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sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20254: Notas de leitura (1227): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (28) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
Deixa-se para mais tarde a descrição da atividade operacional do BCAV 490. Procurou-se o recurso ao diário de Armor Pires Mota, "Tarrafo" e ao livro "A Guerra da Guiné" de Hélio Felgas, é uma tentativa de juntar um depoimento pessoal de quem faz parte da história do BCAV 490 ouvindo a exposição do Tenente-Coronel Hélio Felgas, onde se insinua que a área que esteve sob o seu comando, Bula, melhorou muito, não escondendo, nos entretantos, o alastramento da guerra.
Quanto mais se procura decifrar a lógica do pensamento estratégico que presidia a esta atividade operacional esbarra-se com a falta de documentos. E aqui se deixa uma reflexão. É inteiramente inviável escrever uma história da guerra da Guiné sem proceder ao estudo de toda a documentação de caráter estratégico do Brigadeiro Louro de Sousa e de Arnaldo Schulz, é incompreensível passar-se em silêncio todo este vasto período e cair de repente na era Spínola, com a inflação de documentos, imagens, filmes, depoimentos, livros de toda a espécie. Aliás, as obras repetem-se umas às outras, de quando em quando citam-se os boletins das Forças Armadas e os livros impressos, trabalhar sai do pelo, há muito a procurar nos arquivos dos ministérios da Defesa e do Ultramar, para já não falar no Arquivo Histórico-Militar.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (28)

Beja Santos

“Comemos mancarra assada,
o sofrimento começou.
Na 487 este mês
foi triste o que se passou.

Em Jumbembem se encontrava
o Geraldes e o Ananias,
trabalhando, todos os dias,
Abílio também lá estava.
O Almorindo passava
muitos dias sem comer nada.
A comida não era carregada
por não se poder transportar
e para que a fome melhor se aguentar,
comemos mancarra assada.

Em Cuntima a alinhar
o amigo António José,
de viatura ou a pé
para a estrada patrulhar.
Os bandidos os iam esperar
e, às vezes, até se lutou.
Muitas árvores se tirou,
pelos malvados derrubadas
e andando grandes caminhadas
o sofrimento começou.

A 31 de Maio abalámos
para a Farim regressar
mas houve grande azar:
3 emboscadas apanhámos
algumas vezes nos levantámos,
mas atacaram muita vez.
Muito fogo aqui se fez
esgotando quase as munições
e sofreram-se muitas aflições
durante este mês.

O Aníbal Joaquim foi ferido
com estilhaços de granada.
O 26, bom camarada,
numa mão foi atingido;
o 320 ficou estendido,
porque um tiro na cabeça levou;
o Sarg. Revez na viatura o levou
com o 33 a socorrer,
mas depois de tanto sofrer
foi triste o que se passou.”

********************

Para esta evocação do bardo faz-se recurso ao que anda a fazer Armor Pires Mota, em bandas próximas, mas nem sempre coincidentes. No tal dia 31 de maio, depois de ter estado em Sitató, a 27, passou por Cuntima e escreve: “Um dia igual a tantos outros dias iguais. Deixada Cuntima, só os macacos, gritando de ramo em ramo, bordejavam a estrada. Às três horas da tarde, chegámos a Jumbembem, à serração”.

Sem neste momento se fazer recurso à cronologia das operações, consulta vantajosa para em certos momentos entender as dores de alma do nosso bardo, importa dizer que o diário intitulado “Tarrafo”, de Armor Pires Mota, ajuda-nos a entender o que ele experienciou fundamentalmente em Jumbembem, desde maio de 1964 até junho de 1965. Nesta povoação observa as lides, vê chegar muita gente que tinha sido profundamente atingida pela subversão, aldeias queimadas, fugas, ameaças, divisões familiares na escolha do lado em que se fica. Armor vai estando atento à vida em Jumbembem, chegou a época das chuvas, há gente que vai à caça e de repente chega-se a um local altamente problemático na época, Canjambari.

Estamos em 9 de outubro, e ele escreve:
“A estrada está atravancada de árvores e bissilões de grande porte que chegam a cruzar-se uns sobre os outros.
A nossa missão era: levantamento de abatises.
Antes de chegarmos às árvores, apeámos, prevendo já a táctica e as manhas do inimigo.
Ele deixou-nos entrar na zona de morte.
Um estrondo ecoou, seguido de rajadas e estrondos sucessivos.
6.50.
Uma chuva de granadas começou a rebentar rente a nós, lançadas por autênticos suicidas, atordoando-nos. E os estilhaços voavam. Uma chuva densa de balas feria o espaço, partia ramos, furava o capim verde, tilintava ao bater nas viaturas. E nós, uns deitados, outros de joelhos, varríamos tudo à nossa frente. Corria sangue.
O sol tinha encorado por detrás do arvoredo na distância, agarrado a um céu azul. (…) E começamos a atacar as árvores. Uns fendiam-nas com serrões. Outros cravavam-lhes os machados e as catanas.
Volteavam os ferros no ar, curvavam-se e rasgavam os troncos arrogantes. E, cortados, o Unimog arrastava-os com o guincho para dentro do mato.
Os terroristas continuaram a açoitar-nos com rajadas espaçadas e uma estrangalhou um carregador da Madsen. O apontador deu um salto para trás. A morte rondou-lhe a escassos centímetros.
E nova emboscada nos lançou por terra. A gente, ao lançar-se por terra, não vê onde cai, se é dura ou mole, ou está armadilhada. E caí todo no meio de um formigueiro enorme. Quando dei por tal, já as formigas me tinham feito o cerco cerrado e entravam a ferrar-me, sem dó nem piedade, subiam-me as costas, os pés e as mãos. Elas quase me iam comendo. E o meu jogo era este: coçava-me, rebolava-me, matava às mãos cheias, esmagando-as entre o corpo e a farda, esmagando-as entre os dedos, fazia fogo. Coçava-me, rebolava-me…
O sol tinha subido no azul. Quase a pique, faiscava, estilhaçava-se todo no cano da arma, enviava-me lâminas de fogo para a fronte, para os olhos”.

Copa de Bissilão 
Imagem retirada do blogue Intelectuais Balantas na Diáspora, com a devida vénia

Mas Armor também nos fala dos dias de festa, da praga dos mosquitos, de incêndios, das operações a Canjambari, Fanbantã, e não perde oportunidade de nos falar do apoio dado em Cuntima aos doentes, vinham em grande número do Senegal:
“Cuntima é sentinela avançada, junto à fronteira norte.
Nos princípios de 1964 estava quase abandonada, porque as populações, que viviam à volta, intimidadas, passaram para o Senegal. Mas hoje estão a regressar, sem entraves da parte dos gendarmes, aldeias inteiras, já de olhos postos na próxima sementeira da mancarra e preparando os arados para o amanho das bolanhas.
Confiam na tropa. E esta confiança foi-se consolidando à medida que a zona ia sendo limpa. E um factor decisivo que concorreu extraordinariamente para o regresso das populações ao seu chão, ao ‘chão de Português’, foi a psicossocial desenvolvida pelo Dr. José Lourenço, espírito dinâmico, aberto e comunicativo. A princípio, todos os dias, apareciam no posto de socorros dezenas e dezenas de refugiados, cheios de mazelas. Hoje, formando bicha, não faltam doentes do Senegal, sobretudo da cidade de Koldá, e até alguns da Gâmbia. (…) Muitas mulheres, sobretudo mulheres de gendarmes e padres mouros, uns dias antes do dia previsto, vêm esperar a sua hora em casa de alguma pessoa amiga, ali em Cuntima, onde, depois, é chamado o médico para assistir ao parto sem que regateie um minuto sequer, seja a que hora for. E, então, as mães, contentes e, numa prova de gratidão, põem aos filhos o nome do médico, que cedo começam a deturpar. Há alguns que ficam a chamar-se José Doutor. Há mesmo uma miúda que tem o nome de Maria Lissa, deturpação de Maria Luísa, filha do Dr. José Lourenço. (…) Ainda não há muito tempo que o comandante dos guardas da fronteira, no fim da visita de inspecção ao posto de Sare Wale, enviou um recado ao capitão a pedir-lhe que fosse à fronteira. Este não se fez rogado e lá partiu com o médico e mais alguns homens, mas todos desarmados. Convidaram-no a vir sentar-se à sombra de um mangueiro do ‘Chão Português’ e ali trocaram longos minutos de conversa. Que estava imensamente reconhecido, assim como o seu governo, pela assistência médica que a tropa prestava a muitos senegaleses”.

