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sexta-feira, 19 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6022: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (4): Ainda o caso do Cap Patrício que foi, por castigo, para a CCAÇ 15, Mansoa, e do comandante do Esq Rec Fox de Bafatá que invadiu o Senegal com as chaimites

1. Pergunta o José Bebiano, em 6 docorrente, ao José Cortes:


Responde-me lá. Quem é o furriel que está ao meu lado? (*)

Não sabia que o meu substituto tinha falecido. Recordei-me que era de Fátima, mas o nome nem pó?! Morreu de paludismo? Enquanto por lá estive não tive conhecimento  de qualquer morte desse tipo. Grande azar.

O Capitão José Eduardo [Patrício]  faleceu em 2008! Morreu novo. Por que foi transferido para Mansoa? Castigo? Dava-me muito bem com ele. Não tinha nada a haver com o falecido cmdt da CART 2742,  Carlos Borges de Figueiredo (**).

Estou com o meu neto mais novo ao colo, Iánis, não me deixa escrever.

Vou procurar mais alguma foto que te diga algo. Depois logo envio. Cumprimentos. E o FCPorto com o empate de hoje já foi... e o meu Belenenses tb.

Cumprimentos. José Bebiano.

2. Resposta do José Cortes [ foto acima, em Fajonquito], na volta do correio:

Assunto: Mais recordações de Fajonquito

 Caro amigo:

O furriel que está ao teu lado, chama-se Tendeiro, ele saíu da companhia para outra zona que não me lembro qual. Nunca mais o vimos, mas na pesquisa que fizemos para encontrar camaradas, quando começamos a organizar o nosso encontro anual, soubemos que mora na Reboleira Sul - Amadora e que trabalha na companhia de seguros AXA.

Com respeito ao Cap Patrocínio, foi para Mansoa por castigo. Certa noite saíu do aquartelamento com 10 militares e o grupo do Mamadú Senegal Baldé, que era o Comandante do Pelotão de Milicia, sem passar cavaco a ninguém,  como era habitual,   e entrou pelo Senegal, matando dois guerrilheiros, e exibindo depois em Bafatá o espólio que trouxe da emboscada, duas Kalas, duas bicicletas e livros.

Isto para o comandante de batalhão era manga de ronco, ele gramava o Patrocínio à brava e depois causou inveja nos outro oficiais.

O comandante do Esquadão de Cavalaria de Bafatá (***), depois disso, e num almoço em Pirada, concerteza com a cabeça quente, arrancou com as Chaimites Senegal dentro. Na primeira aldeia que encontrou estava estacionado um grupo de militares Senegaleses e ele toca a disparar, matou uma série de gente e aquilo deu buraco em Bissau e não só.

Isto, salvo erro,  foi em Janeiro de 1973, altura em que mataram o Amílcar Cabral. No inquérito que foi levantado ao Capitão de  de Cavalaria, foi referido o acto do Patrocínio e o castigo foi este ir para Mansoa, para a CCAÇ 15, companhia de africanos,  onde só os graduado é que eram brancos.

Ainda o vi uma vez na 5ª Rep. Já separado da mulher, pois ele tinha-a levado para Mansoa, mas ela só lá esteve 15 dias com o filho,  aquilo era embrulhar todos os dias e ela foi-se embora.

Quando ele saíu da companhia mandaram um Capitão velho que só lá esteve dois dias.

Depois o Spínola foi lá graduar o alferes São Pedro.  Depois falo-te sobre isso.

Um Abraço.

José Cortes
______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5972: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (3): O Cap Patrício, a CCAÇ 15, dois casos de insubordinação e ainda o Cherno Baldé

(**) 7 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5946: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (2): Evocando o Sold Almeida e o Fur Alcino, da CART 2742, que morreram, mais o Cap Figueiredo e o Alf Félix, na tragédia do domingo de Páscoa de 1972

(***) Não temos elementos para identificar este Esq Rec Fox, estacionado em Bafatá no início de 1973. Pode ser o Esq Rec Fox 8840 (Bafatá, 1973/74), ou até o anterior (1971/73), que de momento não sei qual é... Há dois camaradas que, embora ainda não sendo membros da nossa Tabanca Grande, têm histórias para contar e vontade de o fazer...


(...) Sou ex-militar do Esquadrão de Reconhecimento Fox 8840. Estive lá no início de 1973 até perto do fim do ano de 1974.

Tenho histórias a contar como vocês contam as vossas. Tivemos lá dos maiores atentados registados até essa data. Lamento principalmente o meu ex-capitão e comandante Carvalhais do Esquadrão de Cavalaria 8840 (hoje coronel) nada registar na Internet.

Não vos conheço mas gostaria de ter contacto convosco para vocês conhecerem o meu Esquadrão e recordarmos por onde e como passamos. (...)

(...) Carmindo Pereira Bento
Restaurante Ângulo-Real
2425-022 Monte-Real- Leiria. (...)

Vd. também poste de 19 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5843: O Nosso Livro de Visitas (83): António Carlos Ferreira, ex-Fur Mil Mortágua, Esq Rec Fox 8840 (Bafatá, 1973/74)

(...) António Carlos Ferreira (ex-furriel Mortágua)
Proprietário da Adega Típica 
A Pharmácia,
Rua Brasil 81/85
Coimbra
E-mail:
adegapharmacia@gmail.com
telm: 917213076 / telef  239 404 609 (...)

Do período de 1969/71, temos o nosso camarada António da Costa Maria, que esteve em no Esq Rec Fox entre Nov 1969 e Out 1971... Receberam Chaimites  no final de 1970 ou princípios de 1971





quinta-feira, 18 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6011: Controvérsias (68): Ainda a tragédia de Fajonquito... Como se descavilhavam duas granadas de mão? (António J. Pereira da Costa)

1. Mensagem de António J. Pereira da Costa, com data de 15 do corrente:

Assunto - Fajonquito (*)

Camarada

Aqui te envio mais uma consideração posterior.

Para descavilhar duas granadas-de-mão será necessário descavilhar uma, usando, obviamente, as duas mãos. A segunda tem de ser descavilhada usando apenas uma mão.
Como te recordas, as cavilhas tinham uma certa dificuldade em sair, pelo que não podíamos usar os dentes como os americanos faziam (pelo menos nos filmes de guerra do nosso tempo de adolescência) (**). A solução que me parece mais directa será recorrer a um prego, cabide bem fixo, gancho ou objecto similar, para o que bastava pendurar-lhe a granada e puxar violentamente com uma só mão.
Aqui surgem-me dúvidas acerca de uma possível premeditação, o que remete para o tal diferendo cujas características se nos escapam. E o 1º Sargento de quem se fala e que se afastou? Porquê? Será que previu o que ia acontecer? Como e porquê? E os dois rangers que também morreram? Estavam ao pé do capitão ou apareceram para apaziguar? Se estavam, porquê?

O soldado não teve em linha de conta que matava também dois homens que não tinham que ver com a sua situação. Daqui podemos começar a ver a necessidade que ele tinha de chamar a atenção do mundo que o cercava para a sua desgraça. O que lhe interessava era desistir, deixando a sua assinatura e o eco do seu acto, tanto mais forte quanto mais pessoas levasse com ele. Creio que seria a sua recusa ao Sistema. Será que os rangers tiveram tempo de intervir e tentar qualquer coisa ou o suicida nem sequer lhes deu tempo para isso, tal era o vigor da sua decisão?

Como vês, há mais dúvidas do que certezas. Por isso creio que é necessário investigar bem. Talvez localizando alguém da companhia: o médico, o furriel Enfermeiro, os maqueiros ou o próprio sargento…

Um abraço do

António Costa
(Cor Art na Reserva,
na efectividade de serviço,
Guiné, 1972/74)

PS - Estou a escrever mais uma história, esta sobre a evacuação de Cacoca. [para a série A Minha Guerra a Petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa)...]
__________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 15 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5997: Controvérsias (67): A Páscoa Sangrenta de Fajonquito, em 2 de Abril de 1972 (António Costa)

(**) A propósito, vd no You Tube , o vídeo (1' 00'') Hand grenades are not for tourists... Parafraseando este título, também se poderia dizer que as granadas de mão não eram (ou não deviam ser) para soldados básicos...

A imagem que reproduzimos, de uma granada defensiva M26A1 m/963, foi retirada, com a devida vénia, do blogue COT 1 > 1ª CART 6323 - Os Guerreiros da Paz... ("O BART 6323 foi o primeiro a partir depois de 25 de Abril de 1974 para Angola. E certamente o primeiro a partir com mentalidade diferente dos seus antecessores. Isto é: uma mentalidade mais pacífica do que bélica").

segunda-feira, 15 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5997: Controvérsias (67): A Páscoa Sangrenta de Fajonquito, em 2 de Abril de 1972 (António Costa)

1. Mensagem, com data de ontem, do nosso camarada (e amigo) António José Pereira da Costa,  António Costa, tout court (Cor Art na reserva, na efectividade de serviço), que esteve na Guiné entre 1972 e 1974:

 Assunto: Páscoa Sangrenta

Camarada:

Sobre a situação de Fajonquito (*) gostava de alinhar umas considerações, que me parecem construtivas:

(i) Não era contra o RDM ficar na PU [ Província Ultramarina,] onde se estava, a trabalhar após a passagem à disponibilidade. O país era só um - é bom que se recorde - e após as "obrigações militares" até era possível ir para o estrangeiro sem ser "a salto".

