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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - 10997: Blogpoesia (319): Sou nada (Ernesto Duarte)

1. Mensagem do nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), com data de 24 de Janeiro de 2013:

Camarada Carlos Vinhal
Os meus fraternais cumprimentos.
Tenho aparecido pouco, os últimos 2 anos e tal foram muito duros para mim. Os ossos, as tenssões, as faltas de vitaminas, os vírus, as bactérias. Mas quase todos dias vou ao blogue.

Eu fiquei, ontem como hoje, amando e odiando aquela terra. Acho maravilhoso fulanos serem amigos 50 anos depois, como se fossem miúdos. E contra factos não há argumentos.
O blogue tem sido o grande aglutinador, o veio de transmissão dessas amizades. Claro o blogue não funcionam sozinho. Só funciona graças a esses corações maiores que o peito, a quem eu ficarei sempre grato.

Carlos, mando-te umas linhas, passam a ser tuas, do blogue. Se acharem que tem algum valor para publicar, reafirmo são vossas.

Um muito Grande Abraço
Ernesto Duarte
Furriel miliciano
CCAÇ 1421/BCAÇ  1857
1965 a 1967
Mansabá, Oio, Mores


Sou nada 

Eles estão ali 
Esfarrapados 
Mutilados 
Aos pedaços 
Cheios de sangue 
Cheios de lama, feita com sangue e de 
Uma terra que não era a sua 
Amada 
Odiada 
Gritando de desespero 
Gritando de dor 
Gritando pela mãe 
Gritando pela mulher 
Gritando pela namorada 
Gritando pelos filhos 
Vão sucumbindo na frente da nossa impotência e raiva 
Agarram-se a nós como se agarrassem a vida 
Para ela não lhes fugir 
Já sem forças 
Ainda murmuram 
Amei- vos Muito e Muito 
Já não se ouvem, só já mexem os lábios 
E nós ficamos vociferando 
Gritando de raiva até hoje 
Com aqueles que passaram 
O resto da sua vida chorando e dizendo 
Amei-te muito meu filho 
Amei-te muito meu homem 
Amei-te muito pai , mesmo sem te conhecer 
A guerra dizem que é para homens 
Amaldiçoada maneira de dizer que sou homem.
______

Nota do editor:
Ao nosso camarada Ernesto Duarte uma palavra de agradecimento pelas palavras que nos são dirigidas e de encorajamento para enfrentar o tempo que leva a recuperação das maleitas que nos vão chegando com a idade. Somos já um grande grupo de dinossauros que, como sabemos, foi sempre uma espécie ameaçada.
Caro Ernesto para ti um abraço solidário e a certeza de que vais ultrapassar este momento menos bom.
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Nota  de CV:

Vd. último poste da série de 19 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - 10962: Blogpoesia (318): Dizem-nos que estamos a envelhecer ( Luís Graça)

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10731: Memórias de Mansabá (26): Os meus 45 dias em Mansabá (José António Viegas)

 Vista aérea de Mansabá
 Foto de Carlos Vinhal


1. Mensagem do nosso camarada José António Viegas (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68), com data de 23 de Novembro de 2012:

Caro Carlos Vinhal
Vou voltar aos meus 45 dias em Mansabá. Pena que não tenha fotos desta fase pois ardeu-me tudo no ataque em Missirá.

Nos primeiros dias em Mansabá, ao cair da noite, começou o nosso obus 8.8 a cantar, vim até ao pé da bateria falar com o artilheiro um Fur. Mili. cabo-verdiano, perguntar o que se passava, dizendo ele que tinham informações que o Amílcar andava por ali.

Na semana seguinte foi feita uma operação em forte com a 5.ª CComandos, a CCP 121, a CCAÇ 1421 e o nosso Pelotão. Entrámos pelo Morés, os Comandos e os Páras fizeram o estrago e voltamos.
Um Sargº. Paraquedista trocou o seu camuflado com o meu, soube há pouco tempo que morreu com a doença maldita e que vivia aqui perto de Loulé.

Todas as semanas estávamos a sair sempre à noite. Nas progressões, até me habituar no escuro da noite, às grandes teias de aranha e aos terríveis bicos das Micaias, foi uma tortura.

Antes de sairmos, fomos montar uma emboscada no Alto de Momboncó com um Pelotão da 1421. Estava com o meu pelotão emboscado quando vejo os Fiat a picar sobre nós, deu para assustar, levantámos com as armas para o alto e vejo o asa a desviar, logo de seguida ouviu-se largar as bombas e o cheiro horrível de petróleo. Este era um dia não, e no regresso apanhámos com uma emboscada de abelhas, os nativos largaram as armas e toca a fugir. O Sargento Monteiro da 1421 ficou bem picado e ainda por cima tinha pouco cabelo, ficando num estado lastimável.

Desta CCAÇ 1421 lembro-me do Cap Carrapotoso, já falecido, e dos Furriéis Fernandes e Passeiro.

E aqui está uma pequena resenha da minha passagem por Mansabá.
Segue a nossa colocação no Enchalé com a CCAÇ 1439

Um abraço
Viegas
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8405: Memórias de Mansabá (25): Recordações de António Dâmaso, Sargento-Mor Pára-quedista - Operação Nestor

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10713: Memória dos lugares (196): Bolama, Agosto de 1966 (José António Viegas)



 


Monumento aos Pilotos italianos (**)

Bolama, Agosto de 1966


1. Mensagem do nosso camarada José António Viegas* (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68), com data de 17 de Novembro de 2012:


Da minha estadia em Bolama, antes de ser colocado com o meu Pel Caç Nat 54 em Mansabá, lembro-me bem daquela cidade já em degradação mas ainda com várias edificações em bom estado, como os correios, junto à piscina do Cabo Augusto onde se passavam os bons tempos de lazer, a casa do Governador e o Hotel, que estava em boas condições, onde muitos camaradas vinham descansar e passar férias.

No fim de Agosto, depois de ter terminado o treino operacional, seguimos para Bissau e depois para Mansoa, numa coluna enorme, onde se juntaram mais militares com destino a Mansabá.

A coluna até Cutia decorreu com normalidade, mas a partir daqui foram tomadas todas as precauções até Mansabá, onde se ouviram alguns tiros e aviso.

Em Mansabá estivemos 45 dias com a CCAÇ 1421. Aqui começa a nossa entrada na guerra. Logo nos primeiros dias fomos fazer um golpe de mão e, como tal, foi posta à prova a nossa impreparação para reagirmos debaixo de fogo. Quando se chegou ao objectivo, foi lançado o ataque pelo homem da bazuca e, debaixo daquele fogachal, eu de pé com as balas a assobiar sem saber o que fazer.

Aqui começa a minha preparação com os melhores operacionais, os meus soldados nativos, o meu Cabo Ananias Pereira Fernandes, o homem que não gostava de G3 e só usava a Madsen, que me joga para o chão e me ensina a organizar e dispersar debaixo de fogo.

Lembro-me o que aprendemos em Vendas Novas com aqueles filmes da guerra da Argélia, no meio de dunas, e nós íamos para a selva, enfim ainda havia poucos formadores com experiência de combate.

Acabo aqui a primeira fase de Mansabá voltarei às peripécias destes 45 dias. (***)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10626: Tabanca Grande (368): José António Viegas, natural de Faro, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54 (1966/68), grã tabanqueiro nº 587

(**) Homenagem de Mussolini aos 5 aviadores italianos, vitimas de queda dos seus aparelhos em 5 de Janeiro de 1931 quando faziam a ligação Itália/Brasil com escala por Bolama.

Vd. também excerto publicado na I Serie do nosso blogue:

(...) Finalmente: Bolama que tem em si um dos raros monumentos ao esforço fascista de paz, quando Mussolini e Ítalo Balbo tentaram o cruzeiro aéreo para unir Roma ao Brasil. Com efeito, dois dos aparelhos despenharam-se em Bolama e a missão esteve em riscos de se malograr. Tal não aconteceu porque a tenacidade de Ítalo Balbo a isso se opôs. Resta desse desastre o belo monumento aos «Caduti di Bolama» no qual se reproduz um aspecto dos destroços dos aviões — duas asas, uma das quais ainda erguida aos céus e a outra quebrada e caída em terra.

O monumento foi feito por italianos e com pedra italiana, vinda de Itália, para esse fim. Mandou-o erguer Mussolini e na sua base lá se encontra a coroa de bronze por ele oferecida, com estes dizeres — Mussolini ai cadutti di Bolama. Ao lado, a águia da fábrica de hidroaviões Savoia, uma coroa com fáscios da Isotta-Fraschini e a coroa de louros da Fiat. É curioso notar que este será um dos raros monumentos do fascismo, no mundo, que no fim de 1945 não foi apeado. Virado para diante e no alto, o distintivo dos fáscios olha ainda com alienaria o futuro, no seu feixe de varas e no seu machado, a lembrar a grandeza da Roma do passado. (...)

Fonte: Extractos de: César, A. - Guiné 1965: contra-ataque. Braga: Pax, 1965.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8360: Blogoterapia (181): Apesar da idade, continuamos a realizar os nossos Encontros e ainda nos comovemos (Ernesto Duarte)

1.Mensagem do nosso camarada Ernesto Duarte* (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), com data de 29 de Maio de 2011:

Boa Noite Carlos
Tudo de bem contigo e com os teus, são os meus desejos.

Carlos, eu de uma maneira geral sou um pouco vadio, um pouco vira-latas, aproveitando tudo para estar o mais tempo possível fora, e como ainda não ando com o caixote às costas, passa-se muito tempo que não tenho noticias, eu já disse isto um milhão de vezes, mas a idade não perdoa, vou sendo chato.

Na semana de 14 de Maio foi o almoço da minha Companhia, da minha Companhia é favor.
Correcto será dizer de um grupo de velhos gordos, que teimosamente continuam a não deixar morrer aquela chama. Penso que enquanto existir um que se dê mexido há almoço.

Eu e uns quantos, todos, comovemo-nos sempre, nós sentimos ali ainda aquele espírito de união, de respeito, de convivência sadia, e vêm muito ao de cima aqueles momentos que estão cá marcados. Fomos e estava tudo preparado, sem perguntas, sem más vontades, agindo como um todo.

Comovo-me por aqueles que já muito doentes, de canadianas, sem falarem, braços ao peito, mas aquele olhar é o mesmo, demonstra uma força e um querer, aqueles abraços são vidas que se agradecem em simultâneo.

Comovo-me por aqueles que lá ficaram.

Comovo-me, porque há 44 anos que chegámos, há 46 que partimos e há para aí 47 que me apareceram aqueles tipos de fardas largas e com aspecto de tudo menos de militares, e nós fizemos deles militares, combatentes e hoje estão ali uns homens que até deram um pontapé na vida difícil.

Só um militar e um operacional pode ouvir isto: - Foi graças a ti que eu cá estou, devo-te tudo.

Sentir este orgulho, é nosso, só nosso dos operacionais.

Que raio de gente fomos nós, que raio de gente somos nós, que esta quantidade de gente é ignorada pela Pátria que tanto amamos.

Mas como sou vira latas, aproveitei mais a minha companheira de 50 anos para andar por aí. O almoço era em Ílhavo / Vagos e a nossa primeira paragem foi em Badajoz.

Depois uma ida lá baixo para ver as coisas, cheguei há pedaço.

Carlos, eu no tempo em que o Azimute foi feito, era muito mais ingénuo e aquilo na altura mexeu comigo, mexeu connosco, e ao encontrá-lo hoje não sei atribuir-lhe qualquer valor, vocês com mais conhecimentos, poderão por ventura atribuir-lhe algum. Eu não gosto de me tornar pesado, sabendo o mundo de papeis ( mail ) que tens, obrigado.

Exemplar de um Azimute oferecido pelo camarada Ernesto Duarte ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Obrigado Carlos, um bom 4 de Junho, não quero ser profeta da desgraça, mas o 5 deve todo ele ser mesmo ímpar.

Um grande Abraço e tudo de bom
Ernesto Duarte
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Notas de CV:

(*) Vd. poste da série de 20 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8142: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (11): Domingo de Ramos (Ernesto Duarte)

Vd. último poste da série de 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8358: Blogoterapia (180): Sondagem sobre a Tabanca Grande (Miguel Pessoa)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7811: Memórias de Mansabá (21): Fotos da bolanha de Mansabá, a nossa praia (Ernesto Duarte)

1. Em mensagem do dia 10 de Fevereiro de 2011, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), enviou-nos estas fotos para o espólio das Memórias de Mansabá.

Boa noite Carlos
Tomei a liberdade de te enviar mais umas quantas fotos, duas mostram mais ou menos bem um abrigo a construir e já feito no K3.

As outras são na bolhanha de Mansabá, eu gostava muito dos putos e de falar com as mulheres grandes é uma filosofia de vida
tão diferente.

Um abraço e muito obrigado
Ernesto Duarte


MEMÓRIAS DE MANSABÁ (21)

Fotos de Mansabá

Construção de um abrigo no K3


Ernesto Duarte num abrigo do K3






Mansabá - Lavadeiras em plena actividade na bolanha




Mansabá - Ernesto Duarte entre as lavadeiras




Mansabá - Bajuda a banhos na praia






Mansabá - Ernesto Duarte com os miúdos
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7804: Memórias de Mansabá (9): Jornal Bajudo da CCAÇ 1421 (Ernesto Duarte)

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7804: Memórias de Mansabá (20): Jornal Bajudo da CCAÇ 1421 (Ernesto Duarte)

1. Em mensagem do dia 8 de Fevereiro de 2011, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), enviou-nos estas páginas referentes a um exemplar do Jornal Bajudo, publicado pela sua Companhia. 

Pelo material enviado fica-se a saber que se tratou de um períódico com grande tiragem, que abarcava vários temas de interesse para a população (militar e civil) local, oferecendo rubricas variadas, tais como: crónicas, turismo, anúncios, poesia, notícias sobre o jet set local, etc.


MEMÓRIAS DE MANSABÁ (20)


JORNAL BAJUDO, EDIÇÃO DA CCAÇ 1421


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OBS: - do editor

- Imagens editadas por Carlos Vinhal.
- O editor não é responsável pela não apresentação completa dos textos nas páginas apresentadas
- Para uma leitura mais cómoda, clicar nas imagens para as ampliar
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7800: Memórias de Mansabá (8): Operação Vaca (Ernesto Duarte)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7800: Memórias de Mansabá (19): Operação Vaca (Ernesto Duarte)

1. Continuando as suas Memórias de Mansabá, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), enviou-mos mais esta mensagem com data de 8 de Fevereiro de 2011:

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (19)

OPERAÇÃO VACA

Vieram-me à memória ainda muitas coisas e há milhentos episódios em que eu não estive presente. Falei por vezes no geral, mas eu estive lá e sempre fui observador, e é com muita admiração que eu olho para a capacidade de resistência e disciplina daquela malta. Quanto à resistência havia muito poucos que chegassem aos 70Kg quando regressaram, mas ainda me falta falar de uma operação, a última que foi ir a Mantida... assaltar o curral das vacas.

E lá fomos, por acaso já com alguma euforia, era a última noite fora, caminhos e sítios conhecidos, não chovia, passámos a bolanha, a zona de floresta, o campo de mancarra, uns pela esquerda, outros pela direita, entrada na mata voltados para Morés, e logo no principio lá estavam as vacas presas com cordas. Cada um à sua e retirar o mais rápido possível.

Nem todos tinham jeito para vaqueiros, queriam que as vacas corressem, mas... mas era preciso deixar o campo de mancarra rapidamente e entrar na floresta. Houve algum engarrafamento, até que chegaram os pastores, as vacas tiveram muito medo dos tiros, mais difícil foi segurá-las, muitos deixaram-nas fugir, calámos os pastores, conseguiu-se meia bolanha onde havia uma espécie de ilha com árvores e palmeiras, onde ficámos uns quantos e as armas pesadas. Eles vieram mais fortes, mas um homem da bazuka pôs lá uma ou duas mesmo no sitio. Foi mais um regresso em calma e ainda com muitas vacas que o nosso Capitão ofereceu em grande parte à Tabanca. Tudo que sobre um ponto de vista foi inglório, tinha que acabar também sem grande glória, ou pelo menos algo inserido em toda a ilógica. Acho que naqueles dois anos fiz muito pouco pelo meu País.