Há páginas deste diário em Sulucó, Fanbantã, mas Jumbembem é verdadeiramente o ponto de irradiação, ele despede-se de nós a 6 de junho, é o seu penúltimo depoimento, fala do renascimento da tabanca de Lamel. Há crianças que cantam canções portuguesas com “A Tia Anica do Loulé” ou “O Tiroliro”, Armor está feliz, pois a aldeia nova é uma realidade.

Voltemos a Hélio Felgas, estamos agora no segundo semestre de 1964, ele considera que as forças portuguesas começaram a assenhorear-se da situação na Guiné, condições que, a partir do princípio de 1965, estavam a permitir encarar o aspeto militar com justificado otimismo. Enquanto tal afirma não se esquece de dizer que tinha alastrado a presença terrorista em Badora e Cossé, entre Bambadinca e Bafatá, era clara intenção do PAIGC intervir na área dos Fulas. No seu livro, Felgas procura desmontar os alardes propagandísticos do PAIGC, as fantasiosas centenas e dezenas de mortos, por exemplo.

Entretanto, enquanto afirma ter havido uma diminuição da atividade do PAIGC, este apresenta-se em Canquelifá, mostrava atividade nas zonas do Oio, em Farim e Canhamina.
E escreve:
“A norte de Cacheu havia indícios de que o PAIGC procurava controlar a região de Canjambari, a leste de Farim, aproveitando a época das chuvas que impedia ou dificultava o trânsito local das viaturas militares.
Nas estradas do Oio, as emboscadas dos bandoleiros tinham locais quase certos. Entre Bissorã e Olossato, ocorriam em geral por alturas da ponte de Maqué, quase a meia distância das duas povoações.
Entre Mansoa e Bissorã uma grande parte tinha sido na área de Namedão, considerada ponto de passagem dos reabastecimentos vindos da ilha de Bissau para os acampamentos do PAIGC nas matas de Dando, Cambajo e Morés. Entre Binar e Bissorã, os bandoleiros tinham três troços preferidos, todos eles em zonas onde a luxuriante vegetação marginal quase invadia a estrada. Aliás, o perigo subsistia mesmo nos trechos sem vegetação, devido às minas que continuavam a ser largamente empregues. Por vezes, contando com o natural afrouxamento da atenção dos nossos soldados nestes trechos mais descobertos, os terroristas montavam neles emboscadas, chegando-lhes, para se esconderem, o capim, as árvores e os morros de bagabaga que bordam as estradas”.

Uma bem estranha acalmia… E mais adiante, na sua exposição, o Tenente-Coronel Hélio Felgas dá outras informações bem úteis para se entender o estado daquela região:
“Os documentos apreendidos nos acampamentos terroristas continuavam a fornecer indicações de certo modo úteis. Soube-se, por exemplo, que a ‘base’ principal da região 3, estava situada nas proximidades da tabanca de Morés e tinha como responsável-geral Osvaldo Máximo Vieira. Desta base principal dependiam mais de uma dúzia de outras bases das quais as mais importantes e conhecidas eram as de Cambajo, Biambi, Nafa, Iador, Bancolene, Maqué, Fajonquito, Bissancaja, Sarauol, Cabadjal, Sambuiá, Bricama, Sulucó. Em todas elas havia um responsável militar e um responsável político”.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 11 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20229: Notas de leitura (1225): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (27) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 14 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20238: Notas de leitura (1226): "O Alferes Eduardo", por Fernando Fradinho Lopes; Círculo-Leitores, 2000 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20229: Notas de leitura (1225): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (27) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
A história de um batalhão em verso pode franquear as portas à investigação histórica e à convocação de uma série de escritores que, por portas e travessas, conheceram andanças um tanto parecidas como as do bardo. É esta manta de retalhos que se está a pôr em construção. O BCAV 490 tem determinada quadrícula, encontra-se na obra de Hélio Felgas o grande ecrã para o terreno em que as nossas tropas vão atuar, não há ilusões, é tudo áspero e difícil, há que combater e reconstruir, intimidar e fazer frente a guerrilheiros que têm estado a marcar pontos.
O autor do "Tarrafo", Armor Pires Mota, tem muito a testemunhar e na vizinhança, mais propriamente em Binta, as tropas da CCAÇ 675 vão entrar em ação e pôr o PAIGC a respeito, é a todos os títulos indispensável retomar a leitura de um documento extraordinário, o "Diário" de JERO.
Há que confessar que é entusiasmante trabalhar assim.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (27)

Beja Santos

“Em Farim aquartelada
a primeira Companhia.
Para Cuntima e Jumbembem
a nossa tropa seguia.

Quando a gente cá chegou,
fomos logo informados
que havia muitos malvados,
mas ninguém se assustou.
Algum tempo se passou
sem darmos notícias de nada.
20 dias a guerra parada
sem se ver nenhum terrorista
e a companhia do Baptista
em Farim aquartelada.

Com os homens à sua beira
saía o Sr. Capitão
patrulhando toda a região
em direcção à pedreira.
Saía de qualquer maneira,
fosse de noite ou de dia,
para ver se conseguia
alguns bandidos apanhar
e fartando-se de andar,
a primeira Companhia.

2 Companhias navegaram,
por Porto Gole passando,
em Bambadinca pernoitando,
a Bafatá eles chegaram.
A Contuboel e Canhamina passaram.
A 88 para Cambaju vem,
o Batalhão em Sucucó tem
de fazer grande operação
e duas Companhias então
para Cuntima e Jumbembem.

O 500 bom camarada
teve grande acidente.
Ia matando muita gente,
quando saiu fora da estrada.
A camioneta ficou amachucada
e o 502 a cabeça partia,
o 36 um braço torcia,
e o 90 também ficou mal.
E com destino a outro local
a nossa tropa seguia.”

********************

Já se fez recurso ao que nos diz a história da unidade, mas precisamos de um pano de fundo, ninguém desconhece que o estudo da guerra da Guiné, referente a este período, é parcimonioso em bibliografia, de tudo quanto se tem publicado é praticamente ininteligível o pensamento estratégico do Brigadeiro Louro de Sousa, entre 1963 e 1964, e é clamorosa a falta de documentação quanto ao pensamento estratégico de Arnaldo Schulz, é incompreensível a falta de investigação universitária, vive-se num quadro quase fantasioso em que a guerra da Guiné teve um período eruptivo, estendeu-se a guerrilha, as forças portuguesas foram apanhadas desprevenidas, pediram-se reforços, vieram minguados, estendeu-se a quadrícula, gradualmente apareceram mais efetivos, mais Marinha e Força Aérea, mas a guerrilha crescia e em 1968 Salazar terá encontrado um homem providencial para pôr cobro a tantos avanços, o Brigadeiro Spínola, parece que Louro de Sousa e Arnaldo Schulz não deram bem conta do recado. Porquê, em termos historiográficos, não se sabe, é buraco negro.

