seria bastante interessante também publicares no Blogue. É inédito e é oportuna a sua publicação.

No Site eu tenho a disposição do trabalho um pouco diferente. Podes adaptá-lo como entenderes.


2. Caros Amigos e Camaradas

Da vasta bibliografia que possuo e li sobre a Guiné, Guerra da Guiné, Guerra Colonial, cerca de 200 livros, jornais, revistas e filmes que tenho visto na TV e em DVD, nada li ou vi de forma desenvolvida sobre os acontecimentos do início da Guerra na Guiné, relativamente ao ataque ao Aquartelamento de TITE, em 23 de Janeiro de 1963, levado a efeito pelos guerrilheiros nacionalistas, data invocada em todos os meios de comunicação referidos, sendo que alguns fazem breves referências a tais acontecimentos, não desenvolvendo algo sobre os factos que ali se passaram, a não ser a data em que efectivamente teve lugar o início da luta armada levada a efeito pelo PAIGC.

Contudo, no Blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné, há uma referência a um combatente da liberdade da Pátria, Arafan Mané, falecido em 2004, como sendo o guerrilheiro que deu o primeiro tiro em 23 de Janeiro de 1963, no ataque ao Aquartelamento de TITE e nada mais.

Pois é, mas também temos do nosso lado, um camarada que foi o primeiro a reagir e a responder com o primeiro tiro a esse ataque, de nome Gabriel Moura, também falecido em 2004 e que naquele dia e àquela hora estava de serviço de sentinela.

O Gabriel Moura, apesar de mais velho, foi meu amigo desde infância e de escola, tendo eu sempre convivido com ele e mais de perto nos últimos 2 ou 3 anos antes da sua morte, apesar da distância que nos separava, 330 Km.

Mas, o tema da guerra, comum aos dois, foi um factor de união, pelo que, partilhei com ele no contacto com alguns camaradas dele, na recolha de elementos, bem como prestei o meu pequeno contributo para a elaboração da sua publicação, não editada, sobre o ataque a TITE.


O Gabriel, antes de falecer de doença grave, demonstrou vontade e força para escrever alguma coisa sobre a primeira batalha da guerra, o que fez, e, posteriormente, mandou fazer 50 brochuras e distribuir pelos camaradas no último almoço em que participou.

Deixando assim o seu testemunho, narrando os factos na 1ª pessoa, tal como os viveu e sofreu na pele.

Nas páginas que se seguem podem, assim, ler, algumas referências bibliográficas alusivas à data do início das hostilidades, o curriculum do combatente Arafan Mané e o testemunho do nosso camarada Gabriel Moura e que o destino uniu estes dois guerrilheiros de campos opostos no primeiro, acabando por uni-los no ano da sua morte.

A quem participou nos acontecimentos, que já devem ser poucos, agradecemos que contribuam para o esclarecimento deste facto histórico tão importante.

Carlos Silva
Ex-Fur Mil
CCaç 2548/BCaç 2879
Massamá, 20 de Setembro de 2008

Vd. poste de 18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2190: PAIGC: Quem foi quem (4): Arafan Mané, Ndajamba (1945-2004), o homem que deu o 1º tiro da guerra (Virgínio Briote)


3. ATAQUE AO AQUARTELAMENTO DE TITE > 23 de Janeiro de 1963 > Início da Guerra na Guiné
Por Gabriel Moura



Guiné > Região de Quínara > Sector de Tite > Unidades que passaram por Tite entre 1961 e 1963: entre elas o Pelotão de Morteiros 19, a que pertencia o Gabriel Moura, e que integrava o BCAÇ 237.


5.11 - Considerações prévias ao ataque de Tite

Chegou a hora de eu entrar ao serviço [da meia noite até às 2 horas], de vigia ao aquartelamento de Tite, tendo de percorrer o caminho, pelo lado de fora do arame farpado, com as luzes de iluminação colocadas dentro do aquartelamento e projectando o seu foco para o caminho que eu tinha de percorrer, desde a messe dos sargentos [parte de baixo, fora do aquartelamento] até à messe dos oficiais [parte de cima e fora do aquartelamento], na estrada que passava por Tite e seguia para Nova Sintra, Fulacunda e Buba.



Guiné > Região de Quinara > Sector de Tite > 1961/63 > Quartel de Tite > Regresso de 1 patrulhamento do Pel Mort nº 19

© Foto Gabriel Moura


De facto, desde o primeiro minuto da minha vigia, senti, como se diz na gíria, "um arrepio pelas costas abaixo", que me causou uma desagradável sensação e um pressentimento deveras esquisito, face ao aparentemente, e de acordo com o zero de informação de que os responsáveis davam às tropas, nada havia a recear!