Eu sei que foi uma guerra dos soldados e seus familiares, não fomos voluntários, claro que há excepções, fomos porque fomos obedientes e cumpridores, fizemos o que a pátria mandava. Volto a dizer que sou de origem muito humilde, mas tenho o orgulho e a altivez das gentes da serra, não quis, não quero nada, o país nunca aceitou que estava em guerra, também não me parece que seja hoje, que seja amanhã, que reconheça o facto nobre que um indivudúo fez, responder presente quando a pátria o chamou. Continuo a amar a minha pátria com orgulho e lealdade, mas eu sempre a tenho visto por caminhos atribulados, ou pelo menos que eu não gostei, não gosto, não espero nada dela, só gostava que ela pelo menos me deixasse quieto no meu canto, porque cada vez gosto menos das máquinas estatais e dos homens que as conduzem.

Eu gosto da verdade pela verdade, sem peias sem obrigações, que nascem e crescem, porque têm o tal coração enorme, o tal abnegação sem limites.

Sabem bem ver o senhor Luís Graça e o senhor Carlos Vinhal, totalmente independentes terem atingido os números que atingiram.

Não me venham bater por causa do senhor, porque eu bato já em mim, mas foi uma maneira que eu arranjei para dizer um muito obrigado sincero à vossa independência.

Éramos uma companhia cultural, criámos um jornal e tudo.

Ernesto Duarte

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7798: Memórias de Mansabá (7): Recordações sobre o Fur Mil Jaime de Matos Feijão (Manuel Joaquim/Veríssimo Ferreira)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7793: Memórias de Mansabá (17): Aquele Manhau (Ernesto Duarte)

1. Continuando as suas Memórias de Mansabá, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), enviou-mos esta mensagem com data de 8 de Fevereiro de 2011:

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (17)

AQUELE MANHAU

Relembrar um pouco para o outro lado, como disse a cronologia das datas foi-se, mas como é fácil de perceber a nossa área territorial era muito grande e eu tentei e vou tentando falar, por sectores.

Manhau a Canjambari com passagem por Mantida, fez-nos andar muitos e muitos quilómetros, é uma zona diferente de Morés na vegetação, e como estava ocupada na altura pelo IN, muita população, mas Casa de Mato com muita força, só Uália.

Mantida > JAN1972 > Furs Mil Carlos Vinhal e Rui Sousa da CART 2732 (segundo e quarto a partir da esquerda) com camaradas da 27.ª CComandos.

Fomos muitas vezes até Gendo Canjambari, saía-se de Manhau ainda tínhamos lá o destacamento, como sempre de noite tentando evitar as zonas habitadas passando por elas no regresso. Uma noite saímos com destino a Canjambari, era muito longe, chegámos ao amanhecer e passamos lá o dia, andando à procura... à procura, era um terreno relativamente aberto, de quando em quando uns tiritos, íamos preparados para ficar lá essa noite e ficámos. Acampámos ainda de dia em circulo, cavando-se uns pequenos abrigos, comeu-se o que havia e ficámos quietinhos à espera que anoitecesse. Assim que escureceu, rapidamente e em silencio, fomos ocupar uma zona de grande arvoredo, instalámo-nos o melhor que foi possível, passados uns minutos o lugar onde tínhamos estado foi atacado com uma violência enorme, assim que se aperceberam que não tinham resposta, calaram-se e assim nós passámos mais uma noite da Guiné. No outro dia começámos a regressar e a tentar passar pelas zonas populosas, chegámos já muito tarde a Manhau, com os milícias que andavam connosco carregados de coisas que tinham encontrado, e com alguma população civil, recuperada...

Ida a Uália, cercada por uma bolanha, a qual passamos ainda de noite, entrando por um sítio que os surpreendeu, o fogo foi muito rápido, mas aconteceu uma coisa que nunca tinha acontecido, passado pouco tempo, estavam a bater a zona com morteiros e muito bem regulados, nós fomos para o lado deles, o silêncio impôs-se, voltamos por Gussará, onde encontrámos população civil, recuperámos mais...

Passados uns tempos, uma noite de chuva e nós a caminho de Manhau, um grupo de combate e outro dividido a meio, duas grandes secções, comandadas pelo Alferes Henriques, a quem eu daqui, com todo o respeito, envio um grande abraço e peço, apareça Henriques.

No pequeno abrigo do comando de Manhau, todos molhados, o Comandante de Companhia, o Alferes Henriques, o Alferes Carvalho dos Águias Negras, a fazer de anfitrião, os outro não me lembro, talvez o Alferes Varela, a quem eu igualmente com todo o respeito mando um grande abraço, talvez ainda o Teixeira o Fur Mil Feijão, que com fervor peço que tenha no céu uma vida melhor da que teve na terra, e eu. Vimos os últimos pormenores, o Alferes Henrique não era o nosso comandante de pelotão e como nós íamos à frente, era sempre um momento tenso, disfarçado com algumas brincadeiras. Disse para o Comandante de companhia: - Eu vou à frente mais o meu cabo às ordens, nós olhamos neles (guias) nem que seja a tiro. Diz o Feijão: - Deixa-me ir eu porque eu nunca fui, e estás a querer armar-te em comandante. Era uma companhia disciplinada, Saímos, os soldados colaram-se a nós até porque o escuro com a chuva ainda era maior e era preciso mais cuidados, os primeiros começaram a andar e lá foi o Feijão à frente. Tínhamos andado muito pouco, continuava a chover e dentro das palmeiras ainda era mais escuro se isso fosse possível, passaram para trás porque havia uma palmeira caída ao longo do trilho. Ao passarmos por trás, oiço um grito: - Arame!!! Voei e gritei para se atirarem para o chão. Deu-se uma explosão enorme, muitos gritos, gritos do fundo da alma, levantei-me, orientei-me e comecei a chamar por eles, muitos responderam:  - Estou ferido.