Dentro dessa pouquíssima bibliografia, e para que se entenda o mundo de que o vate é porta-voz, vamos recorrer a um trabalho de Hélio Felgas, que comandou de 1963 a 1965 o Batalhão de Caçadores 507, não muito longe de onde se irá posicionar o BCAV 490. Em 1967, o então Tenente-Coronel Hélio Augusto de Almeida Felgas escreve “Guerra na Guiné”, publicado pelo Serviço de Publicações do Estado-Maior do Exército. Nada de semelhante tinha aparecido no nosso panorama editorial, a ponto de o autor dizer na introdução: “Até agora a falta de informações, de filmes, de reportagens, de descrições, enfim, de elementos que explicam ao público o que é a guerra na Guiné, tem sido quase completa”. E como se estivesse a escrever um guia que irá culminar na sua autoglorificação, apresenta a Guiné Portuguesa, a sua história, a terra, o clima, a flora e a fauna, vilas e cidades, portos e vias de comunicação, a economia, as etnias, em primeiro lugar; em capítulo subsequente desvela os grupos políticos clandestinos, com especial destaque para o Movimento de Libertação da Guiné, a Frente de Luta pela Independência da Guiné e o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde; exposto o terreno e os atores, Hélio Felgas vai descrever a guerrilha até final de 1963, é justo e certeiro sobre as insuficiências do Movimento da Libertação da Guiné e da Frente de Luta pela Independência da Guiné; revela-se bem documentado a descrever a eclosão da subversão e luta armada no Sul, enumera os atos de guerrilha do primeiro semestre, referindo igualmente que uma linha dessa guerrilha se estava a estender à área do Xime, o primeiro ataque que aqui ocorreu foi a 29 e 30 de junho; segue-se o alastramento da guerrilha em toda a região do Oio, onde logo no mês de julho foram desencadeadas ações num território que compreendia o quadrilátero Mansoa–Bissorã–Olossato–Mansabá, com alvejamento de viaturas, destruição de pontes e pontões, emboscadas, saques a casas comerciais, etc.

Ten-Cor Hélio Felgas
Atenda-se ao que ele escreve:
“Em poucas semanas todas as estradas da região tinham as pontes e os pontões destruídos ou estavam cheias de abatises. Em especial a estrada Bissorã–Mansabá – que dá acesso mais fácil à zona do Morés – foi metodicamente cortada com o evidente objetivo de evitar que as nossas tropas a utilizassem. Além de criar um vácuo que lhe proporcionasse refúgio seguro em Morés, o PAIGC pretendeu também inutilizar os eixos rodoviários de interesse económico para a Província. O principal destes eixos era a estrada Mansoa–Mansabá–Bafatá, por onde se escoava boa parte da mancarra produzida pelo Leste da Província e alguma da madeira cortada na região do Oio. A povoação de Mansabá, em si, constitui um importante cruzamento de estradas, pois por ela passam, além do eixo Mansoa–Bafatá, ou os de Bissorã–Bafatá e Farim–Mansoa. Esta atuação fez diminuir o trânsito rodoviário para o Leste da Província com o que ficaram sobrecarregados os já congestionados transportes fluviais pelo rio Geba”.

Ao findar do ano de 1963, diz o autor que o PAIGC atuava com certo à-vontade em grande parte do Sul da Província, o movimento das nossas tropas era dificultado ou impedido por milhares de abatises e pela destruição de pontes e outros elementos rodoviários; no extremo leste do canal do Geba, os “bandoleiros” atuavam nas áreas de Porto Gole, Enxalé, Xime e Bambadinca e no Oio conseguiu afixar-se, e procurava alastrar a sua aceleração em todos os sentidos: na direção de Binar e Bula, procurava penetrar na região dos Fulas, e para Norte, através do rio Cacheu, a fim de conseguir fácil ligação com o Senegal.

Os comentários de Hélio Felgas à evolução da situação são por vezes paradoxais e antinómicos: um PAIGC enfraquecido sem obter resultados palpáveis, muito disperso. No entanto, quando o autor descreve 1964, vemos o PAIGC a cortar estradas que ligavam a vila de Farim às povoações de Bigene, Bissorã, Mansabá e Cuntima, surgiram novas infiltrações na direção de Farim. E então escreve que “esta situação agravou-se ainda mais durante os meses de Fevereiro e Março, tendo Farim e Binta sido flageladas pelos terroristas que destruíram novas pontes e pontões e começaram a fustigar as populações nativas da área Jumbembem–Canjambari–Cuntima. Esta actuação levou Fulas e Mandingas a fugirem para o Senegal e originou a paralisação quase completa das serrações locais e da actividade madeireira de que Farim é um dos principais centros da Guiné”.
Mais adiante dirá que esta atividade na área de Farim aumentou, houve mais ataques às serrações madeireiras e destruíram-se as tabancas Fulas da zona fronteiriça de Cuntima:  
“Além disso, o trânsito das estradas tornava-se dia a dia mais difícil e perigoso, pois o PAIGC não só continuava destruindo pontes e pontões, colocando abatises e montando emboscadas, como começava também a implantar minas. A primeira assinalada a norte do rio Cacheu rebentou em Maio, numa altura em que a actividade terrorista alastrava ao porto de Binta e se aproximava de Bigene. Os ataques às tabancas de Genicó e Sansancutoto, respectivamente a oeste e noroeste do porto de Binta, e a destruição da ponte de Sambuiá, indicavam que os terroristas pretendiam interromper as ligações rodoviárias entre Bigene e Farim e tornar ainda mais precária a situação em toda a área. Esta intenção foi confirmada pelas flagelações levadas a cabo contra as povoações de Guidage e de Fajonquito, ambas a oeste de Farim, e pelo ataque à tabanca de Nova Uensacó, organizada em autodefesa e situada apenas a três quilómetros daquela vila”.

Aqui se faz uma pausa, é de crer que já há algum pano de fundo para se perceber o que vai ser a atividade do BCAV 490, temos a história da unidade, temos o “Tarrafo” de Armor Pires Mota e ali perto, em Binta, está a Companhia do Capitão do Quadrado, Alípio Tomé Pinto, haverá um furriel enfermeiro que escreverá um outro livro ímpar, o “Diário da Companhia de Caçadores 675”, escrito por José Eduardo Rodrigues Oliveira da CCaç 675.

A sede do BCAV 490, como atrás se referiu, é Farim, estamos em maio de 1964, as companhias dispersam-se, vão para Cambaju e Canhamina e depois para Jumbembem–Cuntima. É um dispositivo que inclui vários setores e posições: Farim, Jumbembem, Cuntima, Binta e Bigene, com posições em Barro e Guidage.

Transcreve-se o que vem na história do batalhão:
José Eduardo Reis Oliveira
“Quando o BCAV 490 iniciou a sua actividade neste sector, este estava seriamente comprometido pela actividade do inimigo. Os itinerários mais importantes estavam cortados e sempre que qualquer coluna saía das posições era atrevida e fortemente emboscada”.
Dá-se ênfase ao esforço das subunidades para fazer recuar as posições do inimigo, para concluir que:   
“A partir de Fevereiro de 1965, isto é, cerca de oito meses depois do batalhão iniciar a sua acção no sector, a iniciativa do inimigo passou a ser bastante reduzida, limitando-se a reagir fracamente a acções das nossas tropas. No entanto, a área de Canjambari, onde julgava encontrar-se seguro, pois mantinha os itinerários de acesso cortados, tanto o do nosso sector como o do sector vizinho, quando as nossas tropas procuravam desimpedir o itinerário a sua reacção era sempre conduzida com determinação e violência”.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 4 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20205: Notas de leitura (1223): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (26) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 7 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20213: Notas de leitura (1224): História das Tropas Pára-Quedistas Volume IV, é dedicado à Guiné e tem como título História do Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12; responsável pela redação e pesquisa Tenente-Coronel Luís António Martinho Grão; edição do Corpo de Tropas Paraquedistas, 1987 (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 30 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20021: Recortes de imprensa (103): O 10 de Junho de 1970 na Revista Guerrilha, edição do Movimento Nacional Feminino, dirigida por Cecília Supico Pinto (1) (Mário Migueis da Silva)

1. Em mensagem do dia 20 de Julho de 2019, o nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), fala-nos da revista Guerrilha, dirigida e editada por Cecília Supico Pinto.


A revista Guerrilha


Propriedade do Movimento Nacional Feminino, a revista Guerrilha, lançada durante a Guerra do Ultramar/Colonial, não terá tido o sucesso que a sua criadora, diretora e editora, Cecília Supico Pinto (a famosa Cilinha), terá antevisto.

A julgar pelo que pude testemunhar no terreno, a revista esteve longe de atingir os seus objetivos de chegar às centenas de milhar de militares espalhados pelo Império. Na verdade, aquando da minha passagem pela Guiné, fiquei com a ideia de que a revista (edição mensal) era, em número muito reduzido, distribuída pelos comandos das unidades, de onde, na maioria dos casos, nem chegava a sair. Talvez a falta de verba, afetada com a despesa dos milhões de aerogramas mandados imprimir pelo Movimento, e muito bem, para facilitar a vida à correspondência dos nossos soldados e marinheiros com as famílias, namoradas e madrinhas de guerra tenha contribuído para uma divulgação deficiente junto daqueles aos quais se destinava.

Terá sido o que foi, mas tinha uma apresentação cuidada, divertia, levantava o moral e abordava assuntos de interesse para uma tropa, tão carecida de carinhos e estímulos. Pela parte que me toca, só não gostava nada das duas páginas de fotonovela, que achava menos próprias para homens de barba rija (era matéria para Crónicas Femininas, valha-nos Deus).

Para ilustrar um pouco as minhas palavras, seguem-se algumas imagens, recolhidas da publicação de Junho de 1970 (ano em que cheguei à Guiné) e, na sua maioria, alusivas às condecorações no “10 de Junho”, em Lisboa.
Espero que gostem.

Esposende, 19 de Julho de 2019
Mário Migueis


A capa (desfile de tropas durante as cerimónias do "10 de Junho", em Lisboa (1970) 



Ao centro, o Capitão Graduado João Bacar Djaló, Comandante da 1.ª Companhia de Comandos Africanos, que tive oportunidade de cumprimentar em Fã Mandinga, onde, na altura, estava sediada aquela unidade de elite (participou na “Invasão de Conakry” e numerosíssimas outras operações do mais elevado risco; seria morto em combate pouco tempo depois de ser condecorado com a “Torre e Espada”). 

A segunda figura, da esquerda para a direita é o Capitão-Tenente Alpoim Calvão, cérebro da “Invasão de Conakry”, que cheguei a ver, mas não conheci, nem de perto nem de longe, nos “paços” do “Comando-Chefe”, na Amura. Os restantes elementos da primeira fila, todos eles igualmente condecorados com a “Torre e Espada”, são o Furriel Cherno Sissé (Guiné), e, salvo erro, o Coronel Hélio Felgas e o Tenente Miliciano de Infantaria José Augusto Ribeiro, cuja província/colónia onde prestavam serviço desconheço.



Marcelo Caetano e as tropas em parada 


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Nota do editor

Último poste da série de 19 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19507: Recortes de imprensa (102): "Diário de Notícias", 3/2/1966: o cão da CCAÇ 617. um bravo Boxer, que se bateu como um leão (João Sacôto / José Martins)

terça-feira, 22 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18663: Memória dos lugares (376): Cheche , rio Corubal e Madina do Boé, uma trilogia trágica (Xico Allen / Zélia Neno / Albano Costa)


Foto nº 1


Foto nº 2 


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5

Guiné-Bissau > Região do Boé > > Boé > 1998 > Embora esta zona ainda hoje seja pouco habitada, o Xico Allen encontrou e fotografou população civil quando lá esteve em 1998, com o António Camilo, o algarvio, e outros camaradas, mais a sua ex-esposa, Zélia Allen (, hoje Zélia Neno, ,membro da nossa Tabanca Grande). Na época o grupo de portugueses que se deslocou ao Boé, partiu de Quebo (Aldeia Formosa), tomando uma picada existente sempre junto à fronteira com a Guiné-Conacri até á povoção do Boé, nas proximidades da antiga Madina de Boé, nosso aquartelamento e tabanca (, cuja retirada, recorde-se, foi no dia trágico de 6 de fevereiro de 1969).

No regresso, o Xico Allen e amigos vieram pelo Cheche [foto nº 4], onde atravessaram o Rio Corubal, seguindo depois para o Gabu (ex-Nova Lamego). Em Cheche, ponto de cambança, fizeram questão de lembrar (e rezar por) os 46 camaradas desaparecidos (mais 1 civil) no trágico acidente de 6/2/1969, no decorrer da Op Mabecos Bravios.

Trinta anos depois da retirada de Madina do Boé (em 6 de fevereiro de 1969) ainda continuavam vísiveis os sinais das emboscadas e das minas... Restos de viaturas das NT abandonadas  eram verdadeiros fantasmas dos tempos de guerra... Julgamos que entretanto, nestes últimos 20 anos, foram retirados ou destruídos todos estes vestígios "arqueológicos" da guerra colonial. [Fotos nºs 1, 2 e 3]

Na realidade, eram fntasmas da guerra colonial que, de tempos a tempos, perturba(va)m a paisagem e o viajante...

A foto nº  4 foi tirada intencionalmente no meio do rio Corubal, de trágicas memórias para as NT, vemdo-se ao fundo a praia fluvia do Cheche, com rampa de acesso, na viagem de regresso a Quebo (Aldeia Formosa) - Boé - Cheche- Gabu (Nova Lamego).

A foto nº 5 mostra a famosa fonte da Colina do Boé, com ornamentação de azulejo português, pintado à mão, de 1945.  Os vestígios de impacto de balas de armas automáticas são mais do que óbvios.
O Xivo Allen

Esta famosa fonte da Colina do Boé é um sítio onde se concentra(va) alguma população civil da escassa que há (havia) nesta região semidesértica, e a única da Guiné que é, de resto, acidentada (com cotas que sejam quase aos 300 metros).


Fotos (e legendas): © Francisco Allen / Albano M. Costa (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. O Xico Allen (ex-1.º cabo at inf, CCAÇ 3566, "Os Metralhas", Empada, 1972/74, foto à direita), é  um dos primeiros membros da Tabanca Grande, registados em 2006,  tal como o Albano Costa,   foi um dos primeiros camaradas a voltar á Guiné, depois da independência. E nos últimos anos chegou lá mesmo a lá viver.

De acordo com as memórias da Zélia Allen, também nossa tabanqueira, o casal Allen visitou a Guiné do pós-guerra, em abril de 1992, mais um outro casal, o Artur Ribeiro e a esposa. Voltaram em 1994, desta vez foram 3 casais e conseguiram ir a Empada, onde o Xico tinha feito a sua comissão. Uma terceira viagem ocorreu em 1996 e uma quarta em 1998.

