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quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16380: Notas de leitura (868): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VI: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (II): Na margem direita do rio Corubal, na mata do Fiofioli: «¿Tú piensas aguantar la mecha esta?, olvídate, que no duras ni tres meses" / "Tu pensas aguentar esta ratoeira? Esquece, pois não duras nem três meses”...


Guiné > Região controlada pelo PAIGC, possivelmente no sul > Visita de uma delegação escandinava às "regiões libertadas" > Novembro de 1970 > Foto nº 25 > Progressão, na savana arbustiva, por meio do capim alto, de um grupo de guerrilheiros. Presume-se que as colunas logísticas do PAIGC tivessem segurança por parte da milícia ou do exército populares...

Fonte: Nordic Africa Institute (NAI) / Fotos: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a competente autorização do NAI. As fotografias tem numeração, mas não trazem legenda. Edição e legendagem; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


Sexta parte, enviada a 7 do corrente, das "notas de leitura"  (*) coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo. Trata-se de um extenso documento, que está a ser publicado em diversas partes (*), tendo em conta o formato e as limitações do blogue,


1. INTRODUÇÃO

Caros tertulianos: no P16357 (**) iniciámos a publicação da segunda de três entrevistas realizadas pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch a médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência.

Seguimos agora com a segunda de quatro partes em que o entrevistado continua a ser o dr. Amado Alfonso Delgado, médico de clínica geral mas com experiência em cirurgia. O seu depoimento global pode ser consultado no livro, escrito em castelhano, com o título «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp. Disponível "on line"em formato pdf, numa versão de pré-publicação].

Nesta obra encontramos uma panóplia de outros relatos e experiências vividas exclusivamente por médicos cubanos em diferentes missões africanas como foram os casos passados na Argélia, no Congo Leopoldville, no Congo Brazzaville ou em Angola.

Porque se trata de uma tradução (com adaptação livre e fixação do texto em português, da minha responsabilidade), não farei juízos de valor sobre o conteúdo desta e das outras entrevistas: apenas coloquei entre parênteses rectos algumas notas avulsas de enquadramento sócio-histórico ao que foi transmitido, com recurso a imagens desse contexto retiradas da Net e dos arquivos do nosso blogue.


Foto acima: O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo: (i) nasceu em 1950, em Lisboa; (ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); (iii) fez o doutoramento pela Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»; (iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; (v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto].


2.  O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO [II]

Sumariando as primeiras cinco questões abordadas pelo médico Amado Alfonso Delgado no poste anterior, é de relevar que foi por ter iniciado o Serviço Médico Rural em Realengo 18, em Guantánamo, e pela prática clínica desenvolvida no Hospital de Gran Tierra de Baracoa, para onde fora transferido em janeiro de 1967, que surge a oportunidade de cumprir uma "missão internacionalista", que ele desejava que fosse no Vietname mas que acabou por ter outro destino: a Guiné Portuguesa (hoje Guiné-Bissau).

Com vinte e sete anos de idade inicia a sua missão africana na véspera de Natal de 1967, na companhia de outro médico, voando de Havana até Conacri, com escala em Gander [Canadá], Praga, Paris e Senegal (, quase meia volta ao mundo!). Durante o primeiro trimestre de 1968 presta serviço médico no Hospital de Boké, na Guiné-Conacri (e uma das bases do PAIGC) na companhia de mais quatro clínicos cubanos: o cirurgião militar Almenares, um ortopedista, um analista de laboratório e um técnico de raio X.

Em abril de 1968 segue para a frente Leste, substituindo o seu companheiro Daniel Salgado, na base de Kandiafra, por este se encontrar doente com uma forte crise palúdica. Nesta base encontravam-se vinte combatentes cubanos. Entre maio de 1968 e setembro de 1969 [dezassete meses], movimentou-se nas matas do Unal Ina região de Tombali) e Fiofioli [Sector L1 - Bambadinca], com destaque para esta última frente, onde pensou não sobreviver, tantas foram as dificuldades por que passou.

Eis o relato de outros apontamentos revelados pelo doutor Amado Alfonso Delgado tendo por base o guião da sua entrevista.

A entrevista tem com 25 questões. Hoje apresentamos a resposta (em itálico) às  questões de 6 a 11 com a devida vénia ao autor, conhecido jornalista cubano Hedelberto López Blanch (n. 1947).


“Cirurgias com a ténue luz de fachos de palha ardendo” 
(Cap XI, pp. 136 e ss)


Entrevista com 25 questões [Parte 2 > da 6.ª à 11.ª]

(vi) Quando chegou 
à zona da guerrilha?

Em Conacri estive cerca de uma semana [em janeiro de 1968]. Levaram-me a uns armazéns do PAIGC e aí distribuíram-me roupas, dois pares de botas, arma, granadas e outras coisas. Os companheiros que iam deixar aquela terra africana perguntaram-me para onde ia com aquele carregamento, explicando-me que deveria levar ténis uma vez que era o mais adequado, pois que no interior da Guiné-Bissau iria ter de caminhar muito e quanto mais pesado pior. De qualquer modo, levei uma mochila bem carregada.

Num dia de semana fui transportado num camião que me levou, não sei durante quanto tempo, passando por várias aldeias até chegar a uma povoação de nome Boké, onde havia um hospital de rectaguarda do PAIGC, perto da fronteira com a Guiné-Bissau [, a sul]. Ali permaneci três meses [até meados de abril de 1968], na companhia de vários cubanos.

Aí conheci o [comandante] Victor Dreke (chefe da missão militar cubana) e o [tenente] Erasmo Vidiaux [Robles],  outro importante combatente cubano, quando ambos circulavam naquela zona. [Estes dois oficiais participaram, anteriormente, na missão cubana no Congo-Leopoldville (Belga), em 1965, comandada por Ernesto “Che” Guevara (1928-1967)].

Com permanência fixa em Boké, estavam [quatro técnicos de saúde]: o dr. Almenares (cirurgião militar de Santiago de Cuba que morreu alguns anos depois em Cuba com cancro da próstata), um ortopedista, um analista de laboratório e um técnico de raio X. Eu ia como médico de clínica geral, mas como tinha experiência de cirurgia ajudei o Almenares em várias operações, particularmente feridos de guerra.

(vii) Porquê e quando lhe destinaram 
a zona de guerra?

Um dia disseram-me que teria de ir para a frente Leste, pois havia que substituir o médico [Daniel] Salgado (morreu em 2000 de um cancro no fígado),  que tinha contraído paludismo e não se sentia bem. Saí em abril de 1968 num camião e depois de várias horas chegámos à fronteira entre as duas Guinés. Cruzámos um rio e chegámos a um acampamento denominado Kandiafara. Aí estavam vinte cubanos e onde passei vários dias até que chegou a ordem para avançar.

Designaram vários guerrilheiros guineenses para me levarem a um determinado lugar. recordo que andámos durante sete ou oito dias, em etapas de muitas horas. Foi muito duro, nunca tinha caminhado tanto mas sentia-me bem. Iam também algumas raparigas guerrilheiras que de vezes em quando ajudavam no transporte dos meus bens, colocando a minha mochila às suas cabeças.

Num desses dias entrámos numa lagoa [ou bolanha?] e nela caminhámos durante horas. Não sei como o podiam fazer mas conheciam perfeitamente o itinerário e o terreno, e em várias situações a água chegava-nos ao peito. A lagoa estava cheia de sanguessugas,  aconselhando-me a amarrar bem as calças e a levantar os braços bem alto para que não entrassem. Numa porção de terra, cercada de água, parámos para descansar e onde passámos a noite. Tinha um capote grosso e através deste os mosquitos picavam-me. Tive de me tapar completamente com uma manta. Pela manhã voltámos à caminhada.


Mapa da região de Cumbijã, no sul,  com a posição relativa de Unal. Infogravura de António Murta


(viii) De que se alimentavam?

Durante este trajecto comemos pequenas quantidades de arroz e em duas ou três ocasiões parámos em aldeias [tabancas] onde nos deram um pouco de farinha e carne. Comíamos pouco e, por isso, nos fomos habituando. Depois não me preocupava em alimentar-me, o mesmo não aconteceu no princípio, quando passava fome.

Volvidos quatro dias entrámos num lugar que me disseram ser a Mata de Unal, muito perigosa e onde o tiroteio era abundante. A menos de um quilómetro as tropas portuguesas batiam a zona com a sua artilharia. 

Continuámos a marcha até chegar a um rio grande que tinha cerca de dois quilómetros de largura. Era a junção dos rios Corubal e Geba [Xime] que iam desaguar no Atlântico. Nesse braço de mar existiam tubarões [?], hipopótamos e crocodilos, onde me disseram para ter muito cuidado porque um homem que havia caído aí recentemente nunca mais apareceu.

Fizemo-lo em canoas de troncos de árvores e informaram-me de que deveria tirar tudo do corpo caso a embarcação se virasse. Às vezes as canoas [pirogas] levavam umas trinta pessoas. Tentei chegar à embarcação mas não pude, porque era de estatura baixa. Os nativos eram altos, experimentados e podiam/sabiam andar no lodo, mas eu ao quarto ou quinto dia me enterrei até aos joelhos e não podia continuar. Naquele momento tiveram que me puxar com o meu equipamento: a arma e mais três carregadores, e me levaram até à canoa. A travessia foi feita durante a noite, uma vez que aí não existiam lanchas de patrulhamento nem aviação para nos atacar.

Disseram-me, ainda, que ali havia um problema grave, mais perigoso que a tropa [portuguesa], que era o “macaréu”. No princípio não entendi e deduzi que fosse um animal, até que um dia vi o dito macaréu, que era uma maré que entrava e subia, não sei quantas vezes no dia. Uma onda de vários metros procedente do mar e se apanhasse algo pela frente era certo que o virava e o fazia desaparecer. Eles sabiam quando podiam passar.


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Xime > 1972 >  Imagem do “macaréu” no Rio Geba por onde circulou o dr. Alfonso Delgado no ano de 1969. Três anos depois, em 10 de agosto de 1972, a CART 3494 perdeu neste mesmo local, estupidamente, três elementos do seu contingente (faz quarenta e quatro anos): Abraão Moreira Rosa, da Póvoa de Varzim; Manuel Salgado Antunes, de Quimbres, Coimbra; e José Maria da Silva e Sousa, de São Tiago de Bougado, Santo Tirso (história deste naufrágio nos P10246, P13482 e P13493).