O Feijão gritava: - Quero um médico. - Pus a espingarda a tiracolo, peguei-lhe ao colo e comecei a andar para o lado de Manhau , deixou de gritar e senti o corpo a apagar-se. Passei-o já cadáver a outros e fui à procura de mais, havia muitos feridos e muita gente desorientada devido ao estrondo da explosão, ao escuro e à chuva que continuava. A escuridão era praticamente total. Já dentro do destacamento de Manhau o Capitão estava mais louco do que todos, queria ir só com voluntários, eram todos, Bissau não deixou, voltamos para Mansabá a pé, sempre chovendo. No outro dia veio a ordem para tirar Uália do mapa com a Artilharia.

Hoje consigo dizer que foi uma noite louca, passada muito próximo do Inferno.

Para o lado do Ussado e Cubane fizemos menos operações, mas mesmo assim fizeram-se umas quatro ou cinco, uma delas a nível de Batalhão com muita gente metida, e por uma semana bem contada, com bombardeamentos constantes pela artilharia pesada de Cutia. É impressionante o efeito que causa na floresta o rebentamento daquelas granadas, o que causaram num grupo de palhotas e nos embondeiros em que acertaram.

Resultados, penso que muito poucos, saímos de lá à noite, uma coluna maior do que o normal, porque se levava muitos carregadores, havia prisioneiros e os guias que raramente sabiam alguma coisa. Vinham atrás da minha secção, que já não era uma secção normal, porque a companhia tinha criado o grupo de comandos Os Caveiras, ficando algumas secções muito maiores. Apercebem-se que se passa algo atrás, vão para lá uns quantos, mas aquilo eram todos pesos leves, não estavam a controlar, eu como peso pesado, e com a capacidade de reagir que tinha, parti a coronha da G3, mas pus ordem na situação num instante. A uns fiz o que tinha que fazer e bem, para mim nunca lá devia ter ido, os efeitos da minha intervenção contribuíram para que fosse muito violento no IN, ou pretenso IN.

Encerro mais uma página, não tem termo de encerramento, mas tem muita dor para mim.
Ernesto Duarte
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7785: Memórias de Mansabá (5): Vamos todos cá ver / O quanto custa aqui viver / Nesta terra que é Mansabá... (Rogério Cardoso

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7767: Memórias de Mansabá (14): Uma ida ao Morés (Ernesto Duarte)

1. Para as suas Memórias de Mansabá, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), em mensagem de 8 de Fevereiro de 2011, manda-nos o relato de uma ida ao Morés.


MEMÓRIAS DE MANSABÁ (14)

UMA IDA AO MORÉS

O tempo continua a passar com uma lentidão impressionante, estamos mais frios, mais autómatos, a Companhia foi uma Unidade disciplinada, reagindo em bloco ao mais pequeno sinal, uma pequenina excepção ou outra mas sem significado.

E continuando voltado para Morés, fomos muitas vezes, fazer emboscadas, patrulhamentos, operações ou golpes de mão, capinar a estrada de Bissorâ desde o Morés para Mansabá, provocar porque sabíamos que havia ali tanta gente.

 Localização da tabanca do Morés

É em mais uma ida a Cai, mais uma noite de água e mosquitos, um cansaço enorme, só quem por lá andou (Guiné) faz uma ideia, uma progressão por aquela mata, tão agressiva, um encontro, um potencial enorme mostrado por eles, começávamos a ter a noção que o potencial inicial era sempre mais forte, eles calaram-se começamos a procurar a zona, já de costas para Morés, à direita da Companhia eu e mais meia dúzia de camaradas procurávamos, naquelas tabanquinhas, que formavam a casa de mato, uns tiros, atirei-me para o chão, vi que o mesmo mexia à minha frente e para a minha direita, dei uma volta sobre mim, para a minha esquerda, um individuo que está um pouco à minha frente começa a dizer "acertei-lhe, acertei-lhe, apanhei-o". Levantei-me sem muita pressa, veio um camarada ter comigo dizer-me que tinha as cartucheiras no chão, apanhei-as. Ficámos a olhar, a tentar perceber porque é que as cartucheiras tinham caído, senti assim como que umas picadas do lado direito, joguei a mão e a mesma veio cheia de sangue, aproximaram-se mais uns quantos e chegamos à conclusão de que as cartucheiras tinham sido atingidas e que tinham sido os micro pedaços do carregador que me tinham ferido o lado direito.

Para mim, senti uma sensação muito boa e a necessidade de dizer muitas vezes: obrigado, obrigado.

Já na bolanha de Mansabá, encontrei o Capitão que me disse com aquele ar de militar muito sério:

- Desiludiste-me, nem sabes cair. Quero o auto de abatimento de material feito imediatamente.

Respondi que primeiro ia pedir a minha evacuação.

Morés.  Uma ida em grande.
A Companhia mais um grupo de Comandos e muitos carregadores com imenso material. Ao começar o raiar da Aurora, com a progressão a efectuar-se, a nossa artilharia começa a despejar para a nossa frente, continuamente. Aquele assobio, o rebentamento, e nós vamos, vamos obedientes, cheios de força e fé pela maldita mata, tem-se as caras feridas, a artilharia pára. Estamos numa zona de pequenas bolanhas com muitas cibes, há tiros, muitos, há morteiradas, muitas, mas é preciso retirar. Foi uma coboiada no melhor sentido. Era preciso tirar de lá o IN porque de Bissorã tinha vindo a CCAÇ 1419, e do Olossato a CART 1486, "Os Lobos". Já se tinha repetido antes, nos mesmos moldes, com êxito apreciável. Esta ida parece ter feito grandes estragos também. Ainda se repetiram no meu tempo mais duas ou três vezes, não com tanto aparato, mas com êxitos apreciáveis. Numa delas, Os Lobos capturaram mesmo muito material.