 E prossegue a ex-esposa do Xico, a Zélia Neno:

"Lá chegados, passamos uns 2 dias em Bissau e, num jipe alugado, viajámos para o interior, tendo como destino Empada, onde estivemos 2 dias. Aí sim, a experiência foi única até hoje, pois dormimos, comemos e tomamos alguns banhos na tabanca, onde luz só a da lua, das estrelas e da nossa lanterna pois desde a saída da tropa portuguesa não mais houve energia assim como outros bens essenciais, desde material escolar, medicamentos e alimentação. Os banhos, se assim se podem chamar, eram feitos despejando cabaceiras cheias de água retirada de um poço que gentilmente algumas mulheres nos iam entregando, fazendo-os passar por cima de um cercado e que funcionava como banheiro e não só...

(...)"No sábado regressámos a Bissau(...). No domingo à noite, com a chegada do avião,iria juntar-se a nós um grupo de 10 pessoas, 7 deles ex-combatentes, na sua 1ª romagem de saudade que,  como todos os outros era a concretização de um sonho, sendo um deles o Sr. Casimiro, aqui do Porto, que se fez acompanhar pelo seu jovem genro, o Carlos, e outros seus amigos e companheiros de guerra, tendo então eu a oportunidade de conhecer o Sr.Armindo, de Moreira de Cónegos, o Sr. Camilo, do Algarve, o Sr. Pauleri, de Vizela, o Sr.Amílcar, aqui de Gaia, único que levou a esposa sendo assim eu beneficiada pois tive companheira para o resto da estadia e dos restantes lamentavelmente não me recordo dos nomes.

"O que não esquecerei nunca, foi poder ver a alegria misturada com a emoção, quando chegámos a Jumbembem, local bem conhecido deles, pois mais não me pareciam do que crianças irrequietas em pleno Portugal dos Pequeninos, tentando ver todo o canto e recanto onde viveram outrora." (...).




Guiné > Região do Boé > Rio Corubal > Cheche > 6 de fevereiro de 1969 > A famigerada jangada que servia para transporte de tropas e material, numa das últimas travessias, aquando da retirada de Madina do Boé. Foi neste pedaço de rio que pereceram 46 militares e um civil.

A foto, histórica, é do comandante da Op Mabecos Bravios, o então cor inf Hélio [Augusto Esteves ] Felgas (1920-2008). Reproduzida com a devida vénia de Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, n.º 5, abril-junho 1969, pág. 15 (publicação editada pelo Instituto Camões; o n.º 5, temático, foi dedicado ao "25 de Abril, revolução dos cravos).


2. Julgo que,  para a Zélia,  aquela, a de 1998, foi a sua última viagem à Guiné, mas não para o Xico, que continuou a lá ir rgulamente. As fotos que hoje republicamos, em formato "extra large", são dessa viagem de 1998, em que o Xico, a Zélia, o Camilo e outros camaradas e amigos, que foram até à região do Boé, a partir de Quebo, no sul, seguindo a estrada junto à fronteira. Estiveram em Boé, não sei se chegaram a ir a Beli, e seguiram depois pela antiga picada que, indo por Cheche e Canjadude, ia dar a Gabu (Nova Lamego)... 

Fizeram, por isso, o mesmo percurso das NT, no âmbito da Op Mabecos Bravios (1-7 de fevereiro de 1969), ou seja a picada Madina do Boé-Cheche-Canjadude-Gabu. 

Xico Allen (Vila Nova de Gaia)
Estas fotos do Xico Allen têm um enorme interesse documental (tal como as fotos do álbum do Manuel Coelho, ex-fur mil trms da CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68), embora já tivessem sido publicadas, em formato reduzido,  em 6/2/2006, no poste 500 (*).


Na altura, o Xico ainda não era nosso tertuliano (ou tabanqueiro), alegadamente por não ter endereço de email... Mas creio que já estava reformado da atividade bancária. Aliás, em conhecia-o, pessoalmente, a ele, ao Albano Costa , ao Hugo Costa e ao Zé Teixeira, em 31/12/2005, na Madalena, Vila Nova de Gaia, quando me fizeram
uma visita de surpresa, na casa dos meus cunhados onde passei o Natal e o Ano Novo.

Albano Costa (Matosinhos)
Foi o Albano Costa quem , nesta transação, serviu de intermediário, sendo ele mais antigo no blogue (, é membro da nossa Tabanca Grande desde 21/11/2005).  Eis um excerto da mensagem do Albano (que voltaria à Guiné em 2000):

"Caro amigo Luís Graça: Envio sete fotos sobre Madina de Boé, a picada onde foram destruídas várias viaturas durante a guerra colonial, a fonte da Colina de Medina e a população civil de Madina. Luís, vou procurar nos meus arquivos para ofereceres essa imagem ao Mário Dias de uma placa que existe no Boé sobre o Domingos Ramos [, seu amigo e camarada do 1º CSM - Curso de Sargentos Milicianos, em 1959],

"Estas fotos são do arquivo do Francisco Allen: ainda hoje estive com ele, fica contente em saber que são úteis, as fotos. Um abraço, Albano Costa".



Guiné > Carta da província > 1961 > Escala 1/500 mil > Pormenor da região do Boé > .Pormenor do Gabu (Região de Gabu), passando pela antiga Madina do Boé, Cheche e Canjadude.

Fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018).


 3. Comentário do editor LG:

A independência unilateral da Guiné-Bissau foi declarada em 24/9/1973, não em Madina do Boé (como fez  crer a propaganda do PAIGC durante muitos anos...), mas na região fronteiriça, a leste, alegadamente em Orre Fello, perto de Lugajole, mas já em território da Guiné-Conacri.  Por razões óbvias de segurança... Foi uma das maiores operações de propaganda (e de ofensiva diplomática), a nível interno e externo, dirigidas pelo  PAIGC, já órfão do seu líder histórico, Amílcar Cabral.

Sobre o desastre do Cheche [, o toponómimo correto é Ché-Ché, mas todos dizemos e escrevemos... Cheche], vd aqui.

E a propósito, apraz-me dizer, aqui, aos meus amigos e camaradas da Guiné, que há umas semanas atrás, apareceu-me agora, ao telefone, o Diniz, o ex-alf mil José Luís Dumas Diniz (, da CART 2338), responsável pela segurança da coluna da retirada de Madina do Boé, a fatídica coluna que teve o trágico acidente, na travessia de jangada,  no Rio Corubal, em Cheche, em 6 de fevereiro de 1969 (. Eu já estava mobilizado para a Guiné mas lembro-me da comoção que me provocou a notícia, que foi título de caixa alta  nos jornais de Lisboa)...

O Diniz foi julgado, creio, em tribunal militar, e foi absolvido... O próprio Spínola terá sido uma das testemunhas de defesa... Era preciso um "bode expiatório", o elo mais fraco da cadeia hierárquica...  Ele quer dar-me/nos a versão dele... Vou combinar um almoço com ele... Ele chegou até nós através do Fernando Calado, nosso grã-tabanqueiro, outro camarada e amigo desse tempo (Bambadinca, CCS/BCAÇ 2852, 1968/70)... 

Portanto, felizmente,  o Diniz está vivo e está disposto a falar.,, Já correram rios de tinta sobre o desastre de Cheche, mas falta-nos, em primeira mão, o depoimento de um ator-chave, o nosso camarada responsável pela segurança da jangada... Ele vive entre Cascais e Coruche, se bem percebi... Um dia destes, eu, ele e o Fernando Calado, vamos até à Casa do Alentejo pôr a conversa em dia... LG

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18138: Notas de leitura (1026): A luta armada na Guiné reexaminada por Mustafah Dhada (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
É de salientar que estas imagens terão sido captadas aí à volta de 1977, dá para perceber que o património arquitetónico deixado pela potência colonial ainda não foi desvirtuado, as ruas estão limpas, os jardins tratados. Este álbum terá sido encomendado para mostrar as potencialidades turísticas, o exotismo, a diversidade étnica, as potencialidades agrícolas. Tem um resumo propagandístico da história do PAIGC e da luta de libertação.
Vasco Cabral, o poderoso comissário da Economia, fala de plantações de cana-de-açúcar para 60 mil toneladas. René Dumont ficou alarmado quando ouviu estes números e fez as contas, teria um preço incomportável.
É um tempo de sonhos, de fantasias e de uma ingenuidade que custou muito caro.

Um abraço do
Mário


A luta armada na Guiné reexaminada por Mustafah Dhada

Beja Santos

Mustafah Dhada é um categorizado investigador de acontecimentos contemporâneos, incluindo as lutas de libertação em África. Pertence ao naipe de nomes sonantes como Basil Davidson, Gérard Chaliand, Patrick Chabal, R. H. Chilcote e Lars Rudebeck que durante e após a luta de libertação se têm debruçado atentamente sobre o ideal revolucionário de Cabral, a forma como liderou, no plano ideológico, militar e diplomático a condução da luta, e a vida do país depois da independência.

Tomámos a liberdade de pegar num seu ensaio datado de 1998, publicado no prestigiado The Journal of Military History, em que ele procede a um reexame da luta armada, com a finalidade de ver os aspetos essenciais da sua argumentação, ter uma postura crítica face ao acesso às suas fontes e tecer conclusões quanto à premência de os investigadores de diferentes proveniências (incluindo portugueses e guineenses) ponderarem as lacunas inaceitáveis que existem, reapreciarem as fontes consultadas e debateram informalmente o modo de superar fontes propagandísticas, muito úteis para a luta ideológica, inaceitáveis para elaborar uma primeira tentativa da história da Guiné-Bissau a partir da sua luta armada.

Mustafah Dhada inicia o seu trabalho com a fase de arranque da luta armada e a estratégia seguida. Os dados avançados parecem-me irrepreensíveis. Apostou-se no Sul, pelas suas dificuldades de acesso, desde o segundo semestre de 1962 a sublevação foi destruindo infraestruturas e comunicações, escolheu posicionamento em pontos naturalmente de muito difícil acesso. Enquanto decorria esta operação a Sul, criava-se a chamada frente Norte, no Oio. Tudo isto decorria ainda com armamento precário, recorria-se ao abatis e às emboscadas do “bate e foge”. O ano de 1963 marca a consolidação no Sul e uma progressiva extensão nas regiões de Cacheu, Bissorã e fronteira senegalesa. Em 1964, a guerrilha estende-se à região de S. Domingos, põe um pé no Gabu, aparece no Boé e ocupa o Corubal. Noutro capítulo fala da estratégia usada para combater a presença do PAIGC no Como e a resistência posta pela etnia Fula ao PAIGC. A economia no interior do país desarticula-se progressivamente, fecham as serrações, não se cultivam bolanhas, desaparecem as destilarias, o comércio do amendoim reduz-se. A resposta de Louro de Sousa e depois de Schulz é a criação de destacamentos, a formação de milícias, a proteção de tabancas, é uma malha de pequenas unidades gravitando à volta de batalhões que procura estender-se pelo território.

Faz-se aqui uma pausa para mostrar dois mapas. O primeiro, data de 1960 e parece-me demonstrativo da colocação das etnias por todo o território.


Dá-se entretanto uma transformação das FARP, são divididas em três forças regionais em que 200 a 300 militares estacionam nas principais bases do interior. Foram selecionados alvos privilegiados no Boé e na região de Guileje. Recordo que quando o capitão Tomé Pinto (o conhecido “capitão do quadrado”) chegou a Binta, em 1964, os grupos afetos ao PAIGC estavam implantados a escassos dois quilómetros do quartel e circulavam com toda a facilidade entre Binta e Guidage. Schulz obtém de Lisboa um elemento dissuasor fundamental: as bombas de fósforo e mais meios aéreos. O PAIGC é forçado a reduziras as bases, a torná-las mais contingentes, os grupos mais reduzidos, é uma flexibilidade que responde às destruições provocadas pelos bombardeamentos. O Corubal torna-se praticamente intransitável.

Hélio Felgas, que comandou um batalhão de Bula, escreverá anos depois um livro intitulado “Guiné 1965”, não ilude o tom laudatório para as atividades desenvolvidas na sua área, mas também não esconde que as FARP se aproximam de Bigene, Ingoré, Barro, Binar. No início de 1967, os helicópteros semeiam o terror, é uma arma nova que surpreende a guerrilha quando pretende fazer frente às tropas portuguesas em campo aberto. Vejamos agora um mapa em que Mustafah Dhada mostra a existência de conflito militar em 1967.


O mapa revela imprecisões, algumas delas com bastante gravidade. Falo do teatro de operações em que combati, a região do Cuor, limite, no Centro-Norte do mapa, vem lá referido Sinchã Corubal. Do lado de lá de Bambadinca, havia dois destacamentos no Cuor e um no Enxalé. Sinchã Corubal era uma tabanca abandonada, perto ficava o acampamento de Madina e a Norte, numa região profundamente árida, Belel, o início de um corredor que prosseguia por Sara-Sarauol, esta uma posição importante, dispunha de um hospital de campanha. A norte do Cuor havia a região de Mansomine, onde o PAIGC se posicionava sobretudo em Sinchã Jobel. Nós, no Cuor, podíamos calcorrear uma boa parte do regulado, fora dos destacamentos de Missará e Finete, as populações residentes em Madina e Belel vinham comerciar e obter informações nos Nhabijões (portanto próximo de Bambadinca, na outra margem do Geba) e em Mero, também na outra margem, tabanca habitada por população Balanta. Quem olhar para este mapa é capaz de pensar que não havia conflito latente/permanente no Xitole e em toda a região até Geba, em 1967, nada de mais errado. Seguramente que outros combatentes que estejam a ler este texto encontrarão outras anomalias no mapa referente a 1967.

De 1967 para 1968 assiste-se a uma penetração na região de Teixeira Pinto, no Sul o Comandante-Chefe Schulz determinou um conjunto de operações com forças especiais e na região Norte entraram em cena bombardeamentos em povoações afetas ao PAIGC próximo de Farim, Bissorã e S. Domingos, suspeitas de abrigar as FARP. Segundo Mustafah Dhada foi um período extremamente difícil para as FARP, perderam abastecimentos, passaram fome, é um período inclusivamente marcado por contestação à estratégia militar no interior do PAIGC. Cabral consegue o reequipamento das FARP e em 28 de Fevereiro de 1968 um comando atacou Bissalanca. Pretextando doença, Schulz retira-se e é substituído por Spínola. Abandonam-se quartéis e posições consideradas inviáveis, redesenha-se a guerra psicológica, reagrupam-se as forças, estabelece-se um plano de reordenamentos, e Dhada traz um elemento novo, o apoio de Spínola a uma força política opositora ao PAIGC, a frente unida de libertação. Dhada como outros autores, labora num equívoco que é atribuir a exclusividade a Spínola da criação de milícias, grupos em autodefesa e a formação de caçadores nativos, de um modo geral esta africanização já estava em curso no tempo de Spínola o que este conseguiu foi obter financiamento para acelerar a africanização inclusive ao nível das tropas de elite. Dhada, não se sabe qual a fundamentação e os documentos em que baseou, dá como certo e seguro a constituição da FUL onde cabiam dissidentes do PAIGC, Rafael Barbosa e nacionalistas guineenses.

A operação de ataque a Conacri acabou por minar a política externa portuguesa, teria começado aí a congeminação do plano para chegar às negociações diretas com Cabral, entretanto a agressividade militar de Spínola parecia imparável, o que obrigou a uma nova reformulação das FARP. Dhada fala sistematicamente das operações anuais das FARP, omite as operações de iniciativa portuguesa, o que é incompreensível em historiografia militar. Temos as conversações com Senghor e refere-se um plano para dividir o PAIGC entre a ala cabo-verdiana e a guineense, seria com esta, segundo Dhada, que Spínola contaria preparar um plano de autodeterminação.

Em Janeiro de 1973, tudo vai mudar com o desaparecimento físico de Cabral, o PAIGC envereda por ataques seletivos, cria infernos à volta desses objetivos selecionados. O autor detém-se sobre os acontecimentos de Copá, em Janeiro de 1974, os bombardeamentos sistemáticos das FARP e as emboscadas próximo de Pirada bem como a coluna vinda de Bajocunda em direção a Pirada que foi brutalmente atacada. Dhada refere um número de baixas para os efetivos portugueses que é manifestamente delirante, em 1973 diz que o número ultrapassou os 2 mil mortos, o segundo mais alto desde o início da guerra armada (!), isto quando há muito tempo já há dados sobre os mortos portugueses em campanha.

O que se pode depreender de um trabalho onde há uma indiscutível investigação séria, mas onde existem lacunas relativamente ao comportamento das Forças Armadas portuguesas (nem uma só palavra sobre o papel da Marinha que, como é de todos sabido, foi primordial), onde se usam mapas fantasiosos? Tudo leva a querer que personalidades como Mustafah Dhada, Julião Soares Sousa, António Duarte Silva, Leopoldo Amado, historiadores militares portugueses como Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes conversassem entre si, sobre as fontes probatórias e aquelas que ainda estão inquinadas pela propaganda (não é a primeira vez que vejo escrito que as tropas portuguesas tiveram 650 mortos no Como entre Janeiro e Fevereiro de 1964), e que depois de laborioso acerto sobre o rigor dos dados transmitissem o produto das suas reflexões para meio universitário e para as opiniões públicas dos dois países mais afetados pelo que aconteceu naquela luta armada, a Guiné-Bissau e Portugal. Quanto ao mais, de boas intenções está o inferno cheio.

Recomendo a todos os interessados a leitura integral do ensaio de Mustafah Dhada no site:
https://www.academia.edu/4022011/Mustafah_Dhada_The_Liberation_War_In_Guinea-Bissau_Reconsidered_Journal_of_Military_History_62_3_Summer_1998_571-593

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18123: Notas de leitura (1025): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (14) (Mário Beja Santos)

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15719: Fotos à procura de... uma legenda (68): cinco fotos históricas do cmdt da Op Mabecos Bravios, cor inf Hélio Felgas, na retirada de Madina do Boé (Cortesia da revista Camões, abr-jun 1999, nº 5)


Guiné > Região do Boé > Rio Corubal > Cheche > 6 de fevereiro de 1969 > A famigerada jangada que servia para transporte de tropas e material, numa  das últimas travessias, aquando da retirada de Madina do Boé.

A foto, histórica, é do comandante da Op Mabecos Bravios, o então cor inf Hélio [Augusto Esteves ] Felgas (1920-2008). Reproduzida com a devida vénia de Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, nº 5,  abril-junho 1969, pág. 15 (publicação editada pelo Instituto Camões; o nº 5, temático, foi dedicado ao "25 de Abril, revolução dos cravos).


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé > c. 6 de fevereiro de 1969 >  Op Mabecos Bravios: apoio da FAP, na retirada do aquartelamento de Madina do Boe, guarnecido pela CCAÇ 1790 (Madina do Boé, 1967/69).

A foto, histórica, é do comandante da Op Mabecos Bravios, o então cor inf Hélio Felgas. Reproduzida com a devida vénia de Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, nº 5,  abril-junho 1969, pág. 10 (publicação editada pelo Instituto Camões; o nº 5, temático, foi dedicado ao "25 de Abril, revolução dos cravos).


Guiné > Região do Boé > Madina do Boé   > c. 6 de fevereiro de 1969 > Mais uma outra foto, histórica, do comandante da Op Mabecos Bravios, o então cor inf Hélio Felgas: a última missa celebrada no aquartelamento de Madina do Boé, antes da retirada das NT.

Reproduzida com a devida vénia de Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, nº 5,  abril-junho 1969, pág. 10 (publicação editada pelo Instituto Camões; o nº 5, temático, foi dedicado ao "25 de Abril, revolução dos cravos).


Guiné > Região do Boé > Mandina do Boé  > c. 6 de fevereiro de 1969 >  Mais uma foto, histórica, do comandante da Op Mabecos Bravios, o então cor inf Hélio Felgas: homens e material prontos para deixar a mítica Madina do Boé.

Reproduzida com a devida vénia de Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, nº 5,  abril-junho 1969, pág. 11 (publicação editada pelo Instituto Camões; o nº 5, temático, foi dedicado ao "25 de Abril, revolução dos cravos).


Guiné > Região do Boé > Mandina do Boé  > 6 de fevereiro de 1969 > Mais uma  foto, histórica, do comandante da Op Mabecos Bravios, o então cor inf Hélio Felgas (falecido em 2008, com o posto de maj gen):  momentos dramáticos depois da deflagração de uma mina A/C aquando da retirada de Madina do Boé.

Reproduzida com a devida vénia de Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, nº 5,  abril-junho 1969, pág.  12 (publicação editada pelo Instituto Camões; o nº 5, temático, foi dedicado ao "25 de Abril, revolução dos cravos).


1. Estas fotos, extraordinárias, tiradas pelo então cor inf Hélio Felgas, comandante do Agrupamento nº 2957 (Bafatá, 1968/70)  e comandante da Op Mabecos Bravios (retirada de Madina do Boé, 2 a 7 de fevereiro de 1969), merecem ser conhecidas, partilhadas, divulgadas e comentadas.  (*)


Julgo que fazem agora parte do Arquivo Histórico-Militar. O seu autor morreu em 2008 e a família deve ter doado o seu espólio fotográfico ao AHM.

Foi militar, escritor e professor da Escola do Exército. As suas como militar e português foram reconhecidas com as medalhas de ouro de Serviços Distintos com Palma, Cruz de Guerra (1ª e 3ª classes) e o grau de Cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.

É pena que não tenhamos tido acesso às fotografias originais. As imagens que aqui reproduzimos, com a devida vénia, são da revista Camões, em formato pdf.  São também a nossa maneira, singela,  de relembrar aqui esse fatídico dia 6/2/1969, em que morreram 46 militares portugueses, nossos camaradas da CCAÇ 2405 e CCAÇ 1790, além de um civil guineense, na travessia do Rio Corubal, em Cheche, na retirada de Madina do Boé. (**)  (LG)
_________________

Notas do editor:

(*) Vd. também aqui o poste  25 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )

(**) Último poste da série > 10 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15472: Fotos à procura de... uma legenda (67): Xitole, 2008, extraordinária fotografia, a do João Rocha!... 40 anos depois com a antiga lavadeira, é muito mais que um abraço ou "o olá como tens passado"... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

sábado, 30 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14680: Efemérides (190): o ataque a Bambadinca foi há 46 anos, em 28/5/1969, recorda o barbeiro mais famoso de Dalvares, Tarouca, o Manuel da Costa, que foi sold maqueiro, CCS/BCAÇ 2852 (1968/70)



Portugal, distrito de Viseu, Tarouca, Dalvares > O Manuel da Costa, autor de Nova Barbearia Costa, a sua  página na Net que tem  cerca de 5400 acessos ou visualizações. Os nossos parabéns!