(ix) Como comunicava 
com eles?

Uma vez que os cubanos haviam chegado já há algum tempo, os guineenses tinham facilidade de aprender vários idiomas. Alguns deles falavam português, que era parecido com o espanhol, e ao fim de um mês eu já falava com eles. Durante a viagem de canoa, onde iam vinte guerrilheiros, seguia ainda outro cubano, que era um técnico de raio X, de apelido Pupo, e apesar de ser muito mais forte do que eu, era com dificuldade que resistia aquela caminhada.


(x) Nessa região encontrou-se 

com o médico que iria substituir?

Quando chegámos à outra margem [, direita, do Rio Corubal], encontrei um homem branco em calções, com gorro na cabeça e uma camisa. Olhou-me com alguma indiferença, perguntando-me: "Tu pensas aguentar esta ratoeira? Esquece, pois não duras nem três meses”. Perguntei-lhe porquê? Ao que me respondeu: “Tu verás como isto é”[No original: "¿Tú piensas aguantar la mecha esta?, olvídate, que no duras ni tres meses».]

Este homem era de facto Daniel Salgado, médico militar que também esteve na segunda Frente e a quem eu ia substituir. O que aconteceu depois foi que ele passou a ser o meu melhor amigo que tive e cuja amizade se prolongou em Cuba durante muitos anos até que faleceu. Como já sabia que eu vinha, preparou um macaco para o almoço. Ali esteve mais cinco dias até que partiu de regresso. Nesse lugar soube da existência de um hospitalito [enfermaria de colmo] na frente Leste, na região de Bafatá [Sector L1], que me disseram ser na Mata de Fiofioli [mapas abaixo].


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Localização da mata do Fiofioli, zona de floresta galeria, situada na margem direita do Rio Corubal, entre Mangai e Concodea Beafada [P9080].


O "hospital de campanha" ["hospitalito"] onde esteve o dr. Delgado foi destruído pelas NT no decurso da grande Op Lança Afiada, que envolveu mais de 1300 homens entre militares e carregdores civis: vd. poste de 3 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11665: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): III Parte: Dias D+4, D+5, D+6, D+7: Pânico entre os carregadores devido aos ataques de abelhas, muitas helievacuações por desidratação e esgotamento, muitas toneladas de arroz destruído, muitas centenas de animais apanhados e consumidos, várias grandes tabancas (como Mangai, Ponta Luís Dias e Fiofioli), escolas, dois hospitais de campanha e outras instalações queimadas...

Essa zona do hospitalito [enfermaria] tinha quatro palhotas: uma para os feridos, com dois pequenos bancos de madeira, duas camas construídas com estacas e palha por cima; a cozinha; o depósito de géneros e a do médico, que se encontrava um pouco mais distante. Estava situado na confluência de dois rios [Corubal + Buruntoni?] surgindo depois um grande espaço de terra que ia ter ao mar [?].

Era nessa ponta onde nos encontrávamos, num plano mais alto, bastante fechado e com muitos animais [seria entre a Ponta Luís Dias e a Ponta do Inglês? De referir que o destacamento da Ponta do Inglês foi desativado em 7/8 de outubro de 1968, com a evacuação do pelotão aí instalado da CART 1746, regressando este à sua Unidade aquartelada no Xime, comandada pelo nosso saudoso amigo e camarada ex-Cap Mil António Vaz (1936-2015). A decisão da sua evacuação é atribuída a António de Spínola (1910-1996), então Brigadeiro, contemplada no plano de redistribuição das NT no terreno, iniciado após a sua chegada, em maio de 1968, ao CTIG - P10009].

O responsável pelo hospitalito [enfermaria] era um cabo-verdiano, enfermeiro, ao qual lhe pedi autorização para caçar. Primeiro, disse-me que não se podia gastar munições, mas depois indicou-me que só o poderia fazer um pouco mais distante por forma a não sinalizar a sua posição.

Levantava-me às cinco da madrugada, cozinhava o arroz, que era o pequeno-almoço, e depois fazia a visita, pois quase sempre tinha algum ferido. Operava quando havia combates, uma vez que dava a ideia de ser uma guerra planificada. Aconteciam emboscadas pré-estabelecidas, onde estavam os guerrilheiros com mulheres e filhos. Eles tinham muitas vezes critérios rigorosos na guerra. Em certas ocasiões ficavam num acampamento, apesar do opositor [o inimigo] saber da sua localização, e quando este bombardeava morriam alguns.


(xi) Como tratava os guerrilheiros 
no mato?

As estações do ano na Guiné-Bissau são duas: a época seca [, de novembro a abril] e a da chuvas [,de maio a outubro]. Durante a época seca passavam meses [seis] e não caía uma gota de água, na outra, em determinadas ocasiões, a chuva caía durante dias. 

Os guerrilheiros faziam a sua vida normal, debaixo de água [à chuva], e pela noite reuniam-se à volta de uma fogueira para se aquecerem. Nesta época a vegetação crescia e tapava todo o hospitalito [enfermaria]. Era uma época má para a caça e a única que se conseguia apanhar era algum macaco, embora se considerasse ser uma época boa para a guerra, pois os aviões não nos detectavam.

As avionetas de reconhecimento [DO 27] passavam com frequência e quando o faziam várias vezes seguidas, mudávamos o acampamento, porque a seguir acontecia, quase sempre, um ataque. 

Por outro lado, a época seca era boa porque tínhamos abundante comida, muita carne, mas o opositor te atacava muito mais, bombardeando a partir dos helicópteros [Alouette III – Heli Canhão, de fabrico francês, utilizados pelas NT nos três TO (imagem abaixo]. 


DO 27

Heli canhão

Os helis desarmados  realizavam essencialmente operações de transporte geral, reconhecimento, heli-assaltos e evacuações sanitárias. Os armados, chamados de “helicanhões”, tinham o nome de código “Lobos Maus”, estavam equipados com canhão lateral Mauser MG-151/20 (20 mm). O artilheiro estava sentado de lado e disparava o canhão pela abertura do portão esquerdo. (http://neloolen-modelismo.no.comunidades.net/alouette-iii-52-anos-na-fap, com a devida vénia)].

Continua…
___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 8 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16370: Notas de leitura (865): O ensino da literatura da Guiné nas escolas portuguesas (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16357: Notas de leitura (865): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte V: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (I): queria ir para o Vietname foi parar ao Fiofioli...



Mapa das regiões [frentes e bases] do PAIGC. Os símbolos azuis correspondem aos itinerários percorridos pelo médico Diaz Delgado (de julho de 1966 a dezembro de 1967). Os verdes correspondem ao médico Alfonso Delgado (de abril de 1968 a setembro de 1969). Infogravura adapt. de Supintrep nº 31, fevereiro de 1971, por Jorge Araújo.



Quinta parte, enviada a 13 de julho último, das "notas de leitura" coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo. Trata-se de um extenso documento, que está a ser publicado em diversas partes (*), tendo em conta o formato e as limitações do blogue. 


 
Foto à esquerda:

O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo: (i) nasceu em 1950, em Lisboa; (ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); (iii) fez o doutoramento pela Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»; (iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; (v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto].



1. INTRODUÇÃO

Caros tertulianos. Concluímos no P16304 (*) a publicação da primeira de três entrevistas realizadas pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch a médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência.

Estas três entrevistas, associadas a outras doze missões africanas ocorridas em situações e momentos  diferentes, como foram os casos de Argélia, Congo Leopoldville, Congo Brazzaville e Angola, estiveram na origem do seu livro, escrito em castelhano, com o título «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp. ].[Disponível "on line"em formato pdf, numa versão de pré-publicação].

Recordo que o primeiro entrevistado foi o cirurgião Domingo Diaz Delgado, elemento do primeiro grupo de clínicos chegados à Guiné em 1966, a quem foram formuladas vinte e oito questões relacionadas com a sua missão, desde a tomada de decisão pessoal [finais de 1965] e chegada a Concri,maio de 1966, até ao regresso a Havana, em janeiro de 1968.

Considerando que ela decorreu durante vinte meses, dos quais dezasseis nas matas das frentes Norte e Leste da Guiné [1966-1967], as respostas às questões formuladas dão-nos conta, com bastante detalhe, do modo como foi feita a preparação para a missão, da viagem (secreta) de barco e do processo de inclusão na estrutura do PAIGC.

 O depoimento deste homem é interessante para quem quiser conhecer melhor o contexto da guerra de guerrilha, as condições logísticas vividas em bases improvisadas, precárias e com escassos recuros recursos, bem como as misérias e as grandezas da medicina que se podia praticar naquelas condições, cvom o médico opra socorrendo os guerrilheiros feridos nos combates, ora prestando  cuidados àss populações sob o seu controlo. Descreveu, também, as actividades operacionais no interior de um bi-grupo durante os primeiros três meses de 1967, na frente Norte [Sambuia], até ao momento em que adoeceu, por paludismo, sendo transferido para Conacri aonde permaneceu durante mais três meses em recuperação. Faz, ainda, referência ao modo como foram passados os últimos seis meses de 1967 na frente Leste, acompanhando os guerrilheiros em actividades operacionais nos corredores entre Madina do Boé e Beli. Regressou a Cuba em janeiro de 1968.

Quanto à segunda entrevista, que agora se inicia, tem como principal interlocutor o médico de clínica geral, com experiência em cirurgia, Amado Alfonso Delgado. A sua missão teve início na véspera de Natal de 1967, na companhia de outro médico, voando de Havana até Conacri, com escala em Gander [Canadá], Praga, Paris e Senegal. A sua chegada a Boké, na Guiné-Conacri, aconteceu nos primeiros dias de 1968, aonde se manteve durante três meses, prestando serviço médico no Hospital local, na companhia de mais quatro clínicos cubanos: o cirurgião militar Almenares, um ortopedista, um analista de laboratório e um técnico de raio X.