Vou-me voltar para o lado de Manhau.

Tudo isto está intercalado, um dia para Cutia, outro para Bijine, outro para Gendo, e sempre, sempre com intervalos muito curtos.

Cumprimentos
Ernesto Duarte
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7760: Memórias de Mansabá (2): A bajuda e as colunas para Manhau (Ernesto Duarte)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7760: Memórias de Mansabá (13): A bajuda e as colunas para Manhau (Ernesto Duarte)

1. Mensagem do nosso camarada Ernesto Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, com data de 8 de Fevereiro de 2011:

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (13) 

A NOSSA "BAJUDA"

Falar de colunas, é falar de ir a Cutia, passando por Mamboncó, a Mansoa, a Manhau, a Banjara e a Farim, tendo a particularidade que fomos nós que reabrimos os itinerários Mansabá a Farim e Mansabá a Banjara.


Na estrada nós tínhamos uma viatura com o nome de Bajuda deixada pelos Águias Negras, que eu suponho que não tenha chegado até vocês, era uma longa vida para aquele clima.

Era uma GMC com uma casa feita em madeira, pranchas grossíssimas, blindadas com chapa de ferro, não consigo lembrar-me se tinha tecto e se se disparava pelas viseiras, mas sei que tinha sacos de terra por tudo quanto era sitio, e assente na caixa da camioneta também cheia de terra, protegida pela blindagem tipo Mansabá, tinha uma metralhadora pesada, com um poder de fogo impressionante, impunha respeito.

Picar a estrada era uma coisa fora do normal, não falando do andar a pé em África o tempo que se levava, andávamos muitos a pé à frente ainda dos picadores, praticando o desporto, possível naqueles sítios, tiro ao alvo, a tudo o que mexia, macacos, mas do que a malta gostava menos era dos abutres. Esses tiros, algumas vezes, detectaram emboscadas, com a nossa bajuda e as armas pesadas, não causavam muitos embaraços mas há excepções.

Uma delas foi no regresso de uma coluna para Mansabá que foi emboscada, em Mamboncó, com uma violência tremenda, saindo os que tinham ficado em Mansabá em socorro, e logo na subida começaram a levar a sério, tendo sido dada ordem à Artilharia para disparar. Aí calaram-se, mas como estavam muito próximo da estrada não foi logo, logo, mas a retirada deve-lhe ter sido muito difícil.

Tinha sido uma fase nova, os primeiros dias foram de alguma expectativa, voltando ao normal, tendo-nos lixado com mais duas minas anticarro, a primeira no mesmo sitio, onde já tínhamos apanhado com uma, junto à velha serração, e outra mesmo quase a entrar em Cutia.

A segunda junto à velha serração, foi rebentada por uma auto metralhadora, o rapaz ia para Mansoa para ser rendido e afastou-se o mais que pode para a direita da árvore para não passar minimamente na zona dos rodados, ela estava fora, se calhar até já há muito tempo. E acrescento, é de enlouquecer, já tinha tido a visão de uma queimada na estrada de Bissorã, mas ali ver aquela malvada estrutura a arder, e como é blindada não podermos fazer nada, nasce dentro de nós um ódio sem limites, uma vontade de vingança de destruir, as batidas do coração sobem para as 200.


Nós tínhamos o destacamento em Manhau onde um Pelotão com um grupo de Milícia, passava 15 dias. O Pelotão que ia, tinha que levar tudo, incluindo a água. Havia uma camioneta com um depósito de 10.000 litros, e como aquilo era muito perto, fazia-se a rendição, uma parte que trazia o carro da água depois quando o carro da água chegasse, eram os últimos rendidos. O carro da água andava muito devagar e às vezes até ficava para trás em demasia. Não sei a data, só sei que era o dia do Portugal Coreia, em 1966, estavam todos com muita pressa para irem ouvir o relato, não sei se fui eu, lembro-me de falar nisso com alguém, alterar a ordem das viaturas, não sei se com o Comandante de Companhia se com um Alferes. Eu tinha um rádio novo e não queria parti-lo, andando a tratar das coisas com ele na mão, e eles todos a gozar comigo, mas lá fiz ou fez-se a alteração da ordem das viaturas, passando o carro da água para os carros da frente.

Com a criação das caveiras, na prática só tínhamos dois pelotões, havia férias e a esta distancia não me lembro quem era o comandante de pelotão. Um pouco chateados mas lá fomos, eu dentro da bajuda segurando o rádio, quando atingimos a descida para a bolanha de Manhau foi a loucura, vieram granadas de mão, não sei de onde, lá tive que deixar o rádio que não se partiu. Mas com a bajuda, os moços das armas pesadas aguentámo-nos bem, até que parece que eles queriam era o carro da água e quando o viram atacaram sem perceberem que ele não estava no sitio que era hábito, mas eram sempre e sempre mais violentos, o estrondo das G3 levava sempre mais tempo a se impor, aquilo à direita tinha uma zona com muitas árvores, levou o seu tempo até se impor o silencio.