Como de costume, naquela noite, éramos três militares em vigia:

Eu, como referi, na frente do aquartelamento, percorrendo para baixo e para cima com as luzes a "bater-me nas costas" e do lado do mato, negro como carvão. Outro colega,
[ver excerto do Diário cedido por Armando Silva, Noite de 22 para 23 de Janeiro de 1963, referenciado ao longo do texto] fazia a vigia na porta da prisão, [dentro do aquartelamento] onde estavam mais de cem pretos presos. Outro ainda, fazia a vigia do lado do Calino mas pela parte de dentro do arame farpado. Somente eu é que fazia a vigia pela parte de fora do arame farpado.



Guiné > Região de Quinara > Sector de Tite > 1961/63 > Quartel de Tite> Gabriel Moura, junto ao Cavalo de Frisa
© Foto Gabriel Moura

Quando cheguei, na minha primeira passagem junto do Cavalo de Frisa, que dava entrada aos veículos pesados e ligeiros no aquartelamento pela parte da frente, pensei que aquela noite iria ser como tantas outras: um combate sem tréguas aos milhões de "sanguinários inimigos" que em nossa volta tentavam sugar-nos o sangue e os pensamentos [, os mosquitos].

Mas não iria ser assim. De facto, quando eu dei meia volta, para fazer a parte ascendente do caminho, comecei a ouvir muito ao longe, numa Tabanca que eu identifiquei pelo latido dos cães ser Fóia. O forte latido de cães causou-me uma forte reacção e interrogação, pois, àquela hora, não era costume os pescadores irem para a bolanha ou para o rio Geba pescar. E, mesmo se isso acontecesse, parecia não bater certo tratar-se de naturais da Tabanca, pois os cães poderiam ladrar alguns minutos mas logo se calavam por conhecerem as pessoas. A permanência dos latidos, por mais tempo do que eu achava razoavelmente para eles reconhecerem as pessoas, levou-me a considerar que estariam, concerteza, por lá pessoas estranhas e, como eram bastantes latidos, implicava tratar-se de agitação de pessoas estranhas em grande quantidade para o normal quotidiano...

Estas e outras constatações do meu raciocínio puseram-me com um novo sentimento que me obrigou a meditar no que se estaria a passar por lá.

Entretanto, ao fim de algum tempo, o número de latidos diminuiu, no meu entender porque as pessoas tinham começado a sair de lá ou a acomodarem-se por lá e os cães foram abandonando a sua agitação.

Porém, tudo, nesse momento, estava a causar-me forte impressão de um mau estar! Até os mosquitos voavam em minha volta com uma intensidade e zumbido muito superior ao habitual!

Parecia, até, que conseguia ver naqueles minúsculos "inimigos" uma força diferente de ataque, pois penetravam por todos os buracos que apanhavam no corpo e, ferozmente, cravavam os seus "projécteis" no local certo, causando-me dores diferentes das que já estava habituado.

Eram também, os morcegos, e os milhões doutros seres nocturnos, que pareciam querer dizer-me qualquer coisa " aos ouvidos " ou eu sentia que eles eram portadores de uma mensagem impressa pelas histórias, de uma vivência sofrida de povos perdidos e maltratados longe, muito longe, das suas famílias, das suas coisas, das suas tradições, dos usos e dos costumes e da força da terra que os pariu.

Até parecia que os répteis nocturnos, quase sempre assustados com o bater das botas no chão vermelho, que levantavam o pó seco e cheio de milhões de parasitas largados pelos cães lazarentos, quando estes os sacudiam das feridas crónicas do lombo ou das pernas para ao chão, surgiam espreitando-me, com um ar ameaçador, como que a dizer: Eu ferro-te, intruso!
Eram muitos e muitos os elementos do reino da natureza que se manifestara numa sensação de ataque: As libelinhas esbarravam-se contra o meu rosto, como nunca tinha acontecido, as mangas caíam como nunca, tentando atingir-me em qualquer parte do corpo. Era um sem fim de coisas esquisitas, para o meu gosto!

Até que, bem ao fundo das primeiras palhotas de Tite, começaram a ladrar alguns cães. Alguns latidos que eu até conhecia, daqueles cães que coabitavam connosco, no aquartelamento na sua busca de comida que sempre sobrava, relativamente à dos seus donos e que, por isso, eles, todos os dias, atravessavam o arame farpado ou entravam pela porta principal sempre aberta aos visitantes, e lá se apresentavam para tacho, criando-se elos de amizade.

