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sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13923: Notas de leitura (652): “Quatro Rios e um Destino”, por Fernando Sousa, Chiado Editora, 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Novembro de 2014:

Queridos amigos,
É um livro, a vários tipos, raro. Raro pela confidência, raro pelo filtro que o autor se impõe quanto ao sujeito da memória: a infância, a recruta, a especialidade que culmina, praticamente, com a convocatória para a guerra.
Não se sabe porquê, desembarca em Luanda e é direcionado, de supetão, para a Guiné, viaja até Bedanda.
Não se perde em considerandos nem faz crónica da guerra, regista estimas e chega depois a hora do sinistro que o transfigurou, até hoje. Impressiona quando escreve sobre os guineenses, captou-lhes a ternura, o gosto pela música, a afabilidade.
Temos aqui um livro que é também um grito de revolta, é alguém que superou o pesadelo e não o esconde. É um livro raro, encontrou um caminho inesperado depois da agonia de se ver sem duas pernas, venceu o destino.

Um abraço do
Mário


Quatro rios e um destino

Beja Santos

“Quatro Rios e um Destino”, por Fernando Sousa, Chiado Editora, 2014, é um registo de vivências singular, onde se cruzam o enaltecimento de valores e o grito de protesto pelas desumanidades que experimentou no Anexo do Hospital Militar, após o grave sinistro que teve na Guiné.

O enaltecimento de valores arranca logo com a descrição da sua infância, um texto singelo, carregado de amor familiar e telúrico, tudo contado sem arrebiques, com o gosto de confidenciar:

“Aos sete anos, já acompanhava o meu pai na colocação de armadilhas para apanhar caça, sobretudo coelhos e perdizes, que por ali havia em abundância. Porque, naquela terra, longe de tudo, era importante aprender a sobreviver (…) Aos seis anos, já calcorreava todos os caminhos e veredas que conduziam às várias propriedades da família, tendo como companhia nestas andanças uma burra, que tudo levava e tudo trazia, e muitas vezes agarrado ao rabo dela, para a poder acompanhar naquelas caminhos pedregosos, repletos de altos e baixos”.

Lembra-se das férias que passou na colónia balnear infantil de O Século, Lisboa deslumbrou-o, foi cidade que o marcou para sempre. Salta destas recordações de infância para a sua entrada no RI 14, e passar de mancebo a instruendo militar, estávamos em Outubro de 1969. Não gostou das carecadas nem das outras praxes. O comandante de pelotão é tratado como ratazana de esgoto:

“Por pura vingança desmedida, procurava os sítios onde houvesse mais água e lama, dentro e fora

do quartel, para obrigar todos a rastejar e rebolar, até que ficassem completamente encharcados e cobertos de lama, para, de seguida, se rir e gozar. Todos nós passámos um sacrifício tremendo com aquele pulha”.

Em Janeiro de 1970, veio a caminho do RI 2. Em Março, é chamado
Fernando Sousa.
Entrou para a Tabanca Grande 
em 6/8/2014
a secretaria e informado quetinha sido mobilizado em rendição individual. Vai despedir-se dos seus a Bebeses, concelho de Penedono. Serão tempos dilacerantes, despede-se com um “até um dia destes”. Em Maio, está a caminho de Luanda, a viagem deixou-lhes as piores recordações. A experiência luandense também não foi muito feliz. É aqui que recebe guia de marcha com destino para a Guiné, paragem na ilha do Sal e depois Bissau.

Para ganhar uns cobres, desata a colorir fotografias a preto e branco. Mandam-no de viagem a Bambadinca, vai acompanhar material que foi metido num batelão. Durante a viagem ao longo do Geba, foi surpreendido por um instrumento musical que desconhecia, o korá:

“Fiquei na dúvida se seria uma cabaça redonda cortada ao meio, onde fixaram uma pele de cabra ou de outro animal para mim desconhecido. Numa das metades da dita cabaça, as cordas que serviam de fixação dessa mesma pele, da qual se repercutia o som, eram também tiras talvez desse ou outro animal, sabiamente cortadas e de forma harmoniosa fixas para manterem a pele principal devidamente esticada, onde tudo batia certo e estava perfeito, menos as cordas de produzir o som que eram fio de náilon habitualmente usado pelos pescadores, que prendiam na cabaça em algumas dessas tiras de pele ainda com pelos do animal, de forma inteligente, e no outro extremo, fixos na ponta de um bambu, como que feito à pressa, e mal conseguiam manter a tensão necessária para que o som produzido tivesse qualidade”.