Havia uns rapazes que quando estavam em Manhau iam às laranjas a Mantida e foram... e foram, claro que eles, o IN, pensaram em apanhá-los mais a viatura, só que Deus é grande, eles não foram com a frequência que iam e entretanto, vieram uma quantidade de auto metralhadoras para Bafatá, que ao passarem por Mantida, tinham uma emboscada, pelo que ficou no terreno fizeram estragos enormes, foi feita guerra da mais violenta.
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 12 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7602: Memórias de Mansabá (1): No coração do Óio, bem perto do Morés (Ernesto Duarte / Carlos Vinhal)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7602: Memórias de Mansabá (12): No coração do Óio, bem perto do Morés (Ernesto Duarte / Carlos Vinhal)

 MEMÓRIAS DE MANSABÁ (12)

1. Mensagem do nosso camarada Ernesto Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, com data de 7 de Janeiro de 2011:

Quarenta e tal anos e Mansabá ainda aí estás, com toda a tua força

Caro Carlos
Que a tua vida e a dos teus continue a correr pelo melhor, são os meus sinceros votos, os meus pedidos aos céus.
[...]
Já vi a publicação, está espectacular, gostei de ver, embora quase tudo relacionado com aquele tempo me pareça, um sonho, ou um pesadelo, coisas que pouca diferença fazem, se fosse em Mansabá pedia, parece-me que era o que eu podia fazer, uma menção honrosa, que depois de investigado podia ir a louvor, e digo mais, revi uma montanha de coisas a correr, num segundo, e senti emoção, raiva, alegria e até a saudades, muitas saudades dos que partiram, dos que têm partido ultimamente, muito e muito obrigado Carlos.

Como bom miliciano, como bom homem de Mansabá ao pedir o favor da publicação foi um risco corrido, com plena consciência, era só e mais nada do que poder falar com alguém que fala a mesma língua do que eu, e possivelmente encontrar camaradas do mesmo ano e contar quatro ou cinco coisas que amanhã sejam lidas de outra maneira, que não sejam lidas como a maioria dos nossos contemporâneos as lêem, e que ao lê-las como realidade, como história viva, isto não é pretensão, muito menos falta de humildade, mas desejo que esse alguém, se torne um defensor da paz muito mais convicto, mas por outro lado tenho dúvidas que alguma coisa alguma vez funcione nesse sentido, mas lá vai, não é um alerta é um grito do fundo da alma guerra não, nunca mais.

Às vezes duvido se não está tudo a ser visto com um sinal contrário! Este ano apareceu no mercado uma espingarda e uma pistola metralhadora, aliás vários modelos, funcionando a pilhas, mas exactamente iguais às verdadeiras, em sistemas, em carregadores, e em cadencia de tiro e mesmo com balas plásticas, dentro dos 10 metros tinham uma eficácia muito boa, venderam-se milhões em Lisboa, com paginas na Net explicando tudo, com todo o pormenor.

O teu comentário, eu atrás de mim no OIO, só conheci os Águias Negras, que fizeram Cutia, tinha sido acabada de fazer poucos dias antes da nossa chegada e se em pormenores se a minha memória não falha, sofreram lá um ataque violentíssimo, e ficaram no terreno, mortos os primeiros dois ou três cubanos, e uma bazuca, tendo passado de se dizer que tinham, a confirmar-se que tinham. Chegados a Mansabá tínhamos água boa, tínhamos trincheiras, e aquele barracão com uma cama. Estavam a acabar Manhau, ainda fomos lá ajudar na decoração. Para aí uma semana antes da nossa chegada se tanto, tinham sofrido um ataque violentíssimo, tendem deixado no terreno um morteiro 82 rachado, parecendo que tinha rebentado uma granada dentro do cano, são os assuntos de fala na altura em que nós chegamos. A nossa chegada foi muito melhor com o apoio deles.

Mas aqui também não sei se não os prejudicamos mais do que ajudamos! Nós nunca conseguimos impor o tempo de guerra, as pessoas não compreendem isto, andamos quilómetros e quilómetros sem dar um tiro, sem ver ninguém e num repente, era a loucura. Eles aprenderam com todos os que foram antes e vocês já encontraram tipos não só com o conhecimento do terreno, mas já com muita técnica de guerra e uma principal, levando a luta para o sitio que lhes interessava e aquelas companhias de milícia que nós treinamos, para onde foram ?

Mamboncó, no sentido para Cutia à direita havia uma série de imbondeiros e era a descer um pedaço aí por 64 foram os F não sei quantos penso que do Montijo, pôr ordem na zona, deixando depois lá uns buracos, que no meu tempo foram limpos duas ou três vezes pela artilharia.

O senhor da serração no meu tempo era um fulano de idade, racista com uma criada cabo verdiana, eu gostava muito da tabanca andava sempre por ali e como tal e como eu gosto muito de conversar, conversamos muito, até ao dia em que nós não lhe trouxemos um tractor enorme de Banjara.

Tenho muitas duvidas se com a nossa maneira de ser, não passamos coisas de mais para o outro lado pensando que estávamos a fazer bem e se calhar muitas delas tiveram efeitos contrários, que deus nos perdoe porque a intenção foi sempre a outra.

O tipo mal acabado que estava em Mansabá em 65 e que eu me lembre era o Barata, não me lembro de mais nenhum, os outros sargentos eram bem acabados.

Carlos quanto a publicação de fotos, tu és o técnico eu só digo obrigado.

Vou parar mas volto, digo já faço alguma confusão com os palcos, eram todos muito iguais e naquele tempo as máquinas que tinham flash eram outras e havia quase sempre muita pressa.

Claro, quanto ao escrever mal, já não tenho idade para me preocupar muito, só me fica o respeito por vocês.

Um grande Abraço
Ernesto Duarte


2. Segunda mensagem de Ernesto Duarte, esta com data de 9 de Janeiro de 2011:

Herói, um fulano de coração grande que está no sítio errado na hora errada

Boa noite Carlos

Eu não jurei que vou encher a tua caixa de correio, até porque eu rebentava primeiro, mas como a língua Portuguesa é muito traiçoeira e mais quando não se sabe lidar muito bem com ela, que é o meu caso, gosto muito mais de números, mas como bom militar, que horror, mas como tipo de Mansabá, cá me vou adaptando.