Foi quando eu, ao ouvir esses latidos, senti ainda um calafrio mais forte. Precisamente, quando estava junto do cavalo de frisa, da parte de baixo do aquartelamento e começava a minha vigia para a parte de cima da zona da messe dos oficiais, o meu subconsciente indicou-me que algo de diferente se estava a passar, de facto, naquela noite!!!

À medida que os cães começavam mais a ladrar, em mais quantidade e mais perto donde estava, eu caminhava sem deixar, jamais, de olhar para trás na direcção do mato [que nada via, pois eu é que estava a ser iluminado, logo é que era visto]. Os meus passos passaram a ser tensos e os meus dedos estavam crispados no gatilho da metralhadora G3 que já tinha colocado em posição de fogo.

Enquanto caminhava ia formando, na minha mente, que se tratava de algo muito diferente. Ao chegar junto da entrada do aquartelamento que ficava em frente da casa da guarda , os cães ladravam já perto do aquartelamento de Tite e por trás do paiol das munições, bem como por toda aquela zona da messe dos sargentos até à messe dos oficiais.

Eu nada via, e nada sabia! ... Seriam pescadores, bêbados de qualquer batuque ou manifestação nocturna?!

Não me parecia!? ... Mas qual a certeza destas situações?!
Todos dormiam, apenas os três militares de serviço estavam acordados [pelo menos não estavam deitados].

Na casa da guarda, o Zeferino, [cabo da guarda naquela noite, ] o Armando Silva, o Alfredo, o Francisco, o Santos, o Adão e outros que estavam de serviço, todos passavam pelas brasas, pois que, de duas em duas horas, lá tinham que render os de vigilância, o que iria acontecer às duas da madrugada.




Guiné > Região de Quinara > Sector de Tite > 1961/63 > Quartel de Tite > Dois gondomarenses > À esq o Gabriel Moura, à dta o Zeferino [ambos já falecidos]

© Foto Gabriel Moura


Mas o destino jamais iria permitir a rotina e a normalidade, e tudo se iria modificar , transformar em 360 . Não só em Tite, como em toda a Guiné, no futuro, até 1974 e, se calhar, posteriormente, sem as tropas portuguesas mas com conflitos internos, bem diferentes dos que são, se eu tivesse sido abatido!? Talvez a organização política, económica e social deste país, passasse a ser conduzida com paz e benefícios humanos, onde todos pudessem participar....

Ninguém sabia como deveria reagir a tais situações!

A nossa preparação nos quartéis, durante o período de recruta, nada tinha a ver com guerras deste tipo, possíveis ataques do tipo de guerrilha, ataques a aquartelamentos, etc.

Nada, absolutamente nada!?

Posso acrescentar que, logo após a passagem de recruta a pronto, como se diz, cada um cristalizou suas tarefas da sua especialização ou passou a desempenhar outras, até passar à disponibilidade [nada tinha a ver com guerras ou guerrilhas...].

Depois, todos nós fomos, como já referi, apanhados em casa para embarcarmos com destino à Guiné, sem ter qualquer preparação, militar, psicológica, ou de meios, etc. Característica típica e histórica das tropas portuguesas mobilizadas para o Ultramar.

Recrutamento de militares para a guerra do Ultramar Português, uma questão para analisar e que se espelha em volta do que se passou, quer antes, quer no dia do ataque armado ao aquartelamento de Tite... Situação onde estávamos todos, incluindo eu, o único militar que teve de enfrentar os terroristas nesse ataque e suster a sua concretização até ao apoio das restantes tropas...

Tentar focalizar imagens reais de que nós enfrentámos é uma questão difícil bem como as tentativas de interpretação para quem não esteve presente, mesmo os que estavam no aquartelamento e vieram a ser os artistas do espectáculo do ataque ao aquartelamento de Tite, a contar com a repentina saída da soneira, têm dificuldade em escalpelizar este cenário.

Podemos, eventualmente, considerar que, para quem já esteve ou fez parte de situações próximas, onde a vida deixou de contar, seja mais fácil poder integrar-se no que se passou.