Em abril de 1968 segue para a frente Leste substituindo o seu companheiro Daniel Salgado, na base de Kandiafara, por este se encontrar doente com uma forte crise palúdica. Nesta base encontravam-se vinte combatentes cubanos. Entre maio de 1968 e setembro de 1969 [dezassete meses], movimentou-se nas matas do Unal e Fiofioli [com passagens e histórias de locais míticos que marcaram a minha vida e a de muitos de nós, como foram os casos do Xime, Ponta Coli, Ponta Varela, Poindon, Ponta do Inglês e Enxalé].[vd. infogravura acima].

É de tudo isto, e de algo mais, que o médico Amado Alfonso Delgado aborda no seu depoimentos.

Porque se trata de uma tradução (com adaptação livre e fixação do texto em português, da minha responsabilidade), não farei juízos de valor sobre o conteúdo desta e das outras entrevistas: apenas coloquei entre parênteses rectos algumas notas avulsas de enquadramento sócio-histórico ao que foi transmitido, com recurso a imagens desse contexto retiradas da Net e dos arquivos do nosso  blogue.

2.  O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO [I]

Nesta longa entrevista, Amado Alfonso Delgado fala da sua família e dos seus estudos, bem como da decisão, amadurecida, de se oferecer para uma missão internacionalista em apoio à luta do PAIGC. Fala da sua longa viagem de Havana a Conacri, de Conacri a Boké, na fronteira Norte com a Guiné. Recorda as caminhadas longas de sete dias por matas e bolanhas, estas às vezes cheias de sanguessugas, dos terríveis suplícios que eram os mosquitos e as abelhas, enfim, das ofensivas das tropas portuguesas…

A entrevista tem com 25 questões. Hoje apresentamos a resposta (em itálico) às cinco primeiras, com adevdia vénia ao autor, conhecido jornalista cubano Hedelberto López Blanch (n. 1947).

“Cirurgias com a ténue luz de fachos de palha ardendo” (Cap XI, pp. 136 e ss)

“Para Alfonso Delgado foram dias aziagos, de sacrifícios, e por que não, de heroísmo, para servir um movimento de libertação que em meados da década de sessenta [do séc. XX] era o mais organizado e combativo de África”.

Nasceu em 1940 na cidade de Santa Clara [local da última batalha na Revolução Cubana, cujos combates foram liderados pela dupla do Exército Rebelde: Ernesto Che Guevara (1928-1967) e Camilo Cienfuegos Gorriarán (1932-1959), realizada no último dia do ano de 1958, levando ao exilio, nessa data, o então presidente de Cuba, Fulgêncio Batista (1901-1973), primeiro rumando à República Dominicana, depois até à Ilha da Madeira (Portugal) e, por último, a Espanha, onde morreu em Marbella, em 6 de Agosto de 1973, de enfarte do miocárdio].

Até à entrada para a universidade, estudou em colégio particular, dos antigos Maristas, não sem sacrifício opara a família, de origem modesta: a mãe era professora e i pai militar, “Os seus pais fizeram grandes esforços para lhe pagar, que frequentou desde o primeiro grau até ao quinto ano do bacharelato. Com a Universidade de Havana fechada, em 1957, pela ditadura de Fulgêncio Batista, teve procurar os seus pr+óprios meiso de subsistência, tendo trabalhado nomeadamente numa pequena fábrica de tubos em Cotorro [um município situado a sudoeste da Província e cidade de Havana].

Em 1959, a Universidade reabre e o nosso futuro médico começa a estudar medicina..

Na altura da entrevista, era cirurgião do Hospital Docente Clínico-Cirúrgico Dr. Salvador Allende, em Covadonga, Calçada del Cerro, em Havana. [A nova designação de Hospital Dr. Salvador Allende (1908-1973) verificou-se em 1973 em homenagem ao presidente chileno, também ele médico – morto em 11 de setembro de 1973, na sequência do golpe de estado liderado pelo seu chefe das Forças Armadas, Augusto Pinochet (1915-2006). Este estabelecimento de saúde chamava-se originalmenmte Casa de Saúde «Quinta Covadonga», tendo sido inaugurado em março de 1897.

“O início desta casa de saúde «Quinta Covadonga» é atribuído a acção desenvolvida, a partir de 1896, pelo emigrante asturiano (província espanhola) Manuel Valle, contando esta com vários pavilhões sanitários e onde existiam as tecnologias mais avançadas da época. A comunidade asturiana em Cuba passou a contar, desde o seu início, com apoio médico qualificado a preços simbólicos. De referir que esta instituição de saúde dependia do «Centro Asturiano de La Havana», uma sociedade de beneficência que promovia a solidariedade e a assistência entre os naturais das Astúrias e que no início do século XX chegou a ter cem mil sócios. Durante a década dos anos noventa, o governo do Principado decidiu apoiar a reconstrução e modernização deste centro, considerado o maior do sistema sanitário público cubano. Desde 2001 o edifício actual, reconstruído em 1927 por efeito de um incêndio em 1918, serve de sede a colecções de arte universal do Museu Nacional de Belas Artes Cubano]".




Cuba > La Habana > Cerro > Quinta Covadonga  > Hospital Docente Clínico Quirúrgico "Dr. Salvador Allende"

[Imagem da respetiva página no Facebook, reproduzida com a devida vénia[








(i)  Como eram os estudos de medicina 

nesses primeiros anos?

Em setembro de 1959 reiniciaram-se as aulas e eu pertencia ao primeiro grupo de estudantes de medicina depois do triunfo da Revolução. Nessa altura, inscrevíamo-nos sem fazer exame de ingresso. Antes, praticamente não tínhamos de assistir às aulas todos os dias, bastava ir a algumas sessões. Tinham-me dito que para ser bom médico tinha que trabalhar em hospitais, e no primeiro dia perguntei a um estudante se conhecia algum médico.

Levou-me, então, ao Hospital Kourí, actual Oncológico, aonde me apresentou a um médico que por sinal era cirurgião, e graças a essa coincidência continuei nessa área desde o início do trabalho como estudante de cirurgia no Kourí. Depois consegui outros locais para praticar, em particular a Clínica Cirúrgica de Havana. Este primeiro grupo de médicos graduou-se em 1965, no Pico Turquino [mapa abaixo], com a presença de Fidel de Castro (n-1926.08.13). Estivemos cinco dias a andar pelas colinas. Apesar de não ser muito desportista eu gostava de andar, e acabei por ser o segundo a chegar ao Pico Turquino entre os mais de trezentos que subimos.

Após a graduação perguntaram-me se queria fazer o Serviço Médico Rural nalgum local específico e perguntei-lhes aonde é que faria falta. Indicaram-me o de Realengo 18, em Guantánamo [enquadramento histórico em http://www.ecured.cu/Ejercito_ Rebelde], um dos lugares mais complicados.

Fui nomeado director da policlínica e depois transferiram-me para o Hospital de Gran Tierra de Baracoa. Ali trabalhava de manhã, à tarde e à noite, e praticamente não descansava para prestar apoio à população. Em Gran Tierra [município do oriente] passei oito meses e quando estou a terminar o Serviço Médico Rural, por volta de agosto de 1967, o director municipal dá-me conta de que existia a oportunidade de cumprir uma missão internacionalista.



(ii) Alguma vez levantou a hipótese 
de fazer essa missão?

Num determinado momento tinha expressado ao director do hospital a minha disposição de cumprir uma missão, sobretudo no Vietname pelo heroísmo desse povo, e na verdade sentia-me uma certa pena de não ter participado na guerra contra Batista. Estive afastado da acção política nesses primeiros anos. Creio que houve duas razões que me fizeram mudar, a primeira porque trabalhava com um grupo de cirurgia que ganhava muito dinheiro e quando operavam as pessoas no hospital nem falavam com o paciente. Em contrapartida, quando iam operar numa clínica privada, conversavam com a pessoa, a adulavam, e, por isso, desliguei-me do grupo. A outra teve a ver com “Crise de Outubro” (Crise dos Mísseis), em que fiquei indeciso sobre a posição a tomar.

[O princípio da crise dos misseis em Cuba, nome atribuído ao conflito entre os Estados Unidos, a União Soviética, ex-URSS, e Cuba em outubro de 1962, tem a sua origem na descoberta, por parte de espiões americanos, de bases de mísseis nucleares soviéticos em território cubano. De imediato, os Estados Unidos bloquearam a costa cubana e durante treze dias esteve eminente o início, em Cuba, de uma guerra nuclear, ou seja, a III Guerra Mundial, só ultrapassada pelo acordo a que chegaram as duas superpotências. Mesmo assim os Estados Unidos decidem bloquear totalmente a Ilha, impondo um embargo ao comércio com Cuba e proibindo os seus aliados de estabelecerem relações comerciais com aquele país [vd. enquadramento histórico aqui ].

Aí, as pessoas, ao conversarem sobre este episódio, diziam-me que havia que acordar, uma vez que uns pensavam no socialismo e outros no capitalismo, mas se ocorresse algum conflito, havia que estar do lado dos americanos. Esses dois factos levaram-me a cortar com as relações que tinha. Estive em Santa Clara e Guantánamo e quando regressei conclui a formação, embora os meus colegas de curso praticamente não me conheciam.

Voltando ao tema de partida, acrescento que o director municipal de saúde de Gran Tierra de Baracoa comunica-me que José Ramón Machado Ventura, então ministro da Saúde Pública, necessitava de alguém para uma missão, mas que devia ter absoluta garantia de que a cumpriria. Disse-lhe que iria até onde fosse necessário, perguntando-lhe se seria para o Vietname, mas apenas me foi dito que seria uma missão dura.




(iii) Encontrou-se com Machado Ventura 
[, ministro da saúde]?


De Guantánamo apanhei um avião até Havana para me encontrar com Machado Ventura, o qual já conhecia do tempo da pós-graduação, pois esteve no hospital aonde fui director. Um dia ele apareceu por lá, quando estava cheio de utentes. Porque soube que ele vinha, pensando que era uma inspecção, preparei-lhe um quarto, e pus-lhe uma coberta limpa na cama. Mas, em vez de nela se deitar, fê-lo no chão. Perguntei-lhe porquê? Respondeu-me se eu gostaria que ele sujasse a coberta.

Após a entrevista, o dr Machado Ventura despediu-se e pediu-me que estivesse contactável. Três ou quatro dias depois, fui contactado para que comparecesse no Ministério onde dois funcionários se reuniram comigo e disseram-me que a missão era para a Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau]. Comecei a preparar-me, pois deram-me roupa, fiz uma carta de despedida e recebi um passaporte como engenheiro agrícola
.

