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domingo, 27 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9951: Efemérides (94): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (1): Estadia em Binta e saída até Cufeu (António Dâmaso)

1. Em mensagem do dia 25 de Maio de 2012, o nosso camarada António Dâmaso* (Sargento-Mor Pára-quedista do BCP 12, na situação de Reforma Extraordinária) enviou-nos a primeira de quatro partes de um trabalho onde descreve a "Operação Mamute Doido" realizada no âmbito dos trágicos acontecimento que marcaram Guidaje** e as NT naquele fatícico mês de Maio de 1973.


OPERAÇÃO "MAMUTE DOIDO" (1)

ESTADIA EM BINTA E SAÍDA ATÉ CUFEU

A. Dâmaso

Muito se tem dito e escrito acerca desta operação e dos motivos que levaram à mesma, contudo há indivíduos que nunca passaram pelo Cufeu, não têm conhecimento das condições do terreno na altura, no entanto falam como se tivessem por lá passado, para mim, militares que por lá passaram pertencentes à CCAÇ 19, Destacamentos de Fuzileiros, Companhias de Comandos, CCP 121, CCAV 3420 e outros que deixaram lá os corpos dos camaradas, sangue, suor e lágrimas, esses sim, assiste-lhes o direito de se pronunciarem sobre as suas vivências naquele local, desde que não divaguem porque se passou muito tempo.

Vieram dois militares que estiveram na emboscada dizer que tinha sido “aqui”, só que eles estavam na retaguarda da coluna, outro andava nas alturas, quem esteve na chamada zona de morte fui eu o “aqui” deles não corresponde com o meu, também disseram que morreram os três primeiros o que também não é verdade porque o 3.º era eu e estou cá, infelizmente morreram o 1.º, 2.º, 5.º e o penúltimo, seguindo as orientações do Blogue de Luís Graça, “não deixes que sejam os outros a contar a tua história”, segue a minha versão dos acontecimentos na primeira pessoa. Fui contactado pela TVI para lá ir em Fevereiro de 2007, de início acedi, tratei de passaporte e vacinas, só num dia levei quatro, mas por motivos de saúde declinei, acabando por ter ido o camarada Victor Tavares que pertencia ao 2.º Grupo que no momento em questão ia nas últimas posições na Coluna, julgo que o camarada Victor Tavares deu melhor conta do recado do que tivesse sido eu. Posteriormente quando foram entregues os restos mortais aos familiares, estava em Castro Verde uma repórter da RTP quando soube por alguém que eu tinha estado no local, tentou-me entrevistar mas quando eu lhe disse que não era capaz de falar no assunto sem me comover, foi compreensiva e não insistiu, ainda hoje tenho muita dificuldade em falar sobre o assunto.

Passando aos factos, depois de terminada a Operação Ametista Real, como comandante Interino do 3.º Grupo de Combate da CCP 121, ficamos em Binta à espera de uma coluna de viaturas de reabastecimento a realizar entre Farim e Guidage, a Companhia ir fazer segurança.

As conversas ouvidas em Binta no momento, eram que uma coluna de reabastecimento tinha sido emboscada pelos “turras”, que tinham feito um grande número de mortos, tinham incendiado as viaturas e levado as granadas de morteiro 81 e depois as devolveram pelos ares através dos morteiros 82, para o quartel de Guidage.

Em Binta não vi nenhum obus mas vi uma base de fogos de morteiros 81, já posicionados em várias direcções, sobre os morteiros dizia-se que em determinada altura em que o Aquartelamento foi atacado, quando foram para repelir o ataque, encontraram os tubos com terra no fundo, impedindo que as granadas percutissem, era este o “jornal de caserna”.

Em Moçambique, no ano de 1970, na operação “Nó Górdio”, em que por causa das minas, para se realizar uma coluna de viaturas era necessário a Engenharia abrir picada nova (estrada), fiquei pasmado como é que os chefes militares descoraram esse pormenor e até fiz um comentário em relação a isso a um tenente, que hoje é general que também lá estava nessa operação.

Agora passo a descrever a minha vivência nessa operação, que vale o que vale por se tratar da minha ”verdade”: 

No dia 22MAI73, tivemos um briefing na sala de operações da Companhia do Exército sediada em Binta, onde foram apresentados e discutidos os tópicos relacionados com a citada operação.

Foi-nos dito que no dia 23MAI73, a minha Companhia (CCP 121) ia fazer guarda avançada de flanco esquerdo, em protecção à coluna de viaturas de reabastecimento ao Aquartelamento de Guidage, junto à fronteira Norte.

Guiné > Região do Cacheu > Carta de Binta (1954) (Escala 1/50)  > Detalhes: posição relativa de Binta, Genicó, Cufeu e Ujeque (na picada Binta - Guidaje).

Depois de analisar a carta topográfica em questão, no quadro da sala de Operações da citada Companhia, vendo que a zona era bastante aberta, (com pouca mata) alertei o meu Comandante de Companhia para a utilidade de se levarem mais granadas de morteiro de 60mm, no que ele concordou e pedimos dois cunhetes destas granadas ao Comando de Binta, granadas essas que foram distribuídas pelos meus homens, atadas no equipamento com cordel, em virtude de calhar ao meu Grupo de Combate ir à frente na zona mais perigosa.

Seguidamente transmiti aos homens sob o meu comando, o tipo da missão, a perigosidade da mesma, a nossa posição no local crítico que era na frente da coluna, quanto à posição, testa da coluna na zona crítica, não me recordo se os critérios tiveram a ver com escala, rotação ou escolha.

Saímos de Binta no dia 23 pelas 6 horas da manhã, seguimos até ao cruzamento com a picada que vinha de Farim, tomamos posições defensivas e aguardamos pela coluna de viaturas que vinha de Farim, o que aconteceu cerca das 8 horas.

Iniciou-se a coluna tinha progredido pouco, a progressão era lenta, porque os picadores tinham de ir picando o terreno, para detecção de minas anti-carro e outras, como ia com atenção ao terreno, comecei a ver cepos de onde tinham sido cortadas árvores centenárias, talvez até milenares, apercebi-me que as viaturas se iam desviando para a direita para fugirem ao campo minado.

Quando atingimos a zona de Genicó, começámos a ouvir rebentamentos à nossa direita para os lados da picada, através do rádio ouvi que tinham deflagrado uma mina anti-carro e várias anti-pessoal que causaram várias baixas nos picadores, face a este incidente, houve um compasso de espera e passado muito tempo, o comandante do COP 3, Major Correia de Campos resolveu dar ordem para a coluna voltar para trás.

Ficámos um pouco parados em posição defensiva, até que o Comandante de Companhia recebeu ordem do PCA (Posto de Comando Aéreo) para continuarmos rumo a Guidage sem a coluna, no momento pensei que não fazia sentido continuarmos sem a coluna, mas ordens eram ordens e na tropa eram para serem cumpridas.

Continuamos a progressão sempre à esquerda da picada, mais ou menos a meio caminho entre Genicó e Cufeu, fizemos uma paragem para comer uma “bucha”, a mata era aberta e cheia de clareiras sentíamos o efeito do calor abrasador, traduzindo-se em suor e muita sede.

Continuámos a progressão cada vez mais sedentos, mais ou menos entre 500 e os 1000m do Cufeu, obliquamos para atravessar a picada para a direita e de seguida o meu pelotão passou para a frente como estava estipulado, calhando ser a 1.ª a secção a ir à frente, descemos uma encosta e já em terreno plano, obliquámos para a esquerda, na leitura de sinais, observamos algum silêncio anormal, pelo que foi dado sinal para se manterem atentos, a nossa progressão era como que em ziguezague.

O apontador de reserva do morteiro que passou a efectivo, tratava-se do Vitoriano, um Pára de alcunha Lisboa, e que quando o meu pelotão passou para frente, por ordem minha passou para a quinta posição na coluna, porque a meu entender, dadas as características do terreno e vegetação, por ser uma arma importante de defesa em caso de emboscada, o que se veio a verificar.

Era usual nas progressões a corta mato, que era o caso, ir um municiador à frente para abrir picada, se necessário, eu até cheguei a ir à frente para não serem sempre os mesmos, mas naquele dia, tendo em conta a mata ser aberta, com muitas clareiras, quem foi para primeiro lugar foi o apontador de metralhadora, da secção que calhava ir à frente, indo o municiador em segundo lugar e eu em terceiro. Não me lembro quem ia em quarto mas sei que em quinto ia o apontador do morteiro, por eu lhe ter dado ordem para ir nessa posição, recordo ainda que momentos antes da emboscada, ter olhado para trás e ver que o Comandante da Companhia seguia nos primeiros dez.

