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domingo, 30 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16656: Tabanca Grande (497): José Peixoto, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAÇ 3545/BCAÇ 3883 (Canquelifá, 1972/74), nosso 731.º Grã-Tabanqueiro

1. Mensagem do nosso camarada, e novo amigo, José Peixoto (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAÇ 3545/BCAÇ 3883, Canquelifá, 1972/74), com data de 28 de Setembro de 2016:

Caro veterano, Luís Graça.
Peço perdão por esta ousadia, mas é facto que necessito de uma informação.
O meu nome é José Peixoto, resido na área de V. N. de Famalicão,  ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAÇ 3545/BCAÇ 3883, Canquelifá, 1972/74.
Há dias, numa consulta ao vosso/nosso blogue, fiquei um tanto quanto surpreendido relativamente a algumas situações de guerra que se desenvolveram nos anos acima referidos, e bem assim naquela região ali expressas pelo ex-Furriel Jorge Araújo da CART 3494, tais como o desconhecimento das circunstâncias da morte do então saudoso Furriel Pinto Soares[1] (que era seu amigo), o derrube do Fiat G91, entre outros.
Dado serem situações por mim vividas a poucos metros do local, e possuindo eu um "Arauto da Verdade", por mim escrito já há alguns anos com a finalidade de preservar ideias num futuro, e só familiar, perguntava? Todas as respostas à realidade dos acontecimentos se encerem em cerca de 12 ou 13 páginas, muito gostaria com a vossa anuência se for o caso, de as ver expressas no nosso blogue.
Caso as envie para este e-mail, poderei ficar com a convicção de as ver publicadas?

Aguardo na expectativa as vossas orientações.
O meu muito obrigado
jspeixoto

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CANQUELIFÁ ERA O SEU NOME


Os abutres chegaram depois, nome carismático que rasgou horizontes por toda a província da Guiné, e à medida que o tempo passava sem grandes sobressaltos, até finais do ano de1972, aqui já éramos considerados pela população africana, não de “periquitos”, mas sim de “velhice”.

Caros veteranos:
A todos aqueles que tendo cumprido um dever de cidadania, mesmo sendo este de causas desconhecidas, quero aqui deixar um forte abraço sem qualquer exceção.

Ainda não me apresentei, vou fazê-lo:
Meu nome: José Peixoto, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CCAÇ 3545/BCAÇ 3883, Canquelifá, 1972/1974.
Na atualidade: ex-Inspetor da CP (reformado desde 2013), casado, a residir na área de V. N. de Famalicão.

Canquelifá, março de 1973 - Com a companheira de guerra, de seu nome “Eufrásia”

Atualmente

Caríssimos:
Volvidos que foram 42 anos, só agora entendi não deixar passar esta oportunidade, contribuindo assim desta forma para o enriquecimento do nosso Blogue coletivo. Sempre fui pessoa de choro fácil, dificultando-me por vezes de exercitar a memória.

Senti-me um tanto ou quanto penhorado quando há dias visitei o nosso Blogue, e li toda a introdução deixada pelo seu autor Jorge Araújo, ex-Furriel Mil da Cart3494, a quem quero aqui deixar muito particularmente um forte abraço, pelo facto de se ter ocupado dos acontecimentos de Canquelifá, concretamente a respeito da morte do então saudoso Furriel Luís Filipe Soares. Com efeito, destaco a incerteza dos pormenores, conforme referido em “OS ACONTECIMENTOS DE JANEIRO DE 1974” (em CANQUELIFÁ) relativo às circunstâncias que envolveram a sua morte. 

O Luís Filipe Soares, que também era meu amigo, pois é facto que assentámos praça juntos no RI7-LEIRIA na recruta de então, para apuramento dos militares cujo seguimento seria o Curso de Sargentos Milicianos”. Dado na altura eu possuir o 4.º ano industrial, e tendo corrido menos bem as provas de seleção, fui considerado não apto, tendo ele seguido em frente na sua formação.
Reencontrámo-nos em Abrantes, e por ironia do destino estávamos mobilizados para a mesma Província e Companhia.



Para além das suas ausências de Canquelifá, conversávamos com alguma regularidade, pois tratava-se efetivamente de pessoa afável.

O dia 6 de janeiro de 1974 foi o dia fatídico para o Soares, que ficará para sempre na minha/nossa memória.

