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sábado, 28 de novembro de 2009

Guiné 63/74 – P5365: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (15): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Rotinas perigosas V

1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, enviou-nos a 15ª fracção das suas memórias. Esta sua série foi iniciada em 29 de Agosto p.p., no poste P4877.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1965/67

Rotinas perigosas V e
Preparar o regresso

O tempo foi passando, custosa e demasiado lentamente, o Furriel Paio deslocou-se a Geba em serviço e, quando regressou, deu-me uma grande notícia ao informar-me que, em breve, iríamos ser rendidos. Logo informamos os soldados, solicitando-lhes que não dessem sinais disso para o exterior, nomeadamente junto dos soldados nativos que, de imediato, espalhariam a notícia.

No dia seguinte reuni o pessoal necessário, para ir verificar as armadilhas e certificar-me se os croquis que desenhara, estavam em conformidade com o as montagens realizadas e deixar tudo em ordem ao pessoal que nos viria render.

Deixamos o aquartelamento por volta das 10h00, em direcção à bolanha e atravessamos esta (nesta altura ainda seca). Havia ali uma pequena subida, que percorremos facilmente, e entramos na mata embelezada por algumas árvores de grande porte e basto arvoredo rasteiro.

Chegamos ao ponto de referência da primeira armadilha. Mandei o pessoal distribuir-se, metade par cada lado da picada e seguirem um pouco mais atrás, em relação à minha posição e comecei a contagem das passadas, seguindo escrupulosamente o delineado no croqui.Quando estava a duas ou três passadas da armadilha tive nova surpresa, pois o fio de esticar fora cortado novamente.

Senti-me deveras curioso, em me certificar quem seria o “artista” que cortava tão habilmente os fios, mas como estávamos para ser substituídos não voltei a rearmar a granada, acabando com a ideia de emboscar aquela zona.Continuei a progressão, em frente, para verificar a outra armadilha.

Uma vez chegado junto da mesma, verifiquei que o fio estava intacto. Como a granada estava colocada num lugar de difícil acesso, por precaução resolvi fazê-la explodir. Assim, coloquei-me a uns trinta metros e disparei-lhe um tiro. Eu tinha a certeza que lhe acertara, mas o que é verdade é que ela não explodiu. Então um dos meus camaradas disse: “O meu Furriel não acertou nada… eu atiro.”

O soldado disparou e... absoluto silêncio. Pensei cá para comigo: “Aqui há gato!”Mandei montar a segurança no perímetro, para me aproximar, cautelosamente, porque a granada semi-escondida, com mato à volta, que permitia que, por sua vez, estivesse contra-armadilhada pelo IN.

Pois se eu já estava surpreendido com o que tinha visto na primeira armadilha, ainda o fiquei mais ao constatar que os tiros que déramos, desfizeram a estrutura da granada em pedaços de aço, que se encontravam ali espalhados em volta e, para meu maior espanto, não tinha a cavilha de segurança nem a espoleta.

Mais pensei, naqueles elementos desconhecidos e suspeitos, que apareciam de vez em quando a rondar e a espiar os movimentos da Tabanca, sacando preciosas informações aqui e ali, e, posteriormente, brincavam connosco como foi o caso destas armadilhas, nitidamente anuladas por quem fora bem informado da sua existência e localização exacta.

A sorte deles é que eu estava para ser rendido e pensei: “Quem vier atrás de mim que trate desses gajos.”Regressei ao aquartelamento furioso e, durante o almoço, comentei o sucedido com o Paio, ao que ele me respondeu: “Amanhã vamos embora, deixa as coisas bem esclarecidas e dá todas as instruções à pessoa que ficar responsável pelas armadilhas.”

No fim do almoço deixei tudo em ordem e, em seguida, fui dar uma volta pela Tabanca, pedi a minha roupa à lavadeira que me disse ainda não a ter pronta, só dali a duas horas. Eu quero tudo prontinho hoje! – disse-lhe.Assim foi, passadas as duas horas lá estava eu e a roupa estava pronta. Paguei-lhe e regressei ao aquartelamento.

Há noite, depois de jantar o pessoal foi oficialmente informado, que, no dia seguinte (18ABR1967), de manhã cedo íamos ser rendidos. O Furriel Paio ordenou que todos metessem os seus haveres dentro das suas mochilas, porque íamos para Geba proceder ao espólio de todo o material de guerra em nosso poder.

Íamos regressar a Metrópole! Que grande euforia, gozada intensamente em pouquíssimo tempo, porque havia que arrecadarmos tudo nas nossas mochilas e zelar pela segurança durante essa angustiosa e infindável noite.

Pela manhã cedo, toca a pôr tudo em ordem, para entregar os “tarecos” ao pessoal que nos vinha render. Foi muito rápido, pois havia pouco para entregar, além de alguns géneros alimentícios, as armas de autodefesa, a enfermaria, as transmissões e a caserna com as respectivas camas.

Deixamos pelas costas, sem qualquer tipo de saudades Cantacunda, por volta das 09h30, tomamos o caminho de Geba, com paragem em Camamudo. Aqui chegados, fui-me despedir do pessoal da Tabanca e do Chefe de Posto, pois foi aqui onde passei a maior parte do tempo.

Tudo isto em grande velocidade, após o que continuamos até Geba, onde fizemos a entrega das G3, facas de mato, granadas de mão ofensivas e os colchões, que também nos estavam distribuídos e que eram de espuma, com coberturas que já estavam todas rotas devido às transpirações pessoais.

