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terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5638: Banco do Afecto contra a Solidão (8): Humberto Duarte, ex-Fur Mil Op Esp, BCAÇ 4514/72, 1973/74, trava o seu último combate (Ana Duarte)

1. No passado dia 1 de Janeiro, recebi da Ana Duarte, esposa do nosso Camarada Humberto Duarte, ex-Furriel Miliciano do BCAÇ 4514/72, 1973/74, a seguinte mensagem:
Assunto: Humberto Duarte

Sou a Ana Duarte ou, como costumas chamar-me, Aninhas. Tentei enviar-te um e-mail, pelo site do Luís Graça, mas não tenho a certeza se te foi enviado.
É para te dar conhecimento, e para que tu, por tua vez, dês conhecimento a todos os que conhecem o Humberto Duarte, o Sargento-Mor mais antigo do Exército Português, que o mesmo trava, de momento, a sua última batalha.
Foi-lhe diagnosticado um cancro no pâncreas que, neste momento, já tem ramificações no fígado. De Outubro´até hoje, a evolução da doença tem sido galopante, sendo que a previsão médica no final de Outubro era de muito poucos meses de vida.
Se estou a dar conhecimento da situação é porque sei que o Humberto quer honras militares feitas por Operações Especiais/RANGERS e que tem o desejo que o Filipe e outro (não me lembro o nome), que fizeram o curso de sargentos com ele, em Mafra, tenham conhecimento desta situação.
Também gostávamos de entrar em contacto com o Marcelino da Mata.
Magalhães, ficas assim incumbido da missão de dar conhecimento, não só na Associação, como mesmo no quartel de Lamego e a todos os outros que achares conveniente.
Estou ao lado do Humberto, como sempre estive de há 12 anos para cá. É uma batalha muito dura, ainda mais terrível sabendo qual será o desfecho final.
Desde do início que os dois temos conhecimento de toda a situação e só queremos que haja dignidade até ao fim. No dia 10 de Junho [de 2010] lá estarei em Belém, mas infelizmente já não devo ter companhia.
Não estou a ser pessimista mas realista.

Um abraço e os desejos de um Bom Ano para ti e todos os teus,
Ana
E-mail de contacto: ana.mittermayer@hotmail.com

O RANGER Duarte, ao centro, e, ao lado esquerdo, a sua querida esposa Ana


2. Breves passagens da vida do nosso Camarada Humberto Duarte
O ex-Furriel de Miliciano Operações Especiais/RANGERS Humberto Duarte esteve no C.I.O.E./Lamego, no 4º curso de 1972.
Foi Mobilizado para a Guiné, para onde seguiu integrado no Batalhão de Caçadores 4514, 1973/74.
Tendo sido ferido em combate, foi, muitos anos depois, considerado D.F.A. por stress pós-traumático de guerra, tendo vindo a ser reintegrado nas Forças Armadas em 2002.


O RANGER Duarte (de pé ao centro com uma camisola branca), com o pessoal representativo da A.O.E. (Associação de Operações Especiais), junto ao Monumento aos Combatentes da Guerra do Ultramar, em Belém/Lisboa, num dos últimos 10 de Junho, a que ele nunca faltou, para homenagear os seus Camaradas caídos em combate.


3. Sabendo que tem apenas alguns meses de vida, e vendo a sua saúde a degradar-se dia a dia, pediu-nos que publiquemos, com toda a dignidade, a sua derradeira despedida, enviando um abraço a todos os seus camaradas.
Se alguém quiser entrar em contacto com ele, que o faça o mais rápido possível, porque ele sente que o seu tempo nesta vida está a terminar:
E-mail de contacto: morduarte@hotmail.com

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

sábado, 20 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3654: O meu Natal no mato (17): Cufar, 1973, o Cantanhez a ferro e fogo (António Graça de Abreu)


Um exemplar autografado do livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e ÁguiA Pura (Lisboa: Guerra e Paz. 2007. 220 pp)... O autor, António Graça de Abreu , foi Alf Mil, CAOP 1,Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar (1972/74). A dedicatória do nosso amigo e camarada reza assim:

"Ao Luís Graça, camarada, amigo deste nosso tempo por terras da Guiné, ontem, hoje, sempre, a bater ao compasso dos nossos delapidados e ternos e jovens coraçõs, com um forte abraço do António Graça de Abreu. Estoril, Março de 2007"


Extracto das pp. 174-16 (com a devida vénia...)

Cufar, 24 de Dezembro de 1973

Tempo de Natal. Paz na terra aos homens de boa vontade, na Guiné e na guerra.

Fui a Cadique com o meu coronel [, Joaquim Curado Leitão, comandante do CAOP1], de sintex, dez quilómetros descendo o rio Cumbijã.

Os pobres de Cadique, que tiveram dois mortos na terça-feira passada, estão a entrar na engrenagem da loucura. Já houve soldados que se recusaram a sair para o mato. Outros, ou os mesmos, na confusão de uma flagelação, atiraram com uma granada de mão ao tenente-coronel comandante do batalhão (**) que não o atingiu por pura sorte. O tenente-coronel não tem culpa do sofrimento e da morte dos seus homens, limita-se a cumprir ordens, não pode pegar no batalhão e marchar sobre Bissau, ou sobre Lisboa. De resto, entre os muitos oficiais do QP que tenho conhecido, este tenente-coronel é um dos homens mais humanos e sensíveis ao sofrimento dos seus subordinados.

A zona de Cadique é terrível, os guerrilheiros deixaram construir a estrada para Jemberém e agora passam o tempo a dinamitá-la e a emboscar as NT. Sabotaram os sete pontões do trajecto, abriram enormes brechas no asfalto, em vários sítios. Para arranjar a estrada, a tropa de Cadique avança com camionetas carregadas de terra e troncos de árvore. Depois dos primeiros dois quilómetros, começam a ser flagelados. Quem quer caminhar para a morte?