E como cada caso é um caso e, para os meus camaradas que tiveram, por imposição de representar a dita quota parte do espectáculo" quero dizer que a descrição, que irei fazer, erra por defeito sobre o que se passou na realidade e a minha transfiguração humana para uma outra dimensão, não foi mais do que arrastar o corpo pela força do espírito, numa ligação de êxtase que só acontece em sonhos ou em situações que ultrapassam, pela rapidez de imagem e situações, os sentidos biológicos e humanos.

As reacções e atitudes, as decisões e os comportamentos, a verdade e o acaso, tudo se reúne numa forma onde o homem e o pensamento passam para outra dimensão, reagindo sob instintos, pela sorte, pelos reflexos e se calhar, por mão divina?!

Uma coisa é verdade, para se ligar todos os pormenores e elementos à posterior, exige um esforço que deixa a certeza de que milhões de outros pormenores e situações que não foram possíveis contemplar numa descrição!

Porque é que eu, quando caminhava no sentido ascendente do caminho, mal dava um passo olhava para trás?!...

Era medo, era pressentimento?

Não sabia distinguir. O meu cérebro fixou-se e os meus sentidos passaram a trabalhar sob um controlo distinto do meu raciocínio! Como se diz na gíria: "estava em pulgas" [melhor dizendo: mosquitos, pois eram milhões em minha volta com um zumbido tão intenso e penetrante, que eu sentia-me completamente perturbado, percebem o trocadilho?! ].
(Continua)

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3236: Efemérides (10): 35.º Aniversário da declaração unilateral da Independência da República da Guiné-Bissau (V. Briote)

24 de Setembro de 2008, dia da declaração unilateral da Independência da República da Guiné-Bissau




A luta armada teve início oficialmente em 23 de Janeiro de 1963 com a flagelação ao aquartelamento de Tite. Tanto quanto sabemos foi Arafan Mané (1944-2004) quem tomou a iniciativa do ataque, sem o conhecimento prévio de Amílcar Cabral (1924-1973), que terá sabido do facto através de uma estação de rádio.

Tite, o Como, a zona do Oio, a mata do Cantanhez, Madina e Guileje, rapidamente foram pasto de um fogo que se expandiu durante esses anos por quase todo o território. Os ventos ajudavam, eram fortes e de feição. Emboscadas, ataques a aquartelamentos e povoações, minas e armadilhas foram deixando marcas na população e nos combatentes dos dois lados.

Bissau era o descanso dos guerrreiros. Nos intervalos da guerra, combatentes do Exército, da Marinha e da Força Aérea paravam em Bissau, a maioria para virem a Lisboa de férias. Outros estacionavam nas enfermarias do HM 241, tentando prolongar as vidas.

Alguns guerrilheiros aproveitavam as idas a Bissau para visitar as famílias e conhecidos e actualizar os movimentos das tropas portuguesas, informações que depressa transmitiam por um tam-tam qualquer aos Comissários do Partido.

Foi assim a luta, de início de fraca intensidade (como agora se diz) e endurecendo à medida dos anos. No princípio as longas, as Seskas e as Mausers, logo depois a Simonov e a Kalash cuspiam metralha. E a guerrilha foi avisando que, em breve, novas armas mais mortíferas estavam a chegar.

Do lado das Forças Portuguesas a G-3, a bazooka e os morteiros de 60, os Dorniers 27, os T-6 preparados para bombardeamentos (em breve período os F-86 da Nato, baseados na Ilha do Sal), os Fiats G-91 a partir dos finais da década de 60, as LDMs, LDGs e os Navios Patrulhas aguentaram-se até ao fim.

Em poucos anos, a guerrilha estreou os morteiros pesados, os RPGs, o canhão sem recuo, os foguetões e os Strella, estes em 1973.

Estava-se perto do fim. A manobra do PAIGC, de sair de Bissau e das povoações maiores para se infiltrar e disseminar pelas tabancas, tinha-se revelado de enorme importância.

Os Fiats G-91 entraram, as operações com recurso aos Allouettes-3 tornaram-se correntes, mas o ânimo das nossas tropas já não era o mesmo.

Na metrópole, quem queria e podia punha-se na alheta. Em qualquer canto, em França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Holanda, Suécia ouvia-se falar a língua de Camões.

Uma Guerra que nunca devia ter sido feita. Uma Guerra que não devia ter terminado. Uma Guerra perdida nas bolanhas e nas matas. Uma Guerra perdida em Lisboa...

A Guerra começou oficialmente em Janeiro de 1963 e terminou em 9 de Setembro de 1974. Os últimos soldados portugueses (oficialmente) regressaram a Lisboa em 15 de Outubro.
Foi até ao fim, até os dois Povos dizerem que bastava.