Depois dos espólios feitos já as viaturas estavam à nossa espera. Fomos informados que íamos para Fá Mandinga, esperar pelo barco.

Seguimos então viagem até pararmos em Bafatá, onde chegamos por volta da 13h00 e poucos minutos. Descemos das viaturas, rumo ao refeitório para almoçar e ainda bem, pois o estômago estava completamente vazio.

Acabado o almoço fui reunir o pessoal e dirigi-lo às casernas, onde íamos ficar instalados. As casernas mais não eram que uns barracões, na parte mais baixa de Fá, pois no alto da colina estava uma companhia ou um batalhão. Nós, os furriéis, ficamos logo à entrada do quartel, acerca de duzentos metros das casernas dos soldados. Ficamos espantados, pois nem uma arma nos foi distribuída, assim como aos soldados. Ali ficamos até ao dia 02MAI1967.

Passamos os dias a jogar à bola e, de vez em quando, dávamos uns passeios até Bafatá, onde comíamos uns petiscos e eu aproveitava para visitar os meus conterrâneos.

No dia dois de Maio, a seguir ao almoço mandaram-nos formar e subir para as viaturas. Carregamos os nossos “tarecos” na viatura destinada ao nosso pelotão e seguimos para Bambadinca, onde nos esperava o barco.

Uma Bor transportou-nos rio Geba abaixo, até Bissau, onde nos esperava o tão ansiado navio, “Uíge”.

Na Bor - Rio Geba -, na direcção a Bissau, onde nos esperava o Uíge, para regressarmos finalmente à Metrópole.

Chegamos ao Uíge por volta das 16h00, subi as suas escadinhas estreitas, com uma caixa de madeira, onde levava várias recordações da Guiné e uma caixa de cartão grande. Fui instalar-me na camarata que me foi destinada e desci do navio.

Apanhei um barquito, para o cais, porque o Uíge devido ao seu grande calado, não podia encostar ao cais e fui comprar uma caixa exterior, para o meu rádio da marca Hitachi, comprado na casa Gouveia em Bafatá, em OUT1965, já que a que tinha, de origem, estava toda partida.

Voltei rapidamente ao Uíge, pois havia ordens do Capitão, para que todo o pessoal formasse antes do jantar, a fim de nos dirigir algumas palavras, o que foi feito.

Jantamos, fomos até ao bar beber umas cervejas e empatar uns momentos de conversa, até se acharem horas para irmos dormir.

Na manhã seguinte quando acordei, sentia-me indisposto, meio enjoado, devido com certeza ao constante baloiçar do barco, sujeito à normal ondulação do mar. Parecia-me que o enjoativo baloiçar, se devia sobretudo à pouca largura do Uíge, olhei pela vigia e reparei que já estávamos bastante afastados da costa terrestre.

No Uíge, a descansar depois de uma refeição. Reconheço os furriéis milicianos (da esquerda para a direita): um elemento de outra companhia, Eu, Cardoso, Vaqueiro, Leonel, António Luís e o Silva.

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Fotos: Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série, do mesmo autor, em:


sábado, 21 de novembro de 2009

Guiné 63/74 – P5313: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (14): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Rotinas perigosas IV


1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, enviou-nos a 14ª fracção das suas memórias. Esta sua série foi iniciada em 29 de Agosto p.p., no poste P4877.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1965/67
Rotinas perigosas IV

Chegado a Cantacunda foi tempo de conhecer os cantos à casa, denotando, desde logo, que as instalações eram muito precárias. Pior só BANJARA, aonde me havia deslocado uma ou duas vezes para jogar futebol, após o que regressávamos a Camamudo.

Conhecidas as instalações, fomos visitar a Tabanca, contactar com os usos e costumes do pessoal na localidade (especialmente o das bajudas como é óbvio) e arranjar lavadeira.

Cantacunda era uma Tabanca muito estranha, notamos que a maior parte da população era muito desconfiada, de tal modo que não consegui, durante o mês e meio que lá estive, chegar a uma conclusão sobre as origens que motivavam essa desconfiança.

Detectamos a presença de várias pessoas estranhas à nossa tropa, que por ali circulavam, uns a apeados, outros de bicicleta, que habitualmente se juntavam sob os mangueiros a conversar, debandando quando nos aproximávamos. Perguntei aos soldados nativos, quem eram e donde vinham, mas ninguém me sabia, ou não queria, responder, em nítida posição de cumplicidade.

Assim, conhecidos os cantos da casa e da Tabanca, juntamos o pessoal necessário e procedemos ao reconhecimento da periferia, para nos certificarmos da vivência nos arredores da Tabanca, nomeadamente em algumas picadas. Numa delas verificamos sinais de movimentação humana, muito pouco vulgar, já para além da bolanha.

Regressados ao destacamento fui dar conhecimento ao Furriel Paio das minhas desconfianças, sugerindo-lhe que aquela picada mais movimentada fosse armadilhada. Ele concordou comigo e no dia seguinte, a seguir ao pequeno-almoço, falei com o Furriel Paio para que me cedesse nove ou dez soldados da companhia e um soldado nativo conhecedor desta ZO, equipados com o armamento usual, para efectuarmos um reconhecimento mais atento e pormenorizado à citada picada e montarmos então as tais armadilhas.

Muni-me de duas granadas defensivas e lá saímos. Passamos a bolanha e caminhamos mais um ou dois quilómetros. Escolhi um local que me parecia mais discreto, junto a uma pequena árvore com vegetação em volta, para colocar uma das armadilhas usando uma das granadas que eu transportava. Montei um círculo de segurança no perímetro, enquanto executava a montagem, acerca de um palmo do solo, dissimulada pelos arbustos que ali existiam dos dois lados do caminho (seguindo as instruções e conhecimentos que recebera nos “ranger’s”).

