1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, que foi Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos com data de 11 de Dezembro de 2009, a seguinte mensagem:
A todos os camaradas desta tertúlia;
Aqui vai mais um dos meus modestos contributos para o blogue, que a inspiração e a boa forma encefálica ainda me permite.Nesta época, como digo abaixo, quero desejar a todos (mas a todos mesmo), que passem mais um dos bons momentos que possamos ter na vida: um Santo e Feliz Natal. Até um dia destes…
O regresso
Por acaso tenho presente todas as datas da minha prestação do serviço militar obrigatório. Mesmo quem as não as lembre, tem nas suas cadernetas militares de que são titulares, referidos esses tempos e os relatos de todo o seu percurso na tropa, como é do conhecimento geral.
Eu fui incorporado em 28 de Janeiro de 1963. Embarquei em Lisboa em 14 de Julho de 1963, no navio Sofala com destino ao C.T.I.G. (Comando Territorial Independente da Guiné), fazendo parte da CCaç 462, tendo desembarcado em Bissau em 21 de Julho. Em 7 de Agosto de 1965, embarquei em Bissau no navio Niassa de regresso a Lisboa, em 14 de Agosto.
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Depois desta, tenho outras pequenas histórias destas viagens, que não faz mal nenhum partilhar e convosco o farei. Começo pela última (o regresso), embora tenha na forja a da partida para a Guiné, sobre a qual, a 40 e tal nos de distância, apetece-me (agora) comentar. Digo entre parêntesis «agora», porque antes não podia, e se o fizesse cruel destino me esperararia.
Como já disse aqui várias vezes, chegamos à Guiné e ficamos (todos) "alojados" numa escola primária em Bissau (Escola Teixeira Pinto), próximo do Pilão, junto do depósito de água. Ali permanecemos uma semana. Após esse período, organizou-se uma coluna auto e lá fomos em direcção ao mato. Armados de G3 novas em folha, creio que as primeiras armas automáticas a serem utilizadas na Guiné, com destino a Ingoré.
Foi um tormento para lá chegar, menos de 100 Kms de distância! Hoje já não acontece isso, pela existência das pontes de João Landim e de S. Vicente.
O resto da Companhia foi distribuída por Sedengal, S. Domingos, Susana e Varela. Uma área enorme. Não vou agora falar de cada uma destas localidades. Uma região sempre junto da fronteira com o Senegal.
Nesta região, com algumas alterações pelo meio, aqui permanecemos durante dezasseis meses, «Na pousada do sossego!»
Na altura em que se começava, com aquele tempo, a pensar na contagem decrescente para o regresso, enfiaram-nos na zona de Bula, onde a Companhia que substituímos ficou reduzida a quase metade entre mortos, feridos, hospitalizados, evacuados, etc.
Imaginem o quanto sofreu aquela gente, cuja companhia já não lembro qual era, mas da qual tenho aqui próximo (no concelho) um camarada. Era condutor e chegou a andar pelo ar com uma mina na sua GMC, na estrada Bula-Binar-Bissorã.
Todos se interrogavam o porquê, com aquela «idade» de Guiné, terem-nos metido num local daqueles, quando até aí nunca tivemos de dar tiros contra o que quer que fosse.
Pouco tempo lá estivemos. De Bula, fomos ocupar a área compreendida entre Có, Ponate, Jolmete e Pelundo, onde não havia nada que permitisse um mínimo de condições de habitabilidade humana. Tivemos de construir tudo a partir do zero.
Passados uns meses, lá fomos novamente de tralha às costas para Mansoa. Para aqui já eu não me desloquei, porque era um período de permanência, para a espera de regresso a casa.
Como tinha sido 'aproveitado' para «administrador» da Companhia e como já referi em anteriores postes, essa administração era feita a partir de Bissau e então aqui permaneci até ao dia da chegada do Niassa. Inclusivamente estive com o alferes da área administrativa a fechar as contas do BCAÇ 507, que entretanto tinha terminado a comissão de serviço.
Fiz a lista identificativa do pessoal a embarcar (que ainda guardo), assinada pelo capitão Luís Manuel das Neves e Silva, que substituiu o Cap. Mil. Jorge Saraiva Parracho entretanto regressado à Metrópole. Entregue nos vizinhos da Amura (QG) e como estava na secretaria, mantinha-me sempre de ouvido alerta para saber quando chegava o barco e quando poderíamos embarcar.
Um dia chega chegou uma circular a anunciar o tão ansiado facto. Fui o primeiro a lê-la e fiquei assustado, porque não via na lista a identificação da minha Unidade Militar. Tive um assomo de lucidez e virei a página. Porra, no verso lá estava a CCAÇ 462... Era a última da lista... que alívio!
Recebida a ordem de embarque, fui o primeiro da Companhia a entrar no navio, após o almoço. Durante a tarde começaram a chegar os meus camaradas de Mansoa. E quando todos foram para a farra, em Bissau, comemorar a felicidade de regressar e gastar os últimos "pesos" que tinham no bolso, desafiaram-me a ir com eles também. Respondi negativamente, porque dali, de dentro do Niassa, já ninguém me tirava.
Efectivamente foi assim. Já dormi no navio nessa noite e até à saída no dia 7 de Agosto de 1965, ali permaneci. Quer dizer que terei entrado no navio Niassa, que me transportou até Lisboa, no dia 6 de Agosto de 1965.
Navio Niassa
Para todos um abraço,
J.M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes
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Nota de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em: