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sábado, 17 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)

Guiné > 1970 > Uma das imagens emblemáticas da guerra colonial/guerra de libertação. Um guerrilheiro do PAIGC jaz morto, no chão da mata, com a sua Kalash ao lado. Foto muito provavelmente obtida no sul, na região de Tombali. A foto é do repórter fotográfico húngaro Bara István (n. 1942), que acompanhou a guerrilha do PAIGC em 1969 e 1970 (não sabemos exactamente em que circunstâncias: num das fotos, ele próprio deixa-se fotografar com uma Kalash pendurada ao pescoço, o que para um fotojornalista de hoje seria deontologicamente inadmissível; pode pôr-se a hipótese de, na época, ter lá estado apenas como fotógrafo, e não como jornalista, ao serviço do governo do seu país; recorde-se que na época a Hungria fazia parte do Pacto de Varsóvia e, portanto, era um dos aliados do PAIGC).

Legenda, em húngaro: Bara István: Elesett PAIGC katona, Guinea Bissau, 1970. Estamos gratos a este conhecido fotógrafo magiar pelas imagens sobre a guerra colonial / guerra de libertação na Guiné-Bissau que disponibilizou na sua página. Partimos do princípio que estas imagens são do domínio público. Tentámos contactá-lo por e-mail, até agora em vão, para obtermos autorização para divulgação de mais fotos da sua fotogaleria.

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria (com a devida vénia / with our best wishes...)


X (e última) parte do dossiê O massacre do Chão Manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (*). Subtítulos e negritos da responsabilidade do editor do blogue.


III (e última) parte do depoimento do historiador lusoguineense Leopoldo Amado , que está actualmente a trabalhar em Imberem, na região de Tombali, ao serviço da AD - Acção para o Desenvolvimento. (Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue).


Mais pedidos de ajuda do PAIGC à Suécia e à URSS

No princípio de 71, Cabral dera mais um salto à Suécia com o fito de obter ajudas que permitissem fazer face a política da Guiné Melhor de Spínola, política essa que ele caracteriza, já se disse, como sendo de “sorriso e de sangue”, pois, o maior poder de fogo não é suficiente para contrapor à nova agressividade de Spínola.

Os nacionalistas sentem a necessidade de robustecer a componente militar do partido e, simultaneamente, adaptar a sua fórmula organizativa, ganhando mais disciplina e capacidade de resposta. Acto contínuo, Cabral viaja para à URSS em busca de mais apoios no domínio militar, apoios esses que começaram a surgir a partir de Fevereiro de 1971, tanto da parte da Suécia como desta última.

Com as ajudas recebidas, Amílcar Cabral replicava inteligentemente às acções psicológicas de Spínola e, em Fevereiro de 1971, uma vez na posse das mesmas, o PAIGC modificou os aspectos gerais da sua manobra global, preocupando-se em manter no teatro das operações, com grande economia de meios e de materiais, um estado de guerra que servisse a sua propaganda interior e exterior, visando especialmente sucessos sobre as tropas portuguesas e a conquista da adesão das populações.

Nesse sentido, e particularmente no plano das operações, verifica-se a insistência em realizar acções coordenadas, atacando as guarnições com possibilidades de apoio simultâneo de artilharia e tirarando o máximo rendimento da sua actividade, quer ameaçando zonas urbanas e os chamados reordenamentos populacionais, organizados pelo poder colonial em autodefesa, quer provocando intervenções da tropa portuguesa e montando de seguida emboscadas nos itinerários de acesso directo das forças de socorro. Dentro desta nova concepção militar do PAIGC, a área de Naga-Biambi, constituía a principal zona fulcral da estratégia militar do PAIGC.


Spínola: Conversar com todos os guineenses, incluindo o PAIGC

Perante tal estado de coisas, o general Spínola reconheceu a impossibilidade de ganhar a guerra da Guiné, coincidindo este reconhecimento com as falsas promessas do Governo português em conferir autonomia e autodeterminação aos guineenses, no quadro da soberania portuguesa. Sobre as negociações com o PAIGC, Spínola diria em princípios de 1973, que “(…)uma tal política admite conversações com quem quer que, honesta e desinteressadamente, deseje contribuir para um programa de incontestável legitimidade. Conversações que, como é evidente, são extensíveis ao PAIGC. Mas há um ponto que importa ressalvar: conversar não é negociar, e jamais poderíamos deixar que se resvalasse para matéria que só ao povo da Guiné diz respeito e compete legitimamente decidir. E com este mantém o Governo permanente e aberto diálogo, através de ins­tituições criadas para esse fim com resultados evi­dentes. Assim, e como, em boa verdade, o PAIGC não representa o povo da Guiné, só o futuro dos seus combatentes poderá estar em causa em tais conver­sações. A esse respeito, continuamos abertos ao diá­logo com todos os que, despidos de interesses estra­nhos aos do povo desta terra, quiserem regressar – e tantos são os que vindos do mato se têm sentado nesse maple e reconhecido que, presentemente, o Governo da província está concretizando os ideais por que se batiam. Porém, ao nível do topo, não foram até ao presente estabelecidos quaisquer con­tactos (…)” (21).


Amílcar Cabral: lutar até à vitória total


Contudo, Cabral denunciou vigorosamente tais manobras dilatórias dizendo que “(...) falar da autodeterminação ou da autonomia (seja ela progressiva ou não) como faz o chefe dos colonialistas portugueses não revela mais que uma tentativa desesperada de desviar a atenção para a realidade concreta da situação da luta no nosso país: hoje, não pedimos ao Governo português que reconheça o nosso direito à autodeterminação e nem mesmo autonomia ou independência, pois somos autodeterminados e somos realmente autónomos, independentes e soberanos sobre a maior parte do nosso território nacional. Nós lutamos, sim, e lutaremos até à vitória total, para expulsar do nosso país as tropas estrangeiras, a fim de que, em condições de independência, possamos consolidar a libertação do nosso povo da Guiné e das ilhas de Cabo Verde, procurando sempre construir uma vida de paz e de progresso a que temos direito. Seja à volta de uma mesa, através de negociações, seja através nos campos de batalha, a vitória da nossa luta armada de libertação é o único objectivo que preconizamos e que justifica os sacrifícios consentidos e a consentir, e que nós estamos certos de realizar (...)" (22).

Desta feita, o PAIGC inicia um ciclo de violentos ataques simultâneos aos aquartelamentos portugueses, ao mesmo tempo que desenvolve uma intensa acção diplomática e internacional. Nesse período, Aristides Pereira entrega ao Dr. Mouloud Belahouane, presidente da Cruz Vermelha da Argélia, quatro desertores do Exército Português que, na ocasião, reafirmaram a sua condenação à luta injusta contra o PAIGC.


Janeiro de 1971: A resposta do napalme contra as 'zonas libertadas'

Como resposta àqueles ataques intensivos, a aviação portuguesa bombardeou violentamente com bombas napalme, em Janeiro de 1971, as regiões libertadas, nomeadamente as povoações de Cubisseco, Cubucaré e Balana (no Sul), Oio e Saara (no Norte). Nesses bombardeamentos, 28 tabancas foram reduzidas a cinzas.

Sem descurar a componente político-diplomática, na medida em que no plano militar o PAIGC realizava em média três ataques diários às guarnições portuguesas, Amílcar Cabral intensificou a denúncia do colonialismo português nas instâncias internacionais, ao mesmo tempo que se desdobrava, tanto em África como na Europa, em acções de esclarecimentos sobre a situação da luta do PAIGC, sessões essas seguidas de exposições fotográficas ou de exibição de filmes (23) sobre o evoluir da situação no teatro de operações (24).

Por outro lado, interpelava constantemente os organismos da ONU e da OUA, e de outras instâncias internacionais através do envio de relatórios circunstanciados, documentados fotograficamente, que viriam a permitir que, em Fevereiro de 1971, a Comissão Especial da Nações Unidas tivesse produzido um documento amplamente divulgado naquelas instâncias, no qual relatava as atrocidades sobre civis cometidas pelo exército português em África, nomeadamente o bombardeamento de populações indefesas com bombas de napalme.

É evidente que quer o Governo colonial de Bissau, quer o Governo central em Lisboa procuravam, de alguma forma, ripostar a esse crescendo de animosidade internacional contra Portugal, que o PAIGC, e particularmente Amílcar Cabral, conseguia meticulosamente suscitar em estrita ligação com as acções militares no teatro as operações.

Para tal, quer os serviços de informação do exército português na Guiné e em Lisboa, quer a PIDE/DGS e ainda o Ministério do Negócios Estrangeiros multiplicavam-se em várias acções diplomáticas, mas igualmente de contra-informação, no sentido de anular as vantagens da máquina de propaganda do PAIGC.

Apesar disso, relativamente ao agravamento da situação militar na Guiné, era sintomática a desarticulação e a atrapalhação que, nesse campo, os serviços portugueses deixavam transparecer, evocando-se como exemplo mais caricato o facto de, em 1971, os serviços de informação exército e da PIDE terem-se envolvido em acérrima disputa pela posse do capitão cubano preso em Março de 1970.


Março de 1971, a 'guerra de nervos' do PAIGC e intensificação dos ataques contra centros urbanos


Entretanto, em Março de 1971, o PAIGC intensificou os ataques aos centros urbanos. Bolama foi atacada a 20 e Farim a 22, Guiledje a 28, Gadamael a 9 e 10, Fulacunda a 31, etc. Na edição de Abril de 1971 do PAIGC Actualités, o partido tornou público as pretensas perdas do exército português no mês de Março: 271 acções, 472 militares mortos, três helicópteros abatidos e dois aviões abatidos, 57 veículos danificados, 19 barcos afundados e diverso material de guerra destruído ou recuperado.

A 17 de Maio, o PAIGC ataca violentamente o importante aeródromo de Gabu ( *), com evidente estragos ao nível das infra-estruturas, e em Junho de 1971, começa a aplicar o novo esquema táctico ( “guerra de nervos)”, pois, não obstante ter baixado consideravelmente o seu potencial combativo, em contrapartida, demonstrava eficiência e agressividade crescentes.

Assim, passou doravante a pressionar os aquartelamentos ao mesmo tempo que fazia incidir às suas acções contra povoações com guarnição militar ou organizados em autodefesa. De acordo com nova táctica, conseguiu avanços significativos, especialmente no chão dos manjacos, na região de Nhacra e na própria ilha de Bissau (zona oeste), a partir do Sul, visando em especial conquistar a cumplicidade da população a sul da estrada Bafatá-Gabu e a região de Quinará.


Intensificação da guerrilha no chão fula

Nos meados de 1971, a estratégia do PAIGC era claramente a de criar uma situação de generalizada insegurança total no teatro das operações, mormente, desencadeando de acções de guerrilha urbana e de sabotagens em centros importantes, como Bula, Bissorã, Mansoa, Nhacra e Bafatá, e na estrada de Bafatá-Gabu, o que lhe permitia estender o seu esforço no chão fula, desencadeando acções através dos regulados de Cossé, Tamaná e Chaná, ao mesmo tempo que mantinha o seu esforço no Quinará, sem, contudo, transferir o essencial dos efectivos da região de Xime-Xitole ou Catió-Bedanda.


Bissau é flagelada pela primeira vez com foguetões de 122 mm em 9 de Junho de 1971

A 9 de Junho, o PAIGC, por intermédio do CE 199/70 (estacionado em Morés), chefiado por André Pedro Gomes e, na artilharia, por Martinho de Carvalho e Agnelo Dantas, flagelou Bissau pela primeira vez com foguetões de 122 milímetros.

Este ataque foi possível dado os esforços da unidade de artilharia referida, que, apoiada pelos grupos de infantaria, conseguiram penetrar para lá da linha defensiva do exército português e bombardearam as suas posições na cidade, embora tal tivesse sido possível porque também se realizaram acções simultâneas da frente Nhacra-Morés, o que permitiu proteger a retirada das unidades que atacaram Bissau.

No dia 26 de Junho, um CE do PAIGC penetrou em Bafatá, segunda cidade do província, e atacou-a violentamente incluindo o aeroporto, representando esse ataque, um índice significativo das possibilidades do PAIGC e confirmando a facilidade com que concentrava meios para realizar as suas intervenções, tanto mais que foram destruídas também quatro casernas, a estação meteorológica e diversos edifícios ligados às infra-estruturas militares e administrativas, tendo havido entre as tropas portugueses vários mortos e feridos.


Golpe diplomático: a intenção de proclamar o Estado da Guiné-Bissau

Em face disto, e enquanto Spínola tentava recuperar a situação política e económica da Guiné, as FARP passaram a ter uma acção permanente contra as estradas de Catió-Cufar, Gabu-Pitche e Canhungo-Cacheu, bem sobre reordenamentos populacionais situados nos respectivos eixos e, obviamente, privilegiando ataques aos centros urbanos, os quais, para além de alimentarem a propaganda internacional do PAIGC e a convicção internacional da iminente derrota do exército português, fazia igualmente jus à intenção de Cabral de proclamar o Estado da Guiné-Bissau como forma de assestar um golpe diplomático fatal ao colonialismo.