Para quem não sabe ou já esqueceu, estas colocações obrigavam a fazermos uma descrição da montagem da armadilha, com a sua localização exacta (indicando pelo menos um ponto de referência evidente e EXACTO do local), e, se necessário, elaborarmos um esboço ou esquema da colocação.

Tal se devia a que, posteriormente, serviria não só para comunicação a todo o pessoal da nossa Unidade, desta perigosa e mortífera existência, bem como em caso de nova decisão, se proceder à sua EXACTA desmontagem.

Cumprindo então as normas aprendidas, seleccionei uma árvore seca de grande porte com uma bifurcação enorme e utilizando a orientação possível e o medidor habitual (contagem de passos), elaborei o croqui (que aperfeiçoei quando cheguei ao destacamento), contendo todos os pormenores, para que, como foi dito, caso não fosse accionada a granada pelo IN, quem tivesse que executar a desinstalação não tivesse qualquer dúvida da sua exacta localização.

Escusado seria dizer aqui, que o mínimo erro na elaboração de um croqui desta natureza, poderia significar um drama humano fatal à NT.

Mais uns dias passaram, gastos em voltas pela Tabanca para conhecimento mais intestino dos movimentos de alguns elementos, que me pareciam esquisitos e na tentativa de compreender e assimilar o dialecto empregue pelos nativos, que foi coisa de que nunca consegui entender patavina (nem de fula, nem de mandinga), exceptuando apenas algumas palavras em crioulo, nada mais.

Digo que, também a minha, nossa, missão não era essa, mas sim defender e proteger a população, para que, com a nossa presença, se sentisse mais segura.

Aos fins de tarde, com o sol ameaça desaparecer, davam-se uns pontapés na bola, sem nunca conseguirmos onze “artistas” para cada lado, a que se seguiam os indispensáveis banhos, no belo “balneário” ali existente.

Foto do lavatório típico das péssimas condições existentes em Cantacunda

Mais uns dias de descanso se passaram, a que se seguiu um novo reconhecimento das picadas e, especialmente, a verificação do estado da armadilha que havíamos colocado, se tudo estava como deixáramos. Quando cheguei à árvore de referência, ordenei aos soldados que se dividissem em dois grupos e penetrassem para dentro do mato, ao longo da picada, até ao local da armadilha.

Toca a contar os passos seguindo o rumo da montagem, com cuidado, pois podia haver alguma surpresa até à armadilha e, para meu espanto, quando cheguei ao sítio da armadilha verifiquei que o fio estava partido, ou cortado. Analisei a armadilha e tudo estava normal, pelo que, pensei aqui há “gato”. Como levava a outra granada comigo, andei mais um quilómetro aproximadamente e montei-a num lugar muito estreito, com mato muito denso e com indícios de passagem de pessoas.

No regresso, ao passar pelo local onde se encontrava a primeira armadilha, introduzi uma cavilha em segurança na granada, mudei o fio de esticar, retirei a cavilha novamente e regressei ao destacamento, pois já estava na hora do almoço.

Aproximava-se o domingo de Páscoa e tínhamos agendado um jogo de futebol com a equipa de Capé, da parte da manhã. Era preciso ir à lenha para a cozinha e como o condutor estava atrasado, pediu-me que conduzisse eu a viatura. Lá fui eu num Unimog “dançarino”, até poucos quilómetros de Cantacunda, perto da bolanha, na direcção de Camamudo. Carregou-se a viatura e regressamos.

Eu carregava no acelerador e os nativos gritavam: - Força furriel!

E eu, extasiado, cada vez acelerava mais. O pior foi quando entrei num terreno arenoso e o Unimog, que já de si era muito instável e inseguro, guinou para um lado e para o outro e saiu da picada, obrigando-me a virar e a revirar o volante. Tive sorte, o veículo não saiu da picada e como não havia nada nas bermas, consegui dominar a direcção da viatura. Fiz uma tangente a uma árvore e retomei a picada. Milagrosamente chegamos todos inteiros ao destacamento, não ganhei para o susto mas ficou-me a experiência para o futuro. Aprendi a ter mais cuidado, pois com a carta de condução há apenas dois meses, não tinha qualquer noção de condução no mato.

Descarregada a lenha, subiram os jogadores da nossa equipa seleccionados para a viatura, pois o jogo era às dez horas. Capé distava cerca de 20 kms, cujo trajecto percorremos rapidamente, chegando antes da hora prevista. Como o pessoal já ia meio equipado, apenas tiramos o camuflado e começamos o jogo. Tudo correu bem excepto o resultado final do jogo. Fomos derrotados por 1-0.

Acabado o jogo regressamos a Cantacunda, tomamos banho e fomos almoçar com o restante pessoal da companhia, que já estava à nossa espera.

Foto da equipa de futebol de Capé capitaneada pelo bem conhecido Carlos Barbosa, filho do patrão da refinaria de cana de açúcar local. É o primeiro em pé, a contar da direita.

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Foto: Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série, do mesmo autor, em:

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Guiné 63/74 – P5239: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (13): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Rotinas da Convalescença


1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, enviou-nos o 13ª fracção das suas memórias. Esta série foi iniciada em 29 de Agosto p.p., no poste P4877.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1965/67

ROTINAS DA CONVALESCENÇA

No dia cinco de Fevereiro, à hora do almoço, chegou junto de mim o Primeiro Sargento, que me deu a notícia de que no dia catorze, ia ser submetido a exame de condução e queria saber a minha decisão, se eu ia ou não.