Eu fui não sei quantas vezes, ponho-me residente em Mansabá, a Cutia, mas muitas e muitas vezes, passava-se aquela ponte, junta a uma ex serração, que levámos às costas, subíamos para Mamboncó por uma coisa chamada estrada, com tanto buraco ou tanto alto, nunca soube bem o que era, andava-se aquele pedaço, relativamente bom, Alto de Mamboncó ao fim descíamos por outro campo, que de estrada não tinha
nada.

Eu não acredito em heróis, heróis são fulanos muito homens, muito humanos, com grande espírito de sacrifício, abnegação, amor ao próximo, e um grande coração, e estando no sitio errado na hora errada, o que aconteceu com todos os que foram ao Ultramar. Estiveram no sitio errado na hora errada, para mim são todos heróis, ou Homens Grandes.

Eu falei naquele pedaço de caminho, eu sei que a Guiné infelizmente está cheia deles, mas aquele para quem passou pelo OIO conhece bem e pode avaliar o esforço gigantesco que era escoltar colunas por aquele espaço de estrada. E algumas colunas de abastecimento para Farim e Bafatá com muitas e muitas viaturas. E o trabalho mais importante até talvez fosse não ser soldado, mas sim o comer lama e encharcados e na outra sol de queimar, comendo pó e mais pó e eles quais formigas movimentando-se constantemente para a frente para trás, onde era preciso empurrar, empurrar muito para tirar do buraco ou subir o alto, pôr paus, tirar, paus, segurar, segurar para não se voltar, disparar onde fazia falta e no fim sorriamos uns para os outros, até talvez brincássemos, mas o nosso prémio ninguém nos podia dar, mas também ninguém nos podia tirar, era a nossa satisfação, a satisfação de termos cumprido, não cumprido com A, B ou C mas com nós próprios, uns com os outros, sabíamos que estávamos sós, até talvez nessas alturas não nos revoltássemos muito, mas o grupo sentia uma muito, muito boa satisfação colectiva.

Não te queria assustar, queria e quero dizer que tu, que vocês, não estão no sitio errado, na hora errada, antes pelo contrário, estão no sitio certo, na hora certa mas meteram ombros a uma obra muito grande, para nós podermos falar, contar episódios que pesam no fundo das nossas almas, e a possibilidade de encontrar camaradas que foram amigos e encontrar novos camaradas, novos amigos, que por um capricho do destino, só numa época diferente, deram os mesmos passos, ao ponto de se poder dizer que se confundem, mas com aquela parte que eu acho maravilhosa, a alegria de ser solidário a satisfação de auxiliar, uma satisfação que muitos lhes podem dar, dizendo obrigado, mas que se matem que se esfolem, ninguém lha pode tirar é vossa, e dentro da vossa simplicidade e humildade, sintam a pleno o seu sabor.

Já me esclareci totalmente penso eu.
Vou passar mais umas duas semanas fora.

Um abraço e até um amanhã, depois, depois,
Ernesto Duarte


3. Comentário de CV:

Caro Ernesto, que bom tenhas entrado na tertúlia, porque és da geração a quem a minha muito deve.
Apenas 5 anos nos separam, mas parece uma eternidade, e é numa guerra como foi aquela.

Vocês deixaram-nos a papinha feita, como que um tapete vermelho por onde circulávamos com mais (relativa) segurança, apesar das dificuldades que nos eram impostas pelos possíveis e inesperados encontros com o IN que partilhava aquela parcela de estrada. Mamboncó foi para nós um local fatídico, onde perdemos dois camaradas, o Manuel Vieira e o Espírito Santo Barbosa*, além dos mais de 20 feridos que tiveram de ser evacuados, naquele dia 6 de Dezembro de 1971, a pouco mais de um mês de a CART 2732 terminar a sua comissão de serviço.

Estrada Mansoa - Mansabá > Zona de Mamboncó por onde passava um dos corredores de acesso ao Morés

Fur Mil Nunes, Soldado Barbosa* e Fur Mil Vinhal

Unimog 404 ao serviço da CART 2732 consumido pelas chamas após ter sido atingido por fogo IN em 06DEZ71 na zona de Mamboncó

Mansabá fica na confluência de importantes itinerários, a saber: para Leste, Bafatá; para Oeste, Bissorã; para sul, Mansoa e para Norte, Farim

Mansabá era, no tempo da CART 2732, um quartel modelar onde havia segurança e o mínimo de conforto para várias centenas de homens, graças aos camaradas que antes de nós por lá passaram.

Atenta à foto que abaixo publico e verifica as alterações efectuadas, nomeadamente na zona superior direita da foto onde eram as Casernas, Bar e Refeitório dos Praças, Cozinha, Depósito de Géneros, Arrecadação de Material de Guerra e outras instalações.


 Vamos dar por finda a nossa conversa que é só do interesse dos mansabenses ou de quem por lá passou.

Um abraço para ti com votos de boa saúde
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7586: Panfletos de Ação Psicológica (2) (Ernesto Duarte)

Vd. último poste da série de 18 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7466: Memória dos lugares (118): Destruição do Mercado Central Bissau (2) (Nelson Herbert)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7586: Panfletos de Ação Psicológica (2) (Ernesto Duarte)




1. Este é o segundo poste, de dois, com panfletos de APSICO, que eram largados pelas NT no mato, para tentar cativar a tropa do PAIGC e a população que estava do seu lado.

Estes importantes documentos foram-nos enviados pelo nosso, recentemente entrado, tertuliano Ernesto Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, em mensagem do dia 8 de Janeiro de 2011.






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Nota de CV:

Vd. poste de 9 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7577: Panfletos de Ação Psicológica (1) (Ernesto Duarte)