Ia atento às belezas que avistava nas margens do Geba. Viu um crocodilo a apanhar sol e um pássaro às bicadas no meio dos dentes. Feita a descarga regressa a Bissau e dão-lhe como destino a CCAÇ 6, em Bedanda, ia atormentado e a viagem foi uma tormenta. Já conhecia dois rios, o Tejo e o Geba, agora vai a caminho do Cumbidjã, dali seguirão para o rio Ungauriuol, este com curvas muito apertadas e estreitas, em que os barcos quase roçavam no tarrafo.

Faz estimas, logo com o Furriel Ribeiro e o 1.º Cabo Leito, apreciou as qualidades do capitão Ayala Botto. Todas as suas descrições deste teatro de operações serão sincopadas, enxutas, fala dos seres humanos que o cativaram, caso do marido da lavadeira que o convidou para almoçar. Está polarizado os maus momentos que se seguem, aquela manhã igual a tantas outras manhãs, na encruzilhada entre o Cumbidjã e o Malamba, será ali que toda a sua vida se transfigurou, ao princípio não sentiu nada depois despertou no meio de chamas a arder:

“Ardia sobre o meu corpo retalhado, num buraco que a própria explosão cavou. Ali mesmo reconheci que já não era mais eu! Vejo que uma perna tinha pura e simplesmente desaparecido, restando dela farrapos de carne pendurados! Da outra, apenas via um osso completamente descarnado, espetado naquele chão ardido, e ao lado uma bota com um pé nela metido, pendurado por um tendão, agarrado àquele osso lambido, que, outrora, tinha feito parte integrante do meu corpo”.

Inicia-se o calvário dos tratamentos no Hospital Militar em Bissau. Ao ganhar consciência do sucedido, com todas aquelas dores como facas cravadas, amaldiçoa a sua sorte. Pede ao sargento de enfermaria para lhe pôr termo à vida. Tomba os frascos indispensáveis ao seu tratamento, é amarrado à cama. O 1.º Cabo Sousa chora copiosamente. Era um homem de fé, um homem que rezava, agora está enraivecido, aquele tempo marcou-o para sempre:

“Ainda hoje me dói o arrancar das ligaduras, das compressas, daquela carne dilacerada e queimada! O tormento de acordar de cada anestesia!”.

E passa a confrontar-se com as dores dos outros naquele espaço que ele designa por antecâmaras da morte. Um dia ganha coragem e escreve à família, carta tranquilizadora, levava 22 dias de sofrimento atroz. Suavizou-o a visita da mais velha das cinco mulheres do seu colega de Bedanda, que tanto estimava. Está impaciente para partir para Lisboa, esse dia acabou por chegar. E em Lisboa vai viver tempos terríficos. Odeia que lhe digam coisas como “Sabes meu filho, tu até tiveste muita sorte!”. Há uma atmosfera de tragédia ali à volta: “Era desgraçadamente ali que muitas namoradas, noivas e madrinhas de guerra sofriam a maior desilusão das suas vidas, ao encararem com o que restava das suas paixões, tornando seus sonhos em pesadelos!”.

Toda a sua escrita ressuma cólera não contida pelo que viu e viveu no Anexo do Hospital Militar Principal, lugar maldito, só ao fim de oito meses que cederam uma cadeira de rodas. Livro profusamente ilustrado, e escreve a legenda, estamos em 1972, vemo-lo passivo, desalentado, numa cadeira de rodas:

“A total decadência. O passar uma tormenta. O viveu num inferno. Um condenado. Um sobrevivente. Um nascido do nada. Um irreverente. Um inconformado. Um renascido para a luta. Mas sempre eu, consciente de mim, do que fui, do que era e do que teimosamente ambicionava ser”.

Aprende a outra dimensão da autonomia, a depender, com todas as suas forças de si mesmo, cria novas convicções. Volta a Bebeses, descobre que não tem ali lugar, refugia-se na cidade, transforma-se no homem que é hoje. Irá até cais de Alcântara para prestar homenagem a si mesmo, como sinal de que tinha regressado e estava vivo.