- Porque é que não hei-de de ir? - Perguntei-lhe.

Respondeu-me com outra pergunta:
- Então já não esta doente?
- Acha que eu vou perder esta oportunidade, por favor marque-me viagem para amanhã. – retorqui eu.

Como não foi possível no dia 6, só fui ao exame no dia sete, com o pescoço ainda “torcido”, pois não conseguia sequer olhar em frente.

Cheguei a Bissau e fui logo a Escola S. Cristóvão, onde me foram prestadas algumas lições de condução (creio que cinco), dei umas voltas por Bissau por circuitos estratégicos, que os instrutores conheciam bem. O instrutor ia-me dizendo:
-Cuidado com esse à vontade e… mais devagar que aqui não é mato e eles não perdoam.

No dia do exame, de manhã, apresentei-me no Quartel-General confiante, primeiro fiz provas de código da estrada: cores, sinais, reflexos e tabuleiros, com varias situações habituais do trânsito automóvel e tudo correu bem. No fim, mandaram-me esperar no exterior e, passados alguns minutos, fui chamado para a prova de condução. Ao volante de uma viatura estava outro furriel e, ao lado dele, o examinador (um alferes).

Eu e o instrutor sentamo-nos no banco de trás. O furriel que estava ao volante, iniciou a sua prova (segundo soube depois já era a segunda vez que a fazia), dando umas voltas pela cidade e foi acumulando asneira atrás de asneira. A certo momento, o alferes mandou-o encostar, o que ele não fez, ou porque não ouviu ou porque se distraiu. A verdade é que se o alferes não tivesse travado o carro, tínhamos ido bater num outro carro que se encontrava estacionado.

Pensei, cá para comigo, isto está mau. Mandou-o sair do carro, para o banco de trás e, disse-me que passasse eu para a frente. Em seguida, mandou-me avançar, o que fiz e, após andar uns cem ou duzentos metros, parei porque estava à minha outra viatura a efectuar uma inversão de marcha, também num exame.Disse-me o alferes:
- Eu não o mandei parar.
- Desculpe meu Alferes, não vou prejudicar a pessoa que está a fazer uma inversão de marcha, num exame. – Disse-lhe eu.

Deixei completar a manobra e segui em frente. Cruzamento para aqui, encruzilhada para ali, cheguei junto de uma rotunda com sinaleiro, contornei-o e voltei à esquerda. Já sabia para onde o alferes me ia mandar, e que teria que voltar à esquerda, subindo uma pequena lomba.

Aí mandou-me parar, mesmo a meio, dizendo:
-Usa a embraiagem, ou o travão? - Respondi-lhe:
-Como quiser.”

Parei o carro usando só a embraiagem. Mandou-me arrancar novamente, o que eu fiz sem deixar descair o carro.
- Siga em frente – disse o alferes.

Quando chegamos a uma esplanada mandou-me estacionar.
- Agora vamos beber um café! – disse o alferes.
- Eu não bebo - retorqui eu.
- Então espere aí – voltou a dizer o alferes.

As coisas estavam-me a correr bem, mas ainda faltava chegar ao Quartel-General. Felizmente tudo correu tudo bem.

À tarde fui saber o resultado do exame e, como esperava, fiquei aprovado. O outro furriel, repetiu o “chumbo” e teve que esperar mais uma semana, para ir novamente a exame.

Dia quinze, foi chamado à Secretaria do Quartel-General, onde um furriel me transmitiu que havia uma avioneta que se deslocaria para Bambadinca. Voltei-me para o furriel e disse-lhe:
-Isso é que era bom, nesse transporte não vou.
- Tens que ir, estão lá à tua espera.
- Estou com baixa - disse-lhe eu.
- As ordens são para ires, para ficares no destacamento que o pessoal da tua companhia vai sair em missão.
- Não vou – voltei a repetir - só se for de avião ou de barco.

E, assim, só no dia dezassete é que regressei à minha base, de avião.

Quando cheguei a Geba fui informado pelo meu alferes que, no dia seguinte, tinha que ir para Banjara, mas que ficaria no destacamento com o meu pelotão, para manter a segurança no local. Não me falou nada sobre a minha baixa. Fui para Banjara e estive lá dois dias. Dois dias a ver um helicóptero num vaivém doido, a chegar com feridos ligeiros e a partir para trazer outros.

No segundo dia o heli não apareceu e ainda bem, pelo que regressamos a Geba.

Continuei em Geba até fins de Fevereiro, sem mais nada ter acontecido. Felizmente que nos deixaram descansar uns dias, para recuperar a moral e as forças físicas, e para eu continuar a recuperar do meu incidente, pois ainda não conseguia olhar em frente correctamente e doía-me, fortemente, quando tentava voltar-me para trás. Mas sentia que as dores iam diminuindo e o tempo ia passando, também.

No dia um de Março, a companhia fez mais uma rotação, como vinha acontecendo de dois em dois meses e, a mim desta vez, tocou-me ir para o destacamento de Cantacunda.

Do meu pelotão apenas eu é que tive o privilégio de ser o contemplado, pois o meu pelotão ficou todo em Camamudo, quando devia ter ido metade. Nem a minha Secção me acompanhou, não sei se por castigo ou por engano. Não me foi dada qualquer explicação por parte do alferes, como já era habitual, que mantinha segredo em tudo até ao último momento.