As Ordens de Serviço estão cheias das chamadas autorizações de ausências definitiva para o estrangeiros, passadas pelas unidades onde os desmobilizados tinham ficado colocados para efeitos de recrutamento. Por isso, tenho dificuldade em entender o início do diferendo entre e o capitão e o soldado, por esta razão. Não haveria outras?

(ii) Depois, tenho dificuldade em imaginar que um homem sózinho tenha conseguido descavilhar duas granadas defensivas que transportava, obviamente, uma em cada mão.

Imagina como é que o farias. Será que teve o auxílio de alguém? Claro que não! Peço desculpa, mas tenho dúvidas de que tenha sido assim.

(iii) A causa determinante terá sido a distribuição das amêndoas. Penso que o soldado ter-se-á sentido ferido (muito) na sua auto-estima e, principalmente, desamparado e abandonado.

A sua atitude terá sido um expor da sua situação de solidão, uma espécie de pedido de ajuda, semelhante aos dos suicidas. Na verdade, ele provavelmente nem sequer entendia porque estava ali a fazer aquilo (a Guerra) que não aceitava, mas não tinha saída ou remédio senão fazê-lo (não podia desertar nem fugir). Por isso, pelo menos, tinha que estar. Será que ele sentia estar a defender a Pátria ou as populações que estavam junto das NT? Ouvi dizer que era Básico, o que quer dizer que era dos psicotecnicamente menos aptos no Exército.

(iv) Por mim, creio que algumas situações de insubordinação e desobediência têm origem numa espécie de descarregar de ira e revolta contra o sistema e a situção. Não é possível que aqueles contra quem foram cometidas - na sua maioria tão milicianos como os insubordinados - fossem uns tiranetes e injustos e que merecessem a insubordinação.

(v) Creio mesmo que algumas delas terão origem numa situação de revolta profunda que não tinha por onde se expandir. Estas situações terminavam normalmente mal para os insubordinados e não creio que os quadros ficassem satisfeitos com o sucedido, como muitas vezes se diz. Para mim, estas situações serão o indício técnico de que o enquadramento é insuficiente e a mentalização é má.

Embora nunca tivéssemos tido uma recusa ao embarque, não creio que a defesa da Pátria nos fornecesse elementos para aceitarmos a ida para lá Tive ocasião de verificar que as unidades que embarcavam iam cada vez menos "mentalizadas" para as tarefas a realizar.

Farás com este mail o que quiseres, mas sugiro que testes a coerência da história tão dramática, e procures uma interpretação sociológica e psicológica para o sucedido e para a actuação dos dois principais intervenientes.

Um Ab do António Costa

2. Comentário de L.G.:

António:

Aprecio a sagacidade do teu raciocínio, a oportunidade do teu comentário e a gentileza do teu gesto, honrando a memória dos nossos mortos.

Seguramente que faltam outras versões. As duas que temos (a do José Cortes e do José Bebiano, ambos furriéis em Fajonquito, em 1972), não são suficientes.  O José Bebiano é contemporâneo dos acontecimentos, privou por exemplo com o Fur Alcino, uma das vítimas mortais dos acontecimentos, mas no dia 2 de Abril de 1972 não estava em Fajonquito, estava antes na Metrópole, em gozo de licença de férias.

 Por sua vez, o José Cortes (da companhia que veio render a CART 2742, a CCAÇ 3549),  tinha partido para a Guiné erm 26 de Março de 1972 e,  antes de seguir para Fajonquito, ficou  a tirar a IAO, no Cumeré, possivelmente durante um mês e meio... A versão dele só pode ser em segunda mão...Ouviu contar "in loco", um a dois meses depois do ocorrido... E contou-ma agora, 38 anos depois, ao telefone, ele em Coimbra, eu em Lisboa. (Em rigor, é a versão dele, oral, telefónica, reconstituída por mim).

 Há pormenores, nas duas versões, que se contradizem: o José Cortes falou-me, ao telefone, em duas granadas, descavilhadas, uma em cada mão. O José Bebiano fala apenas numa... O Soldado Almeida seria um básico, segundo li na lista dos mortos da guerra do Ultramar... O José Bebiano dizer que ele era um ex-comando... Esperemos que ainda apareça alguém, da CART 2742, que nos dê uma versão mais detalhada, exacta e contextualizada desta tragédia ocorrida num domingo de Páscoa, numa festa que era suposto ser de despedida e de alegria... É a isto que se chama a triangulação das fontes.

Em suma, partilho, contigo, da mesma dúvida céptica: um soldado, não operacional, não tinha acesso fácil a granadas de mão defensivas (que estavam, em princípio,  à guarda do cabo quarteleiro, tal como as granadas de morteiro e de bazuca); depois, não tinha habilidade nem sangue frio para pegar logo em duas, arrancar-lhe as cavilhas (com os dentes ?) e segurá-las, uma em cada mão, atravessar a parada e dirigir-se (calmamente ?) à secretaria... Fosse ex-comando, talvez tivesse treino para isso... Será que, entretanto,  algum dos graduados o tentou desarmar ? Refiro-me ao Cap Figueiredo, ao Alf Félix e ao Fur Alcino...Aparentemente não há testemunhas desta cena fatal, passada na secretaria...

É bem possível que o Sold Almeida apenas tenha querido chamar a atenção para o seu caso, ou simplesmente protestar, julgando-se vítima duma clamorosa injustiça... A história das amêndoas bem pode ter sido a gota de água que fez transbordar o copo...

Também descarto a hipótese de suicídio (bem como de homicídio deliberado)... Na tomada de decisão de um suicída, há vários factores (antecedentes e mediatos) a ponderar... Nunca há uma causa única, há um feixe de causas ou determinantes... Ninguém toma uma decisão repentina destas, mesmo quando sob o efeito de álcool ou drogas (o que até podia ser o caso)... E a haver suicídio, ele foi também um triplo homicídio...

Aparentemente, o Sold Almeida não tinha nenhum conflito com os dois milicianos que morreram, juntamente com o Capitão... O mais provável é que tenha havido uma tentativa de neutralizar o infeliz Almeida que, de resto, tinha todas as razões para viver, não para morrer: o conflito com Capitão era porque ele querir ficar na Guiné, depois da peluda...

A alegada incompatibilidade dessa manifestação de vontade com o RDM é uma interpretação (indevida) minha... Eu pensei que a comissão militar só acabava com o regresso à Metrópole e a consequente passagem à disponibilidade...

Quanto ao pedido que me fazes, para arriscar "uma interpretação psicológica  e sociológica para o sucedido" (sic), agradeço-te mas sai fora da minha competência como editor deste blogue. Não sou psicólogo, sou sociólogo e, em princípio, só gosto de falar do que estudo, investigo ou leio... O suicídio enquanto fenómeno social interessa-me. O suicídio, as tentativas de suicídio, outras formas de auto-mutilação (tiros no pé, no dedo indicador direito, etc.), o homicídio e outras formas de violência nos quartéis (ou no mato) merecem ser descritas, divulgadas, analisadas, contextualizadas, interpretradas no nosso blogue... 

Mas nesse caso ainda não temos informação suficiente para tentar uma interpretação que não seja baseada em ideias de senso comum (o que é de todo contra-indicado a um sociólogo)... Façamos votos para que apareçam mais camaradas com informação (inédita e válida) sobre o caso da "Páscoa Sangrenta de Fajonquito"...

Deixo-te aqui apenas uma dica sobre o suicídio, e que fui buscar à página da Sociedade Portuguesa de Suicidologia (Vd. Questões frequentes):

(...) Normalmente o suicídio é equacionado como forma de acabar com uma dor emocional insuportável causada por variadíssimos problemas. É frequentemente considerado como um grito de pedido de ajuda. Alguém que tenta o suicídio está tão aflito que é incapaz de ver que tem outras opções: podemos ajudar prevenindo uma tragédia se tentarmos entender como essa pessoa se sente e ajudá-la na procura de outras opções e soluções. Os suicidas sentem-se com frequência terrivelmente isolados; devido à sua angústia, não conseguem pensar em alguém que os ajude a ultrapassar este isolamento.

Na maioria dos casos quem tenta o suicídio escolheria outra forma de solucionar os seus problemas se não se encontrasse numa tal angústia que o incapacita de avaliar as suas opções objectivamente. A maioria das pessoas que opta pelo suicídio dá sinais de esperança de serem salvas, porque a sua intenção é parar a sua dor e não por termo à sua vida. A este facto dá-se o nome de ambivalência. (...)

Os modelos, mais propriamente sociológicos, avançados para a compreensão e a explicação do suicídio, tendem a chamar a atenção para o facto de, em contexto de guerra, poder haver menos factores de risco de suicídio (a não ser em casos de derrota ou de aprisionamento, por questões de honra, etc.). O combatente, integrado num grupo de combate, terá menos hipótese de suicídio, de acordo com a teoria de Durkheim: O aumento, real ou percebido, da ameaça sobre o grupo, vinda de fora - neste caso, do inimigo - leva a uma maior integração do indivíduo no grupo, e o consequente decréscimo do risco de suicídio...

No caso do Almeida, a questão de se saber se ele realmente era um soldado básico (e, portanto, menos apto, do ponto de vista "psicoténico") não é de somenos importância... LG
____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

6 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5938: A tragédia de Fajonquito ou as amêndoas, vermelhas de sangue, do domingo de Páscoa de 2 de Abril de 1972 (José Cortes / Luís Graça)

[Versão de José Cortes, recolhida ao telefone por Luís Graça:]

(...) (i) Havia um, soldado da CART 2742 que, uma vez terminada a comissão, queria ficar na Guiné como civil;

(ii) Ao que parece o Cap Art Carlos Borges Figueiredo manifestou, desde logo, a sua oposição à ideia,  contrária a todo o bom senso e sobretudo ao RDM;

(iii) Ter-se-á aberto um contencioso entre o soldado e o seu comandante, e envolvendo também o primeiro sargento;

(iv) A mulher do capitão havia mandado, da Metrópole, "dez quilos de amêndoas" para distribuir pelo pessoal da companhia; a distribuição foi feita pelo próprio comandante, no refeitório, no domingo de Páscoa, 2 de Abril de 1972;

(v) Quando chegou a vez do soldado em questão, o capitão terá passado à frente, num acto que aquele interpretou como de intolerável discriminação;

(vi) O soldado levantou-se, sem pedir a licença a ninguém, e saiu do refeitório. Foi ao abrigo (ou à sua caserna) e veio para a parada com "duas granadas já descavilhadas", em cada mão. Dirigiu-se à secretaria. O primeiro sargento ter-se-á apercebido, a tempo, das intenções do soldado, e não se aproximou da secretaria (ou fugiu, não sei);~

(vii) Dentro da secretaria, estava o Capitão, um alferes e um furriel. Ninguém sabe o que se passou lá dentro. O soldado deixou cair as duas granadas. O tecto da secretaria foi pelos ares. Lá dentro ficaram 4 cadáveres

Mortos, em 2/4/1972, todos do Exército, por acidente (sic), constam os seguintes nomes, na lista dos Mortos do Ultramar da Liga dos Combatentes:

- Alcino Franco Jorge da Silva, Fur
- Carlos Borges de Figueiredo, Cap
- José Fernando Rodrigues Félix, Alf
- Pedro José Aleixo de Almeida, Sold (...)


7 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5946: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (2): Evocando o Sold Almeida e o Fur Alcino, da CART 2742, que morreram, mais o Cap Figueiredo e o Alf Félix, na tragédia do domingo de Páscoa de 1972


[Versão do José Bebiano:]

 (...) José Cortes: O tempo passa e a tua imagem passou? Pouco tempo estive convosco [ CCAÇ 3549]. Lembro-me bem do Cap Patrocínio.

A história do soldado Almeida, ex-comando, e que com uma granada na mão matou-se e matou 1 cap + 1 alferes + 1 furriel... Eu, na altura do acidente estava em Lisboa.

Qual a razão para tal atitude? Pelo que me disseram, queria permanecer na Guiné e com uma granada na mão foi pedir para que não o enviassem para a Metrópole (?!)... Passou-se completamente.

Vou enviar uma foto com o falecido Alcino e com o Bebiano. A foto foi tirada em 26 Out 1971. Ainda por lá fiquei mais um ano.

Cumprimentos

P.S. - Estou reformado/aposentado desde 30 de Novembro. Ex-professor de Educação Física em Moura. (...)

quinta-feira, 11 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5972: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (3): O Cap Patrocínio, a CCAÇ 15, dois casos de insubordinação e ainda o Cherno Baldé


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Fajonquito [, mapa de Colina do Norte]> CCAÇ 3549 (192/74) >  Casa Gouveia (onde trabalhava o pai do Cherno Baldé), com a casa dos oficiais de que ele  fala na sua narrativa.



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Fajonquito > CCAÇ 3549 (192/74) > Povoação de Fajonquito.



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Fajonquito > CCAÇ 3549 (192/74) > Rua principal de Fajonquito.




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Fajonquito >  CCAÇ 3549 (192/74) > Eu com o filho mais novo da Cristina, lavadeira, a mais popular dentro do aquartelamento.


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Fajonquito > CCAÇ 3549 (192/74) > Eu e o Alaje, espero que o Cherno  Baldé consiga dizer do paradeiro dele.




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Fajonquito > CCAÇ 3549 (192/74) > Bajuda junto ao depósito de géneros do aquartelamento.

Foto: © José Cortes (2010). Direitos reservados



1. Mensagem de José Cortes, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 3549, Fajonquito, 1972/74 (*):

(i) Vou tentar responder ao companheiro Mexia Alves (**), sobre o Cap José Eduardo Marques Patrocínio.

O companheiro deve estar confundido com o ano em que foi para Mansoa, não deve ter sido em 1972 mas sim em 1973. Os meses de Julho e Agosto devem estar certos.

Porque os Cap São Pedro foram graduados pelo General Spínola mais ou menos em Maio de 1973, e o Cap Patrocínio já não se encontrava na companhia pelo menos há dois meses.

Portanto o Cap Patrocínio devia ter estado em Mansoa mais ou menos  5 ou 6 meses.

Segundo o que diz o coronel Vargas Cardoso, que era o 2º Comandante do Batalhão, o Cap Patrocínio foi para a CCAÇ 15,  [composta por ] tropas africanas.

O Cap Patrocínio tinha a formação de comandos, com uma comissão em Moçambique, como alferes,  onde foi ferido em combate.

Formou a nossa companhia em Chaves no BC 10 de 22 de Dezembro de 1971 a 25 de Março de 1972, dia em que saímos de Chaves para a Guiné. Ele era do Quadro Especial de Oficiais (QEO).

(ii) Agora gostava de fazer um pequeno comentário as Amêndoas Vermelhas de Fajonquito (**).

O que aconteceu naquele dia, não foi concerteza caso isolado durante 13 anos de guerra.

Temos que ver que grande parte dos soldados das NT tinham pouca formação escolar, eu na minha companhia,  e já foi em 1972, tinha muitos soldados que não sabiam ler nem escrever.

Portanto,  qualquer situação menos vulgar que acontecesse, o respeito pelos superiores desvanecia-se e a disciplina era esquecida . Eu próprio passei por uma situação, em que esteve envolvido o soldado Silva, do primeiro pelotão da minha companhia.

Certo fim da tarde,  já noite,  envolveu-se numa discussão com um camarada, e agarra na G3 e toca a descarregar o carregador no tecto da caserna onde dormiam.

Quando o abordei para saber o que se passava, quando cheguei junto dele ainda se encontrava com a arma na mão, virou-me a arma e disse:
- Ó furriel,  não me diga nada porque a seguir vai para si.

Tive que participar ao comandante de companhia, Cap Patrocínio, que lhe deu 10 dias de prisão, que passou em Bafatá.

Quando os camaradas o visitaram na prisão,  dizia-lhes que eu não chegava ao fim da comissão.

No fim dos dez dias, eu é que o fui buscar, e perguntei-lhe se era verdade o que os camaradas tinham dito, e ele disse para esquecer porque foram dez dias que passou sem fazer nada e comia e bebia.

Passados vinte e tal anos,  apareceu num dos nossos convívios e  voltámos a falar no assunto. E ainda nos rimos da situação. Mas podia ter acontecido uma tragédia se por acaso na altura eu tivesse respondido à agressão verbal dele.

Outra situação foi passada com o companheiro furriel Campos, e um soldado também do 1º pelotão, no destacamento de Sare-Uale.

Durante um jogo de futebol,  disputado ao fim de tarde no destacamento,  numa disputa de bola mais acesa entre o furriel e o soldado Maleiro, o soldado amuou e ficou zangado com o Campos, ao ponto de se recusar a cumprir o serviço de sentinela para que estava escalado naquela noite.

Quando foi abordado pelo furriel, para cumprir com a sua obrigação,  respondeu-lhe que não fazia o serviço e que saísse da sua frente se não queria levar um tiro, com a arma em riste apontada ao furriel.

É claro que o furriel só tinha que comunicar ao Comandante de companhia o que se passava, pois para sua segurança e dos outros soldados ele não queria mais aquele elemento consigo.

O Maleiro foi mandado embora para outra unidade, não ouvimos falar mais dele, na Guiné. Sei que está bem porque é daqui da zona de Coimbra.