Acrescento que o Comandante da Companhia, conhecia bem os homens do 3.º pelotão, por quando em actuação de bigrupo que ele sempre acompanhou, ia muitas vezes neste pelotão, mesmo a nível de actuação de Companhia, quase sempre o vi no neste Pelotão, isto talvez se explique por ter na Companhia um Tenente do Quadro que ocuparia a posição da retaguarda, assegurando ele a posição da frente.

O Comandante de Companhia já tinha em 68/70, feito uma comissão de Serviço na Guiné como Comandante de Pelotão, onde passou por Gandembel. Eu estava na 3.ª comissão na Guiné, 2.ª em Companhia de Combate, tinha passado por Moçambique na Operação “Nó Górdio” e tinha em 1964 feito uma operação em Angola, portanto em termos de experiência acho que tínhamos mais que os outros graduados com funções de comando. Sem qualquer acordo prévio, optámos por ocupar aquelas posições na coluna como que a dizer aos homens, nós estamos aqui!

Provavelmente se eu tivesse lá o meu camarada Primeiro-Sargento Comandante da Secção, talvez eu tivesse ocupado uma posição mais à retaguarda, mas como o Cabo que ia a comandar a secção tinha sido ferido no Navio Patrulha e evacuado, resolvi estar em 3.º, quanto ao Comandante da Companhia deve ter pensado o mesmo que eu, e ir para os primeiros dez da coluna.

Eu ia com algum à-vontade, pensando que por ir a corta-mato me pudesse trazer alguma vantagem, contudo desconhecia em parte aquele terreno por ser a primeira vez que lá entrava, também desconhecia que a partir do momento que as viaturas voltaram para trás, os guerrilheiros do PAIGC passaram a vigiar toda a nossa progressão, por ironia do destino andamos às voltas e fomos ter mesmo ao local onde eles estavam treinados a fazer emboscadas, como tive oportunidade de verificar mais tarde.

(Continua)

Um Ab
A. Dâmaso
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Maio de 2012 Guiné 63/74 - P9939: Efemérides (59): A Operação Ametista Real foi há 39 anos (António Dâmaso)

(**) Vd. postes:

Guiné 63/74 - P9934: Efemérides (56): Guidaje foi há 39 anos: reconstituindo a 5ª coluna, de 22 e 23 de maio de 1973 (Victor Tavares e † Daniel Matos)

Guiné 63/74 - P9935: Efemérides (57): Guidaje foi há 39 anos... Pergunto: Por que é que a FAP não bombardeou com napalm a área de Genicó até Ujeque ? Por que é que não se utilizou o obus 14 no apoio às colunas ? No cerco de Guidaje muito eu desejei ter uma antiaérea... (Arnaldo Machado Veiga)
e
Guiné 63/74 - P9937: Efemérides (58): Guidaje foi há 39 anos... Alguns pequenos reparos e a minha homenagem a Amílcar Mendes, Daniel Matos e Victor Tavares (Manuel Marinho)

terça-feira, 22 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9934: Efemérides (90): Guidaje foi há 39 anos: reconstituindo a 5ª coluna, de 22 e 23 de maio de 1973 (Victor Tavares e † Daniel Matos)

A 5ª coluna,  a caminho de Guidaje>  Operação Mamute Doido, com os páras da CCP 121 > 23 de Maio de 1973 [fusão de dois postes]

por Victor Tavares (*) 
e † Daniel Matos (**)


1A. Victor Tavares [, ex-1º cabo paraquedista, CCP 121/ BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1972/74). foto à direita]:

No início do mês de maio de 1973, as forças do PAIGC intensificaram os ataques aos destacamentos de fronteira, mais concretamente Guidaje, a norte, e Guileje, a sul. Em Guidaje a pressão das forças IN começou com ataques ao aquartelamento e depois às colunas de reabastecimento no período 7 a 30 de Maio de 1973. Nesse período realizaram-se seis colunas. Apenas a terceira conseguiu alcançar o objectivo sem problemas.

E porque fiz parte da quinta coluna (***), gostaria de dar algumas ideias do que passei na mesma aos tertulianos interessados na guerra de Guidaje.


Para começar quero dizer-vos que já li que os efectivos da CCP 121 que participaram nessa coluna eram na ordem de 160, quando na verdade seríamos pouco mais de metade. Mas avançando para o desenvolvimento, mais concreto, do deslocamento entre Binta e Guidaje, de má memória para os paraquedistas da 121, nesse dia fatídico para as nossas tropas recebemos a informação de que íamos fazer protecção a uma coluna auto que ia para Guidaje, e que regressaríamos de imediato, até porque não nos fora distribuída alimentação.


1B. Daniel Matos [1950-2011, ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74, foto à esquerda] ...


[Em 22 de maio de 1973,] do quartel de Binta, sensivelmente à mesma hora (sete e trinta) em que saíramos de Guidaje, avançara também nova coluna logística, com a missão de evacuar o pessoal, sobretudo os feridos. A CCP 121 faria protecção a oeste da estrada, cabendo a um destacamento misto de fuzileiros (42 homens dos DFE n.º 1 e n.º 4, comandados pelo primeiro-tenente Albano Alves de Jesus) a protecção a leste. Os picadores seriam de um grupo de combate da CCaç 14 (guarnição de Farim), participando também um grupo reduzido de elementos da CCaç 3. Um dos elementos, – o furriel miliciano Arnaldo Marques Bento, – deste grupo comandado pelo alferes Gomes Rebelo, acciona uma mina antipessoal, reforçada com outra, anticarro, e tem morte imediata. Também um picador – o soldado Lassana Calisa, – morre alguns metros adiante e a mesma mina provoca dois feridos graves. 


Ainda um outro engenho viria a ferir gravemente outro homem. Cerca do meio dia, um grupo de combate saiu de Genicó e veio reforçar a coluna. O tenente-coronel Correia de Campos manda abortar a coluna de reabastecimento e o pessoal regressa a Binta, onde chega apenas por volta das 18 horas.

2A. Daniel Matos

[A 23 de maio de 1973,] sai de Binta em direcção a norte uma coluna/auto comandada a partir de uma DO-27 pelo major 
paraquedista  José Alberto de Moura Calheiros. É protegida por uma unidade de fuzileiros especiais e por grupos pertencentes a unidades do Exército, nomeadamente da CCaç 3 e, como sempre, por uma equipa de picadores que rasga caminho lá bem na cabeça da coluna.

Ao chegar perto de Genicó liga-se aos cerca de 90 homens da CCP 121 que, sob o comando do capitão pára-quedista Armando de Almeida Martins, emboscada desde bem cedo, ali aguardam a sua passagem, para lhe fazer protecção. Os pára-quedistas faziam parte de uma força de intervenção, que incluía ainda uma companhia de comandos e uma companhia de fuzileiros, enviada para Guidaje para tentar romper o cerco e aliviar a pressão do PAIGC sobre o quartel.


2B. Victor Tavares:

Lá seguimos manhã cedo, [a 23 de maio de 1973,] até passar uma pequena ponte. Logo de seguida estacionámos e emboscámo-nos do lado esquerdo da picada, ficando a aguardar a chegada da coluna auto que, passado algum tempo, chegou já protegida do lado direito por um grupo de fuzileiros especiais, seguidos de elementos do exército.

Na frente da primeira viatura seguiam vários sapadores (picadores). É de referir que a mata envolvente era bastante aberta o que facilitava o contacto à vista com as outras nossas forças.

Entretanto, é dada ordem para iniciarmos a marcha lenta por forma a manter a ligação à vista com a frente da coluna. Nessa altura rebentou uma mina antipessoal, provocando 1 morto. Isto cerca das 8.30h. 

Recomposta a ordem, retomamos a marcha, até que, passados pouco mais de 15 minutos, novo engenho é accionado, desta vez por uma viatura, desfazendo parte dela e provocando mais 1 morto e 2 feridos graves. A partir daqui foi fazer a transferência da carga e retomar o deslocamento. Pouco tempo andámos para nova mina ser accionada provocando mais 1 ferido grave.

Nesta altura estávamos próximos de Genico [a seguir a Caur, vd. carta de Binta]. Perante estes acontecimentos foi dada ordem para que a coluna regressasse a Binta, uma vez que a zona se encontrava toda minada e seria de evitar correr mais riscos.