(iv) Teve algum treino militar? 


Não. Por sorte, quando estive na pós-graduação havia uma companhia serrana, constituída por combatentes que participaram no Realengo 18 [enquadramento histórico identificado acima], e cada vez que acontecia uma mobilização, deslocava-me com eles e sabia já manejar perfeitamente as espingardas: a AK [sigla da arma automática «Kalashnikov», de fabrico soviético] e outras armas, imnagem à esquerda].

(v) Como e quando fez a viagem?

Eu e outro médico voamos do Aeroporto de Havana, fazendo escala em Gander (Canadá), Praga, Paris, Senegal e Guiné-Conacri. Embarcámos no dia 24 de dezembro de 1967, chegámos a Praga a 25 e seguimos para Paris, onde permanecemos dois dias. Na República da Guiné ninguém nos esperava. Recorremos a um carro de aluguer e pedimos para nos levarem até à embaixada cubana. Levaram-nos, então, a uma casa, tocámos e apareceu um companheiro que nos informou que havia uma reunião em casa do embaixador. Dirigimo-nos até lá. Estava a decorrer uma festa e pensei: “Disseram-me que isto era duro e quando chego encontro as pessoas comendo porco e bebendo rum”. A festa, afinal, tinha a ver com a despedida do primeiro e segundo grupos de internacionalistas que regressavam a Cuba [aonde estava, certamente, o cirurgião Domingo Diaz Delgado, o primeiro entrevistado neste trabalho].

O médico que viajou comigo era militante da Juventude [Comunista] e disseram-nos que um de nós iria para um pequeno hospital junto à fronteira com a Guiné-Bissau e o outro iria acompanhar a guerrilha. Pensei que muito provavelmente esta situação seria para o outro, mas foi para mim e que aceitei.

Porém, antes da nossa partida de Havana, tinha viajado por barco um outro grupo de trinta combatentes e seis médicos [final de novembro ou início de dezembro’1967] que, quando cheguei a Conacri, já estavam no interior da Guiné-Bissau.


Continua…

____________


sábado, 29 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13958:(Ex)citações (254): quando Spínola viajou, com mais 300 homens, na BOR, em 17/3/1969, no decurso da Op Lança Afiada, em pleno Rio Corubal, da Ponta Luís Dias à Ponta do Inglês

  
Guiné > Rio Geba > Barco BOR > 2/5/1967 > " (...) No dia dois de maio [de 1967], a seguir ao almoço formar e seguir para as viaturas, carregar as lembranças nas respectivas viaturas destinadas a cada Pelotão e seguir para Bambadinca onde nos esperava o barco, a BOR,  que nos transportava no rio Geba até Bissau onde nos esperava o barco Uíge" (...).

[Cortesia de Fernando Chapouto, ex-fur mil op esp, CCAÇ 1426, Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, 1965/67 >  Cantinho do Fernando > As minhas mnemnórias da Guiné 65/67]

Foto: © Fernando Chapouto  (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



1. A propósito da BOR, a embarcação civil que era utilizada em 1968/69 no transporte de tropas, com ums pequena escolta de fuzileiros (*):


Excerto do relatório da Op Lança Afiada (**):


Dia D + 9 (17 de Março de 1969)

O PCV com o comandante do Agrupamento Táctico Norte sobrevoou os Dest A, B e C cerca das 07H00, verificando que estavam no local que a carta indica como sendo o “Porto” de Ponta Luís Dias. Não conseguiu entrar em contacto rádio com a FN [ Força Naval] , apesar desta força ter indicativo e frequência marcados no Anexo de Transmissões da OOP.

O PCV regressou depois a Bambadinca para se reabastecer. Cerca das 09H20 chegou a Bambadinca o heli de Sua Excia o Comandante-Chefe que deixara Sua Excia junto dos Dest A, B e C.

Aparentemente o embarque não podia ser feito onde as NT se encontravam pois via-se uma grande língua de areia. O heli levantou para escolher um local onde a língua de areia fosse mais estreita, o que ocorreu cerca de 1,5 quilómetros a Norte.

Quando a maré subiu, verificou-se que a água cobria toda a língua de areia e que as LDM [lanças de desembarque médias ] e a BOR [, embarcação civil,] podiam ter abicado no local onde as NT se encontravam inicialmente. O esforço que a estas foi exigido de caminhar quilómetro e meio pelo lodo podia ter sido poupado se a bordo do PCV tivesse ido um oficial de marinha.

Foi nessa altura que Sua Excia o Comandante-Chefe informou que, por uma questão de marés, as NT não seriam transportadas ao Xime como ficara combinado na véspera mas sim apenas a Ponta do Inglês  [, na Foz do Corubal, margem direita]. A CART 1743, no entanto, seguiria para Bissau. Os Dest A e B, desembarcados em Ponta do Inglês, seguiriam depois a pé para o Xime, o que aconteceu.

A avaria de uma das LDM obrigou a outra a ficar-lhe ao pé e levou a BOR a transportar 300, isto é, mais do que a sua lotação permite. Como o heli do COMCHEFE não chegou a tempo, Sua Excia tomou também lugar na BOR, com o Comandante da Operação e com o Delegado do QG [ Quartel General ] que viera coordenar o embarque.

Cerca do meio dia as LDM e a BOR abicaram a Ponta do Inglês.

 Sua Excia tomou o seu heli para Bissau e o Comandante da Operação [, cor inf Hélio Felgas,] tomou o das evacuações que entretanto mandar vir para fazer duas evacuações para Bambadinca.

Os Dest A e B chegaram ao Xime cerca das 15h30 depois de terem sofrido novo ataque de abelhas que, tal como em Ponta Luís Dias, de manhã, ocasionou desorganização e levou os carregadores a abandonarem material, recuperado mais tarde.

Ao compreender-se que apenas era deixado o heli de evacuações, deu-se ordem aos Dest E, F, G, H e I para se aproximarem dos respectivos aquartelamentos [ Mansambo e Xitole]. Não se podiam abandonar sem alimentação nem água garantidos.

Aliás aqueles Dest haviam saído às 03H30 da tabanca do Fiofioli onde se haviam reunido e, uns por Cancodea Balanta e por outros por Cancodea Beafada, completaram a destruição de todos os meios de vida IN da região. Encontraram vacas que mataram, levando outras consigo. Em Cancodea Beafada capturaram 2 homens, 3 mulheres e 3 crianças.

Estes Dest passaram depois por Mina e por Gã Júlio, utilizando sempre trilhos diferentes dos de ida. Quando, ao fim da tarde, foram sobrevoados pelo PCV, encontravam-se próximos da foz do Rio Bissari, tendo já percorrido nesse dia uns 30 quilómetros. Foram-lhes recomendadas todas as cautelas e autorização para prosseguirem quando quisessem pois não se poderiam reabastecer.

Mal o PCV saiu da área, o IN flagelou o Dest com 2 morteiradas e rajadas, de longe, procedimento este que afinal utilizou durante toda a operação e que revelou impotência [no original, importância] e falta de agressividade. (...)

_______________

Notas do editor:

(*) Vd, postes de:

29 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13956: (Ex)citações (253): de facto sou eu, estou a preparar o embarque de um jipe Willys com destino a Bissau (devidamente canibalizado)...E aproveito para recordar a BOR, embarcação civil que fazia transporte de tropas com uma pequena escolta de fuzileiros (Ismael Augusto, ex-alf mil manut, CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70)

(...) Relativamente ao cais, em 1968, a CCS do BCAÇ 2852 chegou a Bambadinca num barco civil que fazia o transporte de tropas. Era um barco (lancha ou navio, para não ofender os nossos amigos da marinha, que fazem muita questão na destrinça entre estas designações dadas pelos menos conhecedores, o que é o caso).

Chamava-se BOR e dispunha de apoio de uma pequeno grupo de fuzileiros, que nos acompanhou a bordo durante todo o percurso. Obrigado a eles. Foi por eles que fiquei a saber da existência do macaréu que, com outra designação [, pororoca ]. tem a sua réplica no rio Amazonas, pelo menos nesse. (...) 


Ainda sobre a BOR, vd. os postes:

12 de fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2527: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (11): Na Bor, Rio Geba abaixo, com o Alferes Carvalho num caixão de pinho...

(...) Um dia, as más notícias correm céleres, soube-se: vítima de mina antipessoal,  faleceu o Alferes Carvalho. Na malfadada estrada para Madina do Boé ficava o amigo. Menos de três meses após a chegada àquela terra. Soube agora no Blogue a data esquecida, 17 de Abril [ de 1968] e o local onde hoje repousa (...).

Mais um nome, a juntar a tantos vitimados naquela estrada. Toda a Companhia sentiu aquela morte. A primeira sofrida pelas duas Companhias gémeas.

Voltaram-se a encontrar-se, como e porquê? Por acaso ou porque se deviam despedir ainda. Tinha que ir a Bissau, ao Hospital Militar. A curiosidade e não só levou-o a fazer a viagem na BOR – um barco com pás na proa, verde-claro, e que se habituara a ver passar nas seguranças a Mato Cão. (...)


28 de dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5555: A navegação no Rio Geba e as embarcações do meu tempo: Corubal, Formosa, BOR... (Manuel Amante da Rosa)

(...) Quanto ao BOR, como os outros, também era do Comando da Defesa Marítima. Era o que se chamava um ferryboat, para transporte de viaturas, cargas a granel, passageiros, gado e tudo o mais que houvesse, incluindo a guarnição de várias unidades militares a nível de companhias e seus apetrechos e viaturas. Tinha dois potentes e ruidosos motores, um a bombordo e outro a estibordo, que lhe permitia grande capacidade de manobra e calava pouco. Mas era lento de exasperar e desconfortável. O sol era abrasador para quem não estivesse abrigado. Levava facilmente mais de 400 passageiros e cargas.Era seguro e muito utilizado para o transporte das guarnições militares. (...) 

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13944: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XVIII: jullho de 1973: (i) mais um ataque, no Rio Geba Estreito, em São Belchior, a seguir ao Mato Cão, à uma embarcação civil, a "Manuel Barbosa"; (ii) colocação, em Bambadinca, da CCAÇ 21, como unidade de intervenção do CAOP2, comandado por Abdulai Jamanca; (iii) pemetração na mítica mata do Fiofioli.