Isto são dois casos, que não tiveram consequências mais graves, mas concerteza que aconteceram mais naquela guerra, com desfechos bem mais complicados, como o de Fajonquito no dia 2 de Abril de 1972, Domingo de Páscoa.

Temos que andar para trás nos anos, e ver que éramos uns puto de vinte e poucos anos, a quem foram dadas responsabilidades muito importantes, como a vida de ser humanos.

Não foi o meu caso pois tive sempre em sede de companhia, mas camaradas meus,  furriéis,  a quem foi dado o comando dos grupos de combate, por falta de oficiais, ou por outras razões, que agora não interessa falar .Com responsabilidade além do comando do grupo, tinham as populações dos destacamento que dependiam da tropa para quase tudo. Tiveram que ser enfermeiros sem conhecimento da especialidade, tiveram que administrar a alimentação sem serem vagomestres, e outras situações, sem preparação, só foram preparados para defender as populações da guerra, e nos destacamentos tinham que fazer de tudo.

O Cap São Pedro foi graduado salvo erro com vinte e seis anos de idade, era um puto, foi-lhe entregue uma companhia com 160 homens mais ou menos da mesma idade, a população de Fajonquito, Canhámina, Cambajú, Sare Uale, Sare Jambarã e outras que existiam no nosso sector. Teve que assumir uma postura com certa autoridade, que o próprio posto hierárquico lhe exigia.

Ainda hoje,  passados 36 anos,  há companheiros que lhe guardam ressentimentos daquele tempo. (...)

3.  Mensagem de 6 do corrente:

Caro Luis Graça.


Ao ler as narrativas do Cherno Baldé [, foto à direita, quando estudante universitário em Kiev, na Ucrânia, nos finais de 1980], dei com um comentário do companheiro José Bebiano, do qual me lembro bem pois era o Furriel de Operações e Imformãções da companhia e, como era de rendição indivudual, só esteve connosco meia dúzia de meses, mas lembrava-me bem dele. Já comuniquei com ele como te dei conhecimento., fiquei muito contente com a resposta dele.

Com respeito ao Cherno, como é natural não tenho ideia dele naquela altura, embora a cara dele não esteja apagada da minha memória.

Como ele conta o convívio com os militares,  era capaz de ser assim, sei que alguns se excediam no tratamento com os miúdos. Ele fala em dois condutores, o Dias e o Magalhães, na verdade tivemos dois condutores com esse nome, mas não tivemos nenhum alferes chamado Maia, por isso não sei se ele se refere à minha companhia. (***)

Vou enviar algumas fotos, espero que as faças chegar ao Cherno para que ele as identifique;

1 - Eu com a filha mais nova da Cristina, lavadeira,  a mais popular dentro do aquartelamento.

2ª - Eu e o Alaje, espero que ele consiga dizer do paradeiro dele.

3ª - Povoação de Fajonquito.

4ª - Casa Gouveia, com a casa dos oficiais que ele fala na sua narrativa.

5ª - Rua principal de Fajonquto.

6ª - Bajuda junto ao depósito de géneros do aquartelamento.

Um Abraço

José Cortes
________________

Notas de L.G.:

(*) Vd.poste de 7 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5946: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (2): Evocando o Sold Almeida e o Fur Alcino, da CART 2742, que morreram, mais o Cap Figueiredo e o Alf Félix, na tragédia do domingo de Páscoa de 1972

(**) Vd. poste de 6 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5938: A tragédia de Fajonquito ou as amêndoas, vermelhas de sangue, do domingo de Páscoa de 2 de Abril de 1972 (José Cortes / Luís Graça)

Comentário de Joaquim Mexia Alves:

(...) Não tendo a ver directamente com esta tragédia gostava de perguntar o seguinte:


- Quando é que o Cap Patrocínio saiu da Companhia? O Cap Patrocínio não tinha especialidade de Comando?


Pergunto isto porque a minha memória por vezes me atraiçoa, (não só a mim,  com certeza), e eu tenho quase a certeza de que fui "substituir" o Cap Patrocínio na CCaç 15, (porque quando cheguei à 15 não havia Capitão e eu era o Alferes mais antigo).


Tenho a ideia que quando fiz a viagem do Xime para Bissau, para depois ir para Mansoa, o Cap Patrocínio, apenas por coincidência, ir nessa viagem e termos conversado, pelo que soube desde logo que ele já não era comandante da 15 e eu teria de o ser até à chegada de um novo Capitão.


Mas o tempo é "curto", pois eu julgo que cheguei à CCaç 15 lá para Julho ou Agosto de 72, o que faria com que a passagem do Cap Patrocínio por Fajonquito e pela 15 fosse muito rápida.


Alguém me pode relembrar para eu poder organizar a minha memória?


Abraço camarigo para todos (...).

(***)  Dados sobre as companhias de Fajonquito,  aqui citadas e que são do tempo do Cherno Baldé, "menino e moço":

CCAÇ 3549:

Mobilizada pelo  BCaç 10. Partida para a Guiné em  26/3/1972; regresso em 29/6/1974. Esteve em Fajonquito. Comandantes: Cap QEO José Eduardo Marques Patrocínio; Cap Mil Grad Inf Manuel Mendes São Pedro. Pertencia ao BCAÇ 3884 (Bafatá), que teve 6 (seis!)  comandantes, 4 tenentes coronéis e 2 majortes, o último dos quais o supracitado  Maj Inf Mário José Vargas Cardoso. A este batalhão pertenciam a inda a CCAÇ  3547 (Contuboel), comandada pelo Cap Mil Inf  Carlos Rabaçal Martins; e  a CCAÇ 3548 (Geba) (teve três comandantes, todos eles capitães milicianos de infantaria).

CART 2742:

Mobilizada pelo RAL 5. Partida para a Guiné: 18/7/1970; regresso: 21/9/1972. Esteve sempre em Fajonquito.  Comandantes:  Cap Art  Carlos Borges de Figueiredo (confirma-se que não era miliciano, mas sim do quadro) e  Alf Mil  Art  Baltasar Gomes da Silva (que o substitutui o capitão, por morte deste, em 2/4/1972). Esta unidade pertencia ao BART 2910 (Bafatá), comandado pelo Ten Cor  Art  Fernando de melo  Macedo Cabral. A este batalhão pertencia ainda CART 2741 (Contuboel;  Cap Art  João Maria Clímaco  de Sousa Brito) e CART 2743 (Geba;  Cap Mil Art Iídio do Rosário dos Santos Moreira).

domingo, 7 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5946: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (2): Evocando o Sold Almeida e o Fur Alcino, da CART 2742, que morreram, mais o Cap Figueiredo e o Alf Félix, na tragédia do domingo de Páscoa de 1972


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Fajonquito [, mapa de Colina do Norte] > Dois furriéis, o Alcino (da CART 2742, morto em 2/4/1972) e o Bebiano, de Informações & Operações, que esteve com o José Cortes ainda uns meses em Fajonquito. A CART 2742 pertencia ao BART 2920 (Bafatá, 1970/72).

Foto: © José Bebiano (2010). Direitos reservados

1. Mensagem, com data de hoje,  do José Cortes, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 3549/BCAÇ 3884, Fajonquito, 1972/74:

 Luís,  esta foi a resposta do José Bebiano (*). Na foto que ele me envia,  o camarada de bigode  era o furriel Alcino que morreu na tragédia (**).

2. Texto do José Bebiano, com data de 5 do corrente

 Assunto: Fajonquito

Boa noite.

José Cortes: O tempo passa e a tua imagem passou? Pouco tempo estive convosco [ CCAÇ 3549]. Lembro-me bem do Cap Patrocínio.

A história do soldado Almeida, ex-comando,  e que com uma granada na mão matou-se e matou 1 cap + 1 alferes + 1 furriel... Eu, na altura do acidente estava em Lisboa.

Qual a razão para tal atitude? Pelo que me disseram, queria permanecer na Guiné e com uma granada na mão foi pedir para que não o enviassem para a Metrópole (?!)... Passou-se completamente.
Vou enviar uma foto com o falecido Alcino e com o Bebiano. A foto foi tirada em 26 Out 1971. Ainda por lá fiquei mais um  ano.

Cumprimentos
P.S. - Estou reformado/aposentado desde 30 de Novembro. Ex-professor de Educação  Física em Moura.

José Bebiano
3. Comentário de L.G.:
Aproveito o ensejo para agradecer a colaboração do José Bebiano e convidá-lo a integrar a nossa Tabanca Grande. Já agora, gostava de saber se ele vive em Mourta, onde trabalhou como professor. No dia 10 de Abril de 2010, vai realizar-se em Moura uma pequena homenagem aos camaradas do concelho que morreram, no total de 29, durante a guerra colonial.

____________

Notas de L.G.:

(...) Mortos, em 2/4/1972, [da CART 2742, Fajonquito, 1970/72], por acidente (sic), constam os seguintes nomes, na lista dos Mortos do Ultramar da Liga dos Combatentes:

- Alcino Franco Jorge da Silva, Fur


- Carlos Borges de Figueiredo, Cap


- José Fernando Rodrigues Félix, Alf


- Pedro José Aleixo de Almeida, Sold (...)