Aliás, na cimeira da OUA, em Addis-Abeba, realizada em Julho, Cabral exortou os países africanos a não tomarem compromissos com Portugal que pudessem prejudicar a luta do PAIGC, ao mesmo tempo que anunciava o seu plano de desencadear um processo que haveria de culminar na proclamação do Estado da Guiné-Bissau, o qual, segundo ele, existia de facto, apenas precisando de ser formalizada de jure com a proclamação da independência e a adopção de uma Constituição que criasse os seus órgãos de governo.

Em Julho, o PAIGC já tinha já praticamente formado o seu Exército Nacional, mantendo embora as Milícias Populares e as FAL - Forças Armadas Locais (25), no chão fula, indiciando essas acções algum apoio dessas populações, pois começavam a ser bem-sucedidas, mesmo quando realizadas a partir de bases de fogo situadas à alguma distância.

Tudo isto traduzia também um crescente apoio internacional para o PAIGC, mas igualmente a predisposição de muitos países e organizações, até aí hesitantes, que passaram doravante a conceder-lhe importantes ajudas. Em Junho, a OUA fixou em 313 334 libras esterlinas essa ajuda. Valor que foi duplicado na 18.ª sessão ordinária da OUA, em virtude de Cabral ter solicitado mais apoios para as populações das áreas libertadas.

Sensivelmente na mesma altura, o Conselho Ecuménico das Igrejas anuncia a concessão de um apoio de 340 000 dólares à Frelimo, ao MPLA e ao PAIGC, ajudas essas que permitiram ao Conselho Superior de Luta (CSL), deste último, reunido em Agosto (26), a decisão de reforçar e intensificar a luta armada.


Criação da Assembleia Nacional Popular

Ao mesmo tempo, o CSL (Conselho Superior de Luta) decidiu fazer funcionar a primeira Assembleia Nacional da Guiné-Bissau, pelo que, em Dezembro do mesmo ano, Amílcar Cabral produziu um documento intitulado “Para a Criação da ANP (Assembleia Nacional Popular)”, onde, com a clareza habitual, traça as directrizes para a constituição desta, especificando especialmente os métodos para as eleições locais, a composição dos órgãos, a proporcionalidade dos representantes por região e outros pormenores ligados aos aspectos práticos da organização e realização de uma intensa campanha de informação e sensibilização com vista a criação dos conselhos regionais, a qual deveria anteceder a constituição da Assembleia Nacional e dos outros órgãos do Estado da República da Guiné-Bissau.

Na sequência das decisões do CSL, o PAIGC efectua um violento ataque a cidade de Gabu e a Sonaco e a 24 do mesmo mês atacou a cidade de Bafatá, onde se registaram a morte de seis civis e muitos mais militares.

Em meados de Julho de 1971, – mais ou menos na altura em que em Portugal é anunciada uma revisão constitucional (16 de Agosto de 1971) (27), preconizando maior auto­nomia para as “províncias ultramarinas”, – a situação militar agravou-se significativamente para as tropas coloniais, pois o PAIGC continuava a efectuar espectaculares e violentos ataques aos centros urbanos, a ponto de o governador Spínola declarar, nas antenas da Rádio de Bissau, que “o exército português tudo faria para manter uma vida normal nos centros urbanos”.

As dificuldades aumentavam consideravelmente porque os guerrilheiros eram apoiados por bases logísticas que garantiam os reabastecimentos a partir dos territórios da Guiné-Conakry e do Senegal, bases essas a que, por impedimentos de ordem internacionais, as forças portuguesas não timham acesso, pelo menos formalmente. Porém, perante o agravamento da situação militar, Spínola autorizou as suas unidades a penetrarem no território senegalês neste mês, numa operação cujo objectivo era justamente cortar os apoios do PAIGC.

PIDE/DGS e SIM: Infiltração nas estrutruturas e nos círculos dirigentes do PAIGC

No entanto, a partir do mês de Setembro, o Serviços de Informações Militar e a PIDE/DGS, motivados sobretudo pelo agravamento da situação militar e pelo crescente prestígio que o PAIGC vinha angariando, tanto na Guiné como no plano internacional, conferem uma dinâmica acrescida aos trabalhos de infiltração nas estruturas e dirigentes do PAIGC há muito iniciado. Todavia, apesar de Cabral estar consciente desse ambiente minado, provam-no alguns documentos por si produzidos, mas também, em várias ocasiões, a sua atitude pedagógica e até complacente perante os comportamentos estranhos, quase se entregou por completo aos trabalhos diplomáticos, desdobrando-se em explicações e procura de apoio em vários países e instâncias, para o projecto da proclamação do Estado da Guiné-Bissau na arena internacional.

Nesse quadro, Cabral foi recebido em Londres, em Setembro, pelo secretário-geral do Partido Trabalhista inglês, Sir Harry Nicholas, tendo inclusivamente feito uma importante conferência no Centrall Hall, em Westminster, de que imprensa londrina se fez eco, comparando o sucesso da visita de Cabral a Londres ao que teve aquando da sua recepção pelo Papa Paulo VI.

Neste mesmo mês, foi recebido em audiência pelo presidente da Finlândia, Urbo Kekkonem e pelo secretário-geral do Partido Social-Democrata finlandês, Kalevi Sorsa. Viajou igualmente para a Irlanda, onde foi recebido no aeroporto de Dublin, pelo secretário-geral do Partido Trabalhista da Irlanda e pelo presidente dos sindicatos, tendo igualmente proferido uma conferência em que tomou parte o reverendo Austin Flannery, o Prof. David Greene, Noel Harris, o reverendo Terence Mc Caughey e ainda o historiador Basil Davidson.


A Operação Safira Solitária no Morés


A 20 de Dezembro, vários contingentes das tropas coloniais, cerca de 800 homens português tentaram reocupar posições na frente norte na Guiné, mas retiraram-se depois de sofrerem 60 baixas, em Morés (**). Após intenso bombardeamento aéreo desta zona (28), resolveram atacar com a infantaria, mas o PAIGC ripostou violentamente e provocou além dos referidos mortos , muitos feridos, a ponto do Hospital Militar de Bissau se encontrar sem possibilidades de receber mais. O comandante dessa acção denominada Safira Solitária suicidou-se.

A 29 de Dezembro, o Estado-Maior português reconheceu que durante essa operação foram evacuados para o hospital da cidade cerca de 61 soldados, fazendo até um elogio à capacidade combativa dos elementos do PAIGC, que considera, contudo, estarem a ser ajudados por unidades do exército senegalês e por mercenários cubanos.

À este comunicado o PAIGC reagiu com outro dizendo que “(...) o comunicado especial do Estado-Maior português apenas reflecte o desespero em Spínola e as suas tropas se encontram mergulhados, porque, em virtude dos ataques a todos os aquartelamentos realizados pelo PAIGC no mês de Dezembro, na área centro-norte, os colonialistas pensaram que aquelas acções eram o prelúdio de uma outra maior que atingiria a capita(...)” (29).


Os novos aviões Dakota, equipados com bombas de napalme para destruição das colheitas

A 26 de Novembro, a cidade de Bafatá é novamente atacada e a 30, numa acção coordenada, são atacadas simultaneamente Catió (Sul), Farim e Mansoa (Norte).

Após estas acções do PAIGC, as forças portuguesas destruíram 12 aldeias, nomeadamente Cambadjú, Dendo, Dumbal e Casa Nova (Norte), tendo entretanto usado nesses bombardeamentos os novos aviões Dakotas, equipados de bombas napalme, com objectivos de queimarem as colheitas, tendo o PAIGC reivindicado, em finais de Dezembro o abate de um desses Dakotas, no Sul do país, para além de um outro avião Harvar T 6, no Leste.

Combate-se no Senegal

Também, a 13 de Novembro, um pelotão das tropas regulares do exército português juntamente com as milícias especiais africanas, efectuou um golpe de mão nas povoações senegalesas de Fare Boké, próximo de Cambaju. Os efectivos envolvidos utilizaram fardamento e armamento do PAIGC, tendo abatido, para além dos elementos deste partido, igualmente militares e civis senegaleses.

Note-se que, relativamente a esta acção, Fragoso Allas, subinspetor da PIDE local, manifestou a sua apreensão com os acontecimentos, em virtude de a mesma poder comprometer as possibilidades de se chegar a um certo acordo com as autoridades do Senegal, no qual ele próprio parecia acreditar.

Do ponto de vista político, enquadrado nas acções tendentes a favorecer e integrar a sua manobra global, o PAIGC continuou empenhado, pelo menos desde Janeiro de 1971, na consolidação das suas estruturas do partido-Estado nas áreas libertadas, em ordem a permitir-lhe, em qualquer momento, assumir a representação da Guiné no plano jurídico internacional. Por isso, no campo militar, aumentou o seu potencial, estruturando as suas forças em unidades mais poderosas e revelando uma flexibilidade e uma capacidade de manobra apreciáveis. Logrou, inclusive, recrutar elementos com vista a criação de novas unidades, formando, em princípios de 1971, quatro novos bigrupos, que, na altura, estavam a iniciar a sua instrução em Kambera, Centro de Instrução Militar do PAIGC situado na Republica da Guiné-Conakry.

No plano internacional, o PAIGC privilegiou a sensibilização da opinião pública ocidental contra a acção colonial na Guiné, para alem de igualmente manter o apoio dos países limítrofes, razão que, aliás, levou as autoridades militares coloniais a admitirem a preparação e a possibilidade de “uma intervenção militar internacional de larga escala” (30).


Jornalistas estrangeiros na base de Canjambari

Consequentemente, o prestígio do PAIGC cresceu exponencialmente durante o ano de 1971, mercê, por um lado, da anunciada intenção de proclamação do Estado da Guiné-Bissau e, por outro, face aos sucessivos êxitos militares que o seu estruturado Serviço de Informação e Propaganda se encarregava diligentemente de difundir pela imprensa internacional.

Assim, vários jornalistas permaneceram entre de 17 a 5 de Dezembro nas regiões libertadas do Norte, nomeadamente na base de Candjambari. Foram eles, Ennark e Hermanson (suecos), (M. Torud (norueguês) e M. Antoine Laurent, enviado especial do vespertino senegalês Le Soleil. Do mesmo modo, delegações da SIDA (agência sueca de ajuda aos países em vias de desenvolvimento), do PNUD e da UNESCO visitaram Conakry, onde estabeleceram com o PAIGC relações de cooperação, que se traduziram em apoios concretos.

A 20 de Dezembro de 1971, pela Resolução A/2878 da 26.ª sessão da Assembleia Geral da ONU, foi aprovado o relatório do comité especial, incluindo o programa de trabalhos para o ano de 1972. Neste, estava incluída uma visita às áreas libertadas dos territórios sob administração portuguesa. A missão especial para a Guiné-Bissau era composta pelos representantes do Equador, Horácio Sevilla Borja, Suécia, Folke Lofgren, e Tunísia, Kamel Belkhiria, um fotógrafo, Yutaka Nagata, e um secretário principal, Cheikh Tidiane.

A estratégia spinolista passou também por negociações indirectas com o PAIGC iniciadas em 1972, por intermediação de Senghor, con­versações essas, aliás, que seriam rapidamente bloqueadas por Lisboa. Na realidade, no início de 1972, a acção psicológica no chão manjaco tinham avançado significativamente, a ponto de os responsáveis por elas, estacionados em Cantchungo, se terem encontrado com os principais chefes dos bigrupos da área de Caboiana-Churo e ter sido acordada com eles a rendição das suas for­ças que desfilariam em Bissau antes de serem integradas em unidades africanas das Forças Armadas portuguesas.

Spínola falava, inclusivamente, da no­meação de Amílcar Cabral para o cargo de secretário-geral da província, que assumiria em regime de co-gestão com o general Pedro Cardoso. Quando o assunto é levado à direcção do PAIGC, esta decide pôr termo a esses contactos e liquidar toda a comitiva que incluía, para além dos três majores da APSIC, o próprio governador Spínola. À última hora, este não comparece ao encontro onde supostamente se iria proceder a rendição das forças do PAIGC.


Spínola: Explorar a rivalidade entre cabo-verdianos e guineenses no seio do PAIGC

Spínola, que não somente perdeu alguns dos seus mais brilhantes quadros, como ainda a possibilidade de efectivamente concretizar a planeada mas também falhada rendição, nunca mais perdoaria ao PAIGC, logo ele, que não olhava a meios para explorar as contradições e rivalida­des entre as diversas etnias que constituíam o aparelho político-militar do PAIGC, em especial a mais importante das rivalidades que existia entre guineenses e cabo-verdianos, pelo que doravante toda a máquina militar da propaganda joga com esses dados, inclusive a PIDE/DGS, que há muito vinha, em surdina, procedendo ao um meticuloso e paciente trabalho de infiltração do PAIGC.

Entretanto, ao nível das Nações Unidas, insistiu-se muito na necessidade de Portugal abrir as negociações com os movimentos de libertação das suas colónias com vista a autodeterminação desses povos. Assim, pela Resolução S/322586, de 22 de Novembro de 1972, do Conselho de Segurança, foi exigida ao Governo português a aplicação das disposições da Carta das Nações Unidas e da Resolução A/1514 (XVI), da Assembleia Geral: encetar de negociações com os representantes dos povos de Angola, da Guiné-Bissau, de Cabo Verde e de Moçambique, a fim de se adoptar uma solução para o conflito armado que devastava os territórios e lhes permitisse alcançar a autodeterminação.