2.C. Daniel Matos:

Por volta das 8,30 horas, com a ligação à vista praticamente a ser efectuada, uma mina antipessoal é deflagrada e provoca a morte do soldado Bailó Baldé, da CCaç 3. Escassos minutos a seguir, quando a coluna recolhe o corpo e retoma o andamento, uma viatura acciona outra mina e causa mais uma morte imediata (soldado Fonseca Nancassa, também da CCaç 3) e dois feridos com gravidade. 

Uma terceira mina vem a ocasionar mais um ferido grave. Perante as adversidades da progressão, parecendo impossível ultrapassar o enorme campo de minas e armadilhas que encontrou em cada metro de caminho, é recebida ordem para que a coluna retroceda e regresse a Binta. Aos  paraquedistas , no entanto, é dito que devem avançar até ao destino, em missão de patrulha (operação Mamute Doido). Assim procedem, vindo a efectuar uma pausa para descanso, já na área do Cufeu. Conforme estas fatídicas jornadas demonstram à saciedade, seja ao longo da bolanha seja em torno da casa amarela que avistamos a cada passagem – ou do esqueleto que dela resta, – o Cufeu é uma zona propícia para as emboscadas, desde logo pelo número inusitado de morros de baga-baga atrás dos quais dezenas de corpos se podem ocultar e proteger-se das nossas balas.
3A. Victor Tavares:

Com tudo isto já passava do meio dia, quando é dada ordem para a CCP121 continuar a operação em patrulhamento, regressando os fuzileiros e o exército.

Em direcção a Guidaje seguiam os paraquedistas, até que foi feita mais uma de muitas paragens para descanso do pessoal, esta já na zona mais perigosa de todo o percurso, que era Cufeu.

Como me encontrava desde o início na retaguarda, desloquei-me até junto do meu comandante de pelotão, Tenente Paraquedista Hugo Borges, afim de saber qual seria o nosso destino, porque nos encontrávamos já bastante debilitados fisicamente. Foi nesse momento que a grande altitude apareceu sobrevoando a nossa posição uma DO 27 aonde se encontrava o Major Paraquedista Calheiros que, em contacto com o comandante da CCP 121, Capitão Paraquedista Armando Almeida Martins, informa-nos que teríamos de seguir para Guidaje porque já estaríamos perto.

Dada esta informação, regressei a retaguarda mas ao fazê-lo pedi ao Melo, apontador de MG 42, para ocupar o meu lugar (todos os operacionais sabem o desgaste físico e psicológico que tal posição provoca) porque eu já vinha a mais de uma dezena de quilómetros naquele lugar.

Entretanto inicia-se a marcha e, quase de imediato, rebenta na frente a emboscada, tendo os primeiros tiros dados pelas forças do PAIGC abatido logo os Soldados Paraquedistas, Victoriano e Lourenço e ferindo gravemente o 1º Cabo Paraquedista Peixoto, apontador de HK21 e MG42.

A reacção dos paraquedistas foi pronta e rápida: apanhados em zona aberta sem qualquer protecção reagiram ao forte poder de fogo do IN, conseguindo suster o assalto das nossas posições como se verificou na retaguarda onde guerrilheiros, alguns de tez branca, tentaram fazer um envolvimento as nossas forças, o que foi evitado pela elevada capacidade de organização em combate e disciplina de fogo, aliada à coragem dos nossos militares.

Quero referir que simultaneamente toda a nossa coluna ficou debaixo de fogo IN numa extensão de mais de 300 metros.

É de realçar também a organização e o poder de fogo dos guerrilheiros do PAIGC que, equipados com bom armamento, bem melhor que o nosso, caso das Degtyarev, RPG2, costureirinha PPSH, Kalashnikov, Canhão Sem Recuo, RPG7, Morteiros 61mm e 81mm, mísseis terra-ar Strela (estes a partir do início de 1973 começaram a derrubar a nossa aviação tirando-lhe capacidade de actuação no teatro de operações).

Não era por acaso que as forças do PAIGC estavam tão bem organizadas nesta zona e neste período, tinham como comandantes Francisco Santos (Chico Té) e Manuel dos Santos (Manecas), dois dos mais temidos pelas nossas forças, além do comandante Nino Vieira.

3B. Daniel Matos:

Retemperadas as forças, o pessoal da companhia de caçadores paraquedistas reinicia a marcha e é de pronto surpreendido por constringente emboscada. Dois dos pára-quedistas que seguem na frente (António das Neves Vitoriano e José de Jesus Lourenço, este com apenas 19 anos) têm morte imediata; o 1.º Cabo Manuel da Silva Peixoto, apontador de HK-21, é colhido por uma rajada e fica gravemente ferido. O fogo inimigo é muito intenso, a frente prolonga-se por algumas centenas de metros e dura três quartos de hora praticamente consecutivos. Há quem garanta ter avistado gente branca do outro lado.

“Os militares José Lourenço, António Vitoriano e Manuel Peixoto iam na primeira linha e foram os primeiros a cair”, relata muitos anos mais tarde Hugo Borges, na altura da emboscada tenente, comandante de pelotão (hoje general).

À mistura com tiros de Kalashnikov ouvem-se estrondos de canhões sem recuo e roquetadas das RPG-7, que causam pelo menos mais duas baixas graves: a do soldado Palma, que se encontrava a tentar desencravar a metralhadora MG 42 do soldado António Melo, que foi também ferido e ficou imediatamente em coma (viria a falecer após evacuação, já na metrópole). 

Apesar da resistência das NT, a ofensiva só é contida graças ao apoio aéreo que desta vez corresponde ao chamamento. Os Fiat lançam bombas de cinquenta quilos ao longo de meia hora bem medida sobre a zona de acção IN (cuja força é estimada em cerca de setenta guerrilheiros). 

Algumas viaturas saíram de Guidaje e foram ao encontro dos paraquedistas. Fizeram inversão de marcha para se carregarem os corpos das vítimas e regressarem à origem. Abrindo um novo trilho, conseguem chegar à aldeia de Guidaje, não sem que os guerrilheiros retirados do Cufeu após o bombardeamento da aviação os tenham atacado de novo, mas de longe e sem consequências. 

O Cabo Peixoto não resiste aos ferimentos e morre também neste dia 23 de Maio, – imagine-se! – considerado o “Dia dos Paraquedistas” por ser há precisamente 17 anos (desde 1956) a data da fundação, em Tancos, da Escola de Tropas Paraquedistas!...

O Batalhão de Caçadores Paraquedistas (n.º 12) teve durante as campanhas na “Guiné Portuguesa” cinquenta e seis baixas, (três oficiais, seis sargentos e quarenta e sete praças).

Os corpos dos militares da CCaç 3 que protegiam a coluna inicial e que pela manhã foram vitimados pelo rebentamento de minas (mormente os de Bailó Baldé e Fonseca Nancassa), ainda devem ter sido transportados pelas mesmas viaturas que os camaradas 
paraquedistas  trouxeram para Guidaje, pois viriam a ser ali sepultados, dias depois, conjuntamente. Se assim não fosse, teriam sido levados pelos fuzileiros e elementos do Exército que regressaram a Binta e o tratamento aos seus esquifes teria sido diferente.

4A. Victor Tavares:

Continuando a relatar o desenrolar da operação: durante o contacto fomos flagelados com morteiradas e canhoadas que rebentavam a poucos metros de nós, tendo uma delas ferido gravemente os Soldados Paraquedistas Palma e Melo, este com grande gravidade, ficando de imediato em estado de coma e vindo a falecer, na Metrópole.

Ainda relacionado com as granadas que rebentavam junto a nós, aí poderíamos ter mais mortos e feridos, mas a nossa sorte foi o terreno ser mole porque as granadas enterravam-se e os estilhaços saíam em V. Faço esta afirmação porque a dois, três metros da minha posição de combate, rebentaram 3 granadas e felizmente nada me aconteceu. Já a quarta granada veio mais longa, atingindo os paraquedistas atrás referidos, quando se encontravam a desencravar a MG42 da qual o Paraquedista Melo era apontador, de grande categoria (este camarada era uma autêntica máquina de guerra).

Ainda debaixo de fogo começaram a ser socorridos os feridos da retaguarda, pelo enfermeiro 1º Cabo Paraquedista Fraga.

Ainda antes de terminar este feroz combate, os bombardeiros Fiat 91 bombardearam as posições IN tal foi a duração do mesmo (mais de 30 minutos).