Guiné 63/74 - P5942: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (1): Ao José Bebiano, ex-Fur Mil Pel Rec Inf

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Fajonquito > CCAÇ 3549 (1972/74) > O Fur Mil José Cortes no bar...


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Fajonquito > CCAÇ 3549 (1972/74) >  Furriéis milicianos confraternizando no bar...

Fotos: © José Cortes (2010). Direitos reservados



1. Mensagem do nosso camarada José Cortes [, foto actual, à esquerda,] ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 3549/BCAÇ 3884, Fajonquito, 1972/74 (*), com data de ontem, enviado ao seu camarada José Bebiano, com conhecimento ao editor do blogue, Luís Graça


Caro José Bebiano: Fico muito contente por responderes ao meu mail.

É natural que não te lembres de mim, pois os anos já são muitos que nos separam desse tempo, eu não me esqueci, até porque o camarada que te rendeu, o Reis, quando viemos embora no fim da comissão, em 15 de Junho de 1974, ele ainda ficou com a companhia que nos rendeu. Viemos a saber depois que morreu lá com o paludismo, soubemos através da familia dele. Ele era de Fátima (até o tratávamos por Fatinha) e na busca de camaradas para organizarmos o encontro da companhia em 1999, soubemos que ele tinh falecido lá.

O cap Patrocínio,[comandante da nossa CCÇ 3549,] faleceu em Dezembro de 2008, em Mafra de onde era natural.

Saíu da companhia,  salvo erro no início de 1973, foi transferido para Mansoa, para a C CAÇ 15, juntamente com o primreiro sargento Canavarro, que ainda é vivo, vive em Chaves.


O vague-mestre da companhia é vereador da Câmara de Campomaior, Georgino Pina.

Se estiveres interessado,  contar-te-ei mais coisa sobre o que se passou depois.

Envio-te duas fotos daquele tempo. São as duas do nosso bar: a primeira sou eu bem mais magro;  a segunda é a malta que deixaste num daqueles momentos de copos, em primeiro plano está o falecido Reis (Fatinha)

Um abraço.

_____________

Nota de L.G.:

(*) Vd.poste de 6 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5938: A tragédia de Fajonquito ou as amêndoas, vermelhas de sangue, do domingo de Páscoa de 2 de Abril de 1972 (José Cortes / Luís Graça)

sábado, 6 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5938: A tragédia de Fajonquito ou as amêndoas, vermelhas de sangue, do domingo de Páscoa de 2 de Abril de 1972 (José Cortes / Luís Graça)


1. Mensagem do nosso camarada José Cortes [foto atual, à esquerda,] ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 3549/BCAÇ 3884, Fajonquito, 1972/74 (*), com data de ontem, enviado ao seu camarada José Bebiano (**), com conhecimento ao editor do blogue, Luís Graça

Caro amigo

Ao ler, na Tabanca Grande, o teu comentário à história do Cherno Baldé, tive a alegria de ver o teu nome no fim do mesmo.

Pois por teres um nome um pouco fora do vulgar, é mais dificil de esquecer, mas a tua fisionomia de careca, ou com pouco cabelo, nunca mais esqueci.

Bem, eu sou José Cortes, ex-Furriel da CCAÇ 3549, e tinha na companhia a função de sargento de material.. Estava no gabinete junto com o Furriel Vague Mestre Pina e o Furriel de Transmissões Farraia.

Ainda hoje falei com o Luis Graça sobre o que aconteceu ao Cap Carlos Figueiredo da companhia de Artilharia que nós fomos render, mas como é obvio não sei as razões que levaram o soldado a fazer o que fez. Talvez hoje consigas tu contar o que se passou.

Não sei se te lembras de mim. Mas, caso estejas interessado, gostaria de te contar o que foi a vida da Companhia depois de saires e de te dizer o que aconteceu ao teu substituto.

Para já fico por aqui, conto mais tarde podermos falar sobre tudo.

Um abraço, Jose Cortes.

2. Comentário de L.G.:

Foi-me contada ontem, de viva voz, ao telefone, uma das versões sobre a tragédia de Fajonquito. Liguei ao José Cortes, que vive em Coimbra, e falámos durante mais de meia hora. O pretexto foi o convívio do pessoal da sua companhia, a realizar no próximo dia 27. Mas também Fajonquito e a história do Cherno Baldé.

O José Cortes falou-me com emoção desses tempos. Ele próprio tem um filho que foi pára-quedista e esteve em missões de paz (por ex.,Timor, Bósnia). Mas, como muitos outros camaradas, queixa-se de que nem sempre a família tem pachorra para ouvir as suas recordações da Guiné. Uma das que está bem presente na sua memória é a da morte do capitão e mais três ou quatro militares da companhia (a CCAÇ 2742, Fajonquito, 1970/72) que eles  foram render. Ele tinha prometido contar essa história mas ainda não o fez porque acha que tem fraco talento para a escrita. Eis, pois, a sua versão oral:

(i) Havia um, soldado da CART 2742 que, uma vez terminada a comissão, queria ficar na Guiné como civil;

(ii) Ao que parece o Cap Mil Art Carlos Borges Figueiredo manifestou, desde logo, a sua oposição à ideia, c contrária a todo o bom senso e sobretudo ao RDM;

(iii) Ter-se-á aberto um contencioso entre o soldado e o seu comandante, e envolvendo também o primeiro sargento;

(iv) A mulher do capitão havia  mandado, da Metrópole, "dez quilos de amêndoas" para distribuir pelo pessoal da companhia; a distribuição foi feita pelo próprio comandante, no refeitório, no domingo de Páscoa, 2 de Abril de 1972;

(v) Quando chegou a vez do soldado em questão, o capitão terá passado à frente, num acto que aquele interpretou como de intolerável discriminação;

(vi) O soldado levantou-se, sem pedir a licença a ninguém, e saiu do refeitório. Foi ao abrigo (ou à sua caserna) e veio para a parada com "duas granadas já descavilhadas", em cada mão. Dirigiu-se à secretaria. O primeiro sargento ter-se-á apercebido, a tempo, das intenções do soldado, e não se aproximou da secretaria (ou fugiu, não sei);

(vii) Dentro da secretaria, estava o Capitão, um alferes e um furriel. Ninguém sabe o que se passou lá dentro. O soldado deixou cair as duas granadas. O tecto da secretaria foi pelos ares. Lá dentro ficaram 4 cadáveres

Mortos, em 2/4/1972, todos do Exército, por acidente (sic), constam os seguintes nomes, na lista dos Mortos do Ultramar da Liga dos Combatentes:

- Alcino Franco Jorge da Silva, Fur
- Carlos Borges de Figueiredo, Cap
- José Fernando Rodrigues Félix, Alf
- Pedro José Aleixo de Almeida, Sold

Sabemos que o Sold Básico Pedro José Aleixo de Almeida era natural de Portel, em cujo cemitério local repousam os seus restos mortais. Presumimos que se trate do protagonista desta trágica história.  O Alf Mil Art Op Esp José Fernando Rodrigues Félix era de Moimenta da Beira.  O Cap Mil Art Carlos Borges de Figueiredo era natural de Vila Pouca de Aguiar. A sua última morada é Meadela, Viana do Castelo, possivelmente a terra da sua esposa. Por sua vez, o Fur Mil Alcino Franco Jorge da Silva também era de Op Esp, mas desconhecemos a terra da sua naturalidade. Não sabemos o que faziam os dois rangers na secretaria, possivelmente terão vindo em auxílio do capitão com a intenção de desarmar o militar que trazia as duas granadas descavilhadas. O José Cortes fala em cinco mortos, mas tudo indica que sejam apenas os quatro que constam da lista da Liga dos Combatentes. 

Julgo que o caso foi também utilizado pelo serviço de propaganda do PAIGC (nomeadamente a Rádio Libertação) para desmoralizar as tropas portuguesas: Há um documento do PAIGC, no Arquivo Amílcar Cabral, na Fundação Mário Soares (FMS), que faz referência ao sucedido; de momento, não consigo ter acesso a ele, uma vez que a página da FMS foi reestruturada.  

O facto de o insólito caso ter ocorrido em Fajonquito, na fronteira com o Senegal, significa que foi de imediato conhecido da população local, das autoridades do Senegal e do PAIGC. O nosso Cherno Baldé, na altura com  12 ou 13 anos,  faz referência, num dos seus postes a este trágico "acidente", que ocorreu a 100 metros, quando ele estava a brincar com outros putos na parada  (***). 