Inícios de 1972: os primeiros contactos de Senghor com as autoridades portuguesas

Porém, datam desta altura (inícios de 1972) os primeiros contactos de Senghor com as autoridades coloniais portuguesas e, segundo tudo confirma, com o próprio Amílcar Cabral, no sentido de se encontrar uma solução negociada para a guerra colonial versus guerra de libertação.

O PAIGC, na realidade, foi sempre receptivo a uma qualquer solução negociada do conflito, tanto mais que a sua estratégia, em última instância, era obrigar as autoridades coloniais a sentarem-se nas mesa das negociações e não a de uma contemporização indefinida, tal como Spínola pretendia, pois acreditava que Amílcar Cabral não tinha pressa na medida em que (...) é um homem inteligente e muito hábil e, como está convencido de que há-de vencer, logicamente espera tirar vantagem do tempo para formar os seus quadros e para que as populações, com o nosso trabalho, se vão promo­vendo cada vez mais. Tudo o que nós fizermos pelo povo é ganho assegurado para a Guiné do futuro e nós temos possibilidades técnicas de fazer mais estradas e escolas num só ano do que o PAIGC em muitos (...)” (31).

Como quer que seja, perante as propostas de Senghor, o Governo de Lisboa insistia em ignorá-las, com o argumento de que qualquer desfecho negocial para a Guiné teria o efeito de dominó(32), relativamente às outras colónias, sobretudo Angola e Moçambique, territórios também em guerra, pelo que ignorou da mesma forma e insistentemente as resoluções das Nações Unidas nesse sentido (33).

Costa Gomes, Chefe do Estado-Maior do Exército, em visita à Guiné

No entanto, as sucessivas alterações do dispositivo militar efectuadas por Spínola bem como a excessiva utilização das Forças Africanas, eram, por si sós, insuficientes para restabelecer o equilíbrio militar perdido, como de resto atesta Costa Gomes, que após ter deslocado à Guiné em 1972, a convite de Spínola e na qualidade de Chefe do Estado-Maior do Exército, afirmou que, não obstante ter dito a Marcelo Caetano que, se se modificasse o dispositivo e se o PAIGC não utilizasse os Mig que dizia possuir, a Guiné seria defensável, pelo que “ (…) se opôs à ideia de, mantermos forças militares nas povoações situadas junto à fronteira, onde éramos sistematicamente atacados. Apesar de o general Spínola e seu Estado-Maior terem concordado comigo, nunca deram, no entanto, execução à directiva. Em 1972, existiam postos militares em São Domingos, perto do Senegal, Bigéne, Buruntuma e, no Sul, em Guiledje e Guidage. Fui, de facto, sempre contrário à essa táctica (em Angola não a usei), pois uma vez que nos era poli­ticamente vedado atravessar essas linhas fronteiriças em perseguição das forças inimi­gas, as tropas ali sediadas estavam permanentemente sujeitas a ser ataca­das sem poderem defender-se convenientemente (…)” (34).
____________________

Notas de L.A.:

(20) “Anexo C ao Intrep” n.º 6/71, , Pasta Organizada por Províncias Ultramarinas – Guiné- , Arquivos da PIDE-DGS/ANTT, NT 8924, fls. 15.

(21) Entrevista de Spínola ao jornalista Francisco de Carvalho, do Expresso, a 30 de Janeiro de 1973 e reproduzido em Por uma Pontugalidade Renovada, Agência-Geral do Ultramar, pp. 388-389.

(22) Cabral, Amílcar, Sobre a Agressão à República da Guine e os Acontecimentos Ulteriores Nesse País, reunião do CSL, 9 a 16 de Agosto de 1971, Serviços de Informação do PAIGC, Arquivo do PAIGC, 1971.

(23) Nessa altura, José Massip, cineasta cubano terminou a sua estada de dois meses nas áreas libertadas do Sul, onde rodou um filme sobre a luta do PAIGC. Este cineasta tinha já sido o autor do filme Madina de Boé, que fez imenso sucesso.

(24) De 18 à 26 de Setembro, o PAIGC realizou no hall do Teatro Nacional Daniel Sorona, em Dacar, uma exposição fotográfica seguida de um espectáculo artístico sobre a luta do PAIGC, na presença de Amílcar Cabral e do ministro dos Negócios Estrangeiros do Senegal, Amadou Karim Gaye. A mesma exposição foi inaugurada, em Bathurst, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da Gâmbia.

(25) As FAL (Forças Armadas Locais) são forças regionais de quadrícula que surgiram no primeiro semestre de 1971 e foram criadas através da reorganização das Milícias Populares, às quais competia determinadas zonas das áreas libertadas, nomeadamente, colaborar com os CE em acções de guerrilha ou ainda realizá-las isoladamente, e também servir como guia à intervenção do CE deslocado para a realização de esforços, nos diferentes locais de implantação.

(26) É nessa data e nessa reunião magna que Amílcar Cabral anunciou que o PAIGC tinha enviado jovens militares para aprenderem a pilotar de aviões de guerra.

(27) Miranda, Jorge - As Constituições Portuguesas: de 1822 ao Texto Actual da Constituição. Livraria Petrony , 5ª edição, 2004, p. 278.

(28) Foi em Morés que o escritor francês Gérard Challiant, assim como os cineastas e jornalistas, respectivamente, Mário Marret e Izidro Roméro (franceses), Piero Nelli e Eugénio Bentivoglio (italianos), Juntin Vyeira, Justin Mendy e Mamless Dia (africanos) e Oleg Ignatiev (russo), recolheram material para os artigos que publicaram, tanto na imprensa e os filmes que realizaram. Em Dezembro de 1972, foram exibidos nas regiões libertadas o filme Lala Quema, da autoria de do cineasta francês Mário Marret.

(29) Pastas Organizadas por Províncias Ultramarinas, Arquivos da PIDE-DGS/ANTT, SC NT 8923, fls. 242. Também em PAIGC Actualités, n.º 37, Janeiro de 1972.

(30) Pastas Organizadas por Províncias Ultramarinas, Arquivos da PIDE-DGS/ANTT, SC NT 8923, fls. 242.

(31) Vários, (Rodrigues, Avelino s, Borga, Cesário e Cardoso, Mário), op. cit. p. 152.

(32) Caetano, Marcelo - Progresso em Paz, Lisboa, Verbo, 1972, p. 179.

(33) Cf. ONU, Conselho de Segurança, Documents Officiels, Ano 27, 1967 e sessão de 19 de Outubro de 1972.

(34) Gomes, Francisco Costa, op. cit., p. 156.

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. posts anteriores:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

(**) O nosso camarada Tino Neves já aqui relatou um anterior ataque (e creio que o primeiro, na história da guerra) à vila e quartel de Gabu > vd post de 9 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1160: Lembranças de Nova Lamego (Tino Neves, CCS/BCAÇ 2893): A fatídica noite de 15 de Novembro de 1970

(***) Já houve, logo nos primeiros tempos do nosso blogue, uma acesa polémica sobre esta versão, oficial ou oficiosa, do PAIGC sobbre as baixas de um lado e de outro, no decurso da Op Safira Solitária. Recomenda-se a leitura desses posts:

3 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIV: Informação & Propaganda: de que lado estava a verdade ? (1) (Sousa de Castro / Vitor Junqueira / Luís Graça / Afonso Sousa / A. Marques Lopes)


(...) "O coronel João Malaca foi um dos comandantes da guerrilha na zona de Morés e Bissorá [na região do Óio]. Foi ele quem comandou a célebre batalha de Morés na zona de Farim, em 21 de Dezembro de 1971, onde as tropas portuguesas deixaram no terreno 61 mortos confirmados pelo PAIGC.

"Ia uma companhia de africanos à frente. Tínhamos um rádio para captar todas as informações. A operação chamava-se Estrela Solitária [ lapso, é Safira, e não Estrela] . Quando os apanhamos na zona para onde os canhões e morteiros estavam apontados, começámos a descarregar a artilharia e fechámos-lhes a saída. Morreu muita gente. Era a guerra, ninguém ficou contente com isso" (...).

(...) "O Vitor Junqueiro, que era na altura alferes miliciano da CCAÇ 2743 (Mansambá, 1970/72), veio de imediato protestar: Amigo Sousa de Castro: Esta história do Sr. João Malaca é completamente falsa. Direi mesmo absurda. Eu estive lá nessa época" (...).

Veja-se, entretanto, o que dizia um Comunicado especial do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, captado pela rádio em 29 de Dezembro de 1971 e captado pelo Afonso Sousa:

(...) " Numa das mais importantes operações militares realizadas no Teatro de Operações da Guiné, as forças guerrilheiras acabam de sofrer um expressivo revés (...).

(...) "Montada a operação, denominada Safira Solitária, foi esta levada a efeito por unidades da força africana e teve início ao alvorecer do dia 20 prolongando-se até à tarde do dia 26 tendo as nossas forças sido guiadas na floresta por elementos das populações da área pertencentes à nossa rede de informações que conhecia a localização precisa das posições inimigas.

"Apesar de colhido de surpresa, o inimigo estimado em 6 bigrupos, 2 grupos armados de armas pesadas instalados em posições fortificadas e cerca de 333 elementos armados da milícia popular, opôs durante os três primeiros dias tenaz resistência acabando todavia por ser desarticulado e aniquilado, tendo sofrido 215 mortos confirmados, entre os quais três cubanos, e alguns mercenários estrangeiros africanos, 28 capturados, além de apreciável número de feridos.

"Segundo declarações dos capturados, encontravam-se na área pelo menos mais 4 elementos cubanos. Verificou-se que o inimigo estava implantando no Morés um sistema de fortificação de campanha do qual se destacavam espaldões para armas pesadas e abrigos subterrâneos para pessoal. Os grupos de guerrilha, pela resistência que ofereceram revelaram uma sensível melhoria de enquadramento e uma técnica mais avançada de guerra de posição.

"No decurso da operação foi capturado o seguinte material: 1 canhão sem recúo B-10, 2 morteiros de 82 mm, 2 morteiros de 60mm, 3 metralhadoras pesadas Goryonov, 7 lança-granadas RPG-7, 14 espingardas automáticas Kalashnikov, 38 espingardas semi-automáticas Simonov, 8 espingardas Mosin Nagant, 14 pistolas metralhadoras PPSH, além de avultado número de armas de repetição, de cunhetes de munições, fitas e carregadores, destruídos no local por desnecessários. As nossas forças sofreram 8 mortos, 12 feridos graves e 41 feridos ligeiros" (...).

3 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXV: Informação & propaganda: de que lado estava a verdade ? (2) (Vitor Junqueira)

terça-feira, 6 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

Guiné > PAIGC > Guerrilheiros em acção... Publicado em 1972 pelas Edições em Línguas Estrangeiras, de Pequim, o livro Pelas Regiões Libertadas da Guiné (Bissau) é constituído por de um conjunto de reportagens dos jornalistas da Xinhua, a agência noticiosa oficial da República Popular da China, que passaram mais de um mês na Guiné com a guerrilha do PAIGC.

Fonte: Regiões Libertadas da Guiné (Bissau). Pequim: Edições em Línguas Estrangeiras. Agência de Notícias Xinhua. 1972.

Foto: © Agência de Notícias Xinhua (1972) (com a devida vénia...).

IX parte do dossiê O massacre do Chão Manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (*).

II Parte do depoimento do historiador lusoguineense Leopoldo Amado, doutorando em História Contemporanea pela Universidade de Lisboa. Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue:


Desconfiança e reserva do PAIGC à 'política do sorriso e do sangue' de Spínola

Num autêntico jogo de gato e do rato, Cabral responde a esta espectacular encenação [- libertação de Rafael Barbosa, co-fundador do PAIGC, e suas declarações em 3 de Agosto de 1969, em apoio à política de Spínola da Guiné Melhor, possivelmente sob coação da PIDE/DGS-] com a apresentação, a 18 do mesmo mês, em Argel, de cinco desertores portugueses, na cerimónia de encerramento do simpósio do I Festival Cultural Pan-Africano em que o PAIGC foi eleito vice-presidente do simpósio.

Tal acto era demonstrativo para o PAIGC de que era imperativo o reforço do seu arsenal bélico, pelo que, em finais de 69, Cabral se desloca a Moscovo, onde mantém conversações com peritos militares do Co­mité Central do Partido Comunista Soviético, passando seguidamente por Berlim Oriental e Paris, sempre em demanda de apoio militar.

Aliás, não obstante algumas guarnições portuguesas, no âmbito da nova política introduzida por Spínola, terem estendido espontaneamente a mão ao inimigo da véspera, num ambiente caracterizado pelo incremento das acções militares do exército português, sobretudo os sistemáticos bombardeamentos às regiões libertadas do PAIGC, com meios aéreos e bombas de napalme, essas aproximações foram acolhidas com forte des­confiança, tendo inclusivamente o Comité Central do PAIGC distribuído pelas suas unidades no mato um panfleto aconselhando desconfiança e cautela relativamente a política do sorriso e do sangue de Spínola.


Criação do Conselho Superior de Luta

Do lado do PAIGC, passou a ser evidente que o maior poder de fogo não era suficiente para contrapor à nova agressividade de Spínola, que se faz acompanhar de uma equipa jovem, coesa, decidida e ousada. Ao mesmo tempo que prossegue com maior vigor os ataques contra Ingoré, São Domingos, Guidaje e Morecunda, Cubisseco e Tombali, e Gansala e Catió (no Sul), e outros centros urbanos, como Bolama (atacada a 6 de Novembro de 1969 e onde se registaram inúmeras mortes e estragos em edifícios privados e públicos), acrescidos do facto de que, em 1969, na frente leste, mais dois campos fortificados caíram em mãos do PAIGC – Quifaro e Madina-Xaquili – o PAIGC sente a necessidade de robustecer a componente militar e, simultaneamente, adaptar a sua fórmula organizativa, ganhando mais disciplina e capacidade de resposta.