Guiné >  Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > Rio Geba > c. 1968 >  Passagem de um barco civil, a caminho de Bambadinca, através do Rio Geba Estreito.  Fotos Falantes II, álbum do Torcato Mendonca. alf mil art, CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

Foto: ©  Torcato Mendonça  (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]




1. Continuação da publicação da História do BART 3873 (que esteve colocado na zona leste, no Setor L1, Bambadinca, 1972/74), a partir e cópia digitalizada da História da Unidade, em formato pdf, gentilmente disponibilizada pelo António Duarte (*)

[António Duarte, ex-fur mil da CART 3493, a Companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e não como voluntário, como por lapso incialmente  indicamos); economista, bancário reformado, formador; foto atual à esquerda].


O destaque do mês de julho de 1973 (pp. 61/63) vai para:

(i)  o ataque, no Rio Geba Estreito, em São Belchior, a seguir ao Mato Cão, à embarcação "Manuel Barbosa" (, ligada a uma comercial de Bissau, se não erro); o barco, civil,conseguiu chegar a Bambadinca com um ferido;

(ii) a colocação, em Bambadinca, da CCAÇ 21, como unidade de intervenção do CAOP2; era inteiramente composta por quadros e praças do recrutamento local, sendo comandada pelo cap cmd graduado Jamanca;

(iii) a CCAÇ 21 entra na zona de Mina / Fiofioli.


Jullho de 1973: (i) mais um ataque, no Rio Geba Estreito, em São Belchior, a seguir ao Mato Cão, à uma embarcação civil, a  "Manuel Barbosa"; (ii) colocação, em Bambadinca, da CCAÇ 21, como unidade de intervenção do CAOP2, comandado por Abdulai Jamanca; e (iii) as NT penetram na mítica mata do Fiofioli

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13359: Op Trampolim Mágico: 26 de fevereiro de 1972: 18 Gr Comb + 2 GEMIL + CCP 123, com apoio da FAP e da Marinha, fazem desembraque anfíbio na margem direita do Rio Corubal e passam tudo a pente fino, do Fiofioli a Mansambo (Luís Dias, ex-alf mil, CCAÇ 3491, Dulombi, 1971/74)

1. No nosso último encontro, em Monte Real, no passado dia 14 de junho, em conversa com os camaradas Joaquim Mexia Alves e Juvenal Amado, veio à baila uma operação anfíbia no Rio Corubal em fevereiro de 1972, no setor L1 (Bambadinca).

O Joaquim Mexia Alves, na altura alf mil op esp na CART 3492, sediada no Xitole, participou nessa operação, juntamente com mais malta do BART 3873, cujo comando e CCS estavam sediados em Bambadinca. O Juvenal Amado mandou-me, a seguir, informação mais detalhada sobre essa operação, com nome de código Trampolim Mágico,  que aparece descrita no blogue do nosso camarada Luís Dias, Histórias da Guiné 71/74 -  A CART 3491, Dulombi. (Vd. poste de 10 de junho de 2014 > A nossa cruz de guerra).

[Foto à esquerda: Luís Dias, c. 1972/74]


Escrevi ao Luis Dias a pedir-lhe autorização para reproduzir,  no nosso blogue, o texto e as fotos que ele acabara de publicar, com vista a uma divulgação maior. Aqui vai a mensgem que tem data de 16/6/2014:

Luís: Não tenho a certeza do teu mail estar a funcionar... Há mensagens com data anterior devolvidas... Mas escrevo-te a pedir autorizaçãop para  publicar parte de um poste teu em que descreves a tua participação na Op Trampolim Mágico, juntamente com outras unidades,  incluindo a CART 3492 (Xitole), a CART 3494 (Xime), a CCAÇ 12...
Como vais tu ? Não tens dado sinais de vida... Foi o Juvenal (que faz anos amanhã) que me ajudou a chegar até aqui...

O Fiofiioli era um "mito" no meu tempo e a marinha não se atrevia a entrar no Rio Corubal, depois da Op Lança Afiada (10 dias), em março de 1969... Se tiveres mais fotos e informação, diz-me ou escreve... Vou publicar um poste sobre a Op Trampolim Mágico com o teu nome e com link para o teu blogue... Tudo isto faz parte das nossas memórias... mais ou menos doridas...

Pode ser ? Um abraço. Luis


2. A resposta do Luís Dias acaba de chegar, por intermédio do Juvenal Amado:

2 de Julho de 2014 às 21:36
Assunto: Operação Trampolim Mágico

Caro Juvenal: Fazes o favor de reencaminhar esta msg para o Luís Graça, dado que o seu endereço desapareceu do meu sistema e não sei porquê.Um abraço. Luís Dias

Amigo Luís Graça

Peço desculpa de só agora te estar a responder, mas tenho andado atarefado com aulas de formação, bem como outras actividades e confesso que não tenho tido tempo de vir ver as minhas msgs (estão em perto de 300!!!).

Podes utilizar tudo o que quiseres do blogue da minha companhia, muito em especial, o que está escrito sobre a operação Trampolim Mágico. A foto foi retirada já não sei de onde, talvez da Tabanca Grande (o blogue que tão dignamente diriges), mas não tenho referências da mesma.

Um abraço e manda sempre, Luís Dias




Guiné > Zona Leste > Croquis do Sector L1 (Bambadinca) > 1969/71 (vd. Sinais e legendas)


3. Descrição da Op Trampolim Mágico > Excerto do blogue do Luís Dias > poste de 10 de junho de 2014 > A nossa cruz de guerra.


Entre 24 de Fevereiro e 26 de Fevereiro [de 1972], o 2º GC e 3º GC da companhia [, a CART 3491, sediada em Dulombi] , participaram na Op Trampolim Mágico, na área de intervenção do BART 3873, com sede em Bambadinca, (que tinha chegado à Guiné poucos dias depois de nós - éramos todos uns "periquitos").

As NT foram agrupadas  da seguinte forma:

(i)  Grupo Castanho, formado por 4 GC da CART 3493 [ Mansambo], juntamente com o 2º e 3º GC da CCAÇ 3491 [, Dulombi];

(ii) O Grupo Laranja, formado por 4 GC da CART 3492 [, Xitole,]  reforçados por 1 GC da CCAÇ 3489 [, Cancolim,] e outro da CCAÇ 3490 [, Saltinho];

(iii) O Grupo Amarelo, formado pelos 4 GC da CART 3494 [, Xime], reforçados por 2 GC da CCAÇ 12 [, Bambadinca];

(iv) O Grupo Preto, formado pelos GEMIL 309 e 310;

(v) O Grupo Verde, formado pela CCP 123 [, BCP 12, Bissalanca, BA 12, 1972/74].

Em apoio: 1 parelha de Fiats G91, 1 parelha de T-6, 2 Hélios e 1 Héli-canhão e a artilharia de uma LDG.

Os grupos Castanho e Laranja foram embarcados em LDG e desceram o Rio Geba, onde passaram o dia, desembarcando em Porto Gole, ao fim da tarde e onde pernoitaram.

No dia seguinte, embarcámos de novo e lançados a todo o "vapor" fizemos um desembarque na Ponta Luís Dias (tem o nome de um dos alferes da nossa companhia, mas não tem nada a ver com ele) e em Tabacuta, sob o bombardeamento da aviação e da artilharia da LDG e com a presença no terreno do Comandante-Chefe, General António de Spínola.

Efectuámos acções de ataque a aldeias dominadas pelo IN, atravessando as matas do Fiofioli até Mansambo.

Dada o número das nossas forças os guerrilheiros foram fugindo, deixando para trás as mulheres, as crianças e os velhos, efectuando flagelações à distância, em especial de noite, para tentar nos localizar.

Nesta operação, em que estavam envolvidos batalhões recém-chegados à Guiné, houve momentos, em especial no Grupo Castanho, em virtude de termos ficado parados muito tempo ao sol (a excepção foram os nossos dois GC, que eram os últimos da coluna e que, ao nos apercebemos que iríamos ficar ali muito tempo saímos do sol, procurando abrigo na sombra das árvores) que poderiam ter dado em desgraça, face à falta de água, originando muitas evacuações por cansaço, insolação e desidratação.

A operação que implicou muitos meios não obteve os êxitos esperados, para além da destruição de locais do IN, da apreensão de diverso material e de documentação e da recuperação de população (32 pessoas) e foi mais um meio de mostrar ao IN a nossa presença na zona onde eles estavam implantados.



Porto Gole, onde existia um Padrão dos Descobrimentos portugueses e onde bebemos a cerveja que nos soube melhor, depois de um dia no meio do Rio Geba, dentro da LDG. [Foto de João Martins, reproduzida no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Com a devida vénia.]



Lancha LDG utilizada pelo agrupamento Castanho e Laranja, na Op Trampolim Mágico. Em pé e do lado dto (a olhar para a foto), o Alf Luís Dias. Fopto de Luís Dias (2014).



Zona de mato denso onde estavam diversas palhotas que serviam de refúgio a elementos do PAIGC e população que os apoiava e que foram destruídas pela nossa passagem. Foto de Luís Dias (2014).

Texto e fotos (a preto e barnco):  ©  Luís Dias (2014). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Vd. postes sobre a Op Lança Afiada

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11740: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): IV (e última) Parte: Quando o bravo soldado Spínola também dansa a valsa do Corubal azul. Ensinamentos colhidos e críticas do cor Hélio Felgas, comandante da operação, à falta de articulação dos 3 ramos das Forças Armadas


Guiné  > Zona leste > Setor L1  (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > c. 1968/60 > Uma das raras foto do ten cor inf Pimentel Bastos, comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1969/71). É o segundo militar, a contar da esquerda para a direita. Aqui, em visita ao aquartelamento de Mansambo, em construção, c. 1968/69. Na Op Lança Afiada, ele foi o comandante do Agrupamento Tático Norte. Depois do ataque a Bambadinca, sede do BCAÇ 2852, em 28 de maio de 1969, foi punido disciplinarmente pelo Com-Chefe.

Dele disse o António Vaz, o cap mil do Xime, à epoca da Lança Afiada:

"Chamo-me Antonio Vaz tenho 73 anos e fui capitão mil comandante da Cart 1746,  no Xime,  de janeiro de 1968 até ao fim da comissão, em  junho de 1969. Como companhia  independente conheci vários comandantes  de batalhão, primeiro os de Bula e depois de Bambadinca. Dos que me recordo melhor foram o comdt do BART 1904 , ten cor  Branco,  o Fontoura e o Pimentel Bastos.Todos diferentes,  todos iguais. Do Pimentel Bastos recordo com saudade o espirito,  a cultura e a simpatia ingénua de um homem que não nascera para aquilo. Nas muitas conversas que tive com ele compreendi o seu drama.Eu estimei-o,"

Foto: © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339> c. Março / maio de 1969 > Milhares de nativos são requisitados pela administração do concelho de Bafatá para capinar a estrada de Bambadinca - Mansambo - Xitole (cerca de 30 Km), de um lado e de outro, numa faixa (variável) de 50 a a 100 metros.

(...) "A foto e a legenda referem-se à Operação Cabeça Rapada I, iniciada em 25 de Março de 69, com duração de 2 dias e envolvendo cerca de 7000 nativos. Em 8 de Março tinha havido a Operação Lança Afiada… Era necessário dizer ao PAIGC: A população está connosco…

"Em 9 de Abril houve a Cabeça Rapada II, com duração de um dia. Ver escrito do Carlos Marques dos Santos (*). O itinerário escolhido foi Mansambo/Ponte dos Fulas. Em 30 de Abril e até 2 de Maio, teve lugar a Cabeça Rapada III, já de maior envergadura, quer pelas nossas forças e nativos envolvidos, duração e itinerários escolhidos – Samba Juli / Mansambo; Bambadinca, Candamã, Galomaro e Samba Cumbera. (Fonte: Historial da Cart 2339).

"A população envolvida era Fulas e Mandingas. Os Balantas estiveram e muito bem, como carregadores, integrados na minha Companhia na Op Lança Afiada. Um dia contarei…Tanta estória." (...) 

Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.



Cópia da caderneta de voo do Jorge Félix (ex-alf mil, pilav heli AL III, BA 12, Bissalanca, 1968/70):


Nota de Jorge Félix (**) :

(...) "dias em que estive envolvido na operação Lança Afiada, (...) o que lá está  [na minha caderneta de voo}:

Dia 12 de Março de 1969 Hel Al III nº 9279 Desp- Bs-Buba-Bambadinca 2 ater 1:40 horas
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Zops-Bambadinca. 5 Aterragens 1:40 horas
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Zops-Bambadinca 2 aterragens 35 minutos.
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Mansambo-Zops 10 aterragens 1:20 horas
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Zops-Bambadinca 2 aterragem 30 minutos
Dia 12/3/09 Desp- Bambadinca- Bafata 1 aterragem 15 minutos

Dia 13/3/69 Hel AlIII nº 9275 Desp Bambadinca -Bissau 1 aterrag 50 minutos
Dia 13/3/69 Hel AlIII nº 9279 Desp Bafata Bambadinca 1 aterrag 15 minutos
Dia 13/3/69 Tger- Tevs-Bambadinca- Zops (3x) 10 aterrag 1:45 Horas
Dia 13/3/69 Tger-Bambadinca-Zops- Bambadinca 2 aterrag 30 minutos
Dia 13/3/69 Tger- Bambadinca Zops-Bambadinca 2 aterragens 25 minutos
Dia 13/3/69 Tger Bambadinca-Zops-Bafatá 10 aterragens 1:50 horas

Dia 14/3/69 Hel AlIII 9276 Aesc Bafatá-Bambadinca-Zops 4 aterragens 2:10 Horas

Dia 15/3/69 Hel AlIII 9279 Tevs- Bafatá-Bambadinca-BS 3 aterrag 1:25 Hora
Dia 15/3/69 Desp-Bs- Bambadinca 1 aterrag 45 mint
Dia 15/3/69 Tger-Tevs Bambadinca-Zops 16 aterragens 2:20 Horas
Dia 15/3/69 Tger-Tevs Bambadinca-Zops 10 aterrag 2:00 horas
Dia 15/3/69 Desp Bambadinca-Bafatá 1 aterrag 15 minutos

Dia 16/3/69 Desp Bambadinca Bafatá Bambadinca 2 aterrag 2:00 Horas
Dia 16/3/69 Av DO27 3470 Desp Bamb-Bafatá-Bambadinca 2 aterragens 30 minutos

Dia 18/3/69 AlIII 9276 Tman BS Zops (2x) BS 5 aterg 45. (...)

(Esta operação no dia 18 já não é em Bambadinca, e o voo em DO27 foi talvez de apoio às Forças terrestres, navegação, orientação pelo ar.)

Entre os dias 12 e 16 de Março voei 23:00 Horas na Zops da operação Lança Afiada." (...)

[Observ.: TEVS= Transporte Evacuações; TGER= Transporte Geral; ZOPS= Zona Operacional. L.G.]

 Fotos: © Jorge Félix (2009). Todos os direitos reservados


A. Publica-se a quarta e última do extenso relatório da Op Lança Afiada, que decorreu entre 8 e 18 de Março de 1969, na região compreendida entre a linha Xime-Xitole e a margem direita do Rio Corubal, até então considerada como um "santuário do IN". (***)

A operação, comandada pelo coronel Hélio Felgas (o patrão do Agrupamento 2947, mais tarde comando operacional de Bafatá, COP 7, se não me engano, e depois no final da guerra CAOP 2), coadjuvado por dois tenentes-coronéis, Jaime Banazol (liderando o Agrupamento Táctico Sul, com mais de 500 homens que partiram do Xitole e de Mansambo) e Manuel Pinto Bastos (comandante do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), que encabeçava o Agrupamento Tático Norte (com cerca de 750 homens, que partiram do Xime). Ao todo 1300, entre soldados metropolitanos, milícias e carregadores...

Foi uma das últimas grandes "operações de limpeza", realizadas no primeiro ano do consulado de  Spínola, enquanto Governador Geral e Comandante-Chefe (que fez questão de estar presente, junto das NT, no Dia D + 9, ou seja, 17 de Março de 1969, partilhando inclusive o transporte naval que levou os nossos esgotadíssimos camaradas da Ponta Luís Dias à Ponta do Inglês, no regresso ao Xime).

Apesar dos elevados meios humanos e materiais envolvidos, a correlação de forças não se modificou e, depois de um rápido processo de reorganização, a guerrilha voltava a obrigar as NT a acantonarem-se nos seus aquartelamentos onde flutuava a bandeira verde-rubra no setor L1 (Bambadinca, Xime, Mansambo e Xitole) e destacamentos dispersos. A população civil, sob o controlo  do PAIGC, foi a grande vítima desta algo megalómana e provavelmente mal planeada e pior coordenada operação.

Os soldados portugueses serviram, por sua vez, de cobaia num teste de resistência, a que o autor do relatório, sem despudor, chama processo de "selecção natural" (sic)... Num total de 700 e tal militares, de origem  metropolitanos (o resto eram milícias e carregadores, habituados às duras condições do terreno e ao clima do leste da Guiné), conclui-se que um sétimo fora mal selecionado para o TO da Guiné, já que no decorrer da operação teve de ser evacuado, de helicóptero, por "insolação, ataque de abelhas e doença" (sic).

É o próprio relatório a reconhecer que, na época em que se realizou a operação  (março, tempo seco), as temperaturas andavam entre os 39 e os 44 graus, à sombra, e entre os 55 e os 70º ao sol, e que nessas condições, (i) a guerra tinha que parar das 10 da manhã às 16h da tarde, (ii) precisando um soldado metropolitano de 8 a 10 litros de água (!)...

Nesta operação em que os guerrilheiros e a população por eles controlada passaram simplesmente para o outro lado do Rio Corubal (com os cães, os porcos, as galinhas, etc., não havendo  paras, comandos nem fuzos do outro lado, para os "encurralar"), o verdadeiro inimigo das NT foi, de facto, a desidratação e a resistência física e psicológica, além dos problemas alimentares: o tipo de rações que deram aos nossos soldados (a ração dita normal) era tão má que provocava uma sede horrível; ao segundo dia, já não se comia; ao terceiro, começava a haver problemas... (Veja-se, por exemplo, o número de TEVS, ou transportes de evacuação, que o Jorge Félix teve que fazer, nos dia  12 e 13 de março, para Bambadinca e para Mansambo. Sabemos que durante o tempo em que decorreu a Op Lança Afiada, havia 4 médicos em alerta (Bambadinca, Xime, Mansambo, Xitole), conforme se pode ler no relatório:

(...) "O médico de Bambadinca [, David Payne,]  foi para Mansambo. A CMF [?] dos Serviços de Saúde colocou um médico no Xitole (em permanência) e outro no Xime (só durante a operação). O médico de Bafatá foi a Bambadinca sempre que necessário" (...) 

Tratou-se de uma operação onde se foi a lugares míticos (ou mitificados desde o início da guerra, como a mata do Fiofioli, junto ao Corubal), mas ninguém encontrou médicos e enfermeiras cubanas... Hospitais (?) de campanha, sim, mas já abandonados, uns meses antes. Destruíram-se muitas toneladas de arroz, mataram-se milhares de animais, queimou-se tudo o que era tabanca... Em contrapartida, houve 24 flagelações do IN, mas os guerrilheiros seguiram a regra básica da guerrilha: primeiro, retirar quando o inimigo, ataca: segundo, e quando possível, atacar, quando o inimigo retira... O autor do relatório, irritado, queria que os tipos do PAIGC se apresentasse de peito feito às balas e dessem luta...

O mais caricato (e hilariante, se fosse caso para rir) desta operação é que o pessoal deitou fora... as intragáveis rações de combate e desatou a comer... leitão assado no espeto!

Este é um cínico relato da dura condição da guerra da Guiné, vista pelo lado da hierarquia militar. O relatório tem a chancela do então Cor Hélio Felgas, já falecido como Maj Gen Ref. Tem  críticas veladas, se não mesmo picardias,  ao Comandante-Chefe, ao Quartel General, à Marinha e à Força Aérea...