Os dias estão tão bonitos! Frescos, serenos, com pouca humidade, manhãs de sol que abrem os braços para os homens, o fumo a sair das tabancas e a espalhar-se sobre os campos, como em Portugal. A natureza não tem culpa da insensatez, do desvairo da espécie humana.


Cufar, 26 de Dezembro de 1973

Graças ao Natal, umas tantas iguarias rechearam as paredes dos nossos estômagos. Houve bacalhau do bom, frango assado, peru para toda a gente, presunto, bolo-rei, whisky e espumante à discrição, só para oficiais. Fez-se festa, fados, anedotas, bebedeiras a enganar a miséria do nosso dia a dia.

Hoje, 26 de Dezembro, acabou o Natal e, ao almoço, regressamos às cavalas congeladas com batata cozida e, ao jantar, ao fiambre com arroz.

Isto não tem importância, importante é a ofensiva contra os guerrilheiros do PAIGC desencadeada na nossa região com o bonito nome de Estrela Telúrica. Acho que nunca ouvi tanta porrada, tantos rebentamentos, nunca Vi tantos mortos e feridos num tão curto espaço de tempo. E a tragédia vai continuar, a Estrela Telúrica prolongar-se-á por mais uma semana.

Tudo começou em grande, com três companhias de Comandos Africanos, mais os meus amigos da 38º fuzileiros e a tropa de Cadique a avançarem sobre o Cantanhez. O pessoal de Cadique começou logo a levar porrada, um morto, cinco feridos, um deles alferes, com certa gravidade.

Ontem de manhã, dia de Natal, foi a 38ª de Comandos a embrulhar, seis feridos graves, entre eles os meus amigos alferes Domingos e Almeida, hoje foram os Comandos Africanos comandados pelo meu conhecido alferes Marcelino da Mata (***) com dois mortos e quinze feridos. Chegaram com um aspecto deplorável, exaustos, enlameados, cobertos de suor e sangue. Amanhã os mortos e feridos serão talvez os fuzileiros...

No dia seguinte, outra vez Comandos ou quaisquer outros homens lançados para as labaredas da guerra. O IN, confirmados pelas NT, só contou seis mortos, mas é possível que tenha morrido muito mais gente, os Fiats a bombardear e os helicanhões a metralhar não têm tido descanso.

Na pista de Cufar regista-se um movimento de causar calafrios. Hoje temos cá dez helicópteros, dois pequenos bombardeiros T-6, três DOs, dois Nordatlas e o Dakota. A aviação está a voar quase como nos velhos tempos. Os hélis saem daqui numa formação de oito aparelhos, cada um com um grupo constituído por cinco ou seis homens, largam a tropa especial directamente no mato, se necessário os helicanhões dão a protecção necessária disparando sobre as florestas onde se escondem os guerrilheiros, depois regressam a Cufar e ficam aqui à espera que a operação se desenrole. Se há contacto com o IN e se existem feridos, os helicópteros voltam para as evacuações e ao entardecer vão buscar os grupos de combate novamente ao mato.

Ontem, alguns guerrilheiros tentaram alvejar um héli com morteiros, à distância, o que nunca costuma dar resultado.

Sem a aviação este tipo de operações era impossível. Durante estes dias, os pilotos dormem em Cufar e andam relativamente confiantes, há muito tempo que não têm amargos de boca. Os mísseis terra-ar do IN devem estar gripados porque senão, apesar dos cuidados com que se continua a voar, seria muito fácil acertar numa aeronave, com tanto movimento de aviões e hélis pelos céus do sul da Guiné.

Cufar fica a uns quinze, vinte quilómetros da zona onde as operações se desenrolam. Todos os dias, às vezes durante horas seguidas, ouvimos os rebentamentos e os tiros dos embrulhanços, das flagelações. E impressionante o potencial de fogo de parte a parte. Os guerrilheiros montam também emboscadas nos trilhos à entrada das matas onde se situam as suas aldeias. Aí, as NT começam a levar e a dar porrada, e não têm conseguido entrar nas povoações controladas pelo IN.

Natal, sul da Guiné, ano de 1973, operação Estrela Telúrica. Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade.

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 18 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3550: O meu Natal no Mato (16): Os meus Natais na Guiné (Luís Dias)

(**) Vd. poste de 9 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2167: Breve história da CCAÇ 4540 (Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74) (Vasco Ferreira)

(...) "No dia 22 de Julho de 1973 chegou a Cadique a 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4514/72 que veio render a CCAÇ 4540, Cadique a partir desta altura ficou a constituir Sede de Batalhão, 'O Batalhão do Cantanhez'.

"Foi a 17 de Agosto de 1973 que a CCAÇ 4540/72 disse adeus a Cadique no meio de copiosa chuva, que não quis colaborar na despedida, embarcando a bordo da LDG 'Montante', rumo a Bissau.

"A nossa homenagem aos Gr COMB da CCP 121, que permitiram aos nossos militares a observação do modo de comportamento e da preparação com que a tropa especial pára-quedista foi dotada para este tipo de operações. Muito se aprendeu no convívio estabelecido dentro e fora do Aquartelamento entre os militares de ambas Companhias" (...).

(***) Nota do autor, António Graça de Abreu:

"Sobre o acidentado percurso do alferes Marcelino da Mata, ver a narração pessoal da sua participação nesta guerra em Rui Rodrigues, coord., Os Últimos Guerreiros do Império, Editora Erasmos, Amadora, 1995, pp. 195-213".