Gostaríamos de ter outras versões deste acontecimento. Espero que o José Bebiano  aceite o repto do José Cortes. Infelizmente não temos ninguém, na nossa Tabanca Grande, da CART 2742. Temos apenas duas referências a esta subunidade do BART 2920.  Julgo que seja difícil, ainda hoje, aos camaradas da CART 2742 abordar esta história, tão trágica quanto absurda...  Infelizmente, este caso não foi único no TO da Guiné. O acesso fácil a armas de guerra e a usura física e mental da guerra ajudam também a explicar estes surtos de violência patológica que, de tempos a tempos, ocorriam nas nossas fileiras. Quantos suicídios terão havido ? Quantos homícídios terão ocorrido, dentro das NT ? Na lógica da hierarquia militar, eram tratados como "acidentes".... E assim ficarão - como acidentes, inexplicáveis - para a história, se não houver parte dos contemporâneas e das testemunhas presenciais destes casos a vontade de contribuir, com depoimentos em primeira mão, para o seu esclarecimento...

Intrigam-nos casos como este. O que podia levar um militar português a querer ficar na Guiné, na vida civil ? Podia não ter ninguém à sua espera, na sua terra, não ter família, não ter amigos... Podia, por qualquer razão, querer esquecer a sua origem ou condição. Podia estar perdido de amores por alguma bajuda... Podia estar pura e simplesmente deprimido... Um indivíduo deprimido pode facilmente perder a noção do perigo, ficar indiferente a uma situação de perigo imediato e iminente,  e até desejar a sua própria morte. Não nos parece ter sido uma acção premeditada, pensada e amadurecida a frio... Em princípio, foi uma acção precipitada, irreflectida, impulsiva. O tal "acto de loucura" da "vox populi"... A ser verdade que o capitão deliberadamente ou não discriminou o soldado, aquando da distribuição das amêndoas, isso poderá ser sido "a gota de água" que transformou um conflito disciplinar num massacre... No final da comissão de uma companhia, na festa do e,m que se celebravo o dever cumprido, no domingo de Páscoa de 2 de Abril de 1972...

______________

(..) Desembarcámos no aeroporto de Bissalanca no dia 26 de Março de 1972, fomos fazer o IAO, ao Cumeré, de onde seguimos em LDG, para o Xime e daí em viaturas cívis e militares, para Fajonquito.

Rendemos a CART 2742, que no dia de Páscoa desse ano, 2 de Abril de 1972, perdeu o Capitão Borges Figueiredo, e mais quatro militares (...) (**)

Foi uma comissão que correu com alguns sobressaltos, desde termos 3 Comandantes de Companhia, 3 Primeiros Sargentos, 2 camaradas mortos e dois feridos graves. (...)

(...) Na Guiné não exerci a minha especialidade (, Atirador de Infantaria, ] por contingência de serviço da Companhia, que não tinha Sargento que fosse reponsável, pelo Material de Guerra. Eu, como Furriel Atirador com melhor nota, fiquei responsável pelo mesmo.

Mesmo assim não deixei de estar ligado a dois acontecimentos graves da Companhia, um acidente com um lança-granadas de 6,5 no qual perdeu a vida o nosso soldado António Manuel, mais 4 soldados da Milícia, numa acção de Reordenamento no Sumbundo. Outro, uma mina que provocou a morte do soldado José Jubilado dos Santos. Estas histórias são para contar mais tarde.

(...) Sou José Augusto Cortes, ex-Furriel Miliciano da Companhia de Caçadores 3549, cumpri missão em Fajonquito, Leste da Guiné e pertencemos ao BCAÇ 3884, sediado em Bafatá. Sou nascido e criado em Coimbra, onde resido na Freguesia de Santa Clara, lugar de Bordalo. Ainda trabalho, sou funcionário do SUCH (Serviço de Utilização Comum dos HospitaIs), faço serviço no Hospital da Universidade de Coimbra como Técnico de Manutenção. (...)


 (...) Estive presente como Furriel Rec Info (Rendição Individual), entre Nov/70 a Out/72. Conheci bem de perto os 2 Capitães (Borges Figueiredo e J. Eduardo Patrocínio). (***)

Guardo bem presente o tempo que por lá passei. Hoje, professor de Educação Física, em Moura, estou à espera da aposentação, e por acaso passei por este blog. Bom trabalho para vós. Vou procurar fotos e depois de digitalizadas, vou inseri-las. Contar-vos-ei a história da morte trágica do Cap Figueiredo e 1 Alf, 1 Fur e do Soldado que fez deflagrar a granada. José Bebiano - email:  jbebiano@gmail.com  


(...) Conheci muita tropa que passou por Fajonquito entre 1968/74, em especial das companhias 3549 e 4514/72.  O rebentamento da(s) granada(s) que vitimara o saudoso Cap Figueiredo e seus companheiros de armas [da CART 2742] (*), apanhou-me a menos de 100 metros do local, quando estávamos a brincar perto da casa dos oficiais. (...) 

(...) Companhia de Artilharia n.º 2742, comandada pelo Capitão de Artilharia Carlos Borges de Figueiredo e, posteriormente, pelo Alferes Miliciano de Artilharia Baltazar Gomes da Silva, unidade orgânica do Batalhão de Artilharia n.º 2920, mobilizada em Penafiel no Regimento de Artilharia Ligeira n.º 5, assumiu a responsabilidade do subsector, rendendo a CCaç 2436, em 13 de Agosto de 1970, vindo a ser substituída pela CCaç 3549 em 21 de Maio de 1972.

Companhia de Caçadores n.º 3549, comandada pelo Capitão Quadro especial de Oficiais José Eduardo Marques Patrocínio e, posteriormente, pelo Capitão Miliciano Graduado de Infantaria Manuel Mendes São Pedro, unidade orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 3884, mobilizada em Chaves no Batalhão de Caçadores n.º 10, assumiu a responsabilidade do subsector, rendendo a CArt 2742, em 27 de Maio de 1972, vindo a ser substituída pela 2.ª Companhia do BCaç 4514/72 em 15 de Junho de 1974. (...)

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4550: Tabanca Grande (153): Cherno Baldé (n. 1960), rafeiro de Fajonquito, hoje quadro superior em Bissau...

Guiné-Bissau > Bissau > O  Cherno Baldé, na actualidade, no seu gabinete de trabalho, no Ministério das Infraestruturas, Transportes e Comunicações onde exerce as funções de director do gabinete de estudos e planeamento. 

Fez os meus estudos universitários, primeiro, na Ucrânia (ex-União Soviética) entre 1985/90 e depois em Portugal (Pós-graduação no CEA - Centro de Estudos Africanos /ISCTE).

Ex-URSS > Ucrânia > Kiev > Cherno Baldé, estudante, em 1989...


"Minha mulher, Geralda Santos Rocha, natural de Bissau, com quem sou casado desde 1992, período que coincide com a minha passagem por Lisboa (1992/94) para frequência do curso no ISCTE" (CB).


Guiné-Bissau > região de Gabu > Fajonquito > c. 1975 > "A nossa equipa de futebol de salão no quartel de Fajonquito entre 1974-1975, podendo-se ver em pé: Mamudo, Algássimo e o professor António Tavares; sentados: Eu (Cherno) e Aruna (filho do antigo padeiro) à minha esquerda" (CB)

Fotos: © Cherno Baldé (2009). Direitos reservados (*)

1. Mensagem de Cherno Baldé, com data de 15 do corrente:


Assunto - Saudações à Tabanca Grande

Caro amigo Luis Graça,

Navegando na internet, entrei por acaso neste blogue a que chamaram de Tabanca Grande. Procurei casualmente pela CCAÇ 1501 (**) que é das poucas recordações que ainda me restavam em memória sobre o período da guerra que entre nós ficou conhecida como a guerra colonial.

A pesquisa conduziu-me para o artigo de José Martins (*) e o assunto à volta do Furriel Andrade, despoletado por Filomena da Silva Correia, minha conterrânea de Fajonquito.

Antes vou me apresentar. Chamo-me Cherno Abdulai Baldé, nasci por volta de 1959/60. No quartel de Fajonquito chamavam-me Chico (de Francisco) e tinha amigos soldados que, na sua maioria, eram condutores ou mecânicos-auto. Tive as minhas primeiras aulas com oficiais Portugueses, em Cambajú e Fajonquito.

Aproveito para enviar uma saudação ao Furriel ou Cabo "Tintim" (CCAÇ 2435?), amigo do meu pai e meu primeiro mestre.

Na verdade, quando a minha família se transferiu para Fajonquito, a companhia 1501 já estava no fim ou já tinha terminado a sua comissão mas, na memória de todos, em Fajonquito, tinham ficado gravadas estas insígnias em forma de números que perduraram no tempo. No meu caso, não sei explicar as razões, ainda era muito pequeno, mas a insígnia ficou para sempre.

Conheci fisicamente o Capitão Carvalho que, na minha memória de infância, de criança que tinha mais fome da "sopa" que cabeça, guardo uma legenda, um mito. De qualquer modo, posso afirmar que era um oficial de verdade. Era um oficial militar que nós queríamos seguir as pisadas de bravura, quando fossemos homens e certamente soldados.

Ainda crianças pequenas, já tínhamos o gosto pela pólvora, a G3 e as granadas não eram nenhum segredo e, certamente, a nossa grande sorte foi a guerra ter terminado antes. Gostaria de saber mais sobre o seu destino. Houve vozes que chegaram até nós dando-o como morto em Angola ainda durante a guerra.