Após os ataques consecutivos que antecederam os dias 2; 3; 4 e 5 a Canquelifá, cuja hora de início das flagelações foi variável, no dia 06, iniciaram-se cerca das 17h30, com intervalos de bombardeamentos compreendidos entre 10 a 15 minutos. Sendo estimado na altura cerca de 40 a 50 foguetões disparados durante todo o período da flagelação à mistura com o morteiro 120.

Cerca das 22h30 encontrava-me no abrigo de transmissões, e bem assim o nosso não menos saudoso Capitão Peixinho Cristo, entre outro pessoal de Transmissões, quando surge ao cimo das escadas térreas do referido abrigo o nosso guia Africano Anso Sané exclamando:
- Nosso Capitão “muri-lá” nosso furriel Soares, abrigo 1.

Anso Sané, em traje domingueiro 

O Anso Sané, aos olhos de quantos privaram com ele, tratava-se de uma excelente pessoa em que com a intenção de nos proporcionar uma boa ajuda, durante o desenrolar dos ataques que sofremos, calcorreava “a pé descalço” toda a periferia do aquartelamento, por sistema, a fim de se inteirar das situações ao longo dos abrigos, trazendo as notícias à chefia.

O Soares encontrava-se na vala do lado norte do referido abrigo n.º 1, próximo a si refugiava-se também o “puto africano” ou seja, o impedido daquele abrigo, que tinha por missão levantar as refeições junto da cozinha que funcionava no centro, tal como arrumar o refeitório após a tomada das mesmas pelos militares daquele abrigo, tendo sido também ceifada a sua vida, com o mesmo míssil.
De referir também outros feridos daquele abrigo, pois já não recordo com exatidão.

Soares tinha chegado a Canquelifá cerca de 3 ou 4 dias antes da sua morte, após o gozo de férias na metrópole, tendo ficado retido em Bissau durante um ou mais meses por motivo de não haver transporte para Canquelifá, tendo chegado por fim, numa coluna de abastecimento.

Relativo à incidência que alude no trajeto da sua urna até Bissau, sinceramente, que me recorde?.. Também foi notícia para mim.

Caro Jorge Araújo, espero desta forma ter contribuído para algum desmistificar do acontecido: O nosso amigo Filipe Soares não tombou em confronto direto com as tropas do PAIGC, mas durante o ataque, tendo neste sido utilizado foguetões e morteiro 120, perpetrado ao aquartelamento de Canquelifá.

Retrocedendo nos acontecimentos, e bem assim no tempo recordando desta forma o dia 3 de janeiro de 1974, cerca das 16h00, o aquartelamento começou a ser flagelado com um tipo de arma, que para nós era nova, pois tratava-se na realidade dos misseis, cujo términos da ação já foi de noite.
As consequências foram terríveis, sem explicação.

Descrever os chamados “horrores da guerra“ que estavam a ter o seu ponto alto, não é tarefa fácil, pois durante o desenrolar da flagelação foram-se criando alguns focos de incêndio na zona da população/tabanca, tendo-se desenvolvido ao longo de todo o aldeamento, que mais se assemelhava ao fim do mundo ou a um filme de terror, provavelmente um holocausto.
 
Estamos a falar de uma área estimada em cerca de 1,1 km de cumprimento por 500 m de largura em que toda a tabanca era combustível para alimentar as chamas, tornando-se o ar irrespirável.

De lembrar que toda a colheita da mancarra (amendoim) daquela época se encontrava arrecadada em grandes quantidades no interior de círculos formado por esteiras seguras na vertical por estacas, ao lado da tabanca de cada proprietário, a aguardar a sua venda, para desta forma ser realizado algum capital, dando esta ainda maior consistência ao fogo deflagrado.

Para quem não possa imaginar, o amendoim é tão combustível como se de algum derivado petrolífero se tratasse, volvidas que foram cerca de duas semanas após os acontecimentos, ainda havia focos de chamas alimentadas pelos resíduos amontoados do amendoim.

Fotografia extraída do nosso blogue! Creio bem da autoria do então Alferes Henriques. Apenas com a intenção de documentar a situação.