Passam hoje trinta e cinco anos sobre a data em que o PAIGC declarou unilateralmente a Independência, reconhecida por Portugal em Setembro de 1974.

Os dois Países separaram-se irmanados. Para além de um passado comum resta uma Amizade sem limites à Terra e àquelas boas Gentes.

vb
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Artigo relacionado em

8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3035: Efemérides (9): 33.º aniversário da independência de Cabo Verde (António Rosinha/Carlos Vinhal)

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2190: PAIGC: Quem foi quem (4): Arafan Mané, Ndajamba (1945-2004), o homem que deu o 1º tiro da guerra (Virgínio Briote)

Morreu em Setembro de 2004 o responsável pelo tiro que deu início à luta armada (a informação oficial é do PAIGC, embora existam relatos de acções armadas antes da data )(*).

Embora a notícia já tenha mais de três anos, não resisto a divulgá-la, pela importância simbólica que representou o primeiro de milhões de tiros que foram dados durante os 12 anos que durou a luta (VB).
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Segundo notícia do portal Bissau.com, de 12 de Setembro de 2004, o coronel Arafan Mané, vulgarmente conhecido por Ndajamba, um dos mais destacados combatentes da Luta Armada de Libertação Nacional, morreu nos princípios do mês de Setembro de 2004, em Espanha, vitima de doença prolongada.

Ndajamba deu o primeiro tiro contra o aquartelamento de Tite, em 1963 . Com 18 anos apenas era o comandante local do PAIGC.
Em 1998, tinha sido alvo de selváticos espancamentos, na sequência do conflito político-militar de 7 de Junho.
(Em cima: Foto de Arafan Mané, dos finais dos anos 60. Do arquivo da Fundação Mário Soares. Com a vénia devida).

Nas cerimonias fúnebres que ocorreram no dia 11 de Setembro de 2004, no Cemitério Municipal de Bissau, diversas figuras políticas consideraram a morte de Arafan Mané como uma grande perda para o país.

Malam Bacai Sanha, ex-presidente da República, considerou irreparável a perda de Arafan Mané e aproveitou a oportunidade para apelar aos governantes para não se esquecerem dos que se sacrificaram pela independência. Mané, concluiu Malam Sanhá, morreu sem que os ideais a que dedicou a sua juventude, fossem alcançados.

Umaro Djaló (em frente, numa foto do Arquivo da Fundação Mário Soares), ex-combatente que esteve ausente do país mais de 20 anos devido aos acontecimentos de 14 de Novembro, também falou para se despedir do seu antigo camarada de luta.

Reforçando as palavras de Malam Sanhá, Umaru Djaló disse que os combatentes pela liberdade da Pátria estão ao abandono e que Ndjamba morreu sem que nada daquilo que soube fosse bem aproveitado.

Arafam Mané que foi responsável político do país, como Secretário de Estado dos Ex-combatentes, Ministro da Defesa Nacional e deputado, duas vezes eleito pelo PAIGC, abandonou a política activa depois da dissolução do parlamento em Novembro de 2002.

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Arafan Mané Djamba (1944-2004)

1944 - Nasce Arafan Mané.

1961 - Entra para o PAIGC, em Conacri, com 17 anos.

1962 - Na qualidade de chefe de grupo, dirige a mobilização das massas populares em São João, Bocana e Tite.

1963 - (i) É considerado o responsável pelo primeiro tiro ao aquartelamento de Tite, em 23 de Janeiro, dando assim início à luta Armada de Libertação Nacional; (ii) Em Abril de 1963 frequenta um estágio de formação sobre a guerra de guerrilha, na República Popular da China.

1964 - (i) É nomeado comandante da Zona-8, sendo posteriomente transferido nas mesmas funções para Zona 2; (ii) Tem a honra de conduzir Amílcar Cabral até Cassacá onde o PAIGC vai realizar o I Congresso; (iii) É escolhido por Cabral para levar missivas a todos os comandantes, à excepção de Nino Vieira, para se dirigirem para Cassacá.

1967 - Desempenhou as funções de comandante geral das operações do comando Sul.

1968 - Frequenta (até 1969) o curso de comando da Marinha de Guerra na ex-URSS.

1969 - É nomeado comandante-chefe da Marinha de Guerra.

1972 - Desempenha também as funções de comandante da região de Tombali.

1973/74 - É o director do “Centro de Instrução Madina Boé”. Após a independência, Arafan Mané é nomeado chefe da Casa Militar da Presidência da República.