Terminado o contacto, tratou-se de improvisar a maca para transporte do Melo, o outro ferido, o Palma, seguiria a pé, já que o ferimento era no pescoço. Entretanto chega-nos a indicação da frente que tínhamos mais feridos e mortos (os átras referidos Peixoto, Vitoriano e Lourenço).

Entretanto, quando chegamos à frente, deparamos com os corpos dos nossos camaradas que jaziam no chão, dois já defuntos, e um ferido de morte, este a ser assistido pelos enfermeiros dos pelotões.

A partir daqui aguardava-se a chegada de viaturas que vinham de Guidaje. Chegadas estas, carregaram-se os mortos e feridos. Nnessa altura fui à viatura onde se encontrava o Peixoto para ver qual era o seu estado. Apertando o meu braço, diz-me ele:
- Tavares, desta vez é que eu não me safo. - Aí respondi-lhe:
- Não, tu és forte e tudo vai correr bem, tem calma.

Quando desci da viatura depois de ver os ferimentos, fiquei com a convicção de que só por milagre é que o Peixoto se safava: fora atingido por vários tiros em zonas vitais .

De seguida iniciámos a marcha rumo a Guidaje, para pouco tempo depois a coluna na frente ser novamente atacada, desta vez sem consequências de maior, para as forças que seguiam na frente, Fuzileiros e Paraquedistas, seguidas das viaturas e na retaguarda os restantes Paraquedistas que ainda tentaram fazer um envolvimento às forças do PAIGC, o que não resultou derivado à distância ser grande e as mesmas terem abandonado as suas posições de ataque.

5. Daqui até Guidaje não houve mais qualquer incidente. Chegados, fomos instalados ao longo das valas, montando segurança durante os dias que ai permanecemos, sete ou oito. Durante esses dias foram elementos dos Comandos Africanos que regressavam da Operação Ametista Real (no período de 17 a 20 de Maio de 1973) na qual também participou a Companhia de Paraquedistas 121 (Assalto à base de Kumbamory) dentro do Senegal. Participou também o grupo do Marcelino da Mata.

Em Guidaje também aí encontrámos parte de um destacamento de Fuzileiros que aqui se encontravam sitiados há alguns dias e que pertenciam ao destacamento de Canturé.

A seguir relatarei a permanência em Guidaje durante 9 dias e o funeral dos meus camaradas paraquedistas . (...)

PS - No que atrás relato não estão incluídas algumas passagens muito importantes que entendo de momento não publicar. (****)




Guiné > Região do Cacheu > Carta de Binta (1954) (Escala 1/50 mil)  > Detalhes: posição relatiav de Binta, Genicó, Cufeu e Ujeque (na picada Binta-Guidaje).

__________

Notas do editor:

(*) 25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

Vd. também poste de 9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

(**) 5 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6108: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (7): Os dias da batalha de Guidaje, 22 e 23 de Maio de 1973


(***) Os historiógrafos militares Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso falam em 6 colunas, realizadas nas seguintes datas:

1ª coluna: 8 a 9 de maio de 1973;
2ª coluna: 10 de maio [ vd. aqui o testemunho do nosso camarada A. Merndes, da 38ª CCmds]
3ª coluna: 12 de maio;
4ª coluna: 15 de maio;
5ª coluna: 22 de maio;
6ª coluna; 29 de maio.

(In: Os anos da guerra colonial: volume 14: 1973 - Perder a guerra e as ilusões. Matosinhos: QuidNovi. 2009, p.45).

(****) Último poste da série > 9 de maio de 2012 > 
Guiné 63/74 - P9874: Efemérides (55): Cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné (2) (Magalhães Ribeiro)


sábado, 24 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9263: Tabanca Grande (313): António Eduardo Gouveia Carvalho, ex-Cap Mil da CCAÇ 3, Bigene e CCAÇ 19, Guidaje (1974)

1. Vou começar a apresentação do nosso camarada e novo tertuliano António Eduardo Carvalho, com um pedido desculpa pessoal, pela minha demora, motivada pelo acumular de correspondência que atira para as "calendas" as mensagens mais antigas.

Escrevia ontem o Carvalho no seu comentário deixado no Poste 6612:

Sou o Ex-Cap. Mil. António Eduardo Gouveia Carvalho. Já tentei integrar este maravilhoso colectivo, mas não possuo fotografias do tempo da Guiné.
Serei um dos vossos com todo o gosto, pois ao consultar, o que faço muitas vezes, este espaço netiano, verifico, com agrado que é muitíssimo bem orientado pelo camarada Luís Graça e seus directos colaboradores, a quem desde já presto a minha homenagem.
Aproveito para desejar a todos uma Festas Felizes.

Fui procurar na minha caixa de correio, tipo Torre do Tombo, e encontrei esta sequência de mensagens:


i) Mensagem de António Eduardo Carvalho em 7 de Outubro de 2010:

Costumo ver o vosso blogue que acho muito rico.
Gostava de fazer parte deste grupo que já é tão grande.


António Eduardo Gouveia Carvalho
Cap. Miliciano CCaç 3 e CCaç19 - 1974
Mais uma vez, Parabéns pelo blogue



ii). No dia 9 de Outubro de 2010 enviei esta resposta ao nosso camarada António Carvalho

Caro António Carvalho
Muito obrigado pelo teu contacto e pela tua vontade em te juntares a nós.


Presumo que estarás ciente das nossas normas de conduta e daquilo que pretendemos ao publicar as memórias daqueles que lutaram em terras da Guiné. O lado esquerdo da nossa página contempla todas as respostas às dúvidas que poderão surgir quando se pretende fazer parte de uma comunidade virtual, neste caso a nossa Tabanca Grande.

Presumo que acompanhaste o fim da guerra comandando os bravos militares guineenses que a nosso lado lutaram muitos anos e que no fim das hostilidades foram descartados e abandonados à sua sorte. Gostaríamos, se a isso estiveres disposto, nos desses a tua versão desses acontecimentos, já que os viveste, e ainda o que sentiste na hora do regresso. Como foram vividas as últimas horas até à independência e tudo o mais que achares por bem contar.

A tua posição de CMDT de Companhia deu-te oportunidade de acederes a determinado nível de informações, hoje desclassificadas, que não seriam do conhecimento da maioria dos combatentes, e que poderão ficar registadas no nosso blogue para memória futura.

A fim de seres apresentado formalmente à tertúlia, envia uma foto actual e outra do teu tempo de Guiné, tipo passe, mais uma pequena história pessoal ou não, e fotos, se tiveres, com legenda para a ilustrar.

Refere as datas de ida e volta, locais por onde andaste, etc. Poderás ainda contar um pouco de ti, do teu passado e presente, etc.

Se acederes a este link - http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Tabanca%20Grande - poderás ver as apresentações anteriores.

Ficamos então na expectativa de novo contacto teu.

Por meu intermédio recebe um abraço do editores.
Carlos Vinhal



iii). No dia 10 recebemos nova mensagem do nosso novo tertuliano:

Caro Carlos Vinhal
Estou completamente ciente das vossas regras e é exactamente por isso que penso que me enquadro nessa forma de estar.

Pedes-me fotografias dessa fase e actual.
Da fase da guerra só recentemente, através de um Alferes da minha Companhia (Luís Socorro), cujo telemóvel vi através do Blogue, consegui duas fotografias que ele possuia.
Essas fotografias, uma delas foi tirada no Senegal, quando, depois do 25 de Abril, tive um encontro com o PAIGC.
Outra foi tirada em Guidaje, também depois do 25 de Abril.
Numa delas (Senegal ) sou o terceiro a partir da esquerda. Na outra é fácil de ver sou o único branco confraternizando com soldados e civis.


Aproveito para te informar que há uns quatro anos fui entrevistado pelo Joaquim Furtado para a série sobre a Guerra, mas até agora ainda não apareci. Sei que quem indicou o meu nome foi o Comissário Politico do PAIGC, Duke Djassi, (Leopoldo Luís Alfama).
Obrigado pelo teu contacto.
Vou tentar enviar as fotografias, agradeço que digas alguma coisa.


Um grande abraço.
António Carvalho



iv). No mesmo dia respondi:

Caro António Carvalho
As fotos chegaram, mas não estão em bom estado para a partir delas fazer uma foto fardado tipo passe. Se tiveres o cartão militar, digitaliza e manda.
Fica a faltar a foto actual e um texto de apresentação.
Se fores avisado do dia em vai para o ar episódio em que apareces, diz-nos para alertar a tertúlia.