Dia 4 e 5 de janeiro de 1974

Perante a situação anteriormente descrita, uma grande percentagem da população abandonou Canquelifá, tendo permanecido apenas 3 ou 4 “putos lava-pratos” de alguns abrigos, mais fiéis, entre eles o Ernesto Somaila Sané que era filho do Régulo da zona da Pachisse, tendo este sempre rodeado o pessoal de Transmissões.

No dia 5 de janeiro de 1974, por volta das 14h00, toda a malta da companhia (CCAÇ 3545) aproveitando o que parecia ser um tempo de acalmia, apenas aparente, após a análise de tudo o que se encontrava à sua volta, decidiu abandonar os abrigos, cada um acompanhado da sua arma mais os parcos haveres. No grupo estavam incluídos os artilheiros, apresentando-se no abrigo de Transmissões no qual se encontrava o nosso comandante Capitão Peixinho Cristo.
 
Perante tal situação, todo o pessoal que se encontrava na área das transmissões, ficou aturdido, sem saber o que se estava a passar, facto estar ali toda a companhia reunida! Após alguns minutos de conversa com o Capitão, logo se ficou a saber que cuja intenção era de abandonar Canquelifá.

A intenção não passou disso mesmo pelo facto de o Capitão ter pedido alguma calma, descendo ao posto de transmissões no qual estabeleceu contacto com Nova Lamego e desta creio a Bissau. Com quem falou não me apercebi, apesar de estar junto, a resposta que lhe foi dada também não sei, apenas sei que na posse do que lhe foi dito/prometido, subiu ao cimo do abrigo de transmissões onde aguardava toda a companhia e disse:
- Rapazes, é uma virtude confiar nos chefes. Vamos todos para os abrigos mais uns dias.

E assim foi, pois toda a companhia recolheu aos seus abrigos de armas e bagagens reconhecendo a Liderança e Motivação de um chefe. Honra lhe seja feita.

Caros veteranos, a todos quantos possam ler todo este meu sintetizar de uma guerra que não acabou!

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Ao longo de todo o blogue da guerra na Guiné, (belíssimo trabalho realizado), não posso deixar de referir relativamente aos acontecimentos de Canquelifá, 1972/74, em que há efetivamente uma descrição quase real das situações, mesmo tendo em conta que uma grande parte dessas afirmações são feitas por pessoas que ouviram falar ou estiveram perto, apenas algumas datas não são muito coincidentes.
No entanto outras sim marcaram na realidade a nossa mente. Tal como o dia 31 de janeiro de 1974, em que depois de um início de tarde de fortes bombardeamentos a Canquelifá, foi pedido o apoio aéreo a Bissau, tendo chegado cerca das 17h30 a denominada parelha dos Fiats G-91.

Após o contacto com os pilotos via rádio pelo nosso saudoso Capitão Peixinho Cristo, e lhes ter transmitido as coordenadas pretendidas, retiradas do mapa da área “Pachisse” (mapa que se encontrava sempre estendido em cima da mesa do abrigo de transmissões nas alturas de crise), a fim de ser feito o respetivo tiro.
Iniciada a picagem pela primeira aeronave, verificou-se que o objetivo tinha sido alcançado. Para além de se ouvir o rebentamento da granada, assistiu-se a olho nu ao retomar da altitude da referida aeronave e consequente progressão.
De salientar que esta manobra um tanto quanto acrobática, se me é permitido esta classificação, estava a ser levada a cabo a uma distância compreendida entre abrigo de transmissões e o local da operação, na ordem de 1,5 a 2,0 km, mais precisamente junto a Sinchã Jidé

Infogravura para melhor compreensão

Eu encontrava-me ao cimo do abrigo de transmissões, acompanhado de 3 ou 4 camaradas também pertencentes aquela arma, a testemunhar o desenrolar dos acontecimentos.
A segunda aeronave aproximou-se do local da coordenada pedida, um pouco mais a norte, (entenda-se mais para a direita, lado do Senegal em relação à primeira) iniciando a manobra de picagem, não mais sendo vista.
Quem teve a oportunidade de testemunhar no local, deve recordar com certeza, não só o barulho ensurdecedor da explosão, tal como as chamas vivas, à mistura com o fumo negro que pairou durante vário tempo nos céus entre Canquelifá e Sinchã Jidé, tendo como causa a explosão da aeronave (FIAT G91).

Com efeito, de imediato foi comunicado por mim, o que acabara de ser constatado, ao Capitão Peixinho Cristo, que se encontrava ao fundo no posto de transmissões a acompanhar as comunicações do momento, estando estas a serem difundidas em canal aberto com outras entidades. 
Este, na posse dos elementos do alfabeto fonético atribuído oficialmente aos intervenientes da operação aérea, chegados em mensagem, e já utilizados aquando da transmissão das coordenadas pretendidas, ou seja de onde provinham as flagelações do PAIGC, efetuou vários chamados via rádio. Em procedimento, não me recordo as letras atribuídas, como será evidente, no entanto a título de exemplo, como é óbvio o diálogo entre o Capitão e os pilotos:

Capitão:
- Aqui maior de SIERRA / GOLFE, chama maior de ALFA / BRAVO, escuto!
Piloto:
- Afirmativo, aqui maior de ALFA BRAVO, escuto!

Realizadas várias chamadas sem obter qualquer resposta? (…). Surge o contacto (informação) do piloto da primeira aeronave que já se encontrava a sobrevoar noutra área mais afastada com destino a Bissau!..

- Aqui maior de ????
- Info: maior de ???? foi atingido míssil; - conseguiu ejetar-se.

Nada mais transpareceu sobre este dramático acontecimento para além de volvidos que foram alguns minutos, foi recebido uma mensagem do Comando-Chefe de Bissau a corroborar esta afirmação - Que a aeronave Fiat G.91 tinha sido atingida por um míssil e que o piloto, Tenente Castro Gil, se tinha ejetado.

A referida mensagem chegou a Canquelifá classificada de “ZULO”, ou seja, grau de urgência máximo em despacho, classificação no exército ao tempo.


Dia 1 de Fevereiro de 1974 

Pelas 06h00 da manhã, aterram na pista de Canquelifá cerca de 8 ou 10 hélis de transporte, trazendo um número indeterminado de tropas, (creio paraquedistas e outros) assim como mais 2 helicanhões armados com canhão MG 20mm de bala explosiva.
A sua intrusão no interior da mata foi imediata no sentido Sinchã Jidé e Copá. A intenção era localizar o piloto então ejetado naquela aérea no dia anterior, (31 de janeiro) de quem nada se sabia.
A progressão no terreno era acompanhada pelos dois helicanhões que não tinham regressado a Nova Lamego, ficando para o efeito.

A transmissão entre a tropa no terreno e o referido apoio aéreo, era feito em canal aberto, quero dizer, era audível toda a comunicação entre os intervenientes, no nosso posto de rádio em Canquelifá. 

Cerca das 15h00, uma chamada para a tropa em progressão de um dos pilotos disse:
- Ao descer um pouco mais o héli junto à copa da árvore que se encontra no trajeto à vossa frente, pareceu-me ver algo de estranho!.. Tenham cuidado.

Com esta chamada de atenção do piloto, a tropa acabou por detetar um veículo abandonado, tratando-se de uma ambulância de origem Russa.

Alertado o Comando-Chefe, foi dada ordem a Nova Lamego para fazer seguir para o local pessoal helitransportado especializado em minas e armadilhas, com a intenção de analisarem se a mesma estaria armadilhada.
Dado que nada se confirmou sobre a suspeição, foi recebida ordem para seguir com a mesma para Copá.
O trajeto foi complicadíssimo, apesar do apoio simultâneo dos hélis na informação da picada a ser seguida, pois poderia haver eventual obstrução da mesma, mais à frente, relativo à densidade de árvores, evitando assim o retroceder do itinerário.
Tudo foi levado a cabo com o maior rigor, sabedoria e abnegação, chegando-se a Copá já altas horas da noite sem qualquer incidente ou acidente.

Mas, o mais importante de todo este desenrolar de cenário de guerra crua ainda não acabou.

Desviei-me um pouco do principal raciocínio que originou a referida operação, que era encontrar o piloto desaparecido no dia anterior, apenas com a intenção de seguir uma cronologia dos acontecimentos.
O facto, é que enquanto as tropas no terreno se ocupavam em levar a sua operação a bom porto, foi por mim rececionada, cerca das 16h00, quando me encontrava no meu turno de operador de serviço, uma chamada através do AVP-1, na posse da Milícia Africana, que fazia parte do destacamento de Dunane, a seguinte informação: 

Após o OK, foi transmitido: Está aqui pessoal branco.
Ainda tentei questionar, mas é facto que se encontrava junto o Capitão Cristo, pedindo-me para lhe passar o rádio, fazia questão ser ele a entender-se.