Surge assim o Conselho Superior de Luta, que substitui um ultrapassado Comité Central, enquanto o Bureau Político dá lugar a um Comité Exe­cutivo da Luta. No topo de uma pirâmide vincadamente hierarquizada, passou a existir uma Comissão Permanente, formada pelo secretário-geral, por Luís Cabral e por Aristides Pereira.

O PAIGC reestrutura os seus Serviços de Propaganda e fundou o PAIGC Actualités, cujo primeiro número saiu a 1 de Janeiro de 1969. Aquando da sua aparição, Cabral que se encontrava em Boé, escreve uma mensagem, que foi reproduzida nesse número, em que dizia “ (…) estou absolutamente convencido de que a iniciativa de publicar um boletim de informação em língua francesa contribuirá de forma eficaz para a melhoria desta arma importante do nosso combate multiforme contra os criminosos colonialistas portugueses (…)” (11) [a tradução é nossa, L.A.].

Contra-ofensiva propagandística do PAIGC a nível internacional

Doravante, os agressivos processos da acção psicológica do exército português já não se baseiam apenas, como no passado, em gestos de beneficência, como oferecer pão e agasalhos às populações, mas assentavam sobretudo em métodos melhorados para contrapor aos argumentos de acção psicológica que o PAIGC usava eficientemente na conquista das populações, sendo ainda de notar que uma vasta rede de rádios funcionava qual caixas de ressonância dos seus Serviços de Informação e Propaganda, a saber, Rádio Portugal Livre (Praga) da FELPA, Rádio Voz da Liberdade (Argel), também da FNLP, Rádio Moscovo, Rádio Pequim, Rádio Tirana, da Albânia, Rádio Libertação em Conakry (PAIGC), Rádio Voz da Revolução em Brazzaville (MPLA), Rádio Difusão e Radiotelevisão da RDC, em Kinshasa, Rádio Tanzânia, em Dar-es-Salam.

Para além disto, o PAIGC promoveu uma série de outras acções de propaganda dirigida a opinião pública internacional, como sejam as reportagens e artigos abonatórios na imprensa inglesa publicados desde 1966 pelo jornalista e historiador Basil Davidson e, em 1969, na imprensa italiana, pelo jornalista Crimi, jornalista, e pelo fotógrafo Uliano Lucas, ou ainda o aparecimento em Londres, de um livro da autoria de Richard Handyside, editado pela Stage 1, com discursos de Amílcar Cabral, e igualmente a exibição de filmes nas grandes capitais e metrópoles europeias rodados por várias cineastas sobre a vida e a luta do PAIGC.

Por outro lado, o novo conceito de acção psicológica empreendido por Spínola na Guiné visava igualmente uma solução política, baseada numa guerra de desgaste de longa duração, que levasse o PAIGC, pela fadiga, pelas divisões internas e pela descrença na vitória, a afastar-se das potências que o apoiavam e a procurar de novo integrar-se nas estruturas portuguesas.

'Autonomia progressiva e participada' (Marcelo Caetano)

Podemos resumir do modo seguinte os principais eixos dessa acção psicológica:

(i) Mostrar uma vontade firme de resistir e de vencer. O inimigo teria de acreditar que a luta em que o exército português estava empenhado era vital e de que nunca desistiria dela por fadiga ou por traição.

(ii) Acelerar o desenvolvimento económico e social dos territórios ultramarinos, aumentando a participação dos guineenses na administração dos negócios públicos, dando assim a ideia de que ao PAIGC só restava a opção entre os sacrifícios de uma luta de guerrilha e a sua integração numa sociedade em pleno desenvolvimento, na qual poderia participar.

(iii) Mostrar que o Governo estava pronto a receber aqueles que se arrependessem ou desistissem da luta.

Nesta estratégia enquadrava-se, perfeitamente, a política ultramarina por que se orientava o Prof. Marcelo Caetano e que era designada por autonomia progressiva e participada, expressão essa, aliás, que ele usou pela primeira vez num discurso pronunciado em Lourenço Marques (hoje Maputo), em resposta ao Manifesto de Lusaka onde fora revelada predisposição para o diálogo por parte dos dirigentes africanos que participaram na Conferência Internacional de Solidariedade para com os Povos das Colónias Portuguesas e da África Austral.

Marcelo Caetano defendeu então um projecto de autonomia pro­gressiva para as províncias ultramarinas, consubstanciando igualmente a acção psicológica de Spínola no que convencionou chamar de construção de uma Guiné melhor, ao que Amílcar Cabral respondeu dizendo que “nunca se iludiriam com os resultados de um possível referendo, na medida em que o Governo de Caetano persistia na sua guerra criminosa e que o PAIGC era há muito autodeterminado nas regiões libertadas que controla” (12).


Reordenamentos, sistema de autodefesa e faricanização da guerra

Todavia, na Guiné trava-se uma guerra revolucionária, escreve Spí­nola em O Problema da Guiné, em que as duas partes em pre­sença têm um mesmo objectivo: a conquista das popula­ções. Para isso, não basta a G-3, é necessário conjugar a manobra militar com a promoção socioeconómica e a acção psicossocial.

São os reordenamentos, para organizar a população em ei­xos situados junto aos quartéis, de modo a furtá-la à penetração do PAIGC e é o sistema de autodefesa das populações (13), ao mesmo tempo, que é accionada outra poderosa arma: a acção psicológica, que aposta na africanização da guerra para captar as populações para a causa nacional, por meio da progressiva recuperação das que estão sob duplo controlo. Como já assinalamos, um vasto esforço, que altera profundamente todo o dispositi­vo militar e administrativo no território. Tudo em nome de uma Guiné melhor – o lema que se transformará em bandeira da administração Spínola.

O PIFAS, em cinco línguas locais, e as Directivas do Com-Chefe

No mato espalham-se cartazes mostrando um negro e um branco de mãos dadas. O Pifas, a emissão radiofónica das Forças Armadas, passa a ser emitido em cinco línguas locais, num es­forço para anular a Rádio Conakry e a Rádio Libertação, ante­nas da propaganda do PAIGC. Difundem-se apelos prometendo uma recompensa de 10 000 escudos a cada guerrilheiro do PAIGC que se apresentar com a sua arma (o ordenado mínimo praticado na altura era de 50 es­cudos e um enfermeiro diplomado ganhava cerca de 1500 es­cudos).

A linguagem da propaganda é cuidadosamente retocada e o esforço de conquista das populações obteve, no início, resultados, tentando aliciar os próprios elementos do PAIGC, que, na linguagem da política da Guiné melhor, deixaram de ser terroristas, porque dizia-se, segundo a mesma linguagem, que tratava-se afinal um confronto entre irmãos, ou seja, batalha inglória de que ne­nhum poderá sair vencedor, o que evidencia bem as verdadeiras intenções de Spínola: na impossibilidade de derrotarem militarmente o PAIGC, retirar-lhe pelo menos o ascendente e a superioridade militares, para que, na eventualidade de uma solução política, o exército português não fosse obrigado a negociar em situação de inferioridade.

Nesse período, no âmbito da acção psicológica e psicossocial, inúmeras outras directivas são postas em marcha, visando inverter a equilíbrio militar favorável ao PAIGC. Assim, a Directiva secreta das Operações Psicológicas Alfa, de 26 de Outubro de 1968, recomendava um maior esforço de acção psicológica no chão manjaco, através de acções panfletárias, campanhas de informação e propaganda radiofónica e exploração de motivações ligadas ao sobrenatural.

A Directiva 44/69 de 8 de Abril de 1969, esclarecia ser necessário: “ (...) gerar um clima psicológico novo, onde não haja lugar para ressentimentos e complexos de culpa (...) fazer um esforço orientado para a reconstrução moral e material da província (...), e um trabalho de mentalização, com o fim de eliminar tendências repressivas, consciencializando todos os militares na missão civilizadora (...)”.

A Directiva 58/68, para a época seca de 1969, e, no tocante à acção psicológica, referia-se ao esforço de APSIC (acção psicológica) sobre os manjacos, balantas e mandingas do chão fula. A Directiva 17/69, de 22 de Fevereiro de 1969, insistia no apoio às populações. A Directiva 57/69, de Junho de 1969, apelava aos esforços no sentido de se acelerarem os planos de urbanização para disciplinar acções tendentes a resolver o problema da habitação das populações. A Directiva 60/69, de 15 de Julho de 1969, sublinhava a necessidade do incremento da instrução primária e a Directiva 78/69, de 19 de Novembro de 1969, que gizava todo um plano da manobra a desenvolver na a época seca de 1969/70 (Outubro de 1969 a Março de 1970).


Prioridade ao chão manjaco

Porém, a Directiva 65/69, de 13 de Agosto, explicitava que o comando-chefe – depois de um estudo aprofundado, que ainda não havia sido feito anteriormente, sobre o meio étnico, religioso e linguístico, o meio socioeconómico, rural e urbano os resultados das acções de conquista e protecção das populações através de: importantes medidas sanitárias, preventivas e curativas e o apoio a actividades agrícolas e piscatórias – decidiu, como manobra estratégica, constituir o chão manjaco como área fulcral da luta contra a subversão. Reputamos ser esta uma Directiva da maior importância, devido ao facto de a sua execução vir a ser a acção militar de maiores repercussões na condução da manobra estratégica socioeconómica.

Privilegiou-se igualmente a actuação psicológica sobre as populações sob controlo inimigo de forma a conseguir-se a sua apresentação ou, no mínimo, a aceitação do duplo controlo. Em relação às forças portuguesas, os serviços de Informação e Acção Psicológica deram prioridade ao esforço de APSIC sobre os quadros e pessoal integrante, por forma a conseguir-se a sua participação na manobra socioeconómica, e a orientação das relações com a população, em todos os escalões executivos, visando a dignificação e promoção do nativo guineense no quadro geral da administração.

Relativamente ao PAIGC, este serviços orientaram doravante todo o seu esforço na dissociação do binário dirigentes/combatentes e na anulação do compromisso ideológico e da determinação de luta dos combatentes do PAIGC, por forma a conseguir o máximo de apresentações de elementos activos a recuperação dos ex-combatentes e a captação dos ainda combatentes. A APSIC era ainda orientada para o apoio das operações militares, e visava um triplo objectivo: as forças inimigas, os seus quadros políticos e as populações sob sua influência. Já naquela fase em que os departamentos próprios de Acção Psicológica entraram a funcionar em pleno, estas acções passaram a ser planeadas em relação a três fases: antes, durante e depois das operações.

Em Nhacra, foi instalado um potente emissor e criou-se na rádio o Programa das Forças Armadas dirigido a toda a população (europeia e africana), que era emitido três horas, semanalmente, em várias línguas nativas (manjaco, fula, mandinga e balanta), além de crioulo, que dispunha de sete horas e meia semanais, sendo este facto importante, uma vez que a língua portuguesa tinha pouca penetração na Guiné.

Os programas-tipo foram, essencialmente, orientados para a exploração de temas de contrapropaganda, como: “Colóquio”, “África em Foco”, “Tua Terra é Notícia”, “Sete Dias em Foco”. Além do mais, havia ainda os programas radiofónicos em língua francesa, que visavam as massas populares da República da Guiné-Conakry, Senegal e, em especial, de Casamansa, e tem as elites senegalesas e guineenses, com a finalidade genérica de contrariar a noção de isolamento internacional de Portugal e de desacreditar os elementos independentistas. Quanto aos refugiados, a actividade de captação visava o seu regresso à Guiné, explorando os laços familiares, o apego ao chão e as realizações que consubstanciavam a política da Guiné melhor.

Paralelamente a tudo isso, esses programas radiofónicos fomentavam a deserção e contestação no seio do PAIGC e contavam ainda com um serviço técnico destinado a interferir na audição dos programas da Rádio Libertação, do PAIGC, e doutras rádios estrangeiras, sendo ainda apoiados pela imprensa, através da revistas Panorama da Guiné e o jornal Voz da Guiné.

Outros expedientes de grande poder em termos de acção psicológica foram utilizados, mormente a graduação de novos oficiais e sargentos africanos na cerimónia do 10 de Junho, a promoção de visitas de entidades e jornalistas estrangeiros, por forma a tentar neutralizar o clima de sucesso que a bem orientada campanha do PAIGC, vinha conseguindo, etc.

Quanto às tropas africanas, deve assinalar-se o esforço notável feito no sentido de se abolir, na realidade da vida diária do serviço, qualquer espécie de diferenciação que pudesse ainda existir, de facto, entre elas e as europeias. Neste aspecto, deve ser citada uma medida de relevante efeito psicológico: a intensificação e alargamento em todos os escalões da miscigenação das unidades com europeus e africanos. Esta africanização dos quadros das forças armadas “ (...) servia também a Lisboa para apoiar a sua propaganda de que a guerra não tinha carácter racial (,..)”. Assim, na Guiné, formaram-se unidades que eram quase só constituídas por naturais do território e também, o comando de africanos, recrutados e instruídos no local e, posteriormente, graduados como oficiais e sargentos.