Hoje assume-se como não-crente, basta-lhe acreditar em si e em todos os homens de bem, confessa que terminou a última parte das suas recordações com dificuldade. Quer que o leitor não duvide dele: “Porque de verdade tudo isto que passei vos relato foi real. Foi mesmo assim”.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13905: Notas de leitura (651): 1 de Novembro de 2014, na Feira da Ladra (3) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13907: Blogpoesia (395): Sofrido povo de marinheiros (Fernando de Jesus Sousa, ex-1.º Cabo da CCAÇ 6)

1. Em mensagem do dia 24 de Outubro de 2014, o nosso camarada e novo amigo Fernando de Jesus Sousa, ex-1.º Cabo da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71, enviou-nos este poema de sua autoria:
 

Sofrido povo de marinheiros

Brancos. Negros. Que importa a cor,
Morriam todos da mesma maneira.
Todos unidos na mesma dor.
Cobertos pela mesma bandeira.

Derramaram seu sangue sem se opor,
Todos companheiros da mesma trincheira
Por aqui exaltaram o seu valor.
Pelas cores da mesma bandeira

Que importância, tinham as dores.
Nos cemitérios, também há flores.
Marinheiros, soldados, de todas as cores.
Honrando a mesma bandeira.

Brancos negros. Homens de grande valor
Não tinha importância, a sua cor
A todos, o sangue vermelho, escorria das veias
Partilhavam a mesma dor, pela cor da sua Bandeira

Aos 22 de Abril de 2014
Jesus
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 Nota do editor

Último poste da série de 28 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13816: Blogpoesia (394): Baladas de outono (J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1984/66; autor de "Baladas de Berlim", Lisboa, Chiado Editora, 2013)

sábado, 8 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13860: Agenda cultural (351): Lançamento do primeiro livro do nosso camarada bedandense, Fernando Sousa, "Quatro Rios e Um Destino", no passado dia 30 de outubro, na sede da ADFA, em Lisboa

Autor: Fernando Sousa
Editora: Chiado Editora
Local: Lisboa
Data de publicação: Setembro de 2014
Número de páginas: 304
ISBN: 978-989-51-2033-8
Colecção: Bios
Género: Biografia
Preço de capa: 14€ (papel) | 3E (eBook) [Encomendar aqui]

Sinopse

"Este livro  fala de realidades. Fala de mim, da minha vivência, da minha forma de ser e de estar, da minha entrega a tudo aquilo em que acredito. Das minhas convicções, dos meus sentimentos, da minha passagem por uma Guerra e suas consequências,  de pesadelos sem fim, das muitas emoções.

Nele procurei inserir e exaltar os ensinamentos assimilados, das várias gerações com que me fui cruzando neste caminho da vida, de várias épocas, em dois mundos e duas culturas diferentes.

É também e, sobretudo, o meu testemunho, um avivar de memórias, um sopro da alma, um grito de revolta, de uma dor comida, um desejo ardente, um despertar de consciências e um exemplo de vida
."


Fernando Sousa

Fernando [de Jesus] Sousa  [, foto atual, à direita]


(i) é membro da nossa Tabanca Grande desde 6 de agosto último (*):

(ii) foi 1º cabo 1.º Cabo da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71;

(iii) foi gravemente ferido em Julho de 1971;

(iv)  nasceu a 24 de Dezembro de 1948 em Bebeses, concelho de Penedono distrito de Viseu;

(v) "marcado pela dureza do trabalho desde tenra idade,  sem possibilidades de poder estudar" (...) vveu na primeira pessoa a guerra na Guiné, hoje “Guiné Bissau"  /(...); fFormado na escola da vida, tirando proveitos das poucas habilitações literárias,  desfrutando de uma vivência sempre em constante aprendizagem, e nunca enjeitando desafios" (Fonte: Chiado editora):




Lisboa > ADFA - Associação dos Deficienets das Forças Armadas > 30 de outubro de 2014 > Sessão de lançamento do livro do Fernando Sousa, "Quatro Rios e Um Destino" (Lisboa: Chiado Editora, 2014, 304 pp.).(**) > Aspeto geral da assistência.