Conheci muita tropa que passou por Fajonquito entre 1968/74, em especial das companhias 3549 e 4514/72. (*) O rebentamento da(s) granada(s) que vitimara o saudoso Cap Figueiredo e seus companheiros de armas [da CART 2742] (*), apanhou-me a menos de 100 metros do local, quando estávamos a brincar perto da casa dos oficiais.

De todas as companhias, em especial, lembro-me da última que tinha sido transferida de Gadamael-Porto. Os soldados dessa companhia eram bastante melhores, do ponto de vista humano e das crianças indígenas da localidade porque foram os primeiros e únicos que, de uma forma geral, não nos deram pontapés no cu, às vezes sem qualquer motivo. Ao contrário dos outros, eles nos respeitavam de verdade. Intrigado com este comportamento exemplar nunca deixei de indagar as razões de fundo. A conclusão a que cheguei, mais tarde, é que eles tinham vivido a guerra de verdade, na frente, talvez, mais quente de toda a guerra da guiné.

Dessa companhia ainda me lembro do Cabo João e do Jorge, ambos condutores. Infelizmente não me lembro da companhia (será 4514 ?).

Juntamente envio um extracto de notas de memória daqueles tempos. Espero que sejam úteis, sobretudo que possam permitir aos protagonistas daquela época a percepção de como o outro lado os via e entendia a sua presença.

Como alguém disse, nesse blogue, realmente "o mundo é pequeno e o blogue... é grande".

Até a próxima,

Cherno A. Baldé


2. Mensagem de 17 de Junho de 2009:

Caro amigo Luis Graça,

Juntamente envio algumas fotos, uma da actualidade no meu gabinete de trabalho, no Ministério das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, a segunda com a imagem da nossa equipa de futebol de salão no quartel de Fajonquito entre 1974-1975, podendo-se ver em pé: Mamudo, Algássimo e o professor António Tavares; sentados: Eu (Cherno) e Aruna (filho do antigo padeiro) à minha esquerda.

Um abraço,

Cherno Baldé

3. Mensagem de hoje:

Caro Luís,

Ontem enviei três fotos mas esqueci-me de dizer que a terceira era a imagem da minha mulher, Geralda Santos Rocha, natural de Bissau com quem sou casado desde 1992, período que coincide com a minha passagem por Lisboa (1992/94) para frequência do curso no ISCTE.

Hoje envio mais uma que é uma recordação dos tempos de estudante em Kiev, Ucrânia onde vivi e estudei entre 1996/90, após uma breve passagem por Kichinov (Moldávia) para aprendizagem da língua Russa.

Obrigado pela paciência que está a ter comigo e devo esclarecer que não estou a procura de ninguém em especial, só querendo fazer parte da Tabanca e compartilhar alguns sentimentos do passado e do presente.

Eu passei boa parte da minha infância entre a tropa que passou por Fajonquito (1968/74) e tive muitos amigos que, na verdade, logo esquecia para me concentrar nos récem-chegados.

Eu era desses raros pequenos rafeiros do quartel impossíveis de controlar e muito menos de afastar. Quando se fechavam os portões do quartel entrava, mesmo assim, por baixo do arame farpado. O dia e a noite faziam pouca diferença. Apanhava porrada de um ou outro quando deambulava pelo quartel, mas também, dava alguns trocos com emboscadas e pedradas a noite.

A língua ? Isso importava menos. Quando o meu amigo, o Dias, me perguntava "Hó Chiiico já limpaste as minhas botas?", eu respondia de imediato "Sim senhor, já limpaste" e depois ?"...

Nós nos compreendiamos muito bem e isso é que importava. Foi esta vida de cão de quartel no meio de jovens soldados endiabrados, acossados pela ansiedade do regresso a casa e o medo da morte que me moldou a vida e me preparou para enfrentar o mundo.

O fim da guerra foi para mim uma libertação mas também um choque terrível de que só tomei consciência passados os primeiros seis meses após a saída do último soldado português. Durante algum tempo ainda tudo continuou na mesma, havia a batata, o bacalhau já com muito mais arroz.

O maldito arroz era, cada dia, mais abundante nos pratos, mas o início da minha miséria começou mesmo foi quando a carne de macacos substituiu tudo o resto. Então, como bom rafeiro que era, olhei para o céu duas ou três vezes seguidas, como fazia sempre que estava em apuros, e compreendi que tinha chegado a hora da largada para outros destinos. Caminhei para casa e quando cheguei, enfrentei os meus pais olhos nos olhos e garanti-lhes que daquele dia em frente nunca mais faltaria às aulas da mesma forma que, também, não voltaria a pisar no quartel transformado em comedouro de macacos.

Espero não estar a exagerar nos desabafos e nas minhas possiveis alucinações.

Cherno A. Baldé

4. Comentário de L.G.:

Não te vou tratar por senhor dr. Cherno Baldé, por que a tua vontade é ingressares nesta Tabanca Grande, onde não há ou não deve barreiras (físicas, simbólicas, sociais, protocolares, étnicas ou culturais)... 

Tratemo-nos, pois, por tu, e vamos retomar as conversas e as brinqueiras com os tugas do teu tempo de Fajonquito (1968/74)... Também não te vou tratar por camarada porque não foste combatente, nem militar, tecnicamente falando... Em contrapartida, passaste pela mesma Escola que eu, o ISCTE, e isso reforça as nossas afinidades e cumplicidades... Estive além disso na CCAÇ 12 onde havia vários Chernos Baldé, gente do Cossé, de Badora, do Corubal...

Estás em casa, espero que sintas hoje muito mais confortável do que nesse tempo, em que matavas a fome com as sobras do quartel a troco de pequenos serviços... Como tu, houve milhares de jubis (como a gente dizia, referindo-se aos putos) que viviam literalmente nos nossos quartéis, estudaram e fizeram-se homens nos nossos quartéis...

Essa história de infância e adolescência merece ser contada...Mais, a tua história de vida, de luta, através do trabalho e do estudo, é um exemplo que nos comove a todos nós e que te deve orgulhar, a ti e à tua família...

Recebo-te, pois, de abraços abertos, meu amigo e meu irmãozinho, guineense, mesmo não tendo conhecido Fajonquito (do leste só conheci a região de Contuboel, Geba, Bafatá, Galomaro e Bambadinca, até ao Saltinho, passando por Xime, Mansambo e Xitole  e, a norte do Geba Estreito,  os regulados do Enxalé, Cuor, Joladu...).

Irei dar início, para a semana, à publicação das pequenas histórias que me mandaste. Até lá, mantenhas para ti e para a tua família. Que Deus te proteja, a ti e à nossa Guiné...L.G.
_________

Nota de L.G.:

(*) Há dias, devido a um "bug", estas fotos desapareceram do meu Álbum Picassa, e o poste teve que ser reeditado. Peço desculpa ao Cherno Baldé e aos nossos leitores por esta anomalia técnica, corrigida hoje (23/6/09).

Dear Picasa Web Albums user,

We wanted to let you know about a recent issue with your Picasa Web Albums account. As a result of a bug in our email notification system, some links and titles to unlisted albums and photos in your account may have been inadvertently sent to a limited set of other users -- those listed in your account as "Fans".

This involved unlisted photos only -- no 'sign-in-required to view' photos were involved. We fixed the issue within hours of identifying the problem.

To help remedy this bug, we have reset the unique web addresses for all albums that may have been affected. This helps ensure that these albums are inaccessible to anyone that attempts to view them using the outdated web address. If you would like to re-share these albums, please do so by clicking the "Share" button while viewing the album. Note, resetting the unique web addresses also broke image links for some affected photos in your Blogger blog -- you will need to re-post those images using Blogger. This applies to images uploaded from Wednesday evening to late Thursday night, Pacific Standard Time.

We're sorry for the trouble this may have caused. Although this issue only affected roughly 0.05% of Picasa Web Albums users, we want to assure you that we have treated this issue with the highest priority.

The Picasa Team

Some photos from the following unlisted albums may have been affected, so they have had their web addresses reset:

LuisGracaCamaradasDaGuine02 (Blogger)



(**) Vd. poste de 3 de Abril de 2009 >Guiné 63/74 - P4136: As Unidades que passaram por Fajonquito (José Martins)

(...) Companhia de Caçadores n.º 1501, comandada pelo Capitão de Infantaria Rui Antunes Tomaz, unidade orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 1877, mobilizada em Tomar no Regimento de Infantaria n.º 15, assumiu a responsabilidade do subsector, rendendo a CCaç 1497, em 26 de Janeiro de 1967, vindo a ser substituída pela CCaç 1685 em 19 de Setembro de 1967.

Companhia de Caçadores n.º 1685, comandada pelo Capitão de Infantaria Alcino de Jesus Raiano, unidade orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 1912, mobilizada em Évora no Regimento de Infantaria n.º 16, assumiu a responsabilidade do subsector, rendendo a CCaç 1501, em 19 de Setembro de 1967, vindo a ser substituída pela CCaç 2435 em 14 de Dezembro de 1968.