Reestruturação da Rádio Libertação

Do lado do PAIGC, a situação, caracterizava-se por um contínuo esforço no sentido de ripostar convenientemente a política da Guiné melhor, privilegiando-se simultaneamente, no plano estritamente militar, a continuidade dos trabalhos de constituição dos CE (Corpos do Exército) já iniciado. É curioso notar que foi a partir desta altura que Amílcar Cabral concebe e implementa todo um sistema de informações junto dos comandos e frentes de combate, com objectivos evidentes de se contrapor à intensa e cada vez mais bem organizada acção psicológica do exército português. Curiosamente, é nesta altura que o PAIGC adquire igualmente um potente emissor com que equipa a sua Rádio Libertação, reestruturando completamente esses serviços e, conferindo-a maior dinâmica, sob a supervisão de José Araújo, distinto jurista do que, entretanto, se tornou especialista em matéria de informação, cuja secção chefiava.

Em consequência de tudo isso, o PAIGC evoluiu para nova divisão administrativa e militar, em fun­ção do seu avanço político. Foi criada a Comissão Nacional das Regiões Liber­tadas e, militarmente, o território foi divi­dido, pelo rio Geba, nas frentes norte e sul, e estas em sectores ou zonas. As suas unidades estavam agru­padas em três tipos distintos: (i) infantaria – grupos, bigrupos e bigrupos reforçados (CE), predominantemente dotados de armas ligeiras e lança-granadas; (ii) artilharia – morteiros, canhões; (iii) e armas antiaéreas. Pode afir­mar-se, contudo, que não se registaram durante os anos de guerra dificuldades insuperáveis na obtenção, notan­do-se mesmo crescente volume de material disponível, fruto do constante aumento dos seus apoios externos.


Os efectivos da guerrilha

No que diz respeito ao pessoal, embo­ra as características da luta de guerrilhas torne difícil precisar os efectivos empe­nhados e estabelecer estimativas esclare­cedoras, o comando militar português considerava, em 1971, que as FARP totalizavam 5500 elementos, mais cerca de 2000 das milícias populares, tendo ainda alguma (pouca) margem para novos recrutamentos, perto de 900 a 1000 em cada inter-região, atendendo às taxas de natali­dade e mortalidade existentes na altura.

Segundo a estimativa referida, o PAIGC tinha o seguinte dispositivo/efectivos por unidades:
(i) bigrupo, 38/44.
(ii) bigrupo reforçado, 70.
(iii) Grupo de artilharia, 50.
(iv) Grupo de canhões/morteiros, 23.
(v) Grupo de foguetões/antiaéreos, 16.

A disposição dos efectivos por inter-regiões era a seguinte: Efectivos por regiões:

(a) Inter-Região Norte:

(i) Frente São Domingos/Sambuiá, 630.
(ii) Frente Canchungo/Biambe, 760.
(iii) Frente Morés/NhacrA, 680.
(iv) Frente Bafatá/Gabu Norte, 730.

(b) Inter-Região Sul: ´

(v) Frente Bafatá/Gabu Sul, 200.
(vi) Frente Bafatá/Xitole, 160.
(vii) Frente Buba/Quintafine, 230.
(viii) Frente do Quínara, 560.
(ix) Frente de Catió, 370.

Reorganização dos meios operacionais portugueses

Também o exército português, sob o comando de Spínola, ia sofrendo alterações e ajustamentos constantes de modo a adaptá-lo às novas circunstâncias da guerra. Assim, segundo a carta da situação de 3 de Agosto de 1969, podemos verificar que ocorreu sucessivas alterações na organização dos meios operacionais, embora sem modificações significativas no dis­positivo, nem nos limites das áreas características – oeste, leste, sul e Bissau:

(i) O Sector L4 é destacado do comando de agrupamento de Bafatá e passa à dependência directa do comando central.

(ii) Os COP1 e COP2 são extintos e as respectivas zonas de acção vol­tam à responsabilidade do sector S2, que, por sua vez, perde o subsector de Buba, onde tinha a sede, e transfere esta para a Aldeia Formosa (hoje Quebo).

(iii) É criado o COP4, que engloba o ex-sector de Buba e a zona sul do SI (Serviço de Intendência).

(iv) É criado o sector S4, com uma pequena área: a ilha de Bolama, onde tem a sede, que é também sede do CIM (Centro de Instrução Militar) e as ilhas das Cobras e das Galinhas, com uma secção em cada.

Pela Directiva 23/69, de 27 de Fevereiro, do comando-chefe, o Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG) deixa de ter interfe­rência directa na conduta operacional, ficando com plena responsabilidade nos assuntos que corriam pelos comandos das armas e chefias dos servi­ços das repartições do Quartel-General.

O Sitrep Circunstanciado (SC) 09/69, de 2 de Março, revela a cons­tituição de um agrupamento operacional (CAOP), com sede em Teixeira Pinto (hoje Cantchungo), interposto entre os sectores 01 e 05 e à custa das áreas destes. O CAOP é um órgão de comando apenas operacional, de escalão semelhante ao comando de agrupamento.

No mesmo Sitrep verifica-se uma troca de zonas de acção entre o sector 02 e o COP3. Este, porém, passa a ter sede em Jumbembem e não em Farim, ficando assim sobre o corredor de infiltração de Lamel. O SC 14/69, de 21 de Abril, refere a constituição do COP5, com sede em Nova Lamego (hoje Gabu), tendo por área de responsabilidade o sector L3 (retirado ao comando de agrupamento de Bafatá) e o Sector L4.

A Direc­tiva 27/69, de 13 de Março, do Comando-Chefe, justifica a criação deste COP pelo agravamento da situação na região de Gabu. Em Maio (SC 18/69) e de acordo com a Directiva 36/69, de 11 de Abril, é constituído o COP6 na área do sector 03. A fim de dar garan­tia de segurança à prossecução dos trabalhos na estrada Mansabá-Farim, Este, pelo que um COP coordena a actividade das forças que pertencem ao Sector 03 e recebe de reforço uma companhia de caçadores pára-quedistas.

Nesta data, aparece como novidade o TG3. Trata-se de uma área onde as operações ficam a cargo do Comando da Defesa Marítima da Guiné, a qual se estende ao longo do curso médio do rio Cacheou, entre o COP6 e o sector 01, a sul, e os sectores 02 e 06, a norte, à custa do território anteriormente à responsabilidade destes, registando-se novas alterações, patentes no SC 31/69. Assim, o COP4 alarga a sua área até à fronteira sul, com a inclusão da Aldeia Formosa, para onde é transferida a sua sede, e o sector S2, reduzido da área que cedeu ao COP4, passa a ter sede em Gadamael Porto. Na área do CAOP, é constituído o sector 07, com sede em Pelundo. Neste Sitrep aparece também como novidade a Zona de Intervenção do CAOP (ZICAOP). Situava-se no extremo norte da área de acção, não tinha forças de quadrícula e nela apenas era permitida actividade opera­cional coordenada directamente pelo CAOP.

O Sitrep Circunstanciado 31/69 continua a considerar o território da Guiné dividido, como já se referiu, em quatro áreas – Oeste, Leste, Sul e Bissau. Todavia, a estrutura de comando não acompanhou esta divisão. O COMBIS (relativo a Bissau) não sofreu alteração na estrutura superior: continua a dispor de um comando de agrupamento, um comando de batalhão e duas companhias na sede, uma em Nhacra, outra em Quinhamel e duas companhias de milícias. Com excepção de uma das da sede, todas as outras têm pelotões e até secções destacadas.

O Oeste continuou a não ser coordenado por um comando de agru­pamento. Tem um CAOP, com sede em Teixeira Pinto/Cantchungo, que coordena três sectores de Batalhão: o da sede, com designação 05, mas agora reduzido de uma pequena área a Norte, que deu origem a outro sector de batalhão, com sede em Cacheou e o sector 07, com sede em Pelundo, constituído igual­mente à custa da área Oeste do Sector 05. O Sector 03 passou a designar-se por COP6, o sector 02 e o COP3, como já se referiu, trocaram as respectivas zonas de acção e os restantes sectores de batalhão (01, 04 e 06) mantiveram-se, apenas com ligeira perda de área para dar origem ao já citado TG3.

O Leste aparece agora dividido a meio, de norte a sul entre dois comandos de escalão semelhante: o comando de agrupamento de Bafatá e o COP5, este com sede em Nova Lamego. O primeiro coordena: o sector L2 (que não sofreu alteração), o sector L1, (reduzido praticamente a metade da anterior ZA) que continua com sede em Bambadinca e com mais uma CCAÇ (companhia de caçadores) e o recém-criado COP7, com sede em Galomaro, que ocupa a metade oriental do antigo L1 e dispõe apenas de uma companhia na sede e outra em Dulombi, dois pelotões de milícias e conta com mais uma CCac, que é reserva do CC. O COP5 coordena os sectores L3 e L4. A área do antigo L1 – agora LI e COP7 – recebeu, assim, um reforço de 3 Companhias de caçadores.

O Sul continua dividido em sectores independentes, que são, agora:

(i) o S1 com sede em Tite, reduzido em área, mas praticamente com os mes­mos efectivos;

(ii) o S2, reduzido à parte que lhe pertencia na fronteira sul e com os efectivos que aí mantinha e a sede em Gadamael Porto;

(iii) o S3, com sede em Catió, sem alteração;

(iv) o S4, pequeno sector, com sede em Bolama, retirado ao SI.

(v) e o COP4, com sede em Aldeia Formosa (hoje Quebo) e que ocupa as áreas dos extintos COP1 e COP2, do sector de Buba (que per­tencia ao S2) e ainda uma faixa a sul do SI, até ao mar. O COP4 recebeu as forças dos sectores extintos.

Os efectivos portugueses

Em síntese, as unidades e órgãos operacionais existentes nesta data eram: dois comandos de agrupamento (Bissau e Bafatá), um CAOP (Teixeira Pinto/Cantchungo), 18 comandos de batalhão (mais cinco que do antecedente), quatro comandos operacionais (COP) (do antecedente três), um batalhão de engenharia, dois centros de instrução militar, duas companhias de comandos, 84 companhias tipo caçadores (mais 15), uma bateria de artilharia de campanha (guarnição normal), dois esquadrões de reconhecimento, uma companhia de polícia militar, um pelotão de polícia militar, 19 pelotões de caçadores independentes (de recrutamento local), 10 pelotões de morteiros, 1 pelotão de artilharia antiaérea, três pelotões de canhão sem recuo, dois pelotões de reconhecimento (Fox), 11 pelotões de reconhecimento (Daimler) e 25 companhias de milícias.

Entretanto, pela carta de situação de 2 de Agosto de 1970, verifica-se um acréscimo de meios operacionais no exército português na Guiné, especialmente constituídos no pró­prio teatro das operações, com recurso ao recrutamento local, quer para unidades regulares de comandos, caçadores e artilharia, quer para companhias de milícias. A intervenção do comando-chefe continuava a fazer-se mais à custa da constituição de comandos operacionais para dinamizar acções locais do que por alteração de limites ou de meios das unidades. Trata-se de um conceito de comando específico que ficou bem expresso na Directiva 70/69, de 18 de Agosto.

O teatro de operações é dividido em zonas, sectores e subsectores. As zonas são quatro: Oeste, Leste, Sul e Bijagós. Com excepção da última, as zonas dividem-se em sectores, atribuídos ora a comandos de batalhão, ora a comandos operacionais (COP). Além destas zonas existia uma área à responsabilidade do Comando de Bissau (COMBIS). Os sectores dividem-se em subsectores de companhia ou de desta­camento. Os comandos de agrupamento e os comandos de agrupamento opera­cionais (CAOP) podem englobar indistintamente zonas, sectores e subsectores.

Para além destes órgãos, aparecem ainda comandos de agrupamento temporários (CAT) e comandos operacionais temporários (COT). Todos estes órgãos (CAOP, COP, CAT e COT) eram organizados pelo comando-chefe com pessoal existente localmente na Guiné. Os comandos de agrupa­mento tinham constituição orgânica e eram destacados da Metrópole. O dispositivo, no entanto, sofre constantes alterações como consequên­cia da prioridade dada à manobra socioeconómica, preocupação que levou mesmo à desocupação militar de áreas desabitadas ou pouco habitadas, as quais passaram a ser designadas por zonas de intervenção do comando-chefe (ZICC). As alterações verificadas até se chegar ao dispositivo existente em 2 de Agosto de 1970 são a seguir descritas por ordem cronológica.

Segundo o Sitrep Circunstanciado n.º 36/69, o COP3 e o sector 02 são repostos nas suas áreas iniciais, com sede respectivamente em Bigéne e Farim. é criado na ZA do CAOP mais um sector, à custa das áreas dos sectores 07 e 01, com sede em Bula, e que passaria a ser designado mais tarde por 01A (SC 40/69). a área do TG3 é reduzida e mais tarde inte­grada na zona de acção do COP3 (SC 51/69). o COP6 é recolhido e desac­tivado e a respectiva área volta ao controlo completo do sector 03.