 Fotos: © Manuel da Costa (2015). Todos os direitos reservados. (Edição: LG.)


1. Da página do Facebook do Manuel da Costa, amigo da nossa página no Facebook, Tabanca Grande Luís Graça, ex-sold maqueiro da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), tomamos a liberdade de publicar a seguinte mensagem,  evocativa da data de 28/5/1969, quando Bambadinca foi atacada, em força, dois  meses e meio depois da grande operação de limpeza no setor L1, conhecida pelo nome de código Lança Afiada. (*)

O Manuel da Costa é uma figura muito popular na sua terra, Dalvares, Tarouca, distrito de Viseu. É barbeiro, nas horas vagas, profissão que já exercia em Bambadinca onde pertencia à equipa de saúde, chefiada pelo saudoso alf mil médico David Payne.  


O TEMPO PASSOU MAS AS MEMÓRIAS FICARAM…
por Manuel da Costa

Fiz parte da Companhia Comandos e Serviços (CCS) do Batalhão de Caçadores 2852. estava ligado à enfermagem como maqueiro,  mas dado a minha profissão de barbeiro que tinha na vida civil desde 1964,  comecei a desempenhar essa arte na barbearia do comando,  alternando sempre que era preciso vir à enfermaria e aos domingos sempre que o ilustre e saudoso médico Dr. Payne, já falecido,  precisava,  lá ia eu fazer psíco às Tabancas só para rapar os cabelos das feridas crónicas dos civis.

Bambadinca era uma pequena vila sossegada no leste da Guiné até ao dia 28 de maio de 1969.




Guiné > Zona leste > Setopr L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 1  > C. 29 de maio de 1969 > Invólucros de canhão s/r. O PAIGC terá usado 3 canhões s/r contra o aquartekamento e posto administrativo de Bambadinca, sem grandes consequências---




Faz precisamente 45 anos no dia 28/5/2014 às 0h25 que o Quartel de Bambadinca foi severamente atacado pela primeira vez na história da guerra da Guiné. 

A 1ª  foto com as caixas das granadas dos canhões sem recuo e os morteiros (82) foram lançadas sobre o aquartelamento e 90% caíram na bolanha ao qual nós não respondemos porque vivíamos em tranquilidade. 




Guiné  > Zona leste > Setopr L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 2 > Vésperas de Natal de 1968 ou 1969 > O sold maqueiro Manuel da Costa, de bata branca, finge que faz a "vistoria sanitária" aos leitões que irão à mesa natalícia...


Fotos: © Manuel da Costa (2015). Todos os direitos reservados. (Edição: LG.)


A 2ª foto foi tirada nas vésperas do Natal de 1968 onde estou numa brincadeira fazendo crer que estava a examinar os leitões. Chamaram-me na barbearia que era junto à cozinha e refeitório geral para os praças e cabos. O que está em troco nu é o cabo cozinheiro Carneiro e o do camuflado era o cozinheiro Teixeira,  já falecido o único que ficou ligeiramente ferido. 

Deste ataque resultou a mudança de todo o comando e a penalização injusta nas suas carreiras assim como a do alferes dos morteiros uma vez que era frágil autodefesa que tinham recebido do comando anterior. 


Bambadinca vista de cima... A foto (originalmente a cores) é do nosso camarada  Humberto Reis (2006), publicada no nosso blogue, embora o Manuel da Costa não cite a fonte. 


A 3ª foto mostra o aquartelamento tal qual foi recebido do anterior comando. Nesse dia 28 (ou no dia
29 ?) foram todos convocados para ouvir (pensavam eles) os Senhores da Guerra. O coronel do setor de Bafatá, Hélio Felgas [, comandante do Agrupamento 2957,]   ao qual nós pertencíamos,  e o general Spínola com uma conversa acutilante,  como se tratasse de um rebanho de ovelhas domesticadas,  direcionada para o comando do batalhão,  mais propriamente para o sr. Major das operações Pires da Silva,  homem de estatura média mas de qualidades altas. Se ele fizesse o que os Senhores da Guerra diziam certamente muitos de nós teriam sucumbido às balas de Nino Vieira que comandou o ataque. 

O major Pires da Silva deu uma resposta inteligente: 
- .Meu comandante, prefiro soldados vivos do que heróis mortos. 

Depois chega o 2º comando sendo um deles o capitão Manuel Maria Pontes Figueira homem disciplinado e disciplinador, amigo dos seus subordinados.

O primeiro Comando [do BCAÇ 2852] era assim constituído:
Tenente coronel Pimentel Bastos
Major Bispo
Major Pires da Silva
Capitão Eugénio Batista Neves

O segundo Comando era formado pelos:
Tenente Coronel Corte Real
Major Ribeiro
Major Sampaio
Capitão Manuel Maria Pontes Figueira

Tanto o 1º Comando como o 2º Comando eram pessoas educadas e de respeito para os seus subordinados e para os civis fossem eles brancos ou de cor, e eu sou testemunha porque de 15 em 15 dias eu cortava-lhes o cabelo.

Falando agora do meu percurso da vida civil...
Fui motorista internacional de Turismo durante 39 anos da EAVT – Empresa Automobilística de Viação e Turismo e depois JOALTO desde 2009. Voltei às origens, cortando o cabelo a amigos e clientes, vivendo em paz e tranquilidade, não tendo muitos clientes mas todos de boa qualidade.

Um abraço amigo aos meus companheiros de tropa desde o comando de oficiais aos praças (68/70).

Barbearia Costa
Dalvares - Tarouca

2. Comentário de L.G.;

Manuel da Costa, essa do Nino Vieira comandar o ataque a Bambadinca, em 28/5/1969 (**), é novidade para mim. Mas tudo é possível..  Diz-me onde "sacaste" essa informação... Eu, e o resto da malta da CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, estávamos a chegar à Guiné, a desembarcar do T/T Niassa, e passámos por aí em 2/6/1969... Vindos de LDG, de Bissau até ao Xime, seguimos depois em coluna auto para Contuboel, com paragem em Bambadinca. Deu para perceber o vosso estado de espírito...Diz-me se te lembras do nosso fur mil enf, o João Carreiro Martins (CCAÇ 12, Bambadinca, julho de 1969(março de 1971)..

O cor Hélio Felgas esteve em Bambadinca nesse mesmo dia, 28/5/1969... Não sei se o Spínola também. A história da tua unidade é omissa nesse ponto. A verdade é que o comando do teu batalhão do "decapitado"...

Vai daqui um abraço para ti,  camarada de Bambadinca, do meu tempo.  E aceita o meu convite para formalizar a tua entrada no nosso blogue, onde há vários camaradas da tua CCS.  Recordo  que o pessoal de Bambadinca de 1968/71 tem amanhã o seu encontro anual, na Trofa.  Presumo que vás... Infelizmente eu não poderei lá estar. Vai daqui também uma alfabravo para todos os meus camaradas dessse tempo, a começar pela malta da minha CCÇ 2590/CCAÇ 12.