Companhia de Caçadores n.º 2435, comandada pelo Capitão de Infantaria José António Rodrigues de Carvalho e, posteriormente, pelo Capitão de Infantaria Raul Afonso Reis, unidade orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 2856, mobilizada em Abrantes no Regimento de Infantaria n.º 2, assumiu a responsabilidade do subsector, rendendo a CCaç 1685, em 07 de Dezembro de 1968, vindo a ser substituída pela CCaç 2436 em 20 de Abril de 1970.

Companhia de Caçadores n.º 2436, comandada pelo Capitão de Infantaria José Rui Borges da Costa, unidade orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 2856, mobilizada em Abrantes no Regimento de Infantaria n.º 2, assumiu a responsabilidade do subsector, rendendo a CCaç 2435, em 20 de Abril de 1970, vindo a ser substituída pela CArt 2742 em 13 de Agosto de 1970.

Companhia de Artilharia n.º 2742, comandada pelo Capitão de Artilharia Carlos Borges de Figueiredo e, posteriormente, pelo Alferes Miliciano de Artilharia Baltazar Gomes da Silva, unidade orgânica do Batalhão de Artilharia n.º 2920, mobilizada em Penafiel no Regimento de Artilharia Ligeira n.º 5, assumiu a responsabilidade do subsector, rendendo a CCaç 2436, em 13 de Agosto de 1970, vindo a ser substituída pela CCaç 3549 em 21 de Maio de 1972.

Companhia de Caçadores n.º 3549, comandada pelo Capitão Quadro especial de Oficiais José Eduardo Marques Patrocínio e, posteriormente, pelo Capitão Miliciano Graduado de Infantaria Manuel Mendes São Pedro, unidade orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 3884, mobilizada em Chaves no Batalhão de Caçadores n.º 10, assumiu a responsabilidade do subsector, rendendo a CArt 2742, em 27 de Maio de 1972, vindo a ser substituída pela 2.ª Companhia do BCaç 4514/72 em 15 de Junho de 1974.2.ª

Companhia do BCaç 4514/72, comandada pelo Capitão Miliciano de Infantaria Ramiro Filipe Raposo Pedreiro Martins, unidade orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 4514/72, mobilizada em Tomar no Regimento de Infantaria n.º 15, assumiu a responsabilidade do subsector, rendendo a CCaç 3549, em 15 de Junho de 1974, vindo a iniciar o deslocamento para Bissau a partir de 30 de Agoosto de 1974, tendo um pelotão efectuado a desactivação e entrega, ao PAIGC, do aquartelamento em 01 de Setembro de 1974. (...)

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4135: Em busca de... (70): Fur Mil Andrade e Cabrita Martins que estiveram em Fajonquito entre 1971/73 (Afonso Sousa)

Em busca de... Furriel Andrade, Fajonquito 1971/73

1. Tudo começou assim:

i. Mensagem de Maria Filomena Silva Correia, uma nossa amiga guineense, de Bissau, que se dirigiu a Luís Graça no dia 30 de Março de 2009:

Boa tarde

Querido amigo

Eu sou Maria Filomena Silva Correia (Tchentcha), filha de falecida Cristina Silva Correia em Fajonquito, tenho irmãs de nome Maria Luísa (Vitorina), Cesina e um irmão mais novo chamado Carlitos.

Hoje, quando vi seu site na internet achei por bem que o senhor me poderia ajudar a encontrar um meu amigo de quando eu era criança, Senhor cujo nome nunca conheci, porque ele era chamado furriel Andrade. Ele era do mesmo batalhão que o furriel Cabrita Martins se não me engano.

O senhor não pode imaginar quanta vezes procurei por esse senhor em Portugal.


ii. Hoje mesmo foi enviada uma mensagem à tertúlia no sentido de encontrar alguém que eventualmente tenha um pista para dar a esta nossa amiga.

Se entre os nossos leitores houver alguém que possa ajudar a encontrar o camarada Andrade ou o camarada Cabrita Martins, por favor façam-nos chegar essa informação ou contactem a Maria Filomena para o endereço filocorreia@yahoo.com.br

O nosso obrigado desde já.
CV


2. Desenvolvimento

i. Mensagem de Afonso Sousa para Maurício Nunes Vieira:

Caro Maurício Nunes Vieira:

Poderá informar-me (caso saiba) qual era a Companhia que estava em Fajonquito, entre 1971 e 1973 ?

Por acaso conhecia (dessa companhia) o ex-Furriel Miliciano de nome Andrade ?

Com os meus cumprimentos
A. Sousa


ii. Mensagem resposta de Maurício Nunes Vieira para Afonso Sousa

Em Fajonquito entre 1971 e 1973 estava a CCaç 3549, do Batalhão 3884, eu pertenci à CCS em Bafatá. Quanto ao ex-furriel Andrade não me lembro já, aliás conhecia bem todos os camaradas da minha Companhia, os outros por não haver tanto contacto era difícil.

Lamento não poder ser mais útil, tente no blog do Luís Graça que decerto haverá quem conheça, sei que todos os anos fazem convívio, conheço e dou-me bem com o capitão dessa Companhia, mora aqui em Sintra perto de mim, é o capitão Sampedro, grato por conhecê-lo, sempre ao dispôr,

um abraço

Nota: Junto lhe envio o emblema da companhia de Fajonquito

3. No dia 2 de Abril chega ao Blogue esta mensagem de Afonso Sousa:

Caro Carlos:

Já consegui localizar o furriel Andrade (e inclusivé já falei com ele).

É caso para dizer: fazemos (o Blog) melhor investigação que os magistrados do processo Freeport !

Ora vamos aos dados:

Fajonquito:

CART 2742 (1970/72) ----> Rendida pela CCAÇ 3549 (1972/74)

- Furriel Constantino Dias Andrade (Fornos - Santa Maria da Feira) - CCAÇ 3549 (contactos omitidos pelo editor)

Carlos,
comunica a essa amiga de Bissau.

Um abraço
Afonso Sousa

Agradecimentos (ex-militares que serviram de pistas para chegar à localização do Andrade):

Aníbal Manuel Oliveira Farraia - Estarreja - CCAÇ 3549
José Cortes - Coimbra - CCAÇ 3549
José Manuel Valente - Santarém - CART 2741 - Furriel Enf
Capitão Manuel Mendes Sampedro - Comandante da CCAÇ 3549
Agostinho Costa - CART 2742
Joaquim Conceição - CART 2742
Furriel Ribeiro - CART 2742 - Albergaria-a-Velha
Furriel (Fernando Francisco) Cabrita Martins - Vaguemestre - BART 2920 - CANEÇAS

(Contactos omitidos pelo editor)


4. Envio das informações recolhidas à peticionária

i. Informação enviada à nossa amiga Maria Filomena, ontem dia 2 de Abril de 2009:

Cara amiga Filomena Correia

Como pode ver, consultando a mensagem abaixo, o meu camarada Afonso Sousa, encontrou o seu velho amigo Andrade, tendo já falado com ele.

Uma vez que tem o contacto do Andrade, faça o favor de o contactar. Por outro lado, gostaríamos de saber, mais tarde, como foi esse reencontro.

Continuamos ao dispôr para o que precisar.

Aceite as nossas saudações
Carlos Vinhal
Co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
e
Afonso Sousa
Tertuliano e colaborador do mesmo Blogue


ii. Mensagem de Filomena Correia, recebida hoje mesmo no Blogue:

Bom meu querido Carlos

Agradeço o vosso esforço em encontrar o meu amigo furriel Andrade, ja tentei ligar para ele mas ainda sem successo, logo que conseguir conversar com ele vou informar para vocês como foi o encontro.

Muito obrigada
Filomena (Tchentcha)


5. Comentário de CV:

Mais uma vez resolvemos um caso de busca de pessoas. Se para a maioria das pessoas, este nosso gesto pouco poderá significar, para as pessoas que se nos dirigem é uma hipótese de encontar alguém que lhes lembra até a meninice, como este caso particular.

Não posso deixar de realçar e agradecer a prestimosa colaboração de alguns camaradas sempre atentos, porque mais sensíveis, digo eu, a estes pedidos.

Desta vez o trabalho para encontrar o camarada Andrade deve-se ao nosso companheiro Afonso Sousa a quem agradecemos particularmente.

Ainda a propósito deste assunto, o nosso camarada José Martins desenvolveu um trabalho com as Unidades que passaram por Fajonquito, que publicaremos em poste autónomo.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4111: Em busca de... (68): Furs Mils Andrade e Cabrita Martins que estiveram em Fajonquito entre 1971 e 1973 (Maria Filomena Correia)

Vd. último poste da série de 2 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4131: Em busca de... (69): Estêvão, ou Coconut, que era ainda menino, em Prábis, no ano de 1973 (J. Casimiro Carvalho)