Pelo SC 40/69 é revelada a extinção do sector S2 e a integração da sua área no S3. Pouco depois, também o sector S3 é extinto e a sua área integrada no S4, à excepção de uma pequena faixa a noroeste que passa para o S1 (SC 44/69). Ainda segundo este SC, todo o Leste (LI, L2, L3, L4 e COP7) é posto de novo na dependência do comando de agrupamento de Bafatá. Em Dezembro, o SC 49/69 relata que: no CAOP é extinta a ZICAOP e os sectores 05, 07 e 10 passam a depender do sector do batalhão de Cacheu. no Sul, é recolhido o COP4 e a respectiva ZA volta a designar-se S2. No Leste o mesmo aconteceu ao COP7 e a área passa a constituir o sector L5.

No princípio de 1970 (SC 5/70) o sector S4 é extinto e Bolama passa a ser a sede da agora criada Zona dos Bijagós, cujo comando continua à responsabilidade do comando do CIM (Centro de Instrução Militar). Em Agosto deste mesmo ano (SC 31/70), aparecem delimitadas várias áreas excluídas da quadrícula. Surge de novo a ZICAOP e são criadas outras zonas de intervenção: no Oeste a zona de Canjambari. no Sul uma pequena área a norte do Sector S2, a ilha de Como e os baixos cursos dos rios Cumbijã e Cacine. no Leste todo o sul do Sector L3 (Madina do Boé). Todas estas áreas dependem do comando-chefe (ZICC).Na mesma altura, é instalado o COT1, no Norte do sector L3, com sede em Pirada, e que dispõe de efectivos relativamente elevados: cinco companhias ti­po caçadores, uma companhia de comandos africanos e dois pelotões de milícias. Em síntese, podemos considerar que os meios de apoio de fogo, em Agosto de 1970, aumentaram significativamente, assim como as acções operacionais.

Nessa altura, em síntese, eram as unidades existentes: dois comandos de agrupamento (Bissau e Bafatá). dois comandos de agrupamento operacionais (CAOP – Teixeira Pinto e CAOP – reserva), 18 comandos de batalhão, um comando operacional (COP), um grupo de artilharia de campanha (guarnição normal, com 27 pelo­tões de artilharia de campanha). um batalhão de engenharia, dois centros de instrução militar. três companhias de comandos (uma é a companhia de comandos africanos), oito companhias de caçadores (de recrutamento local), 79 companhias tipo caçadores, dois esquadrões de reconhecimento, 18 pelotões de caçadores independentes (de recrutamento local). três pelotões de reconhecimento (Fox), 11 pelotões de reconhecimento (Daimler), 10 pelotões de morteiros 81 milímetros, três pelotões de canhões sem recuo. um pelotão de artilharia antiaérea. Uma companhia de polícia militar, um pelotão de polícia militar e 30 companhias de milícias.

Outro objectivo, no quadro das alterações introduzidas pelo comando-chefe sob as ordens de Spínola, era dotar a força aérea com as condições que lhe permi­tissem assegurar um elevado nível de prontidão e sustentação dos meios. Este conjunto de medidas tornou possível voar muito mais horas do que anteriormente, apesar do facto de cada hora de voo exigir, em média, cerca de 10/15 horas de manutenção, não falando das grandes dificuldades que se depa­ravam, quer por força dos constrangimentos a que o País estava sujeito, quer pela dureza e rusticidade das condições em que os meios operavam e eram mantidos. Acresce que, na sua maioria, os aviões de combate eram meios quase obsoletos, com uma idade média superior a 20 anos” (14).

Os resultados desta estratégia não se fizeram esperar. Uma população ainda não politizada aderia a quem de imediato lhe dava melhores pos­sibilidades de vida, embora ajudasse ao mesmo tempo os guerrilheiros, pelo que o general Spínola não podia dizer que estava a desarmar o PAIGC ao tirar-lhe a principal arma de combate, isto é, os motivos de descontentamento.

A propaganda, bem feita, conseguiu mesmo atrair muitas populações anteriormente foragidas no mato ou acolhidas nos campos de refugiados da guerrilha, no Senegal ou na República da Guiné-Conakry e também alguns dirigentes, levados pelo cansaço ou por dissensões internas, apresentam-se ou são capturados, voltando-se mesmo para o lado de Spínola – é o caso, entre outros, de Rafael Barbosa, ex-presidente do PAIGC.

Entretanto, quando os sorrisos não bastavam, lá estavam os 40 000 soldados, os caças-bombardeiros Fiat e as bombas de napalme, embora não tão eficazes como em Angola. Para quê? Para vencer a guer­ra? Spínola não se iludia: “Para ganhar tempo, a fim de poder restabele­cer o equilíbrio militar (...)” (15).

No entanto, no chão manjaco, onde Spínola decidiu instalar a coordenação dos Serviços de Informações e Acção Psicológica, tornou-se um óbvio embaraço para o PAIGC, na medida em que esses serviços desenvolveram todo um trabalho de sapa e conseguiram mesmo, através de dignitários locais, penetrar no dispositivo do PAIGC. Estabelecem-se os primeiros contactos com os comandos dos bigrupos em acção na área - André Gomes e José Sanha, – e Spínola, acompanhado por Almeida Bruno, chega a ter um encontro com elementos do PAIGC (16).


O impasse militar no início de 1968

Nessa altura, porém, todos são unâni­mes na análise da situação militar, no início de 1968, na Guiné: a guerra estava atolada num impasse. Impasse, mas não empate, já que consagrava os ganhos do PAIGC nos quatro anos ante­riores e tornava a situação crítica para as forças portuguesas. A era de Spínola é inaugurada num período em que “la situation militaire est dans une impasse dificille sourtout por les troupes portugaises. Le PAIGC dispose d´une liberté total et ouverte d´installation et de manœuvres dans les pays voisins, ce qui lui facilite l´effet de surprise et rend plus sûres ses actions de guérilla, car le théâtre des opérations est peu profond, Par contre, le faible strcture administrative portugaise qui s´y trouve implanté, un résou routier insuffisant, le maillage des fleuves et canaux s´ajoute une grande ampleur de l´effet des marées, la dense arborisation aisée et la durée du climat non seulement empechent une intervention aisée et rapide des forces portugaises, mais les usent aussi physiquement car prés 80 por cento des effectifs sont constitué par des militaires européens ” (17).

Do ponto de vista estritamente militar, antes de a acção violenta se generalizar, as primeiras medidas no teatro das operações denotam a sua preocupação de ocupar o território por forças enquadradas segundo a hierarquia habitual: comando-chefe, comando militar, zonas militares, à responsabilidade de comandos de agru­pamentos, sectores, entregues a comandos de batalhão, subsectores, entregues a comandos de companhia, e destacamentos de pelotão e por vezes até de secção.

Perante o incremento das acções por parte do PAIGC, Spínola altera quase que imediatamente o dispositivo militar, substituindo destacamentos por companhias, para, mais tarde, voltar a aumentar o número daqueles destacamentos nas áreas mais afastadas da fronteira. Ainda quis ir mais longe no sentido de substituir batalhões com­pletos pelo sistema de rendição desfasada de pelo­tões ou mesmo de rendição individual, mas este alteração no dispositivo foi efémera, porque ele próprio o teria profundamente alterado em finais de 1968, quando centralizou toda a coordenação da actividade operacional no comando-chefe, suprimindo relativamente a esta estrutura de comando e coordenação as atribuições de intervenção operacio­nal.

Escalada da guerra a partir de Novembro de 1969

Assim, a partir de Novembro de 1969, o exército português intensificou os bombardeamentos às povoações fronteiriças dos países vizinhos com o objectivo de retirar o apoio destes ao PAIGC, chegando mesmo a utilizar, no período compreendido entre 1 e 27 de Dezembro de 1969, bombas de napalme, mormente nas localidades do Sul da Guiné, na povoação de Banta El Sila (Centro Sul). 

Aliás, é justamente no período em que se procedia a novas alterações no dispositivo militar português na Guiné que ocorreu, em Fevereiro de 1969 o desastre de Bassesse, a norte do rio Corubal, quando uma jangada que atravessava o rio foi fortemente atacada por um bigrupo do PAIGC, provocando o afundamento da mesma e a consequente morte de mais de 50 soldados.

Na sequência da retirada e do desastre, o PAIGC ocupou Madina de Boé, mais concretamente Medjo e Tchtché [Cheche] em Fevereiro de 1971, tendo o sido o facto alvo de enorme exploração junto da opinião pública mundial por parte dos serviços de informação e propaganda do PAIGC, ao que o exército português ripostava, com desculpas de terem abandonado aquela região em consequência do reordenamento populacional, que exigia que aquelas populações fossem transferidas para aldeias de maior progresso económico e social.

Embora se mantivessem as zonas e os sectores, as estruturas de comando não as acompanhavam. Passou-se à nomeação de comandos de carácter operacional, baseada numa organização do dispositivo militar em que assentava a estrutura do PAIGC, possuindo estes grupos, por vezes, categorias hierárquicas variáveis e implantação e duração eventuais: destinavam-se a cumprir mis­sões pontuais, determinadas pelo comando-chefe, substituindo, nalguns casos, a presença efectiva na área (quadrícula) pelo dinamismo da acção. E é assim que são cria­das as áreas de intervenção, as quais estão simplesmente desocupadas e só lá podem ser conduzidas operações pelo escalão a quem estão atri­buídas – comando operacional ou comando-chefe (18).

Em lugar da ocupação efectiva de todo o território, dá-se ênfase à denominada manobra socioeconómica, fazendo convergir as forças para as zonas de ocupação populacional e deixando as despovoadas para intervenções esporádicas de reconhecimento ou acções de combate a grupos do PAIGC eventualmente infiltrados e referenciados. (…)” (19).

Assim, o PAIGC deu pela primeira vez um inequívoco sinal de pretender, em 1971 pressionar a área de Guiledje-Gadamael, procurando manobrar segundo dois eixos convergentes a partir de Salancaur/Botche Sanza (por Medjo) e de Kandiafara. 

Para este objectivo, verificou-se o deslocamento de efectivos do CE da frente de Catió para reforçar os de Buba. Esboçava-se assim a tentativa do PAIGC de proceder ao corte de ligações terrestres entre Gadamael e Guiledje, o qual visava em especial pressionar este aquartelamento, que constituía uma ameaça a Kandiafara, situado já no território da Guiné-Conakry, mas importante do ponto de vista logístico e para a manobra do PAIGC no sul.

Com efeito, Cabral procurou a partir de 1971, estabelecer estruturas sociais de partido-Estado em Tigili/Iador/Sara/Zona Oeste (Biambi), Catió e Quintafine, enquanto que, por outro, se preocupava com as ameaças às áreas libertadas, traduzindo-se tal situação na polarização da sua actividade em torno da estrada Mansabá-Farim, na sua reacção ao reordenamento de Bissássema e na intenção de instalar forças no Unal, visando libertar corredores de infiltração que favorecessem os ataques aos centros urbanos. 

Assim, o PAIGC inicia, a partir desta altura, as acções contra Bissau e Bafatá, há muito anunciadas, num momento em que procede à desconcentração das unidades dos CE 199/A e 199/B, que se haviam deslocado para as áreas de Sano e Cumbamori (Senegal), dando por findo o esforço realizado na área de Barro-Bigene-Guidage.

Nesta desconcentração, o CE 199/A regressou à área de Campada, enquanto o 199/B foi ocupar e reactivar a base de Hermancono, que voltou a constituir área fulcral na fronteira norte, praticamente abandona­da desde Fevereiro de 1971, aquando da sua transferência para Canjeno. 

Como consequência desta nova ocupação de Sintchã-Djassi, aumentou de forma considerável o trânsito pelo “corredor” do Lamel, que passou a ser o mais usado, seguindo-se-lhe, em menor grau de utilização, o de Canja.

Ainda no que se refere à ligação com o interior da Guiné, uma vez que estas acções de iniciativa do PAIGC irradiavam no sul a partir do território da Guiné-Conakry, salienta-se, pelo seu significado, a reabertura do corredor de Campada, facto que surgiu da necessidade de uma ligação directa das bases no Senegal com o chão manjaco, em virtude da manobra que o PAIGC pretendia desenvolver nessa área. 

De resto, esta será uma das prováveis razões da deslocação do CE 199/A para a área de Campada e também a base da intensificação da actividade dos guerrilheiros do PAIGC que se verificou na área de São Domingos-Canjnde-Sedengal, na qual o citado corredor de infiltração está implantado (20).

(Continua)

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Notas do L.A.:

(11) PAIGC Actualités, n.º 1, órgão de informação do PAIGC, Janeiro de 1969.

(12) PAIGC Actualités, n.º 10, Outubro de 1969.

(13) A organização das tabancas em autodefesa e o reordenamento das populações, na Guiné, foi determinada em 30 de Setembro de 1968. A "(...) política de agrupar populações em aldeamentos protegidos, representava uma cópia parcial da estratégia americana no Vietname e visava proteger a população rural dos insurrectos (...)"531, envolvendo responsabilidades acrescentadas para o Governo e para as Forças Armadas, perante as populações e, assim, as medidas adoptadas deveriam revelar-se eficazes, no tocante à segurança das populações e dos meios de subsistência. em Dezembro de 1971, havia 46 tabancas organizadas em autodefesa. A experiência demonstrou que era preciso reajustar as directivas sobre reordenamento e autodefesa. Assim, pela Directiva (secreto) 19/69, de 5 de Março de 1969, do comando-chefe das Forças Armadas da Guiné, foram publicadas as "Normas Reguladoras de Reordenamentos e Autodefesas".

(14) Corbal, Aurélio B. Aleixo, “O vector aéreo nas campanhas de África – Análise conceptual e estrutural” -, in Estudos sobre Campanhas de África (1961.1974), Instituto de Altos Estudos Militares, 2000, pp. 192-193.

(15) Rodrigues, Avelino, Borga, Cesário, Cardoso, Maria, O Movimento dos Capitães e o 25 de Abril, Publicações D. Quixote, 4ª edição, Lisboa, 2000, pp. 148-151.

(16) Não nos foi possível confirmar em Bissau esta informação junto de José Sanha, ex-comandante do PAIGC.

(17) Barata, Manuel Themudo, op. cit., p. 76.

(18) Estado-Maior do Exército op. cit, pp. 93-96.

(19) Idem, pp. 57-59.

(20) “Anexo C ao Intrep” n.º 6/71- Pasta Organizada por Províncias Ultramarinas – Guiné- , Arquivos da PIDE-DGS/ANTT, NT 8924, fls. 15.
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Notas de L.G.:

(*) Vd. post de 25 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

(**) Afirmação altamente controversa do Leopoldo Amado: as tropas portuguesas que foram protagonistas desses trágicos acontecimentos - como os alferes milicianos da CCAÇ 2405 que fazem parte da nossa tertúlia, o Paulo Raposo e o Rui Felício - negam terminantemente que tenha havido, como causa imediata e directa do afundamento da jangada, qualquer acção do PAIGC. Sobre o desastre do Cheche, no Rio Corubal, no âmbito da Operação Mabecos Bravios, vd. os posts:

2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)

8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)

12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)

(...) "(i) O desastre do Cheche ficou a dever-se, em minha opinião, ao excesso de peso entrado na jangada;

(ii) E ela é corroborada por todos aqueles que, como eu, viajavam na jangada e que em conversas a seguir ao desastre manifestaram a mesma opinião;

(iii) Note-se que a mesma jangada tinha já feito dezenas de travessias sob as ordens directas do Alf Diniz sem nunca se ter detectado qualquer problema;

(iv) Esse problema surgiu de forma trágica na última travessia, ou seja, naquela em que o responsável Alf Diniz não pôde efectivamente proceder segundo o que estava estabelecido, deixando entrar na jangada o dobro da sua capacidade, por ordem do 2º Comandante da Operação a que, pela natureza da hierarquia militar, não poderia opor-se;

(v) Mas fê-lo, e disso dei testemunho no âmbito do inquérito que se seguiu, advertindo previamente o seu superior hierárquico para o facto de estar a infringir as determinações que tinha sobre a forma de fazer a travessia do rio e da lotação definida para a embarcação;

(vi) E estou convencido que a rapidez do desaparecimento das vítimas nas águas calmas, escuras e profundas do Corubal, se ficou a dever ao facto de todos transportarem consigo pesado equipamento de guerra que lhes tolheu os movimentos e os conduziu para o fundo do rio, de forma tão rápida, com a agravante de que a maior parte deles não sabia nadar" (...)

(2) Vd. diversos depoimentos da autoria de alguns dos nossos tertulianos:

7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé

15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)

domingo, 25 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I


Guiné > Cartaz de propaganda do exército português. No tempo de Spínola (1968/73), a máquina de propaganda - a APSIC - vai-se tornar mais sofisticada e poderosa, ao serviço de política da Guiné Melhor. O PAIGC ver-se-á obrigado a responder com uma escalada a nível político, militar, organizativo e diplomático (LG).


Foto: © A. Marques Lopes (2005) . Imagem gentilmente cedida por A. Marques Lopes, coronel DFA, na situção de reforma, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967/68) e da CCAC 3 (Barro, 1968/69).




Guiné > Bissau > Brá > 1965 O General Schultz (à esquerda)

Foto: © Virgínio Briote (2005). Direitos reservados.


VIII parte do dossiê O massacre do chão manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (*).

1. E-mail enviado pelo Afonso Sousa em 28 de de Novembro de 2006 ao Leopoldo Amado , especialista em historiografia do PAIGC e da guerra de libertação contra o domínio português na Guiné, e membro da nossa tertúlia:

Caríssimo Doutor Leopoldo Amado.

Antes de mais os meus respeitosos cumprimentos. Através do Luis Graça, foi-me dado a conhecer o seu magnífico trabalho, visando a dissecação daquele que se poderá chamar de massacre do chão manjaco.

Dele saem respostas precisas sobre as muitas interrogações que o assunto tem originado e ainda suscita. São respostas que ficam como um contributo precioso para a história deste conflito e deste acontecimento, em particular.

Estas perguntas são pertinentes para uma mais fácil compreensão da origem, evolução e contornos deste trágico acontecimento para as hostes portuguesas. Numa resenha, temos:

1) Qual o objectivo destes encontros, entre beligerantes ?
2) De quantos elementos era composta a nossa delegação para esse encontro ?
3) Este encontro era o último. A que se destinava ?
4) O que falhou do lado do exército português ?
5) Qual o local exacto ou presumível do encontro ?
6) Quem convenceu Spínola a não comparecer ao encontro fatídico?
7) Spínola já tinha estado em algum encontro com o PAIGC ?
8) Onde se realizou o 1º desse encontros ?
9) Que outros encontros são conhecidos ?
10) Os majores trabalhavam em íntima colaboração com o inspector da PIDE em Teixeira Pinto ?
11) Spínola tinha informações junto e dentro da direcção do PAIGC ?
12) Terá havido discrepância de informações entre a PIDE em Teixeira Pinto e a PIDE em Bissau, que justifique o desfecho do Encontro ?
13) O desenlace deste encontro foi uma consequência da existência de contradições no seio do PAIGC ?
14) Terá havido fugas de informação entre os comandantes guerrilheiros do chão manjaco ne apoderadas pela direcção do PAIGC, que justifiquem este repentino recuo ?
15) A tese de que Spínola teria, 2 dias antes deste acontecimento, vindo a Lisboa para uma reunião com Marcelo Caetano, a pedido deste, não tem fundamento ? Ou, realizou-se ainda a tempo de estar na Guiné no dia do encontro com o PAIGC ?
16) Como lidou o PAIGC com este delicado dossiê ?
17) O objectivo do PAIGC seria mesmo tentar a captura de Spínola ?
18) A selvajaria do comportamento dos guerrilheiros do PAIGC não terá sido acicatado por estes terem verificado que Spínola não estava presente ?
19) Quem foi o autor material das punhaladas que consumaram o massacre ?
20) Quem procedeu ao levantamento dos corpos, no dia seguinte ? A família de um dos massacrados militares refere que um deles foi finado com uma catanada no estômago, outro com decepação da cara (também com catana) e que outro tinha um punhal espetado na zona do coração.
21) Será que este dado é correcto, ou apresenta-se deturpado ?
22) Embora tenha derivado de entendimento prévio, porque terão os majores ido sem segurança e desarmados para este encontro ? As nossas tropas poderiam ter feito uma segurança dissimulada e de proximidade !
23) Que vantagens imediatas para o PAIGC, resultaram deste fim inopinado das negociações ?

Como muito bem diz, uma ou outra resposta não serão a realidade cem por cento concreta mas abordagens muito próximas dela. São hipóteses explicativas plausíveis para o acontecido e constituem-se como um relevante e precioso subsídio para a história. Estou a coligir todas as respostas. Subsistem dúvidas ou não há ainda resposta para as questões 2), 4), 5), 15), 16), 17), 20), 21).

Para além do seu magnífico contributo, realço também as utilíssimas informações de homens que viveram a violenta e dura guerra da Guiné e foram contemporâneos (*) desta que terá sido a maior barbárie cometida pelos independentistas. Deles destaco o João Tunes, o Luis Graça, o João Varanda, o Júlio Rocha e o João Godinho.

Ficamos na expectativa de mais algum esclarecimento seu, principalmente aquele que se prende com a questão Como lidou o PAIGC com este delicado dossiê e que resulta das suas investigações em arquivos (de ambos os lados).

Um sincero agradecimento pelo seu inestimável contributo e pela sua apreciada gentileza.

Um abraço. Afonso Sousa.


2. Depoimento do historiador lusoguineense Leopoldo Amado, que optou por responder de forma global às questões do Afonso. Vamos reproduzir esse depoimento em três partes, devido à sua extensão (Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue):

I Parte - De Schultz a Spínola


O consulado de Arnaldo Schultz (1964-1968)

A guerra colonial na Guiné criou sempre imensos problemas ao exército português. Assim, nos 17 primeiros meses da guerra o comando militar foi substituído quatro vezes até a chegada do general Arnaldo Schultz, em Março de 1964. Mesmo com este, a situação era de tal forma difícil que, em Portugal, iniciou-se espontaneamente um debate em que já se discutia de forma clara a hipótese de simplesmente se abandonar a Guiné, dado o elevado custo material e humano que a guerra exigia, agravado ainda pela falta de recursos do território. Porém, o sector conservador do regime, incluindo Salazar, não anuiu a essas ideias e optou-se pela continuidade da guerra, no convencimento de que o abandono da Guiné retiraria a Portugal a justificação para continuar a guerra noutros territórios de África.

A acção de Arnaldo Schultz, como o próprio reconhece, era a de "(…) conquistar uma área de terreno, destruir o inimigo e tirar-lhe a vontade de combater, mas na guerra subversiva não existe nenhum destes objectivos, o que há que fazer é ganhar simpatias, mas a formação militar desse tempo era outra, ou seja, a de alcançar objectivos, em lugar de conquistar vontades. De forma que a nossa actuação não se ajustava ao que se pretendia. A estratégia que pus em prática consistia em ter e controlar áreas determinadas, para que era necessário que as nossas forças conquistassem um terreno e ficassem ali para que outras forças, na mesma área, se ocupassem a procurar o inimigo” (1).

Fundamentalmente, Arnaldo Schultz tentou controlar o Centro-Oeste do território, perdido desde o início da guerra com acções de grande envergadura em Como, Cantanhede, Quitafine, etc., mas que redundaram num tremendo fracasso (2).

Na realidade, a situação militar com Arnaldo Shultz piorou consideravelmente, apesar do aumento significativo de efectivos que passou de 1000 homens em 1960 para cerca de 25 000 homens em 1967, deteriorando-se ainda mais nos primeiros meses de 1968. Disso se faz eco Otelo Saraiva de Carvalho, que, sem rodeios, disse que “ (…) Schultz revelou tanta incompetência militar e governativa e fez tantos disparates que quase levava o PAIGC a vitória sem grandes esforço (…)” (3).


A chegada de António Spínola

Em consequência do agravamento da situação militar para o exército português, Schultz foi substituído por Spínola, que, não obstante as dificuldades de vária ordem, inaugura um estilo novo de abordagem da guerra. Porém, ao tempo da sua chegada a situação caracteriza-se assim: o PAIGC quase controlava todo o Sul do território desde o início das hostilidades. A zona oeste estava igualmente sob o controlo do PAIGC, à excepção do chão manjaco, onde a guerrilha ainda estava na fase pré-insurrecional e só o chão dos fulas, no Leste, se mantinha mais ou menos fiel as autoridades portuguesas, pelo que Spínola imediatamente deduziu que o futuro se jogaria ali.

A estratégia consistia em encetar nessa região uma forte acção psicológica acompanhada de obras socio-económicas, com o objectivo de subtrair o apoio dos manjacos ao PAIGC e, por esta via, contagiar positivamente os papéis, em cuja região se encontra Bissau, asfixiando assim o PAIGC. Acompanhariam ainda esta estratégia acções que, no geral, tinham como objectivo manter as operações militares a um nível secundário de molde a permitir um regular funcionamento da administração, mas com as populações sob controlo das autoridades coloniais, abalar a confiança das populações na propaganda independentista, incentivar o regresso dos refugiados, pondo-os sob a protecção das autoridades coloniais e explorar até ao limite todas as contradições existentes nas fileiras da guerrilha, essencialmente entre os cabo-verdianos e guineenses. Estas acções, no seu conjunto, passaram a constituir o maior desafio político-militar ao PAIGC depois da chegada do general Spínola, nomeado governador em 1968.

Na realidade, este tinha negociado antecipadamente poderes alargados e a sua estratégia político-militar afrontou seriamente o PAIGC, sobretudo pela hábil manipulação de ingredientes políticos e étnicos. A partir de 1969, o general começou por criar uma infra-estrutura de representação política, com poderes consultivos, atraindo para ela um sector importante das elites étnicas, ao mesmo tempo que desenvolvia infra-estruturas sociais e de saúde. Por outro lado, não descurou a vertente étnica no interior do PAIGC e na sociedade guineense, criando e apoian­do organizações nacionalistas anticaboverdianas, e utilizando algumas figu­ras históricas da fundação do partido, como Rafael Barbosa.

Na vertente étnica interna, Spínola e a sua elite jogaram com algum sucesso na promoção dos fulas e de outras etnias menos receptivas à guerrilha. Apesar da adopção a partir de 1969 desse novo conceito no contexto global da guerra, era conferida maior destaque às actividades socio-económicas e psicológicas junto as populações, a ponto de a mesma influir, de certo modo, na estrutura de comando e controle e no dispositivo militar do exército português no teatro de operações.

Porém, a menor extensão geográfica do território, a boa organização e crédito internacional de que gozava o PAIGC, a extensão da fronteira terrestre, a característica alagadiça de grande parte da superfície, com a consequente dificuldade de movimentação, e um inimigo composto por tropas bem armadas e eficientemente enquadradas foram factores determinantes para que, na Guiné, o exército português tenha enfrentado ameaças de vulto, entre outras razões, por que a densidade de ocupação militar era muito elevada e, mesmo assim, sempre se colocou o problema de economia de efectivos (4).


A política da Guiné Melhor e a APSIC


Do lado do PAIGC, o período que se estende de 1964 à 1968 correspondeu a fase de consolidação, aquela em que se dá o alastramento da guerra às outras regiões, atingindo toda a estrutura militar do partido a situação-limite de evolução e exigindo, consequentemente, a passagem a formas de intervenção militar mais elaboradas, mais intensas, ao estilo das guerras convencionais. Foi igualmente neste período de consolidação que largos sectores militares do PAIGC, mesmo as chefias militares, deram mostras de um certo desfalecimento perante a guerra, mercê da intensa e eficaz campanha psicológica (política da Guiné Melhor) desenvolvida pelo general Spínola.

Com a nomeação de António de Spínola, em 1968, para governador e comandante-chefe das Forças Ar­madas na Guiné conseguem as for­ças portuguesas alguns êxitos, principalmente no campo económico e social, retirando ao PAIGC a possibilidade de contro­lar certas populações, que passa­ram a estar reagrupadas em aldea­mentos protegidos por contingentes mistos. A par da política de reordenamento da população é tentado o desenvolvimento socioeconómico. Realizam-se importantes trabalhos públicos e a presença das tropas portuguesas injecta vigor numa eco­nomia enfraquecida Aliás, poucos meses após a chegada de Spínola à Guiné, as hostes do PAIGC ressentiram-se consideravelmente das suas primeiras acções, na medida em que, a partir de Outubro de 1968, muitos dos dirigentes desdobravam-se em acções de reanimação dos combatentes, essencialmente no Sul, onde até alguns comandantes, que estavam desmoralizados com os bombardeamentos, ameaçavam abandonar a guerra.

Porém, a Directiva 65/69, de 13 de Agosto, explicitava que o comando-chefe – depois de um estudo aprofundado, que ainda não havia sido feito anteriormente, sobre o meio étnico, religioso e linguístico, o meio socioeconómico, rural e urbano os resultados das acções de conquista e protecção das populações através de: importantes medidas sanitárias, preventivas e curativas e o apoio a actividades agrícolas e piscatórias – decidiu, como manobra estratégica, constituir o chão manjaco como área fulcral da luta contra a subversão. Reputamos ser esta uma Directiva da maior importância, devido ao facto de a sua execução vir a ser a acção militar de maiores repercussões na condução da manobra estratégica socioeconómica. É nessa região que ocorreu, na sequência dos esforços centrados no chão manjaco, mais concretamente em Teixeira Pinto (hoje Cantchungo) a morte dos três majores.

Nesta última localidade, após a instalação do principal elo de coordenação dos Serviços de Informação e Acção psicológica do exército Português na Guiné, a manobra de guerra passou a ser eficazmente apoiada por uma manobra psicológica que garantir a mentalização e a integração efectiva de todas as forças que lutavam contra o PAIGC na tarefa essencial de conquistar as populações.

Mais de 11 mil armas distribuídas pelo exército à população

Por outro lado, essa conquista assentava mais na conquista dos espíritos (adesão) do que no controlo físico, privilegiando a manobra psicossocial os seguintes eixos principais: dar prioridade, no âmbito da APSIC, às populações controladas, tendo em vista: o incremento e consolidação da sua adesão à causa portuguesa (entenda-se colonial) para a aceitação dos reordenamentos e autodefesa. Actuar psicologicamente sobre as populações em situação de duplo controlo, de forma a conseguir-se anular, pelos factos, a propaganda do PAIGC junto dela, com vista à sua apresentação ou, no mínimo, a aceitação da sua futura recuperação. Nessa altura, havia pelo menos um total de 11 163 armas distribuídas pelo exército português à população (5).

Privilegiou-se igualmente a actuação psicológica sobre as populações sob controlo inimigo de forma a conseguir-se a sua apresentação ou, no mínimo, a aceitação do duplo controlo. Em relação às forças portuguesas, os serviços de Informação e Acção Psicológica deram prioridade ao esforço de APSIC sobre os quadros e pessoal integrante, por forma a conseguir-se a sua participação na manobra socioeconómica, e a orientação das relações com a população, em todos os escalões executivos, visando a dignificação e promoção do nativo guineense no quadro geral da administração.

Relativamente ao PAIGC, este serviços orientaram doravante todo o seu esforço na dissociação do binário dirigentes/combatentes e na anulação do compromisso ideológico e da determinação de luta dos combatentes do PAIGC, por forma a conseguir o máximo de apresentações de elementos activos a recuperação dos ex-combatentes e a captação dos ainda combatentes.

A APSIC era ainda orientada para o apoio das operações militares, e visava um triplo objectivo: as forças inimigas, os seus quadros políticos e as populações sob sua influência. Já naquela fase em que os departamentos próprios de Acção Psicológica entraram a funcionar em pleno, estas acções passaram a ser planeadas em relação a três fases: antes, durante e depois das operações.


A arma da rádio, em crioulo e nas principais línguas nativas


Em Nhacra, foi instalado um potente emissor e criou-se na rádio o Programa das Forcas Armadas dirigido a toda a população (europeia e africana), que era emitido três horas, semanalmente, em várias línguas nativas (manjaco, fula, mandinga e balanta), além de crioulo, que dispunha de sete horas e meia semanais, sendo este facto importante, uma vez que a língua portuguesa tinha pouca penetração na Guiné. Os programas-tipo foram, essencialmente, orientados para a exploração de temas de contrapropaganda, como: Colóquio, África em Foco, Tua Terra é Notícia, Sete Dias em Foco.

Além do mais, havia ainda os programas radiofónicos em língua francesa, que visavam as massas populares da República da Guiné-Conakry, Senegal e, em especial, de Casamansa, e tem as elites senegalesas e guineenses, com a finalidade genérica de contrariar a noção de isolamento internacional de Portugal e de desacreditar os elementos independentistas. Quanto aos refugiados, a actividade de captação visava o seu regresso à Guiné, explorando os laços familiares, o apego ao chão e as realizações que consubstanciavam a política da Guiné melhor.

Paralelamente a tudo isso, esses programas radiofónicos fomentavam a deserção e contestação no seio do PAIGC e contavam ainda com um serviço técnico destinado a interferir na audição dos programas da Rádio Libertação, do PAIGC, e doutras rádios estrangeiras, sendo ainda apoiados pela imprensa, através das revistas Panorama da Guiné e a Voz da Guiné.

Africanização do exército colonial

Outros expedientes de grande poder em termos de acção psicológica foram utilizados, mormente a graduação de novos oficiais e sargentos africanos na cerimónia do 10 de Junho, a promoção de visitas de entidades e jornalistas estrangeiros, por forma a tentar neutralizar o clima de sucesso que a bem orientada campanha do PAIGC, vinha conseguindo, etc.

Quanto às tropas africanas, deve assinalar-se o esforço notável feito no sentido de se abolir, na realidade da vida diária do serviço, qualquer espécie de diferenciação que pudesse ainda existir, de facto, entre elas e as europeias. Neste aspecto, deve ser citada uma medida de relevante efeito psicológico: a intensificação e alargamento em todos os escalões da miscigenação das unidades com europeus e africanos. Esta africanização dos quadros das forças armadas “ (...) servia também a Lisboa para apoiar a sua propaganda de que a guerra não tinha carácter racial (,..)”. Assim, na Guiné, formaram-se unidades que eram quase só constituídas por naturais do território e também, o comando de africanos, recrutados e instruídos no local e, posteriormente, graduados como oficiais e sargentos.

Libertação de presos políticos

Ainda do ponto de vista da acção psicológica, um despacho de Spínola, datado de Dezembro de 1968, mandou restituir à liberdade quase todos os presos políticos guineenses que se encontravam na colónia penas da ilha das Galinhas. Acto continuo, desencadeia um processo que viria a culminar na libertação, no dia 3 de Agosto de 69, de quase uma centena de outros tantos presos políticos guineenses encarcerados em Bissau e na colónia penal de Tarrafal em Cabo Verde, ao mesmo tempo que anunciava para breve à restituição a liberdade de 16 detidos que se encontravam em Angola. Entre os presos políticos libertados encontrava-se Rafael Barbosa, até então presidente do Comité Central do PAIGC. E essa gigantesca cerimónia é realizada publicamente em frente ao Palácio do Governador, e Spínola, faz um discurso emotivo transmitido em directo pela rádio, aludindo até ao massacre de Pindjiguiti (6), que considera um episódio “dum triste passado que não desejo nem quero recordar”. Mais à frente, acentua uma das suas tónicas preferidas, a do aliciamento psicológico: “Sinto as angústias do bom povo da Guiné, sinto os seus legítimos desejos de uma vida melhor, por isso compreendo os que julgaram bater-se pelo ideal do povo – o ideal do actual Governo da província” (7).

Dentre os presos que usaram da palavra figuram Pascoal D'Artagnan Aurigema, anteriormente libertado Raul Nunes Correia – em representação dos presos da colónia penas da ilha das Galinhas, António Ilídio Lima Silva Ferreira, de Cabo Verde, e Rafael Barbosa, até. Aliás, em Agosto, a Subdelegação da PIDE-DGS de Bissau envia ao director, em Lisboa, uma nota em que assegurava que “ (...) a esta Subdelegação afigura-se de grande relevo a restituição de Rafael Barbosa à liberdade, porquanto a detenção do mesmo servia à propaganda externa do PAIGC para o apresentar como mártir do partido e em liberdade não tem, no presente, qualquer utilidade para o “movimento (.)” (8).

Após municiosa elaboração pelos serviços do Gabinete do comando-chefe e da PIDE-DGS de um texto que Rafael Barbosa deveria ler em público, este acabou por fazê-lo (9), afirmando: “Excelência, aproveito esta oportunidade para apresentar a Vossa Excelência os meus respeitosos cumprimentos, felicitando o primeiro magistrado da província pela sua nomeação como general do exército português e pela sua conduta como guia e chefe de todos os portugueses nestas paragens do continente africano, tão assediado pelo inimigo vindo do estrangeiro. Fala-vos o Rafael Barbosa, indivíduo sobejamente conhecido em toda a Guine Portuguesa, o qual, há cinco anos, iludido pelas promessas dos “ventos da História”, se deixou conduzir e desviar do recto caminho de bom português. Cinco anos são passados de sofrimento e dor, de arrependimento e de amargura, de ilusão.

Mas o tempo é o grande mestre e, na minha solidão, eu tive ocasião de meditar e de reconhecer o meu erro. Bem haja, pois, Vossa Excelência, pela bela atitude que, neste momento, carregou sobre os seus ombros, ao libertar estas dezenas de homens que, iludidos nas promessas vãs daqueles que, a soldo dos países estrangeiros, se lançaram na rebelião contra a Pátria portuguesa, do que estou certo, hoje em dia, se confessam arrependidos. Bem haja, pois, Senhor Governador, pela sua clemência, pela sua dignidade de chefe e, com a ajuda de Deus, eu lhe prometo que serei tão bom português como Vossa Excelência. O futuro confirmará.

Bissau, 3 de Agosto de 1969” (10).

(Continua)
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Notas de L.A.:

(1) Cervelló, Josep Sánchez, La Inviabilidade de Una Victoria portuguesa en la Guerra Colonial: el Caso de Guinea-Bissau, entrevista do general a Josep Sanchez Cervelló em 30 de Junho de 1986, Separata da Revista de História, Tomo XLIX/173, Madrid, 1989, p. 1025.

(2) Fabião, Carlos, Descolonização na Guiné-Bissau, Spínola a Figura Marcante da Guerra na Guiné, Seminário 25 de Abril, 10 Anos depois, s. 1., Lisboa, Associação 25 de Abril, 1984, pp. 305 e ss.

(3) Carvalho, Otelo Saraiva de, Alvorada em Abril, 2ª edição., Amadora, Bertrand, 1977, p. 51.

(4) Cf. Barata, Manuel Themudo, op. cit., p. 78.

(5) “Relatório do Comando”, comando-chefe das Forças Armadas da Guiné, 1971.

(6) O massacre de Pindjiguiti ocorreu a 3 de Agosto de 1959. Para o PAIGC essa era uma data importante, razão pela qual Spínola escolheu justamente esse dia para procurar retirar ao PAIGC a primazia da celebração.

(7) Ver Processo 4194 S-R, Arquivos da PIDE-DGS/ ANTT.

(8) Ofício n.º 994/69 - R.R. de 3 de Agosto de 1969, Arquivos da PIDE-DGS/ ANTT, Proc. 4194 S-R, fls. 93 à 101.
(9) Em entrevista concedida por Rafael Barbosa a Leopoldo Amado, o mesmo considera ter sido coagido e possivelmente drogado para que fizesse tal discurso. Cf. Pereira, Aristides, op. Cit. p. 583.

(10) Ver Processo 4194 S-R, Arquivos da PIDE-DGS,/ANTT.

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Nota de L.G.:


(*) Vd. dossiê organizado pelo nosso camarada Afonso M.F. Sousa:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'