O destacamento de Cantacunda estava a ser comandado pelo Furriel Miliciano Paio, do primeiro pelotão, que ficou com duas secções, pois era a vez de eles irem para Banjara. Por isso fui eu comandar a outra secção.

Eu, com o Régulo (Chefe máximo da região de Cantacunda)

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Foto: Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série, do mesmo autor, em:

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Guiné 63/74 – P5197: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (12): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Ataque à Tabanca de Sinchã

1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, autorizou-nos a publicar as suas memórias, sendo esta a 12ª fragmento. A série foi iniciada em 29 de Agosto p.p., no poste P4877.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1965/67

Ataque à Tabanca de SINCHÃ SUTU
em 24 de Janeiro de 1967

Por volta das 22h00, ouviram-se algumas explosões para os lados de Sare Ganá.

Mobilizou-se o pessoal e arrancamos de imediato para aquelas bandas. Quando chegamos ao cruzamento de Sare Ganá, como tudo estava calmo, elementos locais disseram-nos que os estrondos provinham de Sinchá Sutu.

Seguimos então nessa direcção, por uma pequena subida, a que se seguida uma recta comprida. A nossa viatura rodava a alta velocidade e perto de Sinchá Sutu ouvimos rajadas de metralhadora.

Eu, como habitualmente fazia nestas situações, ia sentado na parte de trás da viatura, com as pernas penduradas, pois tinha-me habituado a saltar em andamento e, até aquele momento, nunca me tinha acontecido nada de mau.

Mas nesse dia avaliei mal a velocidade a que íamos e, a certa altura sem saber como, fui projectado, dei meia volta no ar e caí de cabeça no chão, ficando ali estatelado. A viatura parou e a minha secção correu em meu auxílio. Das palavras que trocamos, só me lembro de me dizerem que a velocidade a que seguíamos era muita!

Foi da maneira que ficamos logo ali todos apeados, e progredimos mato adentro em direcção à tabanca, que se situava perto. Eu seguia na frente, rapidamente, e quando chegamos à tabanca, ainda me lembro de ver uma granada de roquete na minha direcção. Felizmente que ela não detonou, mas caí desmaiado com o impacto.

Ao fim de algum tempo conseguiram reanimar-me e comunicaram com o nosso capitão para Geba, transmitindo-lhe que era preciso uma viatura, para me transportar, porque eu estava ferido. Eu nem me tinha apercebido do meu estado, porque fui atingido na nuca e, ainda quente, não me doía nada. Uns minutos depois é que foram elas (as dores claro) e acabei por reparar que estava todo ensanguentado.

Como a outra viatura foi logo para Bafatá, com um ferido grave da população, o capitão disse, pelo rádio, que ia mandar outra viatura e o 2º. Sargento Silva, para me substituir. Comuniquei que não era necessária efectuar a minha substituição, porque qualquer um dos três 1º. cabos era suficientemente competente para orientar e comandar a secção.

Chegou a viatura e transportaram-me para Geba, onde o furriel enfermeiro me prestou os primeiros socorros, mas foi-me logo dizendo que era necessário eu ir para Bafatá, ao médico, porque eu não aparentava estar bem. Disse-lhe que não ia e fui-me deitar na cama. As dores eram cada vez mais, Apareceu então o Capitão para ver se eu estava melhor, mas como as melhoras não surgiam, mandou chamar um condutor com a sua viatura e disse-me: - Chapouto salte para a viatura, já!

Eu continuava a dizer que não era necessário, mas ele frisou: - Eu quero que vá e… imediatamente!

Lá fui eu, porque as ordens cumprem-se e não se discutem. Cheguei a Bafatá por volta das 03h00, como o médico estava a tratar do ferido grave deitaram-me numa maca, e ali fiquei eu à espera da minha vez. Só que a minha vez nunca mais chegava. Ouvi o médico a dizer (relativamente ao ferido grave): «Tem que ir para BISSAU, têm que tomar as providências necessárias, para ao romper do dia, o enviar com a maior urgência».

Levaram o ferido, e nunca mais o vi. Depois, ninguém me aparecia, nem o médico, nem o enfermeiro…

O tempo nunca mais passava e eu estava ansioso que fossem 06h30. Mal o corneteiro tocou, levantei-me e desenfiei-me pela porta da enfermaria fora, que ficava junto à porta de armas. Não se via ninguém por ali. Saí em frente, para o outro lado da rua, onde estava a caserna dos soldados.

Ali, encontrei dois soldados condutores da minha terra, que já sabiam que eu estava ali ferido. Pedi-lhes logo que não enviassem notícias a meu respeito para casa, pois eu não queria que se soubesse nada por lá. Eles garantiram-me que nada diriam e que eu ficasse descansado.

Sai dali todo torcido, fui ter com o senhor Eduardo Teixeira que era o dono da drogaria ao lado do quartel (irmão do senhor António Teixeira antigo proprietário do restaurante “A Transmontana”), que eram naturais de uma localidade perto da minha terra natal.

Como ainda estava fechado, fui bater à porta da sua moradia e ele abriu-me a porta. Contei-lhe as minhas últimas "aventuras" e ele mandou servir o pequeno-almoço para mais um. O apetite não era muito, mas lá comi qualquer coisa e saímos para a rua, já que estava na hora de ele abrir a porta do seu negócio.

Em frente da casa dele, havia uma oficina mecânica de reparação das viaturas da minha companhia. Aí já sabiam o que me tinha acontecido e disseram-me que andavam a minha procura, alegando que eu tinha desaparecido. Perguntei se havia alguma viatura que fosse para Geba e disseram-me que estava, por ali, o José Rosa com a GMC, a carregar bidões de gasolina.