Lisboa > ADFA - Associação dos Deficienets das Forças Armadas > 30 de outubro de 2014 > Sessão de lançamento do livro do Fernando Sousa, "Quatro Rios e Um Destino" (Lisboa: Chiado Editora, 2014, 304 pp.) > O autor, Fernando Sousa, é o segundo a contar da esquerda para a direita: "Tenho à minha esquerda Rita Costa,  directora de edição da Chiado Editora, seguida do apresentador do livro,  prof. Dr. António Lavouras Lopes" (...) "e á  minha direita, o comendador José Eduardo Gaspar Arruda, presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas".



Lisboa > ADFA - Associação dos Deficienets das Forças Armadas > 30 de outubro de 2014 > Sessão de lançamento do livro do Fernando Sousa, "Quatro Rios e Um Destino" (Lisboa: Chiado Editora, 2014, 304 pp.) > A sessão de autógrafos.

Fotos do Bruno Sousa, inseridas na página doi Facebook da Tabanca Grande (2014).
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quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13467: Tabanca Grande (442): Fernando de Jesus Sousa, ex-1.º Cabo da CCAÇ 6 (Bedanda, 1970/71)

1. Mensagem do nosso camarada e novo amigo Fernando de Jesus Sousa, ex-1.º Cabo da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71, com data de 31 de Julho de 2014:

Luís Graça,
Primeiro deixe que me apresente.
Sou Fernando de Jesus Sousa, nascido a 24 de Dezembro de 1948, ex-1.º Cabo n.º 18954869.

Embarquei para a Guiné no navio Niassa em 20 de Maio de 1970.

Regressei, creio que em Novembro de 1971, evacuado para o HMP de Lisboa, por ter sido gravemente ferido, onde estive internado até Abril de 1973.

Fiz a minha comissão de serviço em Bedanda, integrado na CCAÇ 6.

Luís Graça, já nos encontrámos numa sardinhada em Peniche, promovida por um grande Bedandense e bom amigo Belmiro da Silva Pereira. Logo ali prometi-lhe que me iria associar a este fantástico grupo.

Acredite que foi por causa deste blogue que tudo fiz para aprender um pouco de internete, a fim de poder acompanhar tudo o que dissesse respeito à Guiné. Só eu sei, as emoções que sentia, com as vossas imagens e questões ligadas àquela terra, fotos e comentários de amigos em comum.

Por tudo isto obrigado.

Quero também anunciar-lhe que já acabei a escrita do meu livro, que irá ser publicado em Novembro.
Logo após isso irei enviar-lhe alguns enxertos de textos sobre a Guiné, que escrevi, onde abordo muitas questões pertinentes e falo abertamente do acidente de que fui vítima.

Fernando Sousa


CCAÇ 6 - Bedanda - Guiné - 1970/1972 - Trabalho do camarada José Carvalho publicado no Youtube


2. Comentário do editor:

Caro camarada Fernando Sousa,
Muito bem-vindo à Tabanca Grande.
É para um nós um orgulho saber que somos lidos por muitos camaradas. Pena que a maioria não se manifeste e não se dê a conhecer, tal como tu fizeste agora.
Pede-me o Luís para te dizer que aqui na Tabanca nos tratamos todos por tu, independentemente dos antigos (e actuais) postos, da nossa idade, da nossa formação académica, profissão, etc.
Une-nos aquele pedaço de África que nos marcou para sempre.

Pelo que nos dizes, és deficiente das Forças Armadas resultado do acidente de que nos falarás um dia. É um dos assuntos que só o próprio sabe como e quando aflorar. A nossa página pretende, entre outras coisas, ser um meio de catarse, pelo que estamos ao teu dispor.

Dizes que irás publicar um livro onde relatas episódios da tua comissão na Guiné, e que o mesmo será apresentado em Novembro. Fica desde já o nosso Blogue ao teu dispor para dar notícia desse evento. Quando quiseres, manda-nos por mail um convite digitalizado, assim como a capa do livro para publicarmos em devido tempo.

Posto isto, resta-me enviar-te o abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores que esperam muitos textos e fotos teus para publicação.

Ao teu dispor, o camarada e amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13383: Tabanca Grande (441): Mário Jorge Figueiredo Lourenço, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAV 2639 (Binar, Pete, Bula, Ponta Consolação e Capunga, 1969/71)