1977 - (i) Eleito membro do Conselho Superior de Luta do PAIGC; (ii) segue para Cuba onde frequenta o curso militar na academia Máximo Gorki.

1980 - (i) Promovido a coronel, em Fevereiro; (ii) nomeado chefe do pessoal e quadros e membro do Estado-Maior-General das Forças Armadas.

1982 e anos seguintes - Sucessivamente director da Central Farmedi, do Projecto de Pesca Artesanal em Bubaque e governador da região de Gabú e Bafatá.

1998 - Ex-ministro dos Combatentes da Liberdade da Pátria, considerado um elemento próximo do ex-primeiro ministro Saturnino da Costa, é hospitalizado em Dacar em Outubro de 1998.

2000 - Em entrevista que deu ao DB [Diário de Bissau ?] , conta que “durante a Luta Armada de Libertação, os momentos mais difíceis para ele, para além das mortes de Amílcar Cabral e de Vitorino Costa, foi a Batalha de Komo e o período da mobilização.”

2001 - Noutra entrevista, diz: “Quando recordo a luta, recordo muitos camaradas que perderam a vida e outros que hoje se encontram em situação miserável, por terem dedicado a juventude na luta e depois de guerra ficaram sem forças para trabalhar e não foram prestados atenção e foram simplesmente segregados”.

2004 - Morre em Espanha, vítima de uma doença prolongada.
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Fontes consultadas:

Portal Guiné-Bissau.com > Guiné-Bissau perde um dos seus mais destacados ex-combatentes. Texto de Sabino Santos Lopes, 12/09/2004

Portal Guiné-Bissau.com > Percurso do autor do disparo que deu início à luta armada na Guiné-Bissau. Texto de Tomás Athizar Mendes Pereira. 17/0

Senegâmbia, Boletim Cultural da Guiné-Bissau e regiões vizinhas - Senegal, Casamansa, Gâmbia, Guiné-Conakri e Cabo Verde. Do descobrimento aos dias de hoje. Domingo, Setembro 12, 2004 > A morte do guerrilheiro Djamba

Imagens do notável espólio do Arquivo Amílcar Cabral, da Fundação Mário Soares. Com a devida vénia.

Fixação do texto :vb

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Nota do co-editor vb:

(1) Vd. posts de:

30 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2142: PAIGC - Quem foi quem (1): Amílcar Cabral (1924-1973)

30 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2143: PAIGC - Quem foi quem (2): Abílio Duarte (1931-1996)

6 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2159: PAIGC - Quem foi quem (3): Nino Vieira (n. 1939)
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(*)O Coronel Marques Lopes na continuação do trabalho que tem vindo a desenvolver para a reconstituição histórica da guerra da Guiné, enviou-nos a relação das unidades militares que passaram por Barro.
A certa altura, o Coronel escreve:

Batalhão de Caçadores n.° 23

"Embarque em 28Jun61; desembarque em 06Jul61. Embarque de regresso em 24Jul63.

Síntese da Actividade Operacional

Inicialmente constituiu apenas um comando reduzido, sendo-lhe atribuída a responsabilidade da zona Oeste, desde Varela ao meridiano de Cuntima e ate aos rios Mansoa e Geba.
Em 08Mai63, passou a comando completo, com a chegada dos respectivos elementos de recompletamento: 2.° comandante, CCS, Pelotão de Reconhecimento e Pelotão de Sapadores.
Desde logo instalado em Bula, assumiu a responsabilidade da referida zona de acção, comandando e coordenando a actividade das companhias estacionadas em Teixeira Pinto, Mansoa e Bula (esta a partir de 16Ago61, depois colocada em S Domingos em 12Jan63) e dos pelotões atribuídos em reforço, cujos efectivos se encontravam disseminados por Ingoré, Bissorã, Mansabá, S Domingos, Cuntima, Farim, Bigene, Barro, Cacheu, e sucessivamente, a partir de finais de Out63, por Suzana, Jumbembém, Varela e Caio.
Em meados de Jun63, foi, entretanto, instalada outra companhia, em Farim, com a consequente reformulação das respectivas zonas de acção.
Inicialmente, desenvolveu intensa actividade de patrulhamento, de reconhecimento e de contactos com as populações com vista à sua segurança e protecção, tendo coordenado ainda a acção das suas forças na reacção a primeira acção armada na Guiné, efectuada na noite 20/21 Jul61 em S. Domingos.
A partir de Jan63, a sua actividade incidiu na contra-penetração contra actos de terrorismo."