Passado algum tempo, ele chegou e parou a GMC. Eu saltei para cima dos bidões com um pouco de custo. O Rosa queria que eu fosse à frente, mas disse-lhe que não. O condutor era o mesmo que me tinha transportado de Geba e, por isso, sabia o que se passara comigo.

Arrancou e quando íamos a passar em frente a porta de armas, ouvi o pessoal a dizer: “Ele vai ali!”

Acenei-lhes um adeus...

Quando chegamos a Geba fui-me apresentar. Disseram-me que estava escalado para entrar de Sargento de Dia. O Primeiro-Sargento reparou que eu não estava em boas condições físicas para fazer esse serviço e, assim, fui embora descansando.

Durante o resto do dia as dores continuavam, principalmente no pescoço (sentia-o torcido) e no peito que parecia dilatado. Passou-se esse dia e a noite.

No dia seguinte quando estava a almoçar, o Primeiro-Sargento chega junto de mim e diz: “Chapouto você está de serviço!”

- “Quem eu? Não! Se ontem não estava em condições, hoje também não estou!”

Disse-lhe que ia falar com o capitão e ele ficou a olhar para mim. Fui ao gabinete do capitão e ele perguntou-me se estava melhor. Disse-lhe: “Isto não vai bem, preciso mesmo de ir ao médico!”

Ele mandou logo o estafeta chamar o seu condutor e dois soldados, para me levarem a Bafatá. Levaram-me directo à enfermaria e o médico perguntou-lhe porque é que eu me tinha ido embora.

Expliquei-lhe que me deixaram sozinho durante muito tempo, e se haviam esquecido de mim, ao que ele retorquiu que eu tinha razão.

- Então o que queres agora? – perguntou.

- Acha que posso estar operacional neste estado? – disse eu.

- Nem pensar, – disse o médico –, levas alguns medicamentos para as dores e ficas trinta dias de convalescença.

De regresso a Geba, entreguei o papel da convalescença na secretaria, ao Primeiro-Sargento, que me interrogou: - “Isto é vingança?”

Nem lhe respondi. Dirigi-me ao gabinete do capitão, dando-lhe conhecimento da minha situação e ele mandou-me descansar, que bem precisava.

O tempo foi passando, o descanso era óptimo, comer, beber e dormir. Como o aquartelamento era desviado uns quinhentos metros, só descia do quarto para as refeições e conversar um pouco no bar. Por sorte, neste tempo do meu repouso, não houve “trabalho” para ninguém, em especial, apenas umas patrulhas de rotina às tabancas das redondezas.

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Fotos: Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série, do mesmo autor, em:

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5179: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (11): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Operação Jóia I


1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda e autorizou-nos a publicar a 11ª fracção das suas memórias. A série foi iniciada no poste P4877.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1965/67

Operação Jóia I (realizada em 17 de Janeiro de 1967)

No dia 16JAN67, a seguir ao almoço, o Alferes ordenou que o pessoal se equipasse, porque íamos sair. Pelas 16h00, deixamos Geba a caminho de Banjara e paramos no cruzamento de Sinchá Sutu, à espera da coluna que vinha de Bafatá, com carros de combate e soldados, que ficariam a prestar segurança, enquanto um pelotão que ali se encontrava estacionado, também seguiria connosco para a concretização da Operação Jóia I.

Chegada a coluna, começamos a marcha até Banjara e paramos em Sare Banda, onde subiram para as viaturas alguns Milícias. Continuamos o avanço, sendo a picagem da praxe até Mansaina feita pela Milícia de Sare Banda. Entre Banjara e Mansaina, a picagem passou a ser executada pelo pelotão aí estacionado.

Chegados a Banjara, comemos uma ração de combate e descansamos ao relento. Às 06h00, depois de tomarmos o café, saímos em direcção a Medina Banjara, passando por Tumania, Bantajá e Belel. Até aqui tudo decorreu normalmente. Paramos junto à bolanha e começamos a atravessá-la, a água era abundante e chagava-nos à cintura.

Passamos a bolanha e desviamo-nos para a esquerda, até Madina Banjara. A vegetação era cada vez mais densa e mais alta. Dois ou três quilómetros à frente, eis que surgem umas palhotas desviadas da picada, construídas no meio da floresta densa.

Como eu ia à frente fiz sinal para o pessoal se dividir e cercar as palhotas. Rápidos, eu e a Milícia, entramos de rompante no acampamento. Um soldado da Milícia grita-me: “Meu furriel aliiiiiiii!”

Já eles nos estavam a alvejar, com tiros na minha direcção. Lancei-me imediatamente para o chão e rebolei para trás da árvore mais próxima. Felizmente, safei-me ileso.

Chegou o nosso capitão e contei-lhe o que passou. Mandou-nos revistar as palhotas, mas apenas encontramos um homem, deficiente dos membros inferiores, que não andava, só rastejava, e era transportado em padiola de tabanca, em tabanca. Já o tínhamos encontrado em Dezembro de 1965, em Sambulacunda e tínhamo-lo deixado em paz, mas desta vez não o deixamos escapar, pois segundo as palvaras de alguns prisioneiros ele era o chefe deste sector do PAIGC.

Resultado do tiroteio: dois elementos do IN abatidos. Reunimos o pessoal e regressamos pelo mesmo itinerário. Quando chegamos à bolanha paramos. O capitão disse ao Alferes Soeiro (comandante do meu pelotão), que íamos sempre atrás, quando na verdade nós andávamos era sempre à frente.