Há coisas, que se passaram nesta operação, sobre as quais  n ão faço qualquer comentário crítico, deixando isso à atenção e consideração dos poucos camaradas do blogue que estiveram nesta operação: estou-me a lembrar do Jorge Félix, do Paulo Raposo, do Torcato Mendonça, do Hilário Peixeiro...

Cada um dossos nossos leitores que faça a sua leitura, se possível distanciada e desapaixonada... Aqueles de nós, que foram operacionais, rever-se-ão mais facilmente no cenário que foi o da Op Lança Afiada (e que eu e outros camaradas da CCAÇ 12 conhecemos bem entre julho de 1969 e março de 1971).

Seria interessante ouvir, entretanto, o depoimento de camaradas do BCAÇ 2852 e doutras unidades que participaram na Op Lança Afiada (***).  Para uma correcta localização das povoações ao longo da margem direita do Rio Corubal, consulte-se o mapa, dos Serviços Cartográficos do Exército, relativo ao Xime, disponibilizado,  logo em 2005, pelo nosso amigo e camarada Humberto Reis, ex-furriel miliciano da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71). O mapa do Xime deve ser complementado por outros como Fulacunda, Xitole e Bambadinca, também disponíveis on line.

Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação, o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFog, morteiros... Esse ataque ficou célebre, pelo menos a nível do humor de caserna: provavelmente. sem qualquer fundamente, dizia-se em Bissau, na 5ª Rep, no Café Bento,  e em Contuboel, "longe do Vietname", que "os tipos de Bambadinca foram apanhados com as calças na mão, faziam quartos de sentinela sem armas; enfim, um regabofe... Claro que no dia seguinte o Caco Baldé deu porrada de bota a baixo, nos oficiais todos, do tenente-coronel (o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS"...

Eu e o resto da malta da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 estava a chegar a Bissau, no Niassa, quando se deu o ataque a Bambadinca, na noite de 28 de maio de 1969. E passámos por Bambadinca, a caminho de Contuboel, dias depois, a 2 de junho, a tempo ainda de ver e ouvir relatos na primeira pessoa dos camaradas da CCS/BCAÇ 2852...

Ainda há pouco tempo o fur mil reabast José Carlos Lopes (que conserva em casa o lençol da sua cama, todo crivado de estilhaços, na sequência de uma granada de morteiro que explodiu nos quartos dos sargentos) me dizia, ao telefone que "a sorte da malata foi os canhões s/r dos gajos terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha"...

Na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, secas,  em estilo telegráfico:

"Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros".  (L.G.)


B. Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) - IV (e última) parte

(...) Áreas principais de concentração IN:

1 – Poindon;
2 - Baio-Buruntoni;
3 - Gã Garnes (Ponta do Inglês);
4 - Ponta Luís Dias (Calága) – Gã João;
5 - Mangai -Tubacuta;
6 - Madina Tenhegi;
7 - Fiofioli;
8 - Cancodeas;
9 – Mina – Gã Júlio;
10 – Galo Corubal – Satecuta;
11- Galoiel.


Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) (IV e última parte) (*)


5. Desenrolar da acção [, o ocorrido]: (Continuação)


Dia D + 8 (16 de Março de 1969)

Os Dest A, B e C actuaram entre Queroane e Mangai destruindo tudo à sua passagem. O que sobrara de Mangai ficou reduzido a cinzas. Foram ainda capturados 3 nativos e feitos 2 mortos confirmados.

Os Dest F, G e I voltaram a bater a mata do Fiofioli mas agora no sentido Leste-Oeste. Inicialmente, porém, deslocaram-se por indicação do guia à zona (C8-71) e aí do lado de lá da bolanha, e portanto já fora da mata do Fiofioli, encontraram espalhado pelo mato, além de novos documentos, importante e valioso material de guerra que deu para encher mais de dois helis.

Os Dest E e H bateram também no sentido Oeste-Leste e Sul da mata e foram acabar de destruir a tabanca de Fiofioli, capturando ainda muitas munições.

Nesse dia, às 10h30 houve nova reunião em Bambadinca com Sua Excia o Comandante-Chefe. Sua Excia informou que em virtude de ter de realizar uma operação noutro Sector, determinava a suspensão do apoio aéreo em 17 [de Março] e o embarque dos Dest A, B e C em Ponta Luís Dias nesse dia com destino ao Xime. Os outros Dest do Agrupamento Sul não seriam reabastecidos em 17. Que o seriam em 18 mas compreendeu-se mal pois, segundo Sua Excia, em 17 o esforço aéreo não poderia ser mantido e só seria deixado o heli de evacuações. No entanto, os Dest do Agrupamento somavam nessa altura mais de 750 homens que seria necessário reabastecer de água e alimentação (os Dest A, B e C somavam entre 450 e 500 homens).

Nessa reunião foram também alteradas as instruções acerca do arroz IN: devia passar a ser todo destruído. Na véspera, porém, de acordo com a ordem recebida, comunicara-se aos Dest que deviam recolher todo o arroz possível, prevendo-se até o seu transporte por meio de colunas de carregadores a serem novamente recrutados. Havia até sido distribuído mais algumas centenas de sacos de linhagem.

Em face desta nova ordem, os helis passaram no regresso do reabastecimento a trazer homens em vez de arroz, afim de aliviar o esforço de reabastecimento. Mas foi só em 16 [de março]. Neste dia fizeram quase reabastecimento e meio, pois sabia-se que não seriam feitos reabastecimentos alguns em 17.

Foi recebida uma mensagem que dizia: “Confirmação ordens verbais Com-Chefe cessa 17MAR Op ‘Lança Afiada’ Agr Norte (.) Tropas Agr. Norte em Ponta Luís Dias 170600Mar69 (.) Comandante Agr Norte coordena Oper embarque atingido cerca 1000 (.) Com-Chefe desloca-se local partir 170900(.)”.

Dia D + 9 (17 de Março de 1969)

O PCV com o comandante do Agrupamento Táctico Norte sobrevoou os Dest A, B e C cerca das 07H00, verificando que estavam no local que a carta indica como sendo o “Porto” de Ponta Luís Dias. Não conseguiu entrar em contacto rádio com a FN [ Força Naval] , apesar desta força ter indicativo e frequência marcados no Anexo de Transmissões da OOP.

O PCV regressou depois a Bambadinca para se reabastecer. Cerca das 09H20 chegou a Bambadinca o heli de Sua Excia o Comandante-Chefe que deixara Sua Excia junto dos Dest A, B e C. Aparentemente o embarque não podia ser feito onde as NT se encontravam pois via-se uma grande língua de areia. O heli levantou para escolher um local onde a língua de areia fosse mais estreita, o que ocorreu cerca de 1,5 quilómetros a Norte.

Quando a maré subiu, verificou-se que a água cobria toda a língua de areia e que as LDM [lanças de desembarque médias ] e a BOR [, embarcação civil,]  podiam ter abicado no local onde as NT se encontravam inicialmente. O esforço que a estas foi exigido de caminhar quilómetro e meio pelo lodo podia ter sido poupado se a bordo do PCV tivesse ido um oficial de marinha.

Foi nessa altura que Sua Excia o Comandante-Chefe informou que, por uma questão de marés, as NT não seriam transportadas ao Xime como ficara combinado na véspera mas sim apenas a Ponta do Inglês. A CART 1743, no entanto, seguiria para Bissau. Os Dest A e B, desembarcados em Ponta do Inglês, seguiriam depois a pé para o Xime, o que aconteceu.

A avaria de uma das LDM obrigou a outra a ficar-lhe ao pé e levou a BOR a transportar 300, isto é, mais do que a sua lotação permite. Como o heli do COMCHEFE não chegou a tempo, Sua Excia tomou também lugar na BOR, com o Comandante da Operação e com o Delegado do QG [ Quartel General ] que viera coordenar o embarque.

Cerca do meio dia as LDM e a BOR abicaram a Ponta do Inglês. Sua Excia tomou o seu heli para Bissau e o Comandante da Operação tomou o das evacuações que entretanto mandar vir para fazer duas evacuações para Bambadinca.

Os Dest A e B chegaram ao Xime cerca das 15h30 depois de terem sofrido novo ataque de abelhas que, tal como em Ponta Luís Dias, de manhã, ocasionou desorganização e levou os carregadores a abandonarem material, recuperado mais tarde.

Ao compreender-se que apenas era deixado o heli de evacuações, deu-se ordem aos Dest E, F, G, H e I para se aproximarem dos respectivos aquartelamentos [ Mansambo e Xitole]. Não se podiam abandonar sem alimentação nem água garantidos. Aliás aqueles Dest haviam saído às 03H30 da tabanca do Fiofioli onde se haviam reunido e, uns por Cancodea Balanta e por outros por Cancodea Beafada, completaram a destruição de todos os meios de vida IN da região. Encontraram vacas que mataram, levando outras consigo. Em Cancodea Beafada capturaram 2 homens, 3 mulheres e 3 crianças.

Estes Dest passaram depois por Mina e por Gã Júlio, utilizando sempre trilhos diferentes dos de ida. Quando, ao fim da tarde, foram sobrevoados pelo PCV, encontravam-se próximos da foz do Rio Bissari, tendo já percorrido nesse dia uns 30 quilómetros. Foram-lhes recomendadas todas as cautelas e autorização para prosseguirem quando quisessem pois não se poderiam reabastecer.

Mal o PCV saiu da área, o IN flagelou o Dest com 2 morteiradas e rajadas, de longe, procedimento este que afinal utilizou durante toda a operação e que revelou impotência [no original, importância] e falta de agressividade.


Dia D + 10 (18 de Março de 1969)

Na [noite] de 17 para 18 os Dest H e I chegaram ao Xitole transportando consigo 4 vacas que em certos pontos tiveram quase que ser levadas ao colo para passarem troncos estendidos sobre os ribeiros. As outras capturadas tiveram que ser abatidas.

Por seu lado, os Dest E, F e G passaram pela margem esquerda do Rio Bissari, atingiram a estrada e chegaram a Mansambo cerca das 08H30. Durante a noite, enquanto pernoitavam, um dos nativos capturados tentou fugir, sendo abatido.

6. Resultados obtidos

a) Baixas infligidas ao IN

O IN sofreu 5 mortos confirmados (contando com o que tentou fugir na última noite) e cerca de 20 feridos.

b) Inimigos capturados

Foram capturados 17 nativos, na sua maioria mulheres.

c) Material e documentos capturados ao IN

1 Carabina “Mosin Nagant”, 7,62 m/m modelo 1944

1 Espingarda “Mauser”, 7,92 m/mm, K98K

Idem 7,9 modelo 904

1 Espingarda sdemi-automática “Simonov” (SKS), 7,62 m/m

2 Metralhadoras pesadas “Goryonov", 7,62 m/m

2 Pistolas metralhadoras “Shpagin”, 7,62 (PPSH)

1 Granada para LG P-27 “Pancerovka”

12 Granadas para LG RPG-7

85 Granadas para LG RPG-2

1 Granada de Mort 60

19 Granadas de Mort 82

1 Mina A/P de salto e fragmentação (Bailarina)

1 Mina A/P de fragmentação PPMI

1 Mina TMB

2 Petardos de trotil de 1,2 kg

24 Cargas suplementares para morteiro (caixas)

42 Espoletas de granada Mort 82

3 Bolsas para carregadores PPZSH

1 Bolsa para carregadores Degtyarev

Cerca de 10 mil cartuchos 7,62 e 7,9 (60% dos quais impróprios)

E ainda outro material diversos bem como livros, cartas, cadernos e objectos de uso pessoal.´

d) Baixas sofridas pelas NT

AS NT não tiveram mortos. Sofreram 22 feridos, quase todos ligeiros. Tiveram ainda cerca de 110 elementos evacuados por insolação, ataque de abelhas e doença

7. Serviços

a. Rações de combate

As R/C especiais agradaram de uma forma geral. As normais (nº 20, E) são absolutamente intragáveis e mais se tornam em operações tão prolongadas como esta.

b. Recursos locais

Só muito raramente foi encontrada água bebível. Alguns poços foram atulhados pelo IN ou estavam já secos. Outros continham água negra ou meia salgada que só os carregadores conseguiram beber. Quando, junto de Gã Júlio, por exemplo, os soldados metropolitanos quiseram seguir o exemplo dos carregadores tiveram que ser evacuados uns 16 com febre alta.

Centenas de galináceos e cabritos ou leitões foram capturados e comidos em tabancas abandonadas, compensando assim um reabastecimento alimentar que se revelou algo deficiente quer em qualidade quer em quantidade.

c. Pessoal do Serviço de Saúde

As forças levavam o seu pessoal orgânico.

O médico de Bambadinca foi para Mansambo. A CMF [?] dos Serviços de Saúde colocou um médico no Xitole (em permanência) e outro no Xime (só durante a operação). O médico de Bafatá foi a Bambadinca sempre que necessário.

d. Evacuações

Os feridos e os doentes foram evacuados por heli.

8. Apoio aéreo

a. Ligação Ar-Terra

Foi relativamente boa.

b. Resultados da acção aérea

Não houve propriamente acção aérea se por acção aérea se pretende significar: apoio aéreo pelo fogo. Só no dia 12 de Março, o helicanhão actuou na margem oposta do Rio Corubal contra a tabanca de Inchandanga Balanta. E em 14 de Março, a FA [ Força Aérea ] bombardeou a mata de Fiofioli, não tendo as NT notado no dia seguinte quaisquer vestígios deste bombardeamento.

Não se teve conhecimento de outras acções aéreas pelo fogo.

c. Apoio aéreo

Inicialmente o apoio aéreo, no que respeita a reabastecimentos, revelou-se deficiente. O facto de não ter sido cedido o heli ao Comandante da operação [, cor inf Hélio Felgas], dificultou a acção de comando e influiu nos rendimentos dos meios à disposição, pois previra-se que esse heli colaboraria com o das evacuações e com o dos reabastecimentos.

Além disso, a coordenação levou o seu tempo a rodar, o que é naturalíssimo pois não tem havido muitas operações como esta.

Em terceiro lugar, os meios aéreos não deram inicialmente o rendimento que se esperava, uns por avarias, outros por serem desviados para outras missões e outros por estarem na altura das inspecções e revisões.

A situação quanto ao apoio aéreo era a seguinte em 13 de Março de 1969, às 13H45 (MSG 735/I/BCAÇ 2852):

- 1 DO estava avariado havia 2 dias;

- O outro DO só começou a trabalhar às 10H00;

- O heli trabalhava pouco mais de 1 hora, seguindo para Bissau;

- O outro heli seguira às 08H00 directo de Bafatá para Bissau (parece que podia ter ido ficar a Bissau na véspera);

- O helicanhão saira para Bissau às 10H30, só regressando no dia seguinte às 11H00;

Os helis que haviam seguido para Bissau só foram substituídos cerca das 11H00 ; só depois desta hora, portanto, se regularizou o serviço de reabastecimentos e evacuações.

No dia 13 a actividade dos meios aéreos fornecidos para a operação foi a seguinte:

- A DO levantou de Bafatá para a área 9 [ Mina – Gã Júlio ] às 07H20 com o Comandante do Agrupamento Táctico Sul, o Major Negrão da FA e o Cap Lopes que ia assumir o comando do Dest G e ficou no Xitole; à tarde foi para Bissau;

- Os 2 helis levantaram às 07H30 com o comandante da operação para Bambadinca (serviço normal);

- O helicanhão, saído da zona de operações em 11 de Março, às 10H30, e regressado a 12, às 11H00, fez escolta ao heli de Sexa Comandante-Chefe; não prestou serviço à operação, que se tivesse conhecimento;

- A DO chegou de Bissau, foi a Piche buscar o Coronel Neves Cardoso para uma reunião em Bambadincas onde chegou às 11H00; à tarde voltoiu a levar a Piche o mesmo oficial.

Em 14 os helis chegaram a Bambadinca às 08H30 e só aqui é que se abasteceram (pelo menos um). Podiam tê-lo feito em Bafatá. No entanto, a situação melhorou por vários motivos. Primeiro, porque se acabou com os recomplementos. Segundo, porque a selecção natural fez baixar o número de evacuações. Terceiro, porque os meios aéreos ficaram mais tempo na zona da operação. Quarto, porque a coordenação ar-terra ganhou experiência e tornou-se por isso mais eficiente.

9. Ensinamentos colhidos

Dentro do espírito das NEP, este parágrafo “não é uma crítica mas uma análise objectiva que permite obter ensinamentos”. [Itálico e bold, do editor]

a) Torna-se evidente que a Op Lança Afiada foi bem sucedida, tendo sido alcançados todos os objectivos e cumprida integralmente a Missão.

Não há dúvida porém que o IN podia ter sofrido muito mais baixas e que as NT podiam ter capturado muito mais população se simultaneamente tivessem sido montadas emboscadas nocturnas na outra margem do Rio Corubal, conforme pedido. Esta margem fica fora dos limites do Agrupamento Leste e, concordo, é difícil de alcançar a partir de Buba. Mas uma companhia de paraquedistas ou de comandos teria operado maravilhas nela e evitado que a maior parte do IN e da população da margem Norte fugisse para a margem Sul como se sabe que fugiu durante as noites.

b) O facto de o IN nunca ter tentado resistir pode levar-nos à conclusão de que ele não era tão forte como se julgava. 

No entanto, não se tirou desta Operação um tal ensinamento. O que ele se viu foi varrido por todos os lados. Ao descobrir o “furo” da margem oposta passou-se para ela. Mas se tivéssemos podido tapar esse furo, ele teria sido talvez obrigado a resistir e mostraria então uma força que agora não mostrou porque achou inconveniente fazê-lo.

As 24 flagelações sofridas e os documentos apreendidos mostram porém que não devemos subestimar precipitadamente o IN. Nem sobre-estimá-lo, é claro.

c) A inicial deficiência do apoio aéreo podia ter acarretado consequências graves se o IN tivesse reagido com maior agressividade.

Concordamos que o heli é uma arma cara (15 contos por hora). Mas é indispensável neste tipo de guerra.

d) As rações de combate normais voltaram a ser um elemento destruidor do moral das NT. Provocando a sede quando menos água há.

Temendo a sede, os homens deixam simplesmente de comer e ficam rapidamente exaustos.

e) A Op Lança Afiada decorreu durante 11 dias. As temperaturas verificadas neste período foram as seguintes: Máxima à sombra – Entre 39 e 43,6 graus centígrados; Máxima ao sol – Entre 70 e 74,5 graus centígrados. 

Estes números são elucidativos. Por um lado justificam que um homem necessite muita água (entre 8 a 10 litros por dia). Por outro lado aconselham as NT a deslocarem-se e a actuarem ou de noite ou ao amanhecer. Entre as 11 e as 16h, o melhor é parar, se possível à sombra.


10. Não será talvez exagerado afirmar que o IN ficou desorganizado e que as destruições operadas pelas NT vão criar-lhe grandes problemas.


Fonte: Extratos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 64-71. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste valioso documento em formato.pdf).

_______________

Notas do editor:

(*) 22 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXIX: Estrada Mansambo-Bambadinca (Op Cabeças Rapadas, 1969) (Carlos Marques dos Santos)


(...) Depois de comparar o registrado na minha caderneta tenho que concluir que o relatorio "Batalhão de Caçadores nº 2852" [Bambadinca, 1968/70], acerca da Operação Lança Afiada, tem muitas inverdade que desta vez não vou destacar. Julgo que basta o testemunho da minha participação para verificar quanto de exagero há na apreciação à prestação das FAP naquela operação.

Quando se falar da Operação Lança Afiada, gostaria que juntasses as informações que te enviei, e estou convencido que não fui o único co a voar para a Lança Afiada. A FAP não necessita da minha defesa, mas sinto necessidade de a defender.

 (...) Quando reli o email passei os olhos pela foto junta e lembrei que no dia 7 de Março com base em Catió fui alombar ao Quitafine ond haviam quatro anti-aéreas. No dia 5 passei por Buba e Zops, e para terminar, entre dois whiskies fui no dia 1 a Aldeia Formosa fazer uma Tevs. Hoje vou sonhar com Fiofioli em cor de rosa) (...)

28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III


(***) Vd. postes anteriores da série > 


24 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11621: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): II Parte: Desenrolar da ação: o planeado e o realizado. As primeiras dificuldades da ação: dias D, D+1, D+2, D+3