Já agora, quero tirar uma dúvida. Sendo tu mais velho do que eu só 4 anos, foste Cap Mil em 1974. Pergunto, foste para a tropa mais tarde ou cumpriste o serviço normal e foste outra vez chamado? Temos casos de Cap Mil já "velhotes" que foram chamados depois de ter família constituída, só porque não tinham sido mobilizados antes.

Um abraço
Carlos Vinhal



v). Ainda no mesmo dia António Carvalho:

Fiz o serviço militar no RI 6 na Senhora da Hora, a minha Especialidade era Inf. Oper. e Reconhecimento, como fui 2º classificado no COM não fui como Alferes.
Vim para a disponibilidade em 1969 e fui chamado para o CPC em 1973.

Fui para a Guiné em rendição individual com destino a Bolama, mas, chegado a Bissau, mandaram-me para Bigene (CCaç 3) e depois para Guidaje (CCaç19).
Já li uma passagem no blogue na rubrica "no 25 de Abril eu estava..." onde um dos Alferes da Companhia branca conta, no fundamental, o que se passou.
Para além disso há outras coisas que se passaram, mas que até agora tentei esquecer.
O Capitão que foi ao encontro do PAIGC era eu.

Nessa altura já eu tinha três filhos e trabalhava na Direcção Geral das Alfândegas, como Quadro Técnico.
Quando regressei da Guiné vim de novo trabalhar para a DGA. e actualmente estou aposentado.
Se algum dia se proporcionar gostaria de falar nisto com vocês
.

Um abraço
Ant. Carvalho



vi). Ainda no mesmo dia respondi ao nosso camarada:

Caro Carvalho
Foste um dos sacrificados milicianos, chamados para tapar buracos. A minha Companhia teve dois Cap Mil, o Jorge Picado, nosso tertuliano, hoje com mais de 70 jovens anos, e o Cap Mil Santos Caeiro, bem mais novo, que quando regressámos (MAR72), ainda lá ficou a penar.


Podes e deves contar tudo, desde que não te seja penoso. Por vezes o escrever, falando com aqueles nos compreendem, os outros camaradas, serve de terapia, uma espécie de desabafo, já que os nossos familiares, filhos e netos, não estão para aturar as nossas estórias, tão estranhas para eles.
[...]
Aguardo, então os teus elementos em falta para te apresentar.
Uma boa semana.
Carlos



vii). A partir daqui houve uma troca de mais duas mensagens e fez-se silêncio total até hoje, dia 23 de Dezembro de 2011. Mais de um ano. Inconcebível da minha parte.

Caro camarada Eduardo Carvalho
Confesso que me senti mal ao ler o comentário que fizeste no Poste 6612.
Era o que faltava alguém ficar de fora da tertúlia só por não ter uma foto para enviar.
Com os elementos que cá tenho vou apresentar-te formalmente, pelo que te podes desde já considerar membro deste grupo de ex-combatentes.
Quando quiseres, se tiveres alguma coisa para nos contares enquanto CMDT daquelas duas Companhias africanas, teremos muito gosto em publicar.
Breve irás receber notícia da tua apresentação. Espero que este endereço esteja actualizado, pois apareces no comentário como "torcava"


Recebe um abraço deste teu camarada e novo amigo, mais os votos de Boas Festas natalícias e de um 2012 pleno de venturas.

Carlos Vinhal

OBS:- Se possível, p.f. acusa a recepção deste mail


2. Comentário de CV:

Camarada Eduardo Carvalho, estás finalmente apresentado à tertúlia.
Não ter fotos da Guiné não é impeditivo de fazer parte do nosso Blogue, queremos, isso sim, o teu testemunho de um tempo difícil para todos, que coincidiu com a passagem do poder para o PAIGC, tempo de indefinição, em que principalmente os Oficiais com responsabilidades de comando tiveram um importante papel.

Já que não tens nenhuma foto tua do teu de Guiné, queria que na primeira oportunidade me enviasses uma foto actual, tipo passe, para encimar os postes com eventuais textos teus. É um costume nosso que queremos manter.

A tua correspondência deverá ser sempre enviada para luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com e para um dos editores, eu ou Eduardo Magalhães, cujos endereços encontrarás no lado esquerdo da nossa página.

Em nome da tertúlia e dos editores deste Blogue envio-te um abraço de boas vindas e já agora, os nossos votos de Boas Festas para ti e para os teus familiares.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9240: Tabanca Grande (312): João Gabriel Sacôto Martins Fernandes, ex-Alf Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil (1964/66)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9249: À margem da história oficial ou oficiosa (1): Revolta, em Guidaje, da martirizada CCAÇ 19 (Manuel Marinho, 1ª C/BCAÇ 4512; José Martins, CCAÇ 5)


Guidaje > Maio de 1973 >A caminho de Guidaje, os comandos da 38ª CCmds deparam-se com um espectáculo macabro... Cadávares de combatentes das NT e do IN abandonados, na sequência da batalha de Guidaje... Nesta imagem, brutal embora de má qualidade, vê-se dois  cadáveres de elementos das NT (provavelmente da CCAÇ 19), perto da bolanha do Cufeu.


 Foto: © Amílcar Mendes (2006). Todos os direitos reservados




1. Comentário, com data de 18 do corrente, ao poste P6612 (*),

A história aqui contada tem alguma falta de informação.

Era eu o comandante da Companhia [, a 1ª C/BCAÇ 4512,] e tinha vindo a Lisboa. Quando cheguei, e regressei, a 27 de Julho [de 1974], deparei-me com uma situação explosiva.


Estive cercado com os meus alferes e furriéis durante dois dias. Até que os soldados da CCaç [19] me deram um prazo para falarem com um capitão dos Comandos Africanos. Se isso não acontecesse até às 15 horas, eles fuzilar-me-iam na parada.

Chegou um helicóptero às 13h, com um capitão dos Comandos Africanos. Se bem me lembro, era o Cap Sisseco, acompanhado de um Major do Estado Maior.

Os soldados africanos, quando souberam que tinham que sair em Agosto [de 1974], não aceitaram e acharam que nós tinhamos sido uns traidores. Depois da minha ida a Bissau, chamado pelo Comandante Chefe [Brigadeiro] Fabião, conseguiu-se que eles recebessem o pré até fins de Dezembro. 


2. Comentário de José Marcelino Martins, nosso colaborador permanente (*):




O autor do comentário efectuado às 12h03 esqueceu-se de se identificar. No entanto, pelo texto deduzo ser o Capitão Miliciano de Infantaria Francisco da Silva Oliveira. Era bom confirmar esta informação. 



O Capitão Sisseco... seria o Ten Graduado Comando Adriano Sisseco, que foi um dos comandantes da 2ª CCmds Africanos ?!


Quanto aos pagamentos a efectuar aos militares africanos... estavam consignados no artigo 24º do Anexo ao Acordo de Argel, assinado em 26 de Agosto de 1974. Previa-se o pagamento do pré [dos militares africanos] até ao final do ano de 1974. 


Porém, não foi nesta data que o mesmo foi acordado. Teria de vir de reuniões anteriores, uma vez que, na CCaç 5 (Canjadude), desactivada em 24 de Agosto (antes da assinatura do Acordo), o Comandante na altura pagou esses valores aos seus subordinados africanos, tendo para tal de deslocar-se a Bissau o seu 1º Sargento para proceder ao levantamento da verba necessária e proceder ao transporte da mesma.


Renovo que os meus votos de que o subscritor do comentário a que me refiro, além de se identificar, nos faculte mais elementos sobre este período que não está muito documentado "oficialmente".


Também me permito convidá-lo para integrar esta Tabanca, onde todos partilhamos as nossas memórias daquela terra que "odiámos" e, posteriormente, a adoptamos como nossa.

3. Comentário do editor:

Segundo informação adicional do J.M., este Cap Oliveira comandava a 1º CCAÇ do BCAÇ 4512/72. A CCaç 19, presume ele, era comandada na altura pelo Cap Mil Inf António Eduardo Gouveia Carvalho. A CCAÇ 19 foi extinta em Agosto de 1974, como todas as demais companhias africanas.



É contra as normas do nosso blogue aceitarmos comentários anónimos e, menos ainda, darmos visibilidade (e legitimidade), através de um poste, ao anonimato. Abrimos aqui uma exceção, dada o excecional interesse do testemunho, lacónico, mas seguramente autêntico, do comandante da 1ª C/BCAÇ 4512/72. São histórias "à margem da história oficial ou oficiosa". Ora, precisamos de interrogar o silêncio dos arquivos da história da guerra colonial. E já não temos muito tempo para recolher testemunhos dos protagonistas dos acontecimentos.