Não me deram justificação alguma, mas pensei: “Em todas as emboscadas que temos tido, o meu pelotão tem andado sempre à frente, sendo a minha secção a “testa de ponte”. Até à data temos tido muita sorte, pois nada nos aconteceu de gravidade, apenas sofremos alguns arranhões de estilhaços de granadas”.

O meu pessoal olhou para mim e perguntou-me: “Porquê?”.

Eu respondi: “Não sei de nada são ordens!”

Passou então para a frente o outro pelotão, que era o do Furriel Vaqueiro, comandado pelo Alferes Almeida e começamos a atravessar a bolanha. Passado pouco tempo ouviram-se três tiros que pareciam de uma espingarda Mauser.Pensei eu então: “Os cabrões dos Milícias estão a brincar, pois só eles é que tinham Mauser’s”.

Pouco tempo depois começamos nós a passar, o outro pelotão já tinha passado todo e montou a segurança, para a nossa passagem. Eu ía à frente e quando saí da água surgiu o Cabo Enfermeiro, muito aflito dizendo: “Temos um soldado nativo morto e um soldado branco ferido - conhecido como Alfama.

Exclamei: “Não pode ser!”.

Mas era verdade. Cheguei-me mais adiante, tomando todas as cautelas e certifiquei-me que era verdade. Informei o capitão do sucedido e ele mandou-me arranjar pessoal, para transportar o morto. Como não era do meu pelotão, não devia ser eu a fazê-lo, mas as ordens eram para cumprir e não discutir, nem o momento era o mais adequado discutir ordens.

Os homens diziam que não eram capazes de levar o corpo, devido ao seu mau estado, já que, o mesmo, estava todo ensanguentado. Uma das balas tinha-lhe acertado na testa. Tive de ser eu então a “acarretar” com as despesas de levar o morto, com dois soldados nativos a ajudaram-me (eu a pegar nas pernas e eles em cada um dos braços).

Os tiros haviam cessado, mas quando recomeçamos a marcha, reiniciaram na minha direcção. Deitei-me no chão e disse aos meus 2 auxiliares, para me deitarem o cadáver em cima das costas, com as pernas viradas para os meus ombros. Assim fizeram. Levantei-me então de repente e toca a andar rapidamente.

Via as balas do IN levantarem poeira no chão, à minha frente. Tombo aqui, tombo ali, mas sem temor, tive que cumprir esta missão sem qualquer colaboração dos meus soldados brancos. Não me ajudaram nada!

Milagrosamente consegui sair ileso daquela perigosa zona e continuei mais umas centenas de metros. Depois de fazer uma pequena subida, mais adiante, o capitão mandou tirar-me o morto das costas. Como era de prever eu estava exausto, pois o calor apertava (eram perto da 13h00).

Bebi uma “Perrier” que costumava levar sempre comigo, mas não foi o suficiente pois sentia-me mal. Ao passar pelo Vaqueiro disse-lhe que estava com sede e ainda faltavam uns quilómetros para chegarmos a Banjara. Então este grande Amigo pegou na sua “Perrier” e ofereceu-ma.

Chegados a Bantajá, arranjou-se uma padiola para melhor transportar o morto e continuamos o caminho de regresso, com passagem por Tumania. Pareceu ouvir-se alguma coisa estranha, mas depois de investigarmos a área nada de anormal de detectamos, pelo menos, aparentemente, estava tudo como dantes.

O Capitão pediu dois ou três voluntários para irem à frente e mandarem uma viatura vir à berma da bolanha carregar o corpo. O único voluntário fui eu, pelo que segui sozinho, durante uns quilómetros, até Banjara.

Tinha andado um quilómetro, ou pouco mais, quando senti passos atrás de mim, mas ao longe. Pensei para comigo: “Vai haver “festa”, não pares.”

Quem vinha atrás de mim acelerava, quando eu acelerava também. Pensei que já era gozo de mais. Voltei-me rapidamente e verifiquei que era o Lamin - guarda-costas do nosso capitão -, isto perto da bolanha, onde já tínhamos sofrido várias emboscadas.

Acenei-lhe com a cabeça, dizendo-lhe que me devia ter avisado, pois como ele era negro, quase disparei sobre ele.
Cheguei à estrada perto do pontão, fiz sinal com a G3 para o quartel ainda distante, e logo uma viatura apareceu. Disse-lhes para irem à bolanha buscar um morto.

Chegamos a Banjara por volta das 16h00 e logo preparamos o regresso. Bebemos umas cervejas para refrescar e comemos uma “bucha”, após o que chegamos a Geba, por volta das 18h00.

Foi assim um dos dias mais triste da minha permanência na Guiné. Foi o único morto que tivemos em combate, depois de termos emboscadas com maior intensidade de fogo, incluindo granadas, e foi a minha última operação para os lados de Banjara.
Como na minha viatura ia uma Secção de Milícia de Sara Ganá, tive de ir lá levá-los. Quando lá chegamos o pessoal da Milícia deu a notícia da morte do nativo e relatou que tinha sido eu transportá-lo às costas. Gerou-se uma euforia doida de gritos: “Furriel… Furriel…”, eu estava de pé em cima da cabine da viatura e a população queria subir para me abarcar.

Eu não percebia o que se estava a passar. Perguntei: “O que é que se está a passar?”

“Não é nada de mal furriel, estão a agradecer-lhe por não deixar lá ficar o morto!”

E assim continuamos até Geba, seguido de um merecido banho, jantar e depois descansar. O cansaço era tanto que não houve pachorra para umas cervejas, nem sequer para um whiskiesinho. Dormir!

Seguiram-se mais uns dias que o IN nos deixou descansar, jogar à bola (que era o único divertimento), ou então ir até ao Rio Geba dar umas “cacholadas” na água e apanhar camarão.

Transcrição do Comandante da Companhia - Capitão de Infantaria José Faceira Teixeira - , em relação a Operação Jóia 1:

“A destacar no segundo contacto com o IN a acção do Furriel Miliciano de Infantaria – FERNANDO SILVÉRIO CHAPOUTO porque se comportou de maneira altamente decidida e corajosa quando se encontrava debaixo de fogo, oferecendo-se voluntariamente para transportar o soldado nativo morto, tendo-o feito ainda sob a acção IN, e praticamente sozinho durante distância considerável.
Este seu procedimento obrigou-o a expor-se abertamente ao perigo, mostrando possuir muita serenidade, coragem e presença de espírito, sobrepondo o acto cometido à sua própria vida. É francamente louvável o seu esforço e atitude, símbolos de verdadeira abnegação.”

Secção do Furriel Miliciano Vaqueiro (nossa Camarada tertuliano) - quarto homem de pé, a contar da direita. Em baixo, o primeiro a contar da direita, com um cachimbo na boca está o nativo morto nesta operação - Machado Cumbá.

Louvor averbado na minha Caderneta Militar

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Fotos: Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5131: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (10): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Ataque à tabanca do Sincho

1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda e autorizou-nos a publicar a 10ª fracção das suas memórias. A série foi iniciada nos postes P4877, P4890, P4924, P4948, P4995, P5027, P5047, P5056 e P 5095:

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1965/67

Como era dia de rendição era necessário ir fazer a picagem da estrada até Mansaina.

Saíram duas secções, em coluna motorizada, que, como se tornara costume, sempre se atrasava na sua formação e viajamos até Banjara.

Uma vez ali chegados, carregamos todo o equipamento programado para cima das viaturas e desejamos sorte ao outro pelotão, que era o do furriel Vaqueiro, comandado pelo Alferes Almeida.

Quando tudo foi dado como pronto, arrancamos e deixamos Banjara para trás.

Só quando houve operações para esta zona, é que o nosso destino foi Geba, sede da Companhia.

Geba permitia-nos descansar psicologicamente do isolamento que se vivia em Banjara, recuperarmos algumas forças e passarmos melhor o tempo (que em Banjara era um marasmo total), matando saudades em longos passeios pelas tabancas.

Em Bafatá, era possível matar as saudades de comermos uns pratinhos de camarões, pescados no rio Geba, frangos e ovos estrelados, devidamente acompanhados de umas boas e frescas “cervejolas”.

Ataque à tabanca do Sincho
em 10 de Janeiro de 1967

Passados alguns dias acabou-se o descanso. Por volta das onze horas da noite, estava eu no bar com os oficias e sargentos, quando chegou o 1º Cabo Cripto e chamou o meu Alferes, dizendo-lhe para se dirigir com urgência ao nosso capitão.

Ficamos a olhar uns para os outros. Que teria acontecido desta vez?

Coisa boa não era com certeza. Soubemos então, que o IN atacou a tabanca de Sincho (perto de Cantacunda).

Conseguimos que um condutor, num jipe, nos levasse ao aquartelamento, que distava uns quinhentos metros, no cimo da colina.

Cada furriel mobilizou o seu pessoal, que na maior parte já se encontrava deitado, para que se prevenissem com todo o equipamento necessário, incluindo o morteiro de 80 mm e o lança-granadas.

Informei-os de que o IN atacara uma tabanca perto de Cantacunda.

Com as viaturas já prontas, seguimos em direcção à referida tabanca, que distava de Geba cerca de trinta quilómetros. Passamos por Camamudo, por volta da meia-noite e, quando chegamos à bolanha, para nossa sorte, as viaturas atravessaram-na bem, não sendo preciso recorrer ao auxílio dos seus guinchos, pois o caudal de água era pouco naquela altura do ano.

Um quilómetro, ou dois, mais adiante, deixamos a picada que de dirigia para Cantacunda e desviamo-nos, por uma picada mais estreita que ficava à direita.

Como a noite estava clara começamos a ver algum fumo no ar, entramos numa grande clareira e vimos ao fundo a tabanca.

Como não podia deixar de ser, a nossa aproximação foi feita com muito cuidado e segurança, cercando o perímetro da tabanca.

Pouco e pouco foi aparecendo a população, notava-se que estava aterrorizada e com muito medo.

Procedemos ao reconhecimento nas cercanias, mas nem sinais do IN.

A tabanca estava toda queimada e destruída, constatamos haver dois mortos entre a população. Ao romper do dia, verificamos a existência de um terceiro morto, completamente carbonizado. De noite seria extremamente difícil localizá-lo, pois estava envolvido em cinzas de colmo e de canas, que serviram para o “assar”.

Continuamos o reconhecimento nas redondezas e procuramos “ler” nos rastos deixados, qual a direcção que o IN havia tomado na sua aproximação à tabanca antes de atacar, e encontramos inúmeros invólucros de calibre 7,62 mm.

Também detectamos deformações no capim onde estiveram deitados, esperando pela noite, para efectuar o ataque.

Como tudo se mantinha calmo, sem outras evidências do IN, regressamos a Geba.

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série, do mesmo autor, em: