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domingo, 25 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9267: O nosso sapatinho de Natal: Põe aqui o teu pezinho, devagar, devagarinho... (10): Mensagens de Diana Andringa, Afonso Sousa, José Romão, Júlio César, José Belo, Eduardo Campos, Vacas de Carvalho, Ernestino Caniço e Rogério Cardoso

MENSAGENS DE NATAL DOS NOSSOS CAMARADAS E AMIGOS

1. Da nossa tertuliana, jornalista, Diana Andringa:

Obrigada, Carlos e Dina – e aproveito a “boleia” para desejar a todos Boas Festas e que o Ano Novo seja o melhor possível.

Diana Andringa

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2. Do nosso camarada Afonso Sousa, ex-Fur Mil Trms, CART 2412, Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70:

Aos meus estimados amigos:
Quero desejar-vos um bom Natal no seio das vossas famílias, que o passem com alegria, paz, felicidade e esperança num tempo melhor.

Para todos vós, Boas Festas. Feliz Ano Novo.
Afonso Sousa


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3. Do nosso camarada José Romão, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 16, Bachile, 1971/73:

Desejo a todos os meus amigos e familiares
Um Feliz Natal e um próspero Ano Novo de 2012.

Zeca Romão


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4. Do nosso camarada Júlio César, ex-1º Cabo, CCAÇ 2659/BCAÇ 2905, Cacheu, 1970/71:

Postal de Natal diferente...
...para recordar!

Boas Festas, Feliz natal e próspero Ano Novo para toda a família, são os votos sinceros do Júlio e esposa

Abraços
Júlio César


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5. Do nosso camarada José Belo, ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia:

Desde este "extremo do extremo" Norte da Europa, os Votos de um Feliz Natal e Bom Novo Ano para os Camaradas da Guiné e suas Famílias.

Um grande abraço do
José Belo


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6. Do nosso camarada Eduardo Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74:

Olá, amigos/as.
Como é Natal, e um novo ano vai começar, não queríamos deixar de vos desejar as Boas Festas. Aproveitamos a ocasião para vos desejar um Feliz Natal e Próspero Ano Novo.

Abraços e beijinhos. Festas Felizes.
Eduardo Campos e Manuela


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7. Do nosso camarada José Luís Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav e Comandante do Pel Rec Daimler 2206, Bambadinca, 1970/72:

A todos os meus amigos e suas famílias desejo um Natal Feliz e Boas Festas.


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8. Do nosso camarada Ernestino Caniço, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá, Mansoa e Bissau, 1970/72:

Para todos os camarigos votos de


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9. O nosso camarada Rogério Cardoso, ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66:

Apresenta aos camaradas combatentes da Guiné, e a todos os familiares, os votos de Natal feliz e um Ano 2012 com a chamada crise aliviada.

Um abraço amigo
Rogério Cardoso
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9266: O nosso sapatinho de Natal: Põe aqui o teu pezinho, devagar, devagarinho... (8): Votos de um novo ano, prenhe de esperanças renovadas, com duas sugestões de leitura (Cherno Baldé)

domingo, 12 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8409: As mulheres que, afinal, foram à guerra (15): Filme do dia: Quem Vai à Guerra (Diana Andringa)

1. Mensagem da nossa tertuliana Diana Andringa, Jornalista e Cineasta, com data de 11 de Junho de 2011:

Filme do dia: «Quem Vai à Guerra»

O novo documentário de Marta Pessoa apresenta um olhar diferente sobre a Guerra Colonial, focando a atenção não nos soldados mas nas mulheres que por eles ficaram à espera.

 
Depois de mostrar a realidade dos idosos isolados nas casas antigas de Lisboa em «Lisboa Domiciliária», Marta Pessoa foca a atenção do seu novo documentário na Guerra Colonial. A realizadora apresenta assim o seu filme:



«Entre 1961 e 1974, milhares de homens foram mobilizados e enviados para Angola, Moçambique e Guiné-Bissau para combater numa longa e mal assumida guerra colonial. Passados 50 anos desde o seu início,  a guerra é, ainda hoje, um assunto delicado e hermético, apoiado por um discurso exclusivamente masculino, como se a guerra só aos ex-combatentes pertencesse e só a eles afectasse.
No entanto, quando um país está em guerra, será que fica alguém de fora? «Quem vai à Guerra» é um filme de guerra de uma geração, contada por quem ficou à espera, por quem quis voluntariamente ir ao lado e por quem foi socorrer os soldados às frentes de batalha. Um discurso feminino sobre a guerra».

Já está online o trailer de «Quem Vai à Guerra», um documentário de Marta Pessoa que incide na Guerra Colonial portuguesa.

No ano em que se assinala o cinquentenário do início da Guerra Colonial (1961-1974) é ainda bastante evidente que a Guerra continua a afectar muito directamente os seus ex-combatentes.  O universo militar que sustenta uma guerra é tradicionalmente dominado por homens. O país que Portugal foi entre 1961 e 1974 era dominado politicamente por homens. Mas terão ficado as mulheres fora desta guerra colonial? Não estão também as mulheres em guerra, mesmo quando esperam?  

As mulheres dos soldados portugueses estiveram na guerra, viveram-na, em forma de receios e palavras escritas em aerogramas censurados, ou na descoberta de terras e modos de vida diferentes, com a urgência e o medo a marcar-lhes o quotidiano. 

Para o grupo de 46 enfermeiras pára-quedistas, únicas mulheres militares, a realidade era a da experiência directa da guerra, dos ataques, das evacuações, das mutilações e mortes dos soldados que ao longo desses 13 anos de guerra socorreram.

Há nestas mulheres uma história da guerra colonial portuguesa.

«Quem Vai à Guerra» recria em estúdio, a partir dos objectos, fotografias e ambientes mais marcantes destas memórias femininas, um espaço de apresentação de testemunhos, onde as mulheres partilham as suas histórias de guerra. 

[Artigo retirado do site www.c7nema.net]

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Notas de CV:

- Quem Vai à Guerra estreia nos cinemas no dia 16 de Junho,  nas cidades de:

Lisboa, Cinema Cirty Classic Alvalade
Porto, Zone Lusomundo Mar Shoping
Aveiro, Zon Lusomundo Fórum Aveiro


FICHA TÉCNICA

Realização > Marta Pessoa
Direcção de Fotografia > Inês Carvalho
Cenografia > Rui Francisco
Montagem > Rita Palma
Direcção de Som > Paulo Abelho, João Eleutério e Rodolfo Correia
Maquilhagem > Eva Silva Graça
Marketing e Comunicação > Fátima Santos Filipe
Direcção de Produção > Jacinta Barros
Produtor > Rui Simões
Produção > Real Ficção

- Vd. postes de:

9 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8249: Agenda cultural (122): Sexta feira, 13, estreia, em Lisboa, do documentário Quem vai à guerra, de Marta Pessoa: as histórias do heroísmo (invisível, no feminino) que ficaram por contar

28 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8340: As mulheres que, afinal, foram à guerra (14): Mais de um terço de uma amostra (de conveniência) dos nossos leitores tenciona ver o filme de Marta Pessoa, em breve no circuito comercial

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8172: Agenda cultural (116): O documentário de Diana Andringa sobre o Campo de Chão Bom / Tarrafal passa hoje na RTP1, às 23h00: Entre 1962 foram deportados para lá 100 presos políticos guineenses, 60 foram libertados em 1964 e os restantes em 1969



1. Mensagem da cineasta Diana Andringa, membro da nossa Tabanca Grande:



Data: 22 de Abril de 2011 12:15
Assunto: Tarrafal


O "Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta" vai passar na RTP1, dia 27, às 23H00.
Abraços,
 Diana

Sinopse (Fonte: RTP1):

Voltamos a este campo de desterro que tem muitas histórias para nos confessar... Chamavam-lhe "O Campo da Morte Lenta"; os críticos, naturalmente. Quando os presos eram portugueses, as autoridades chamaram-lhe primeiro, entre 1936 e 1954, "Colónia Penal de Cabo Verde" e depois quando reabriu em 1961 para nele serem internados os militantes anticolonialistas de Angola, Cabo Verde e Guiné, "Campo de Trabalho de Chão bom". Trinta e dois portugueses, dois angolanos, dois guineenses perderam ali a vida. Outros morreram já depois de libertados, mas ainda em consequência do que ali tinham passado. Famílias houve que, sem nada saberem do destino dos presos, os deram como mortos e chegaram a celebrar cerimónias fúnebres.

A convite do Presidente da República de Cabo Verde, Pedro Verona Pires, os sobreviventes reencontraram-se para um Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, resultou deste encontro este documentário produzido e realizado por Diana Andringa com o apoio da Fundação Mário Soares e da Fundação Amílcar Cabral.



 2. Comentário de L.G.:

Já aqui nos referimos ao documentário de Diana Andringa sobre o Campo de Chão Bom, Tarrafal, Ilha de Santiago, Cabo Verde. Realizado em 2009, foi estreado em Lisboa, no IndieLisboa'10, 7º  Festival Internacional de Cinema Independente, Culturgest,  23 de Abril de 2010. 

Para o Campo de Chão Bom foram deportados, em 4 de Setembro de 1962, cem presos políticos guineenses, juntando-se aos angolanos que já lá estavam.  Muitos dos guineenses terão sido presos arbitrariamente pelo PIDE, não  tendo  qualquer ligação ao PAIGC, criado em 1956,  e que a partir de 3 de Agosto de 1961 irá passar à chamada acção directa ( sabotagens, corte de vias de comunicação, etc.), antecipando assim a luta armada, iniciada oficialmente (segundo a historiografia do PAIGC) em 23 de Janeiro de 1963, em Tite. 

Este período, de 1961 a 1963, de forte repressão por parte da PIDE (que não teria no território mais de 30 agentes metropoliitanos), é  ainda mal conhecido da maior parte dos portugueses e dos guineenses, incluindo os combatentes (do lado e do outro) da guerra colonial de 1963/74.  

Já foi feita, no entanto, referência à  figura do advogado e escritor Artur Augusto Silva (1912-1983), casado com a nossa amiga Clara Schwarz e pai do nosso amigo Pepito, e que se destacou nesta época na defesa de presos políticos guineenses:  Cidadão empenhado, grande africanista,  português e guineense, jurista corajoso,   amigo pessoal de gente ligada às letras e às artes, mas também de diversas figuras ligadas ao Estado Novo, a começar pelo Prof Marcelo Caetano, de quem foi aluno,  foi advogado de defesa em 61 julgamentos de presos políticos, acusados de sedição, um deles com 23 réus, tendo tido apenas duas condenações em todos esses julgamentos. Em 1966, acaba também ele por ser preso pela PIDE, à chegada a Lisboa, e mantido vários meses no forte de Caxias sem culpa formada. Acabou por ser solto, mas impedido de voltar à Guiné.

Os 100 guineenses, deportados em 4 de Setembro de 1962,  foram juntar-se  aos 107 angolanos que já lá estavam. Os guineenses foram alojados numa ala separada.  Em 1964 saíram cerca de 60 guineenses, sem qualquer culpa formada nem julgamento,  sendo os restantes libertados em 30 de Julho de 1969, no âmbito da política "Por uma Guiné Melhor", do Governador Geral e Com-Chefe António Spínola.  Recorde-se que, ao todo, Spínola mandou libertar 92 presos políticos, incluindo um dos históricos do PAIGC, Rafael Barbosa  (1926-2007), detido na colónia penal da Ilha das Galinhas, nos Bijagós.

Dos 238 presos angolanos, guineenses e cabo-verdianos que estiveram no Tarrafal, na 2ª fase (1961-1973), apenas menos de um quarto (cerca de 50) estavam ainda  vivos, em 2009. No 1º período do Tarrafa (1936-1954) , o número de presos foi de cerca de 340, todos eles portugueses, opositores ao regime de Salazar, literalmente desterrados, presos arbitrariamente, sem direito a defesa nem a cuidados de saúde... 

O documentário de Diana Andringa, com duração de hora e meia, foi feita basicamente com  três dezenas de entrevistas, feitas no interior do antigo campo, e inclusive nas antigas celas, por ocasião do Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, que teve lugar entre 28 de Abril e 1 de Maio de 2009. A realizadora preferiu concentrar-se na 2ª parte da história,   menos conhecida ou menos falada, deste campo de concentração, ou seja, o período em que foi reaberto, em 1961, e que vai até 1974.   
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Nota do editor:

Último poste da série >  11 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8085: Agenda Cultural (116): Conferência de António Graça de Abreu, Museu do Oriente, 3ª feira, 12 de Abril, 18h00, entrada livre > A megacidade de Xangai, um olhar de 30 anos

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7217: O Nosso Livro de Visitas (102): Parabéns pelo vosso fantástico projecto (Maria João Rocha)





Guiné > Zona Leste > Geba > CCART 1690 (1967/69): Croqui do monumento erigido, em Geba, aos "mortos que tombaram pela pátria"... Em 1995, a jornalista e realizadora Diana Andringa visitou Geba e escreveu, a propósito deste monumento, semi-destruído, uma peça pungente, no Público,de 10 de Junho de 1995... Terá sido a "pedra de Geba" que motivou a realização do documentário As Duas Faces da Guerra (em co-autoria com o guineense Flora Gomes; filme, em duas partes, disponível no portal A Guerra Colonial).

 A esta martirizada companhia pertenceu o nosso querido amigo e camarada A. Marques Lopes.


Foto: © A. Marques Lopes (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de uma nossa leitora, Maria João Rocha, com data de 29 de Outubro último... É mais uma voz no feminino a fazer-se ouvir no espaço aberto, heterogéneo e plural da nossa Tabanca Grande... Sabemos que muita gente, homens e mulheres, nos lê e nos vê, sem dar (nem ter que dar) a cara... Reconforta-nos, anima-nos e motiva-nos saber que o nosso  blogue também atinge outros segmentos de público, para além da sua população-alvo, natural, que são os antigos combatentes... Gente do teatro, do cinema, da cultura, das artes, das letras, da ciência...Tratando-se de um mail pessoal, enviado ao editor L.G., transcreve-se apenas o excerto que pode interessar aos amigos e camaradas da Guiné que se sentam sob o poilão da Tabanca Grande e, por extensão, a todos os nossos leitores. Muito obrigado, Maria João. Boa sorte também para os seus projectos  (LG) (*)

Caro Luís Graça:

Muitos parabéns pelo seu FANTÁSTICO projecto. Visito-o muitas vezes por curiosidade histórica (sou licenciada em História), por necessidade de relembrar o passado (tenho 60 anos) e também por alguma afinidade com a Guiné, onde estive, em 95, a realizar um documentário da autoria da Diana Andringa. Foi com ela que visitei e filmei o quartel de Geba (já li, neste blog, alguém falar de um texto que ela escreveu sobre isso) e lá me emocionei, não só com o memorial aos mortos mas também com as pinturas murais, com o silêncio que impera no local e com o "peso" da memória colectiva que lá perdura (**).

A passagem por aquele quartel foi um momento impressionante na minha vida. Nunca imaginei que um exército se alojasse em instalações tão pequenas, quase parece uma aldeia com pequenas casinhas. E o estado de degradação é arrepiante... Quantas vidas... Parece um local paradisíaco... (...)

Com os meus melhores cumprimentos.
Maria João Rocha
Lisboa

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Nota de L.G.:

(*) Último poste desta série > ;27 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7043: O Nosso Livro de Visitas (101): "O pobre camarada de Crestuma" (José Campos, presidente da Sociedade Filarmónica de Crestuma, Vila Nova de Gaia)

(**) Vd. poste da I Série do nosso blogue > 23 Junho 2005 > Guiné 69/71 - LXXIII: Antologia (4): 'Homenagem aos mortos que tombaram pela pátria': Geba, 1995 [Diana Andringa]

(...) Mortos. Estes nomes não podem ser senão de mortos. Guimarães, ...ndo Fernandes. Carlos A. Peixoto. ...ul C. Ferreira, ...ostinho Câmara, ...o Alves Aguiar, ...ime M.N. Estevão, ...sé A. V. Sousa, ...tónio D. Gomes.


Tudo em redor, aliás, fala de morte. As paredes em derrocada do que terá sido um quartel português. As viaturas a apodrecer sob o intenso sol africano. Os cacos de garrafas de cerveja. (Bebidas para enganar o medo? Suspensas por arame para, tinindo umas contra as outra, despertar os que dormissem ainda?).

E esta pedra caída, tumular.

Vivos, apenas os meninos que se cutucam, sorrindo, a olhar para nós, estranhos fotógrafos deste cemitério de metal e pedra.

A outra pedra, de pé, tem nomes de cidades, vilas, aldeias: Lisboa. S. Tirso. Moçâmedes. Alcobaça. Madeira. (Nas ilhas não haverá também povoações?) Ponte de Lima. Vila Nova de Ourem. Vila Pouca de Aguiar. Bissau. O tempo, ou a guerra, quebrou-lhe a parte de cima, e agora é uma pirâmide truncada, rasgada do lado direito, onde se inscrevem as primeiras letras dos postos, ou dos nomes, dos naturais dessas terras, que presumimos mortos.

De novo a primeira pedra, a que jaz por terra. A frente dos nomes dos que se presumem ter morrido, inscrevem-se o que supomos serem as datas dessas mortes: 1967, 1968. A última, na pedra, não em tempo, sobressalta-me: 21 de Agosto de 1967. Fiz vinte anos nesse dia. Nesse mesmo dia morreu António D. Gomes. Teria feito, sequer, os vinte anos?

Lembro-me de ter feito vinte anos. Das prendas dos meus pais. E pergunto-me como terão os pais do soldado António D. Gomes suportado a morte do seu filho. Se terão chegado um dia a conhecer este local onde uma pedra caída por terra assinala a data em que o perderam.

"Nós enterramos os nossos mortos nas nossas aldeias, ao lado das nossas casas... Os portugueses deveriam ter, também, um lugar para honrar os seus mortos, os que morreram aqui, durante a guerra", dissera-me, algumas horas antes, um antigo adversário. Aqui. Tão longe de casa, tão longe dos seus. Longe de mais para que possam trazer-lhes flores, arranjar-lhes as campas, preservar-lhes a memória.

Olho de novo as pedras, tentando compreender como se juntavam. Será a que jaz por terra a continuação da outra? Releio as terras e os nomes. Câmara pode ser da Madeira... Será mesmo? Sim. Lá estão em frente de Madeira o posto, sold., e as primeiras letras do seu nome: Ag...-

Agora cada morto tem o posto e a terra onde nasceu, excepto o primeiro, que parece ser de Lisboa, mas cujo posto e nome próprio se perderam, e João Alves Aguiar, de Ponte de Lima, a que o tempo corroeu o posto. Dois alferes, um furriel, sete soldados. Em cima, fragmentado, aquilo que parece a indicação do regimento a que pertenciam: ...RAL-1. ...Combate.

Postas assim as duas pedras em conjunto, apercebo-me de que o soldado que morreu no dia dos meus vinte anos era de Bissau, e de certa forma isso tranquiliza-me, porque não está, afinal, tão longe de casa- como se isso tivesse alguma importância depois de se estar morto, como se me tivesse contagiado essa lista de terras inscrita sobre a pedra, ou outras, sobre outras pedras encontradas ao longo da viagem, onde outros soldados, cabos, furriéis, escreveram como se a naturalidade fosse a sua primeira identificação e a mais forte, o nome da terra natal, primeiro, e só depois o posto, o nome, a data em que escreviam, por vezes uma frase de desesperança, algo como "até quando Deus quiser" — como que temendo que esse "até" fosse curtíssimo, coisa de poucas horas, minutos, talvez, e houvesse que inscrever urgentemente, sobre esses caminhos, placas, pontes, esse sinal de vida e de memória. (...)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6204: Agenda cultural (72): Documentário, de Diana Andringa, Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta, no IndieLisboa '10, na Culturgest, a 23 (Grande Auditório, 21h30) e 25 (Pequeno Auditório, 18h30)



Sítio do  IndieLisboa '10 - 7º Festival Internacional de Cinema Independente, Lisboa, 22 de Abril a 2 de Maio de 2010


Tarrafal: Memórias do Campo da Morte, documentário de  Diana Andringa:  "Longas horas de pé sobre um banco, espancado se tentasse apoiar-se na parede, foram uma das torturas sofridas por Arlindo Borges, de Cabo Verde".




 Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta, documentário de Diana Andringa:  "lanta do campo gravada num osso de vaca cuidadosamente preservado"


1. Mensagem enviada pela nossa amiga Diana Andringa, realizadora, no passado dia 19:

Assunto - Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta no IndieLisboa '10

 Olá! 

Às 21H30 do dia 23 de Abril   passa no Grande Auditório da Culturgest (Caixa Geral de Depósitos, Campo Pequeno), o documentário que fiz sobre o Campo de Concentração do Tarrafal – "Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta".

Teria muito gosto em que fosse visto por muita gente nessa noite. A imagem do João Ribeiro e o som da Armanda Carvalho são ainda melhores  naquelas condições. Tenho alguns convites para oferecer aos que o desejem.

O filme repete no Pequeno Auditório da Culturgest no dia 25, às 18H30.

 Diana Andringa

Tarrafal: Memórias do
Campo da Morte Lenta.


Chamavam-lhe "o Campo da Morte Lenta". Os críticos, naturalmente. Que as autoridades, essas, chamaram-lhe primeiro, entre 1936 e 1954, quando os presos eram portugueses, "Colónia Penal de Cabo Verde" e, depois, quando reabriu em 1961 para nele serem internados os militantes anticolonialistas de Angola, Cabo Verde e Guiné, "Campo de Trabalho de Chão Bom". 

Trinta e dois portugueses,  dois angolanos, dois guineenses perderam ali a vida. Outros morreram já depois de libertados, mas ainda em consequência do que ali tinham passado. Famílias houve que, sem nada saberem do destino dos presos, os deram como mortos e chegaram a celebrar cerimónias funebres.

"Ali é só deixar de pensar. Porque se não morre aqui de pensamentos. É só deixar, pronto. Os que têm vida ficam com vida. Nós aqui estamos já quase mortos." A frase é do angolano Joel Pessoa, preso em 1969 e libertado, com todos os outros presos do campo, em 1 de Maio de 1974.

No 35º aniversário desse dia, a convite do presidente da República de Cabo Verde, Pedro Verona Pires, os sobreviventes reencontraram-se para um Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal.

"Tarrafal: memórias do Campo da Morte Lenta" resultou desse reencontro. Durante os dias em que os antigos presos voltaram ao Tarrafal, gravámos entrevista após entrevista, registando as suas recordações. Trinta e dois presos, desde o português Edmundo Pedro, um dos que o estreou, em 1936, aos angolanos e cabo-verdianos que foram os últimos a deixá-lo, no 1º de Maio de 1974, passando pelos guineenses que, ali chegados em Setembro de 62, saíram em 64 uns, em 69 os restantes.  Um guarda, Joaquim Lopes, cabo-verdiano e convertido ao PAIGC. Uma das raras pessoas que testemunhou a vida no Tarrafal desde a sua abertura ao seu encerramento, Eulália Fernandes de Andrade, mais conhecida por D. Beba.

É um documentário feito à base de depoimentos e filmado quase sempre no interior do campo, afinal, o espaço em que os presos se moviam. Entre as raríssimas excepções, o cemitério, onde acompanhamos a homenagem dos sobreviventes aos que ali ficaram. Vozes, caras expressivas contra fundo de cela. Alguns objectos surpreendentes: as calças rasgadas  pelo chicote e puída pelo chão prisional, a planta do campo desenhada num osso de vaca, a bengala que testemunha o resultado da tortura. A alegria de se verem lembrados em duas exposições nas celas que tinham ocupado.

A alegria: palavra estranha num filme sobre o Tarrafal. Mas essa é a grande lição destes homens: porque, como diz um deles, o caboverdiano Jaime Scofield, "o mais importante não é que eles nos tenham querido matar lentamente. O mais importante é que nós resistimos."

Esta é a história de homens a quem quiseram destruir toda a esperança e que souberam resistir até à vitória: "Porque no Tarrafal nós inventámos a vida, sempre!"

TESTEMUNHOS
- por ordem de entrada no filme -

Edmundo Pedro (Portugal)
Eulália de Andrade, D. Beba (Cabo Verde)
Joaquim Lopes, guarda (Cabo Verde)
Cândido Joaquim da Costa (Guiné)
Caramó Sanhá (Guiné)
Francisco Mendes Vieira (Guiné)
Manuel Neves Trindade (Guiné)
Carlos Sambu (Guiné)
Augusto Pereira da Graça (Guiné)
Macário Freire Monteiro (Guiné)
Nobre Pereira Dias (Angola)
Amadeu Amorim (Angola)
Fernando Correia (Guiné)
Mário Soares (Guiné)
Jorge da Silva (Guiné)
Agnelo Lourenço Fernandes (Guiné)
Lote Sachicuenda (Angola)
Augusto Kiala Bengue (Angola)
Evaristo "Miúdo" (Angola)
Silva e Sousa (Angola)
Joel Pessoa (Angola)
Lote Soares Sanguia (Angola)
Jaime Cohen (Angola)
Alberto Correia Neto (Angola)
Vicente Pinto de Andrade (Angola)
Justino Pinto de Andrade (Angola)
Carlos Tavares (Cabo Verde)
Luis Fonseca (Cabo Verde)
Jaime Scofield (Cabo Verde)
Luís Mendonça (Cabo Verde)
Arlindo Borges (Cabo Verde)
António Pedro Rosa (Cabo Verde)
Pedro Martins (Cabo Verde)


Ficha técnica:
Imagem: João Ribeiro
Som: Armanda Carvalho
Montagem: Cláudia Silvestre
Música; "Abandono" ("Fado Peniche") Poema: David Mourão-Ferreira Música: Alain Oulman Voz: Amália Rodrigues
Assobio: Bruno Morgado
Voz off: Jorge Sequerra
Misturas: João Ganho
Produção e Realização: Diana Andringa [, 2009]
Tempo: 1H 30'




2. Comentário de L.G.:

Além deste trabalho da Dina Andringa, que que eu recomendo vivamente e vou ver, espero que não percam também o filme de Rui Simões, de 2010, com a duração de 95', Ilha da Cova da Moura,  um bairro do Concelho da Amadora, injustamente estigmatizado e mal amado, que pode ser visto, simbolicamente, como a última ilha que nos restou do arquipélago a que um dia chamámos Império Colonial... Parafraseando uma jovem moradora local, "português preto não existe" (sic)... A frase, na sua ambiguidade,  pode também querer sugerir duas coisas: que há, entre nós um velho racismo subliminar nunca resolvido, e que a exclusão social e o racismo andam quase sempre de mãos dadas...

Um trailer do filme, com a duração de 1' 45'', pode ser visto aqui.

Exibições: 28 Abril, 19:00, Culturgest, Grande Auditório
30 Abril, 18:30, Culturgest, Pequeno Auditório

Sinopse:

Na área da Grande Lisboa, o nome Cova da Moura nunca foi sinónimo de bem-estar, educação ou prosperidade. Pelo contrário, esteve sempre associado à ideia de violência, insegurança, perigo, ou, na melhor das hipóteses, de falta de instrução ou simplesmente pobreza. O documentário de Rui Simões não pretende apenas procurar o outro lado do bairro e fazer um retrato positivo da sua comunidade. O objectivo deste projecto não é o de apagar uma série de ideias feitas mas procurar as causas e efeitos desses preconceitos. Assim, o realizador seguiu o quotidiano deste bairro, descobrindo nele reflexos de Cabo Verde e procurando os modos como a exclusão social se combate ou perpetua nas vidas dos seus moradores.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5933: Agenda Cultural (63): Seminário Lusófono Que Fazer com Estas Memórias? - Lisboa, 5 e 6 de Março de 2010 (Diana Andringa)

1. Mensagem da nossa tertuliana Diana Andringa* com data de 3 de Março de 2010:

Que fazer com estas memórias?

Entre os países da CPLP, para lá da Língua e da História comuns, há um traço de união que, embora muito próximo de nós em anos, é normalmente esquecido: a tortura sofrida pelos seus povos sob regimes de ditadura, fossem estes nacionais, como nos casos de Portugal e do Brasil, colonizadores, como nos casos dos países que atingiram a independência em 1974/75, ou invasores, como no caso de Timor-Leste.
E, no entanto, essa é uma memória traumática que urge enfrentar, não apenas pelo que representa para os que a sofreram, quer pelo que dela se prolonga, muitas vezes, numa desatenção aos Direitos Humanos indigna de povos que por eles se bateram em condições de extrema dificuldade.

É no sentido de pensar essa memória, não apenas enquanto passado, mas enquanto sombra pesando sobre o presente, que a Associação Movimento Cívico Não Apaguem a Memória (NAM) e o Centro de Estudos Sociais (CES-Lisboa) entenderam levar a cabo, em Lisboa, um Seminário subordinado ao tema “Que fazer com estas memórias?”, a ter lugar nos próximos dias 5 e 6 de Março de 2010, no CES-Lisboa (Picoas Plaza, R. Viriato, perto a Maternidade Alfredo da Costa, do jornal Público e do hotel Sheraton; no 1º andar, sobre o pátio com restaurantes, pintado de vermelho e com grandes letras a dizer CES.).

Queremos ouvir testemunhos de quem sofreu a tortura, comentários de médicos que trataram os torturados e de cineastas que recolheram a sua memória.
Queremos que a memória não se perca, para que o futuro seja melhor.

Diana Andringa



Seminário Lusófono

QUE FAZER COM ESTAS MEMÓRIAS?


Local: Centro de Estudos Sociais-Lisboa (Picoas Plaza, R. Viriato)

Data: 5 e 6 de Março de 2010


Programa

Sexta-feira, 5 de Março
9:30 – 10:30 Abertura – Porquê um Seminário Lusófono sobre Tortura e Memória

José Manuel Pureza, Representante do Centro de Estudos Sociais – Lisboa,
Raimundo Narciso, Presidente da Associação Movimento Cívico Não Apaguem a Memória,
Cecilia Coimbra, Representante do Movimento Tortura Nunca Mais (Brasil),
Simonetta Luz Afonso, Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, CES-Lx

10:30 - 12:00 Projecção do filme “48”, de Susana Sousa Dias

12:00 – 12:30 Comentário pelo Dr. Afonso Albuquerque (Médico psiquiatra, autor de um livro sobre o impacto da tortura sobre presos políticos portugueses)

12:30 – 13:30 Debate sobre o filme, com a presença da realizadora Susana Sousa Dias

13:30 – 15:00 Pausa para almoço

15:00 – 16:30 Projecção do filme “Memória para uso diário”, de Beth Formaggini

16:30 – 17:30 Comentário pelo Dr. Carlos Martin Beristain (Médico especialista em Saúde Mental, Universidade de Deusto, Bilbao) e por Alípio de Freitas (português, preso e torturado no Brasil.)

17:30 – 18:30 Debate sobre o filme, com a presença da realizadora

Sábado, 6 de Março

10:00 – 11:30 Projecção do filme “ Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta”, de Diana Andringa

11:30 – 12:00 – Comentário por Miguel Cardina, historiador, investigador do CES e Víctor Barros, investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20).

12:00 – 13:00 Debate sobre o filme, com a presença da realizadora

13:00 – 13:30 Sessão de encerramento: Como fazer da memória partilhada da tortura uma alavanca pela defesa da Cooperação e dos Direitos Humanos?, Secretário Executivo da CPLP, Eng. Domingos Simões Pereira.

Sobre os filmes:

48, Susana de Sousa Dias

São rostos. E vozes. Apenas isso. Minimalista. Susana Sousa Dias leva-nos a olhar para as fotografias de presos dos arquivos da Pide e a ouvir as memórias que essas fotografias despertam neles tantos anos depois.

São 16 imagens para contar 48 anos de fascismo - tudo fala da sociedade, os rostos, as roupas, a forma de estar. Não estão identificados por nomes nem idades porque valem por todos os presos políticos da ditadura. "Todas as fotografias têm uma história por detrás. O que me interessava era perceber o que a foto nos está a mostrar e o que nos está a esconder". Um rosto de mulher com um sorriso aberto em pleno arquivo da Pide, por exemplo, o que é que nos diz? É a própria que, em voz off, nos explica como aquela imagem, aquele riso inconsciente no meio de um lugar de sofrimento, a perseguiu toda a vida.

E o rosto daquele homem de cabelo claro? Por detrás dessa imagem estão já dias da tortura do sono - mas isso só ele próprio nos pode dizer. E aquela mulher que nos olha fixamente até a imagem se tornar quase abstracta, como uma pintura, e depois desaparecer no negro, apesar de os olhos parecerem continuar lá? "Há momentos em que olhamos para eles, outros em que eles olham para nós e outros em que olhamos para eles através do olhar deles".

"O filme procura estender aquele momento, uma fracção de segundo, em que eles enfrentam o opositor, olhos nos olhos", diz a realizadora. A expressão que têm, esse olhar de desafio, é o último espaço de liberdade que têm. "Nunca lhes daria o gosto de me verem com cara de sofrimento", diz uma das vozes.
Susana achou que para contar toda a história das vítimas da Pide tinha que incluir também os africanos presos pela política política, mas como os arquivos de África desapareceram não há imagens. Por isso são planos negros, apenas com vozes, e os espectadores presos a essas vozes que falam de tortura e de sofrimento.

Memória Para Uso Diário, de Beth Formaggini (Brasil, 2007)
por Rodrigo de Oliveira


Arquivos, como antes eram porões

Memória Para Uso Diário, e o nome não podia ser melhor. Mais que um filme para forçar o acesso emotivo a um passado coletivo submerso e dar voz a vítimas que se tornaram heróis, este é um projeto lindamente pragmático em sua militância: entre as diversas calhordices cometidas contra os revolucionários antiditadura militar e suas famílias, a mais grave foi certamente o apagamento da dimensão visível de sua história, e se há reparação possível, ela só pode se dar pelo “uso diário” do que sobrou desta gente – sua imagem, seus nomes, os signos associados a eles.

Em algum momento do filme, vemos uma parente de um dos militantes assassinados pelo regime falar sobre a perversidade embutida na invenção da expressão “desaparecido político”. É contra esse apagamento que Beth Formaggini investe, e o faz pelo desmascaramento, antes de tudo. A ditadura, como o cidadão brasileiro médio a conheceu, era a das imagens icônicas e da propaganda nacionalista institucional, largamente apresentada no prólogo do filme: não apenas os diversos cartazes e slogans repetidos à exaustão pelo regime, mas também a ostentação da caça e prisão dos vários “terroristas”, alardeadas nos jornais e na tevê como se aquele fosse um ambiente de faroeste, um “procura-se vivo ou morto” onde o rosto de um perseguido só tinha serventia até que ele fosse capturado – depois disso, o limbo, a morte secreta e o desaparecimento.

Uso diário é a experiência cotidiana desta memória, a ação corriqueira que nem por isso deixa de carregar todos os sentidos emocionais e políticos de que está preenchida. Numa das seqüências mais impressionantes do filme (e impressionante justamente por mostrar o caráter habitual da lembrança, e não o grande alarde profundo e pomposo que projetos dessa natureza costumam ter) acompanhamos a visita de Romildo a um cemitério no subúrbio carioca onde se suspeita que seu irmão tenha sido enterrado. Com a ajuda de uma amiga e também ex-militante, o homem começa a listar, de cor e com nome completo, dezenas de pessoas que faziam parte do mesmo aparelho de guerrilha do morto, montando um quebra-cabeça de identidades perdidas que surgem com a naturalidade de quem fala de amigos de infância. Romildo e a amiga não conheceram a maior parte daquelas pessoas em vida, e a única ligação que mantém com elas é a coincidência de terem participado junto com o irmão da luta armada. A memória é superficial e posterior, como a nossa, espectatorial, mas diferente de nós (e do filme), um nome dito é mais que a estampa de uma época, ele é o próprio reaparecimento, a alcunha perversa se desfazendo em nome do presente destas pessoas, mesmo que apenas oral e corriqueiro.

É assim, no limite de sua própria inviabilidade, que Memória Para Uso Diário vai se equilibrando. Porque há algo na sobrevivência dessa lembrança que está marcado por um irremediável senso de história íntima que nem todo o caráter coletivo da luta revolucionária pôde superar. Quando Tânia Roque visita a escola que leva o nome de seu marido morto pela polícia da ditadura, vemos uma celebração da figura de Lincoln Bicalho Roque que é marcada pelo reconhecimento emocionado para a família, enquanto nunca perde a sensação de valorização de uma ausência e de um vazio para os pequenos alunos e suas professoras. As crianças carregam faixas com o nome do militante, cantam enfileiradas o hino da escola, que exalta sua luta, fazem perguntas no microfone sobre quem foi e o que fazia aquele homem, mas, no fundo, nunca assumem estes discursos e essa celebração como sua propriamente.

Ponto de não-retorno definitivo é quando o filme leva um grupo de familiares dos desaparecidos pelas ruas de um bairro carioca para buscar endereços e placas que homenageiem ex-guerrilheiros (encontram no caminho, por exemplo, uma Praça Lamarca, ironicamente abandonada ao capim pelo poder público). É quando a mãe de Marcos Nonato da Fonseca encontra a rua com o nome do filho, mas, com uma placa enferrujada que impede o reconhecimento do nome, recorre a alguns dos moradores curiosos do lugar para que lhe dêem uma conta de luz que comprove a homenagem. Com a conta na mão, a mulher se dirige à câmera e mostra orgulhosa o nome do filho, enquanto um abismo se cria com o fundo do quadro, onde os moradores ainda não sabem direito do que se trata aquele fuzuê todo, e talvez nunca venham a saber ou se interessar. Não há chamado à memória e ao exercício da reparação que Beth Formaggini e o Grupo Tortura Nunca Mais (financiadores institucionais do filme) possam fazer sem que se esbarre neste abismo. A clandestinidade é a única marca da luta antiditadura que resistiu ao tempo, porque essa memória também é clandestina e, independente dos esforços de ambas as partes, ainda inviável.

Em Memória Para Uso Diário utiliza-se a estratégia do nome completo e do retrato 3x4 das vítimas, reforçados pelos letreiros finais que listam todos os ditos “desaparecidos políticos” do país, e ainda assim esta é apenas uma personificação de segunda ordem. É uma fissura da própria sociedade brasileira e sua incapacidade de lidar efetivamente com o período militar que acaba se espalhando para o cinema, do qual o filme de Formaggini acaba não deixando de ser um louvável retorno à regra. Não houve julgamento dos torturadores, não se prenderam os responsáveis pelas mortes, e as vítimas vão sendo indenizadas na surdina, em processos lentos e financeiramente desproporcionais. Do mesmo modo, este cinema brasileiro que fala da ditadura nunca conseguiu nem sequer levar a cabo a máxima godardiana de que as vítimas são sempre filmadas de frente, enquanto os carrascos aparecem sempre de costas.

Este acordo tácito pelo esquecimento torna mesmo a filmagem das vítimas um problema – e não só porque, como neste caso, o que resta delas é um retrato ou uma placa de rua. Mais do que a forçosa relação entre os desaparecidos dos 60 e os desaparecidos dos 2000, que o filme faz ao propagandear as ações do Grupo Tortura Nunca Mais contra o abuso policial sobre jovens da periferia e das favelas cariocas, o que Memória Para Uso Diário faz de realmente novo e instigante sobre esta relação do país com seu passado é filmar não os personagens da tragédia, mas seu depositário. Em poucos planos dos arquivos públicos nacionais onde uma viúva tenta buscar provas de que seu marido foi morto pelo Estado e, portanto, merece uma pensão do governo, vemos finalmente materializado todo o horror da desimportância que tanto a ONG como o filme tentam combater. Confusos, sujos, improvisados, escuros, os arquivos são o retrato mais fiel da falta de retrato: pastas e mais pastas com nome completo e eventualmente fotos dos mortos e desaparecidos, sem que isso possa garantir que as histórias guardadas ali possam um dia ser verdadeiramente ouvidas e revisitadas.

Abril de 2009 http://www.blogger.com/editoria@revistacinetica.com.br



Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta

Diana Andringa


Chamavam-lhe “o Campo da Morte Lenta”. Os críticos, naturalmente. Que as autoridades, essas, chamaram-lhe primeiro, entre 1936 e 1954, quando os presos eram portugueses, “Colónia Penal de Cabo Verde” e, depois, quando reabriu em 1961 para nele serem internados os militantes anticolonialistas de Angola, Cabo Verde e Guiné, “Campo de Trabalho de Chão Bom”.

Trinta e dois portugueses, dois angolanos, dois guineenses perderam ali a vida. Outros morreram já depois de libertados, mas ainda em consequência do que ali tinham passado. Famílias houve que, sem nada saberem o destino dos presos, os deram como mortos e chegaram a celebrar cerimónias funebres.

“Ali é só deixar de pensar. Porque se não morre aqui de pensamentos. É só deixar, pronto. Os que têm vida ficam com vida. Nós aqui estamos já quase mortos.” A frase é do angolano Joel Pessoa, preso em 1969 e libertado, com todos os outros presos do campo, em 1 de Maio de 1974.

No 35º aniversário desse dia, a convite do presidente da República de Cabo Verde, Pedro Verona Pires, os sobreviventes reencontraram-se para um Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal.

“Tarrafal: memórias do Campo da Morte Lenta” resultou desse reencontro. Durante os dias em que os antigos presos voltaram ao Tarrafal, gravámos entrevista após entrevista, registando as suas recordações. Trinta e dois presos, desde o português Emundo Pedro, um dos que o estreou, em 1936, aos angolanos e cabo-verdianos que foram os últimos a deixá-lo, no 1º de Maio de 1974, passando pelos guineenses que, ali cegados em Setembro de 62, saíram em 64 uns, em 69 os restantes. Um guarda, Joaquim Lopes, cabo-verdiano e convertido ao PAIGC. Uma das raras pessoas que testemunhou a vida no Tarrafal desde a sua abertura ao seu encerramento, Eulália Fernandes de Andrade, mais conhecida por D. Beba.

É um documentário feito à base de depoimentos e filmado quase sempre no interor do campo, afinal, o espaço em que os presos se moviam. Entre as raríssimas excepções, o cemitério, onde acompanhamos a homenagem dos sobreviventes aos que ali ficaram. Vozes, caras expressivas contra fundo de cela. Alguns objectos surpreendentes: as calças rasgadas pelo chicote e puída pelo chão prisional, a planta do campo desenhada num osso de vaca, a bengala que testemunha o resultado da tortura. A alegria de se verem lembrados em duas exposições nas celas que tinham ocupado.
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Nota de CV:

Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5908: Agenda Cultural (62): Seminário Lusófono Que Fazer com Estas Memórias ?, Centro de Estudos Sociais-Lisboa, 5 e 6 de Março de 2010 (Diana Andringa)

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5908: Agenda Cultural (62): Seminário Lusófono Que Fazer com Estas Memórias ?, Centro de Estudos Sociais-Lisboa, 5 e 6 de Março de 2010 (Diana Andringa)



Seminário Lusófono
QUE FAZER COM ESTAS MEMÓRIAS?



Local: Centro de Estudos Sociais-Lisboa


Data: 5 e 6 de Março de 2010

Programa > Sexta-feira, 5 de Março

9:30 - 10:30 -

Abertura – Porquê um Seminário Lusófono sobre Tortura e Memória?
José Manuel Pureza, Representante do Centro de Estudos Sociais – Lisboa,
Raimundo Narciso, Presidente da Associação Movimento Cívico Não Apaguem a Memória,
Cecilia Coimbra*, Representante do Movimento Tortura Nunca Mais (Brasil),
Simonetta Luz Afonso, Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, CES-Lx

10:30 - 12:00 - Projecção do filme “48”, de Susana Sousa Dias

12:00 – 12:30 - Comentário pelo Dr. Afonso Albuquerque (Médico psiquiatra, autor de um livro sobre o impacto da tortura sobre presos políticos portugueses)

12:30 – 13:30 - Debate sobre o filme, com a presença da realizadora Susana Sousa Dias

13:30 – 15:00 - Pausa para almoço

15:00 – 16:30 - Projecção do filme “Memória para uso diário”, de Beth Formaggini

16:30 – 17:30 - Comentário pelo Dr. Carlos Martin Beristain (Médico especialista em Saúde Mental, Universidade de Deusto, Bilbao) e por Alípio de Freitas (português, preso e torturado no Brasil.)

17:30 – 18:30 - Debate sobre o filme, com a presença da realizadora

Sábado, 6 de Março

10:00 – 11:30 - Projecção do filme “ Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta”, de Diana
Andringa

11:30 – 12:00 – Comentário por Miguel Cardina, historiador, investigador do CES e Víctor Barros, investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20).

12:00 – 13:00 - Debate sobre o filme, com a presença da realizadora

13:00 – 13:30 - Sessão de encerramento: Como fazer da memória partilhada da tortura uma alavanca pela defesa da Cooperação e dos Direitos Humanos?, Secretário Executivo da CPLP, Eng. Domingos Simões Pereira*.

* A confirmar
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5899: Agenda Cultural (61): Exposição Portugal nas Trincheiras - A I Guerra da República, de 23/2 a 23/4/2010, em Lisboa

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5110: Agenda Cultural (33): Doclisboa 2009: Hoje, 23h, Cinema Londres2: Dundo, memória colonial, de Diana Andringa

Primeira página do sítio oficial do doclisboa 2009, festival do cinema documental, a decorrer em Lisboa em várias salas de cinema (Culturgest, São Jorge e Londres) desde hoje, até 25 de Outubro de 2009.


Destaques de Luís Graça:

(i) Homenagem a Jonas Mekas, "uma lenda viva do cinema vanguardista norte-americano", e que será "o convidado de honra do doclisboa 2009". Segundo os organizadores do festival, "aos 86 anos, Jonas Mekas continua a produzir obras de referência em campos artísticos totalmente distintos".

(ii) Love stories:

"As grandes histórias de amor sempre marcaram a história do cinema. Mas sobretudo no domínio da ficção. Esta programação do doclisboa destina-se a revelar histórias de amor únicas, registadas especialmente no campo do documentário".

(iii) Balcãs em Foco, retrospectiva sobre o documentário da ex-Jugoslávia:

Winston Churchill (de cujas citações se usa e abusa...) "terá dito que os Balcãs produzem mais história do que aquela que têm capacidade para consumir. Cinismo à parte, talvez esta afirmação se aplique de uma forma consistente aos trágicos acontecimentos que tiveram lugar no território da ex-Jugoslávia, depois da sua desintegração em 1991" (...).

(...) "A zona do mundo em cuja cinematografia mergulhamos este ano é particularmente explosiva. A Jugoslávia, que até 1992 era um único país, está hoje dividida em 7 estados independentes: Sérvia, Bósnia-Herzegovina, Croácia, Eslovénia, Montenegro, Kosovo e Macedónia.

"A mostra Balcãs em Foco pretende simultaneamente dar a conhecer a extraordinária cinematografia dessa região (onde as escolas e a tradição de documentário foram excepcionais ao longo do século XX) e permitir-nos compreender melhor o que se passou e o que se passa naquele território, habitado por povos e religiões em conflito, mas com tanto em comum. Como são vistas as guerras fratricidas pelos vários participantes? O que é que sobrevive e passa ao lado das guerras? Como é a vida do dia-a-dia?"



Título: MGM Sarajevo: Man, God, Monster
Realização: Colectivo SAGA (Ismet Arnautalic, Mirsad Idrizovic, Ademir Kenovic, Pjer Žalica)
Produção: Bósnia-Herzegovina, 1994
Duracção: 45’

Realizado pelo Grupo SAGA, colectivo de autores criado durante o cerco de Sarajevo, este documentário capta extraordinários relatos de guerra ocorridos durante o conflito. Cruzam-se elementos díspares como o testemunho perturbador de um jovem degolador, condenado à morte, com a visita da escritora Susan Sontag ao palco da peça 'À Espera de Godot'.

(iv) Investigações:

A secção competitiva que "reúne filmes que procuram dar a conhecer situações críticas do presente e do passado. Por revelarem algo de novo, por se posicionarem perante a realidade, estes filmes podem interferir sobre a própria realidade ou enriquecer a nossa visão da história"


Título: Indochine
Realizadores: Stewart Binns, Adrian Wood
Produção: Reino Unido, 2009
Duração: 91’

Construído a partir de fabulosas imagens de arquivo a cores, Indochine conta a história trágica e corajosa dos povos da Indochina (Vietname, Laos, Camboja), que viveram uma sucessão de guerras ao longo de quatro décadas. A história do colonialismo francês e da opressão, da brava resistência travada contra o Japão, da sangrenta intervenção Norte-Americana em plena Guerra Fria e das sucessivas guerras.

(v) Filmes de realização e/ou produção portuguesa (ou em língua portuguesa)

Sou fã do Doclisboa, já hoje considerado um dos melhores do mundo, no âmbito do cinema documental. A minha primeira selecção, au vol d'oiseau (dos mais de 180 filmes em exibição, legendados em português), vai para alguns portugueses (ou em língua portuguesa), de temática africana, colonial e pós-colonial, com referência especial às nossas antigas colónias de África... (Infelizmente não encontrei nada sobre a nossa querida Guiné-Bissau).

Hoje, na sessão das 23h, no Cinema Londres-2, a nossa amiga Diana Andringa, nascida em Angola, em 1947, no Lundo (o menos é dizer, a província onde operava a toda poderosa Diamang), co-autora, com o guineense Flora Gomes, As duas Faces da Guerra, 2007, e membro do nosso blogue) aprensenta o seu filme de 60 minutos Dundo, memória colonial. Já comprei bilhete (3 euros e meio) (Pode-se também comprar um voucher, com 10 bilhetes, por 25 euros).



Titulo: Dundo, Memória ColonialRealizadora: Diana Andringa
Pordução: Portugal, 2009
Duração: 60’

A realizadora Diana Andringa nasceu em 1947 no Dundo, centro de uma das mais importantes companhias coloniais de Angola, a Diamang. Ali foi feliz. Ali aprendeu o racismo e o colonialismo. Agora volta, porque o Dundo é a sua única pátria, a mais antiga das suas memórias.



Título: Com Que VozRealizador: Nicholas Oulman
Produção: Portugal, 2009
Duração: 108’

Alain Oulman nasceu em Lisboa, no seio de uma família conservadora. Era um homem apaixonado por livros, por música e por Amália, com quem colaborou de forma muito próxima. Perseguido pelo regime de Salazar e mais tarde exilado em França, Alain Oulman parece ter vivido várias existências – todas elas brilhantes– que este filme nos permite finalmente conhecer.



Título: Luanda, Fábrica da Música
Realizadores: Inês Gonçalves, Kiluanje Liberdade.
Produção: Portugal, 2009
Duração: 56’

Num musseque de Luanda vivem os miúdos poetas. Todos querem gravar na máquina de sons de DJ Buda, que dá vida a ritmos electrizantes – essencialmente kuduro. Todos gritam poemas para o velho microfone. Algo nunca ouvido. Luanda, Fábrica da Música é um hino à criatividade dos angolanos.



Título: Escrever, Escrever, Viver
Realizadora: Solveig Nordlund
Produção: Portugal, 2009
Duração: 53’

António Lobo Antunes, no auge da sua carreira, recebe o grande prémio de literatura da Feira Internacional do Livro em Guadalajara, México. A entrega do prémio é o ponto de partida para uma passagem em revista da sua vida e obra. A infância, a psiquiatria, a guerra colonial, o 25 de Abril, os livros, o cancro que em 2006 lhe foi diagnosticado e as marcas que deixou.



Título: Mãe Fátima
Realizadora: Christine Reeh
Produção: Portugal, 2009
Duração: 80’

Fátima, uma enfermeira angolana de 70 anos, decidiu, após décadas de trabalho em Portugal, regressar ao seu país de origem e dar início a uma missão de saúde humanitária, numa das regiões mais afectadas pela guerra civil. Em Menongue,é necessário recuperar o hospital local, sem água corrente nem oxigénio. O cheiro a lixo e a morte infiltra-se na alma e na pele das pessoas. É preciso acreditar em algo para enfrentar o dia seguinte.



Título: Acácio
Realizadora: Marília Rocha
Produção: Brasil, 2009
Duração: 88’

Acácio e a mulher são um invulgar casal de transmontanos. Dentro do total anonimato, representam uma certa história portuguesa. As memórias pessoais e os magníficos arquivos de imagem de Acácio permitem-nos reviver uma vida entre o Portugal rural dos anos 50, a miragem do sonho colonial em Angola (nas minas do Dundo, onde Acácio era fotógrafo), o traumático regresso a Portugal, onde não se adapta, e um novo refazer de vida em Minas Gerais (Brasil).


Fonte: Imagens e legendas: doclisboa 2009 > Filmes de A-Z.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3951: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (8): Diana Andringa, jornalista e cineasta

1. Mensagem, com data de 25 do corrente, da Diana Andringa, que é uma das ainda relativamente poucas mulheres que é membro da nossa Tabanca Grande, jornalista, cineasta, realizadora (com o guineense Flora Gomes) do filme documentário As Duas Faces da Guerra (Portugal, 2007), disponível de resto em duas partes no sitío da Guerra Colonial, da A25A, em versão da RTP:

1970-01-20 • As Duas Faces da Guerra - Parte 1
1970-02-20 • As Duas Faces da Guerra - Parte 2


Luís,

Não irá sendo altura de deitares um pouco de água na fervura que vai pelo vosso blogue em relação aos jornalistas? Sabendo como é doloroso o tema em causa, parece-me que estão a ferver em pouca água.

Como bem sabes, a imagem que passarão aos vossos filhos e netos será a que quiserem que seja. A Comunicação Social não altera o conhecimento directo que cada um tem da realidade. O mais natural é que a imagem que passem seja “O meu pai (o meu avô), na juventude, teve de participar (ou participou) na guerra travada nas antigas colónia portuguesas. Foi para a guerra por que acreditava que ia defender a Pátria (ou por que foi obrigado, ou por que não teve outra hipótese). Aquilo foi muito duro! Com vinte anos corriam o risco de morrer, viam morrer camaradas, às vezes matavam outras pessoas... Quero crer que não cometeu nenhum crime de guerra, mas, às vezes, confrontada com o perigo, ou com a dor da morte de um amigo, uma pessoa faz coisas de que mais tarde se arrepende... E, afinal, o país veio depois a concluir que a guerra não tinha razão de ser, que Portugal devia ter dado a independência às colónias quando os outros deram. E se calhar, eles, os soldados, foram os que mais se alegraram com o 25 de Abril. Aliás, agora, ele até tem amigos entre os que combateu. Temos sorte, nós, em não termos um governo a mandar-nos para a guerra.”

Esta é, aliás, creio, a imagem que fazem dos combatentes a maioria dos jornalistas. Mas isso não os pode impedir de, ao falarem da guerra, referir os crimes de guerra que foram cometidos (e foram) e condenar a política seguida por Salazar e Caetano. Não o fazem, no entanto, com o intuito de ofender os combatentes. Quando criticas o facto de a caravana humanitária ter sido pouco referida nos jornais também não estás a querer atacar os jornalistas, pois não?

Quanto ao vosso sofrimento – tão referido sempre em contraponto aos trabalhos jornalísticos – é óbvio que nenhum jornalista o conta como cada um de vós gostaria de contá-lo. Seja qual for o tema sobre que se escreva, haverá sempre alguém a dizer que “não foi exactamente assim”. É por isso que o vosso blogue é tão importante.

Não tendo nenhuma procuração para falar por outros jornalistas, não posso também deixar de lembrar que já houve reportagens sobre algumas dessas viagens de antigos combatentes à Guiné. (Pessoalmente, como sabem alguns bloguistas, só por problemas de produção não acompanhei a ida de um desses grupos.) E que perguntar ao Joaquim Furtado se fez a guerra, num debate sobre a série A Guerra, é um pouco como pretender que, para escrever sobre o cancro, tem de se ter tido um, ou que não se pode escrever sobre o abandono escolar se se completou um curso universitário.

Abraço, Diana

PS - O Almeida Martins é um bom jornalista, um profissional sério – e foi, parece-me, mal interpretado.Também senti como injustas algumas das críticas quando As 2 Faces da Guerra passou na RTP. Entendi que não devia alimentar discussões. Mas agora não sei se fiz bem. (...) .

2. Comentário de L.G.:

Cara amiga: Agradeço as tuas palavras e o teu apelo à serenidade. Já recebi também o comentário do jornalista em questão, Luís Almeida Martins, um homem de resto da nossa geração e da geração do Afonso Praça (um antigo combatente, em Angola, que eu conheci e estimei, como jornalista de O Jornal). Irei publicar a resposta do Luís Almeida Martins no fim de semana, com um comentário (final) meu.

Não seria saudável prolongarmos este clima de tensão no blogue. Não creio, aliás, que o nosso blogue tenha vocação para provocar e alimentar polémicas. O nosso blogue é uma estrada, aonde afluem viajantes de diferentes tempos e lugares. É um caminho, plural, feito de muitas picadas, trilhos de floresta, rios e braços de mar. Somos um grupo de pertença, mas o nosso único denominador é a Guiné e os verdes anos que lá passámos (ou deixámos). Como tu muito bem dizes, o nosso blogue é importante por que o essencial da sua matéria-prima não são as notícias nem sequer os docuemntos, mas o vivido, as memórias, a experiência pessoal, única e intransmissível.

Somos todos pessoas civilizadas. E responsáveis. Todos reconhecemos que a emoção nem sempre é boa conselheira. E que as memórias da guerra, desta guerra, são um caixa de Pandora. Muitos dos meus camaradas que aqui escrevem não são, contudo, profissionais da palavra. Quero com isso dizer que não têm necessariamente o domínio da arte de comunicar. Tu sabes, melhor do que ninguém, que se pode ferir e até matar com as palavras (por exemplo, o assassínio de carácter). A propaganda é uma forma de comunicação. O communicare (do latim, pôr em comum) não é fácil. Nem é natural. Nem é neutro. Rio-me quando eu próprio falo, em sessões de formação, na comunicação assertiva. É a maior treta que impingimos às pessoas nas organizações. As nossas comunicações tresandam a emoção e às vezes a manipulação.

Como já tenho aqui dito e redito, nós não fazemos, no nosso blogue, nem jornalismo nem historiografia. Não competimos nem com os jornalistas nem com os historiadores. Queremos apenas contar as nossas histórias uns aos outros. E arrumá-las, por séries temáticas. O que também não é fácil...

Por isso também fazemos blogoterapia. Temos posto camaradas da Guiné a falar, em voz alta, do passado, coisa que eles não faziam há muitos, muitos anos... Não somos um comunidade terapêutica, não somos um grupo de autoajuda, nenhum de nós está doente ou em reabilitação. Mas a verdadade é que somos veteranos de guerra, quer se goste ou não do termo. Ex-combatentes, dizem outros. E esse é um traço de união. O passado que partilhámos, no teatro de operaçõeas (TO) da Guiné, é o nosso traço de união. Talvez o único, para além da circunstância da sermos concidadãos, portugueses, falantes da língua portuguesa...

Não te sei, dizer, Diana, se eu próprio e os meus camaradas fervemos em pouca água... Não é habitual. Costumamos cultivar a contenção verbal. E ainda temos o velho hábito, dado pela disciplina militar, de pôr a G3 em posição de segurança. Não puxamos facilmente pela G3. Mas não quero, ainda para mais na pele de editor deste blogue (que também sou, com o Carlos Vinhal e o Virgínio Briote), fazer um juízo de valor acerca das nossas reacções ao texto (ou melhor, ao parágrafo) do Luís Almeida Martins que, ele próprio, achou repentinas e até despropositadas. Eu aliás, alertei para o risco de se tomar a árvore pela floresta, pelo que aconselhei a leitura na íntegra do artigo. É sempre possível sermos mal interpretados. Temos, nós próprios, essa experiência no blogue.

Sou editor, mas não sou juiz. Deixei fluir a palavra, as nossas palavras, evitando apemas o anonimato, o insulto e o excesso verbal. Há comentários que estão no downstairs do blogue que eu não trarei à superfície, mas que também não vou eliminar. Excessivos ou não, foram ditados pelo calor da batalha (que, desta vez, é ou foi felizmente apenas verbal).

Deixa-me, por fim, dizer-te que não nego, bem pelo contrário, valorizo e defendo o papel do jornalismo (seja de opinião, de notícia ou de investigação). E por isso é que é tão preciosa, para mim, pelo menos (e seguramemte para todos nós), a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão.

Tu sabes a força que têm as palavras, as imagens e outros signos. A força da comunicação (social). Os jornalistas não podem, por seu turno, ficar surpreendidos, muito menos melindrados, com as reacções, às vezes aparentemente intempestivas e até injustas, dos seus leitores. São os ossos do ofício de quem escreve e publica, de quem se expõe e dá a cara...

Quando há conflito entre duas partes, o problema nunca está no A ou no B, mas na sua relação A/B. Aqui houve tão apenas um problema de comunicação. Não está em causa um jornalista, que até deve ser uma pessoa estimável e estimada. (Embora eu não o conheça pessoalmente, leio-o há anos; não nenhum novato em bicos de pé, à procura da glória e da fama). Não estão sequer em causa os jornalistas. Não vamos diabolizar ninguém, muito menos os jornalistas. Estão em causa, às vezes, os nossos processos de percepção e de comunicação. Obrigado, Diana, pela tua tentativa de ajuda na melhoraria do processo de comunicação entre todos nós, os amigos e camaradas da Guiné.
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 28 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3950: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assasinos (7): Manuel Maia, o bardo do Cantanhez

domingo, 18 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3756: RTP1, As Duas Faces da Guerra (2): A Guiné sempre e a Diana Andringa às vezes... (Rui A. Ferreira)


Cartaz do filme

1. Mensagem do Rui Alexandrino Ferreira:


Assunto - A Guiné sempre e Diana Andringa às vezes


Meu caro Luís:

Tal como me recomendaste, ouvi com atenção a mensagem que a jornalista nos quis transmitir no programa televisivo que a nossa TV pública passou em hora nobre (*). O PAIGC é que eram os bons e nós tropas Portuguesas os maus.

É uma opinião a que logicamente tem todo o direito. Não será muito abonatória para o soldado português, englobando nessa designação todos quanto no cumprimento do Serviço Militar Obrigatório passaram pelas fileiras do Exército na Guiné e não só.

Gerações que durante treze arrastados e sofridos anos de guerra que extenuou, sacrificou, estropiou, mutilou a juventude de Portugal. Tudo aguentaram para dar ao poder político tempo mais que suficiente para lhe arranjar uma solução e que acabou por nunca acontecer.

Que tendo suportado contrariedades sem conta desde o desprestígio acelarado que as Forças Armadas vinham sofrendo, o descrédito em que foram caindo os mais altos escalões da hierarquia, a erosão a que a rotina da guerra conduziu, a desmotivação do Quadro Permanente, a mobilização praticamente total do contingente anual possível com a evidente perca da qualidade humna, a queda acentuada dos níveis de instrução, a justiça e falta de ideal da própria guerra acabaram por erigir mais uma epopeia de Portugal em África.

Numa África inóspita e desconhecida para a maioria, traiçoeira e perigosa onde se multiplicavam adversidades que iam da falta de água potável à má alimentação, das doenças tropicais endémicas às sexualmente transmissíveis, dos excessos do clima à precaridade ou inexistência de instalações, da ausência de material de guerra e logístico moderno, aligeirado ou de fácil manuseamento, o que contrastava com a rápida evolução e modernização do material usado pela guerrilha e que se acabou por chegar a uma situação que reporto única nos tempos e no mundo de um Exeréito Regular se encontrar em inferioridade técnica de meios.

Quer se viram confrontados com uma guerra onde o antagonista moralisado, matreiro, adaptado ao terreno, valorisado por anos sucessivos de luta, explorando as nossas fraquezas e melhorando os procedimentos a que pramaticamente só tinham para opor a abnegação, a capacidade de sofimento, a camaradagem, o espírito de sacrifício, um inacreditável poder de adaptação, um providencial sentido de desenrascanso, um extremo desembaraço, demonstraram uma imensa grandesa de alma.

Que se viram defraudadas nos seus sacrificios, vãos os seus esforços, inúteis as suas canseiras e inglórias tantas mortes.

Que se vejam esquecidos pelos seus próprios, muito mais preocupados em bajular o inimigo de então do que a reconhecer as dificuldades da sua acção. Que ve tentar amenizar, fazer esquecer ou nem disso falar do genocídio das tropas africanas que conosco e por nós combateram, que comprometemos com o slogan dum Porftugal do Minho a Timor e que desarmámos com promessas de integração num futuro Exército da Guiné com acordos com o PAIGC que sabíamos muito bem que não iam cumprir.

Genocidio que se pretende justificar com a pretensa violência com que essas tropas africanas actuavam. Que sorrateira e deliberadamente se esquece que se durante a guerra ambos estavam armados depois disso só uns tinham as armas. E como é diferente a situação. Ambos armados: matar ou morrer ou simplesmente morrer para os desarmados.

Não me parece, pois, que tenha sido uma justa abordagem do que sa passou, não me parece isenta, nem a homenagem que mereciam os soldados de Portugal que na Guiné deram tudo até a própria vida por aquilo que então se acreditava ser a defesa da Pátria.

A minha sincera homenagem ao meu herói - o soldado de Portugal. Que ninguém tenha vergonha nem de o ter sido nem do muito que fizemos pelo povo da Guiné.

Um grande abraço do
Rui Alexandrino Ferreira



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Notas de L.G.:

(*) As Duas Faces da Guerra, filme-documentário, transmitido na RTP1, em duas partes, nos dias 14 e 15 de Janeiro de 2009, às 21.30h.

Ficha técnica:

Argumento e Realização: Diana Andringa e Flora Gomes; Imagem: João Ribeiro: Som Armanda Carvalho Montagem Bruno Cabral Produtor Luís Correia Produção Lx Filmes

Portugal, 2007, 105’, P/B e Cor, Betacam Digital, som 2.0, formato 4:3, Português e Crioulo

© Lx Filmes 2007
(P) Midas Filmes 2007

Filme estreado no DocLisboa2007, Lisboa, Culturgest, 19 de Outubro de 2007

Sinopse:

"Luta de libertação para uns, guerra de África para outros: o conflito que, entre 1963 e 1974, opôs o PAIGC às tropas portuguesas é visto, desde logo, de perspectivas diferentes por guineenses e portugueses. Mas não são essas as únicas “duas faces” desta guerra: mais curioso é que, para lá do conflito, houve sempre cumplicidade: 'Não fazemos a guerra contra o povo português, mas contra o colonialismo', disse Amílcar Cabral, e a verdade é que muitos portugueses estavam do lado do PAIGC.

"Não por acaso, foi na Guiné que cresceu o Movimento dos Capitães que levaria ao 25 de Abril. De novo duas faces: a guerra termina com uma dupla vitória, a independência da Guiné, a democracia para Portugal. É esta 'aventura a dois' que é contada pelas vozes dos que a viveram".


Participantes:

Chico Bá, Paulo de Jesus, Filinto de Barros, Agnelo Lourenço Fernandes, Sulei Baldé, Carlos Sambú, Amílcar Domingues , António Iria Revez, Teresa Barbosa , António Lobato, Manecas Santos, Osvaldo Lopes da Silva, João Marques Dinis, Vasco Lourenço, Pedro Pires, Ansumane Sambú, António Marques Lopes, Lassana Njai, Alfredo Santi, Mário Pádua, Manuel Boal , Maria da Luz (Lilica) Boal, Fernando Baginha, Amélia Araújo, Leonel Martins, Pedro Gomes, José Mendes Sentieiro, Mbana Cabra, Manuel Monge, Agnelo Dantas, Dalme Embundé, Féfé Gomes Cofre, Assana Silá, Alexandre Coutinho e Lima, Mamadi Danso, Assana Silá, Dauda Cassamá, Aladje Salifo Camará, Isabel Coutinho e Lima Manuel Batoréo.