Reforço o convite do meu camarada José Martins (também ele um homem que lidou, tal como eu, com soldados do recrutamento local) para que o ex-Cap Mil Inf Francisco da Silva Oliveira se junte a este já numeroso grupo de camaradas da Guiné quie lutam para que a memória não se apague


 Boa saúde e longa para o nosso camarada Oliveira. Saudações natalícias.


_________________ 


Nota do editor:

(*) Vd. poste de 18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6612: Estórias avulsas (89): Guidaje em revolta após Abril (Manuel Marinho)



(...) Manuel Marinho (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), dá-nos conta de um momento de tensão em Guidaje, já depois do 25 de Abril, resolvido à custa do regresso da sua Unidade ao local onde jamais pensariam voltar (...)


(...)  Em finais de Julho, (ou princípios de Agosto) recebemos ordens para levantar novamente o armamento, para fazer face a uma insubordinação que acontecia em Guidaje, onde o nosso Gr Comb estava como que refém dos camaradas africanos que estavam relutantes na entrega do seu armamento, face à falta de garantias mínimas que não existiam para eles.


A apreensão tomou conta de nosso pessoal que de imediato quis saber em que consistia a nossa ida a Guidaje, e a nossa recusa terminante em tomarmos alguma medida que pusesse em causa camaradas nossos, o pessoal militar africano de Guidaje [ a CCAÇ 19,]teria que resolver o problema já que nada poderíamos fazer, e em nada contribuíramos para a situação criada.


A operação consistia em se utilizar os meios necessários incluindo a força (confrontação armada?) para que os revoltosos entregassem as suas armas a fim de permitir a entrega pacífica do aquartelamento ao PAIGC.


Na fronteira do Senegal estavam forças do PAIGC, atentas ao evoluir da situação, e a pressionar com a sua presença os revoltosos. Lá seguimos mais uma vez para Guidaje, novamente armados e a querer parecer que os ecos de Abril ali não tinham chegado, a minha HK-21 voltou às minhas mãos depois de me ter “despedido” dela, parecia que o “divórcio” amigável não se queria consumar.


Avançamos pela estrada que tinha sido construída e durante a deslocação fomos confrontados com uma viatura militar vinda de Guidaje com dois soldados africanos (Comandos?), a ordem era para não deixar passar ninguém, mas depois da paragem da viatura e de breve diálogo, nada questionaram e voltaram para trás.


Estávamos assim numa situação que além de perigosa, não deixava de ser bizarra e irónica, a “alinhar” com o PAIGC para desarmar camaradas africanos que tinham combatido a nosso lado.


Ao entrarmos no quartel, somos rodeados de Milícias e Militares da CCaç 19 que nos insultam e nos culpam pela situação existente, chamando-nos f… da p… e traidores entre outros “mimos”, e muito exaltados,  culpando-nos da situação existente.


Antes de lá irmos já nos tinham alertado para a calma que teríamos de ter para resolver a questão e levar a bom termo com a máxima persuasão possível a questão da entrega do armamento por parte das forças de Guidaje, embora a tensão existente não fosse a mais favorável.


Embora o conhecimento mútuo das nossas Ccaç  pudesse ajudar, foi complicado e teve que haver muito discernimento, e muitas conversas isoladas com este e aquele mais exaltado, já no interior do quartel, e evitando qualquer sinal de animosidade.


Entre as nossas 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512 e a CCAÇ 19, apenas havia ocorrido um episódio menos agradável entre Grupos de Combate de ambos os lados em Binta depois de uma coluna, mas tinha sido um caso pontual, embora tenso para ambos os lados.


É evidente que não se vislumbrava o PAIGC embora eles já tivessem tido encontros bilaterais com a  CCAÇ 19, pelo menos a nível superior, mas alguma coisa tinha corrido mal, e nós teríamos de ajudar a sanar o problema, agora era connosco, era caso para citar o velho ditado, 'quem vier atrás que feche a porta'. (...)


Não sei o que foi tratado a nível superior, mas a deposição das armas,  por parte da tropa africana existente em Guidaje, foi conseguida, mas fiquei sempre com a triste imagem dum camarada africano perfeitamente fora de si olhando para nós e gritando-nos na cara que éramos traidores. (...)

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8663: (Ex)citações (147): Guidaje – 1973. Esclarecimentos (José Manuel Pechorro)

1. O nosso Camarada José Manuel Pechorro, (ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19 - Guidaje -, 1971/73) enviou-nos a seguinte mensagem.

Camaradas,

Tentei introduzir uma resposta no poste P8658: (Ex)citações (146): Guidaje - 1973, um comentário e algumas interrogações (José Manuel Pechorro / Juvenal Amado), em seguimento ao meu comentário no P8644, mas como o texto é extenso não consegui.

Assim, agradeço a publicação do texto e 2 fotos anexas sobre Guidage, no blogue, tentando responder às duas perguntas do Juvenal.

Amigo camarada Juvenal:

Estive com o Sr. Cap Cav Salgueiro Maia em Santarém, estagiei no Centro Cripto, na Escola Prática de Cavalaria.

No dia 29 chegou a 6ª coluna auto a Guidage, comandada pelo Sr. Cap Jorge Rodrigues (Cmdt da CCaç 14), onde vinham integradas a 38ª CCmds, parte da CCaç 4512, CCaç 3414 - Cumeré, Gr esp  mil 342 – Olossato, Gr Esp Mil - Farim (?) e CCav 3420.

Segundo conversas que ouvi, foi a 38ª CCmds que teve o principal embate com a guerrilha, durante o percurso…

Dei pelo aproximar do Cap Cav Salgueiro Maia ao posto de comando, onde estava próximo o Sr. Ten Cor Cav Correia de Campos, não dando mostra de esgotamento e vinha dizendo, já próximo e repetindo: "tenho ("8") homens que querem desertar para o Senegal", na presença de soldados do quartel e do Comandante de Guidage. Os soldados da CCav 3420 chegaram fortemente armados e muito cansados; reconheci um moço de Santarém.

Não li o livro deste oficial, que escreveu sobre o cerco, mas baseado em pequenos relatos que li neste blog, em:

Guiné 63/74 - P5774: Notas de leitura (63): Salgueiro Maia (2): Guidaje numa descrição digna do Apocalypse Now (Beja Santos), Sábado, 6 de Fevereiro de 2010:

"O chão estava lavrado por granadas, as casas, todas atingidas, pare-ciam ruínas, os homens viviam em buracos, luz e água não havia... como que para nos cumprimentar, pelas 21 horas somos flagelados por um morteiro de 82, com as granadas a cair em grupos de cinco e, para cúmulo, granadas nossas de 81 mm, das capturadas na coluna de reabastecimentos, agora disparadas contra nós. No dia seguinte, pouco depois do alvorecer, inicia-se a coluna de regresso com o pessoal que, até à data, tinha sobrevivido e que, para além dos sofrimentos de que já padecia, deitado sobre colchões velhos, saltava como pipocas cada vez que a Berliet passava num buraco".

E a descrição que ele faz de Guidage é perfeitamente dantesca:

"A enfermaria e o depósito de géneros tinham sido praticamente des-truídos; como assistência sanitária, tínhamos um sargento enfermeiro e alguns maqueiros. O pessoal dormia e vivia em valas abertas ao redor do quartel. Esporadicamente, errava-se por lanços por entre os edifí-cios ou o que deles restava. Como dormir no chão não é muito agradável, na primeira oportunidade passei revista aos escombros e tive sorte: descobri dentro de um armário que tinha pertencido a um alferes madeirense que ficou sem uma perna uma farda nº 3, o que me permitiu lavar o camuflado e, como prenda máxima, um bolo de mel e uma garrafa de vinho da madeira quase cheia e inteira no meio de tudo partido. Com isto fiz uma pequena festa com três ou quatro homens, porque era perigoso juntar mais gente. Nesta altura pensei em, depois de regressar a Bissau ir ao HM 241 saber quem era o alferes para lhe agradecer tão opíparo banquete, mas tal não foi possível e ainda hoje tenho esse peso na consciência.

Nas minhas visitas pelos escombros, desci ao abrigo da artilharia, onde houvera quatro mortos e três feridos graves. O abrigo fora atingido em cheio por uma granada de morteiro 82 com retardamento; a granada rebentou a meio de uma placa feita com cibes; o resto do abrigo ficou totalmente destruído; o chão tinha um revestimento insólito - consistia numa poça de sangue seco, cor castanha com 2 a 3 mm de espessura, rachada como barro ressequido. O odor envolvente era um pouco azedo, mas sem referência possível; o sangue empastava os col-chões e as paredes. A minha preocupação era encontrar um colchão. Depois dar volta aos oito que lá se encontravam, escolhi o que estava menos sujo. Tirei-lhe a capa, mas o cheiro que emanava de dentro era insuportável; mesmo assim, consegui trazê-lo para a superfície, onde ficou a secar debaixo da minha vigilância, para não ser capturado por outro. Depois de bem seco e com os odores atenuados, levei a minha conquista para a vala, onde, para caber, tive de o cortar ao meio, fazendo bem feliz o meu companheiro do lado que, sem esforço, ganhou um colchão, e sem saber de onde ele tinha vindo".

Noutra parte, que não recordo onde li, talvez no blog, seguindo a mesma lógica,  afirmou, salvo erro:

- "Dos cerca de 40 ou 50 ataques do mês anterior (Abril), em Maio Guidage sofreu 167!":
Em Abril sofremos um ataque com armas ligeiras no dia 6, o dia dos mísseis Strela e do abate das duas DO27 e do T6,e uma flagelação no dia 28.
Durante o mês de Maio fomos atacados e flagelados 45 vezes; sendo a última a do dia 29 pelas 21 horas. 36,foram antes do dia 19...

- “Em Guidage os mortos foram enterrados na parada!”

As campas foram abertas entre a vala e o arame farpado, próximo da caserna abrigo do 1º pelotão.
. . . . 0 . . . .

Trata-se de uma versão adaptada, de Guidage… Parece descrever uma batalha, de zona habitacional francesa, próxima das trincheiras da 1ª Guerra Mundial, tudo arrasado e destruído!

Fomos flagelados com granadas de mort 81 (1 ou 2 não explodiram) e deduzimos tratar-se das granadas que vinham nas viaturas da coluna Binta-Guidage, do dia 8 de Maio, acidentada com mina anti-carro e fortemente atacada durante a noite e madrugada do dia 9, foram abandonadas, sendo destruídas de imediato pela nossa aviação… Mas estas granadas apareceram 3 ou 4 dias depois da coluna, não a 29…

As moranças (casas da tabanca), edifícios do quartel e abrigos, em parte atingidos, não ficaram destruídos ao ponto de não continuarem a ser utilizados...


Foto adquirida ao 1º Cabo Radiotelegrafista Janeiro (alentejano). Ao lado o espaldão do morteiro 81, vê-se o bloco de comando a casa do gerador e mota-bomba da água, o depósito, as viaturas e a porta da cantina de bebidas… Avistam-se embalagens das granadas do morteiro 81. O aspecto do terreno era este, as granadas de mort 82 e canhão s/ recuo quase não se notavam nesta terra dura… Os edifícios atingidos mostravam o que o tecto do comando mostra…

A enfermaria tinha placa em betão armado, atingida “duas ou três” vezes, aguentou e continuou a ser frequentada e utilizada.

Fotos adquiridas ao 1º Cabo Radiotelegrafista Janeiro (alentejano). Enfermaria depois de atingida 2 ou 3 vezes, por flagelação de morteiro de 82 mm. Tinha placa de betão armado a protegê-la…

A descrição do abrigo alvejado, na madrugada do dia 25, não corresponde... Faço ver o que aconteceu na P5479 de 16/12/2009. A granada de morteiro caiu e explodiu, no canto da placa, em cima da parede do abrigo. Devido á explosão os estilhaços do próprio tecto causaram as baixas sofridas... Só o canto do tecto de troncos de palmeira, enfraquecido pelo tempo ficou destruído. Os que estavam próximos do canto e do tecto foram atingidos. Um alferes madeirense (o Alf Mil Inf Luciano Dinis, da CCaç 19), ficou ferido com certa gravidade no abrigo, mas ficou inteiro... Não soube de Alferes que tivesse ficado sem uma perna, naquelas condições teria falecido… O pavimento do abrigo, tinha vestígios de sangue, mas não como está descrito... Eu vi logo que se fez dia. Este sim deixou de ser utilizado.

Havia um depósito de água, um gerador eléctrico e moto-bomba que tirava a água de um furo:

No quartel não faltou a água e nem a electricidade, embora houvesse cortes: Aguardávamos nas valas, e sem luz de propósito… segundo informações, teríamos um forte ataque de vingança (algumas deram a entender que o IN estava a abandonar a zona, depois do dia 19). Houve noites escuríssimas e também de luar que parecia dia.

Desligou-se o gerador, a certa hora, para poupar combustível, devido ao falhanço de 2 colunas que não passaram...

Chegamos a ter 800 homens juntos no aquartelamento, se levavam comida, retidos alguns dias, consumiam o que levavam, tinha que haver uma diminuição na quantidade e na qualidade. A vida degradou-se… Fui sempre comer as refeições ao refeitório, mas, algumas vezes fugi para o local de abrigo mais próximo…

As granadas de mort 82 não danificavam muito o terreno… Falo em flagelações com morteiro 120, a ter acontecido, só foi entre 22 e 25 de Maio... O Sr. Ten Cor Cav Correia de Campos afirmou tratar-se de mort 82... Mas as que explodiam no quartel, notava-se mais o local da explosão no chão endurecido.

O quartel de Guidage recebeu instalações novas, cobertas com chapa de zinco, feitas pela BEng em 71/72. Não havendo ataques ou flagelações, com retretes com chuveiro de água canalizada e luz do gerador, onde ia a avioneta do sector, “estávamos na cidade”…

Cobertas as valas interiores e demolidos a maior parte dos abrigos, restaram as 4 casernas abrigos dos 4 pelotões e se não erro 5 pequenos abrigos espalhados… O aquartelamento pequeno e superlotado, teve as suas consequências…

O Sr. Cap Cav Salgueiro Maia (e a CCav 3420), salvo lapso, abandonou Guidage, na coluna auto em 12/6/1973 onde foi o Sr. Ten Cor Cav António Valadares Correia de Campos. Substituído no terreno pelo futuro Cmdt do COP 3 Sr. Maj. Inf. Carlos Alberto Wahon da Costa Campos. Os 3 já morreram.

Com calma e serenidade, os que lá estiveram, cercados, numa batalha dura e cruel, vivendo a guerra! Concordará que a realidade não foi como está descrita pelo Ex. Sr. Cap Maia...

Quanto ao abandono de Guilege:


- Em Guidage recebemos mais "duas" flagelações em Junho: No dia 1 e a 17.

Não tenho a certeza se foram três, é provável que tenha sido mais uma no dia 11, que aconteceu o que descrevo: Ao chegar a coluna, cerca das 18,15 h, com mort 82. Durante 10 ou 15 m. Além dos estrondos, foram nítidos os clarões... Caíram na parada perto do comando e da enfermaria, local de maior aglomeração de soldados... A rapidez como desapareceram! Por milagre não tivemos baixas.

O Sr. Ten Cor Cav Correia de Campos estava no canto exterior do edifício do comando e não nos acompanhou em corrida para o refúgio do posto de rádio; apareceu e lá se meteu, foi das poucas vezes que o vi procurar abrigo. Fechamos a porta.

O suposto ataque de vingança, pelo nosso ataque a Cumbamory e a sua quase total destruição, tinha por fim reter as nossas forças operacionais no norte? Não chegando socorro a Guileje ou Gadamael nas devidas condições.

- Não quero julgar ninguém. Cada quartel teve a sua cruz... Não sou a pessoa habilitada para o fazer:

Em Bissau e o PAIGCV, certamente esperavam maior resistência em Guilege e se esta tem acontecido, não daria tempo para o socorro aparecer?

Um abraço a todos,
José Pechorro
1º Cabo Op Cripto da CCaç 19
____________
Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

11 de Agosto de 2011 >Guiné 63/74 - P8658: (Ex)citações (146): Guidaje - 1973, um comentário e algumas interrogações (José Manuel Pechorro / Juvenal Amado) 

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8658: (Ex)citações (146): Guidaje - 1973, um comentário e algumas interrogações (José Manuel Pechorro / Juvenal Amado)

1. Comentário do dia 8 de Agosto de 2011 de José Manuel Pechorro (ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73) ao Poste 8644:

Acabo de ler a postagem sobre a intenção do Nino desertar do PAIGC…

Na minha modesta opinião e sinceramente acredito na história descrita.

A batalha de Guidage (Estrada Binta – Guidage, os ataques e flagelações ao quartel, a acção da nossa aviação, e o nosso fortíssimo contra ataque contra a base do PAIGC em Cumbamory, que foi quase totalmente destruída, foi de facto uma pesada derrota para o movimento da guerrilha, que inseriu na zona cerca de 800 combatentes!

O PAIGC atacou e cercou uma companhia de recrutamento na Guiné, a CCaç 19, de etnia Mandinga e o Pel Art 24 com negros da tribo Balanta, sediados em Guidage. O Batalhão de Comandos Africanos, eram negros da província, que invadiram a base de Cumbamory; além de outras forças africanas da Guiné que participaram na batalha de Guidage… Esta gente teve papel preponderante na sua derrota! Deu-lhes que pensar.
Os negros africanos da Guiné faziam-lhes frente e combatiam por Portugal…

A operação Cumbamory desenrolou-se em confrontos no dia 19 de Maio de 1973, quem estava em Guidage a 5kms, ouviu todo o desenrolar dos combates. O Batalhão retirou para Guidage, onde chegou cerca das 18 horas, logo escurecendo, e foram aparecendo…

Cansados, alguns esgotados, sujos, enlameados, suados, carregando além do seu armamento pessoal, 1 ou 2 armas do PAIGC e espingardas G3 que encontraram nos armazéns do IN.

Ao chegar ao quartel deixavam-se cair no chão e adormeciam logo, em locais de risco, como perto do edifício do comando, longe das valas e até na parada os vi deitados…

No comando estiveram com o senhor TCor Cav Correia de Campos, os oficiais do Batalhão de Comandos Africanos, o Major João de Almeida Bruno (hoje General), os Cap António Ramos, Matos Gomes e Jamanca (negro) e o Alf Marcelino da Mata. O Cap Raul Folques foi para a enfermaria. A eles ouvi relatos do que acontecera durante o dia…

Escrevi que ao dormirem fora das valas estavam em alto risco! Ouvindo, um oficial branco comando disse-me: “Depois da sova que levaram, hoje não atacam Guidage. Estão a tratar dos feridos e dos mortos!”

Assim foi, o IN sabendo do mais provável ataque terrestre a Cumbamory, no dia 19 começou com uma flagelação cerca das 02h10 e outra 05h15, com morteiro 82 e canhão s/recuo, sem consequências; o dia 20 foi de descanso e só voltaram a incomodar no dia 21 cerca da 02 horas da madrugada, durante 30 minutos com morteiro 82 e canhão s/recuo, meteram as granadas quase todas na parada, numa noite de luar, fresquinha…

E será assim até desistirem, com flagelações de uma a duas por dia …

O seu esforço foi de tentar impedir a chegada de abastecimentos via estrada, que não conseguem evitar no dia 29 e onde a 38-ª Ccmds teve o principal confronto com o PAIGC no Cufeu…

O senhor Major Almeida Bruno deu-me o Relim da operação para remeter para Bissau, onde este descrevia o resultado da operação, que somado ao que ouvi na sala de operações aos oficiais comandos, desmente o que o senhor Manuel dos Santos “Manecas” (comissário político do PAIGC da zona norte) menciona no livro “A Última Missão”, do Maj (hoje Cor) Calheiros no que se refere a Cumbamory na batalha de Guidage. O senhor “Manecas” tentou limpar da história um acontecimento verídico: O PAIGC foi derrotado em GUIDAGE, e nesta batalha os soldados negros portugueses da Guiné tiveram papel de destaque no seu fracasso. É isto que eles não querem admitir... Porque tem ainda forte impacto político…

Se nós com 47 baixas mortais (brancos, e negros na sua maioria) nos angustiou; eles, com os seus cerca de 150 mortos (que já mencionei noutras intervenções) e a sua base principal na zona norte atacada e destruída, o abalo foi fortíssimo e compreende-se que o Nino procurou aproveitar o momento para dar outra solução para a Guiné Portuguesa… Os Mandingas da CCaç 19 não escondiam o seu desagrado em serem governados por Cabo Verde, se os portugueses abandonassem a Guiné…

Um abraço a todos,
José Pechorro
Ex-1.º Cabo Op Cripto –71/73
Ccaç 19 – Guidage - Guiné

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2. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, (Galomaro, 1971/74), com data de 10 de Agosto de 2011:

Ao ler a excelente e muito completa discrição do camarada José Perrocho, sobre o que se passou em Guidage em 1973, assaltaram-me algumas duvidas que gostava de ver elucidadas.

O que desejo perguntar é se nesta batalha e na defesa de Guidage, esteve o capitão Salgueiro Maia? Figura que todos nós conhecemos e eu pessoalmente admirava e na verdade li um relato seu sobre penso eu, o mesmo período.

Se o Nino Vieira pessoa que sempre detestei, foi posteriormente o comandante operacional no Sul e do ataque a Guilege?

E por último volto aqui a fazer uma pergunta já noutro poste feita, se não estou em erro pelo C. Martins: - Porque não se defendeu Guilege? Porque não foram disponibilizados os meios que se utilizaram em Guidage? Porque foi pedida ajuda e ela não foi disponibilizada em tempo útil? Onde estavam os comandos africanos e brancos? Onde estavam os pára-quedistas? Os fuzileiros que raramente para aqui são chamados onde estavam? Porque só foram utilizados depois? A contra guerrilha não é atacar o inimigo quando ele se prepara para nos atacar a nós?

Já se tem falado aqui amplamente, sobre a diferença de seis combatentes portugueses para cada um do PAIGC, para além de blindados aviação, artilharia pesada e ligeira. Porque não se utilizou essa supremacia?

Por que é que um militar com o prestigio do General Spínola é substituído no comando da Guiné, quando ele foi o impulsionador da chamada dos Guinéus à sistema politico e militar do território, com a sua famosa acção psicológica?

Praticamente a nossa tropa nativa era equivalente em número de homens do PAIGC, mas eles com muito menos logística.

Por que se abandonaram zonas e nunca mais foram por nós ocupadas?

Como também já aqui foi referenciado o nosso governo levou jornalistas e observadores a alguns desses locais em visita relâmpago, mas não ficou lá ninguém a ocupar o terreno.

Já por mais de uma vez, foram apontadas como parte da revolta dos capitães, a situação militar na Guiné para além da ditadura na Metrópole. Também afirmações de que Angola era caso arrumado e Moçambique estava a caminho disso têm sido um constante. Se estávamos tão bem, por que se resolveram as coisas da forma que foram resolvidas? Acaso a Junta de Salvação Nacional não era composta por oficiais superiores com larga experiência nas questões Ultramarinas? Ou os galões que ostentavam saíram em alguma rifa?

O decréscimo da actividade das guerrilhas, que de repente reaparecerem com violência redobrada, são tácticas conhecidas em todo o lado. Não há frente nem retaguarda. É uma táctica movediça que obriga a quem ocupa, um esforço enorme de meios em equipamento e homens. São como incêndios que temam em reacender-se, depois de terem sido dados como extintos.

Quero deixar bem claro, que em nada belisco a valentia dos nossos soldados, que considero como os únicos no Ocidente, que aguentaram as condições em que vivemos na Guiné.

Desculpem mas estes casos já foram aqui aflorados por diversas vezes, mas porque num comentário, foi utilizada uma frase meio nebulosa ou fora do contexto, logo os assuntos em discussão descambam em ataques pessoais e ficam relegados para a velha «Guerra Perdida ou Ganha».

Como popularmente se diz Perguntar não Ofende, espero não ter melindrado ninguém.

Um abraço
Juvenal
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Notas de CV:

Sobre os acontecimentos de Guidaje, vd. postes de:

19 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5300: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - I Parte (José Manuel Pechorrro)

21 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5310: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - II Parte (José Manuel Pechorrro)

16 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5479: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - Agradecimento e algumas informações (José Manuel Pechorro)

4 de Abril de 2010 Guiné 63/74 - P6105: (Ex)citações (63): O Ten Cor Correia de Campos foi um dos heróis de Guidaje (José Manuel Pechorro)

4 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5763: Notas de leitura (62): Salgueiro Maia (1): Crónica dos Feitos por Guidage (Beja Santos)

6 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5774: Notas de leitura (63): Salgueiro Maia (2): Guidaje numa descrição digna do Apocalypse Now (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 7 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8646: (Ex)citações (145): Uma afirmação, um desabafo, uma pacificação (Joaquim Mexia Alves)