Com toda a sua perspicácia de líder de guerra, logo lançou a pergunta:
- O pessoal branco tem boné?..
- Sim.
- Ele que fale ai ao rádio.
- Ele não fala, já vai na bicicleta para Piche.

Terminada a transmissão, de imediato foi dado conhecimento ao Comando a Nova Lamego, tendo sido decidido que um dos helicanhões que se encontrava a dar apoio na outra frente às tropas envolvidas naquele momento com a retirada da ambulância, fosse a Dunane confirmar ou não a notícia difundida pelo Milícia.

Confirmado pelo piloto de que se tratava efetivamente do camarada, tentou recolhê-lo em plena picada, pois este já seguia em direção à sede de Batalhão (Piche), fazendo-se transportar numa bicicleta, acompanhado de um africano que se posicionava na sua frente, compreenda-se sentado no quadro da bicicleta pertença do mesmo.
De seguida, este piloto, contente por encontrar o seu camarada vivo, passou a informação ao piloto que operava junto às tropas em progressão, confirmando-lhe que era o piloto Castro Gil. Repartindo desta forma o contentamento, deram os dois início a uma canção que presumo ser algum hino de então, da Força Aérea: Oh santa miraculosa, tirai-nos desta merda!!!

Não tive a oportunidade de memorizar o restante da letra, pois ouviu-se logo uma voz poderosa mais parecida com voz de comando (que o era) dizendo:
- Aqui maior de ?? ?? - Não havendo mais continuidade do diálogo entre os pilotos. 

Posteriormente veio-se a saber, que o piloto Castro Gil, após se ter ejetado, passou toda a noite em cima de uma árvore, e ao nascer do dia, passava por ali um Africano de bicicleta, tendo- lhe pedido boleia, o que logo acedeu.
Uma saca de laranjas fazia parte da sua bagagem que também repartiu com o seu novo companheiro de viagem.
Quando da chegada à sede do Batalhão (Piche), depois de uma autêntica odisseia que já durava há vinte e quatro horas, pediu ao então Comandante do Batalhão, Tenente-Coronel Dantas, a importância de 1000 pesos, entregando-os como recompensa do transporte e partilha das laranjas, ao Africano.

Do assunto nada mais ouvi falar. No entanto as flagelações a Canquelifá continuaram, sem ter havido qualquer apoio aéreo.
Estávamos no mês de fevereiro 1974, que foi marcado por ataques diários.
A intenção de todos os operacionais em abandonar o aquartelamento, cada dia que passava ganhava mais consistência.

Março 1974 - Continuação dos ataques a partir do dia 5 com alguns interregnos.

Dia 17 de março de 1974 - Início das flagelações às 14h00, com incidência de tiro sobretudo para o lado da “Mata Sagrada”.
Cerca das 15h30, destruído o abrigo 12, e morte do Furriel Rosa ao ser atingido pelos estilhaços de uma granada de morteiro 120mm que rebentou na copa de uma árvore junto ao referido abrigo, quando este se encontrava à porta do mesmo. Desconheço se foi esta mesma granada, ou outra, que provocou a destruição do abrigo.

O Furriel Rosa foi trazido do local para a Enfermaria, num Unimog, tendo-lhe sido ministrados os primeiros socorros, tendo permanecido em cima de uma maca até à chegada do meio aéreo que aterrou em espaço aberto, mesmo junto à Enfermaria, sendo então evacuado para Bissau. 


Dia 21 março 1974, grande operação denominada “NEVE GELADA”

Com base no cansaço, pois o desgaste físico de todos nós era evidente, o inimigo cada vez mais massacrava e incrementava as suas operações a Canquelifá e áreas limítrofes, eis que surge o tão esperado apoio de 3 companhias de comandos africanos com o fim de limpar as áreas afetadas.

Às 13h00 do referido dia 21, entrada pela porta principal, abrigo 1, em coluna apeada.
A primeira companhia dirigiu-se à porta situada no lado “Mata Sagrada”, sentido Chauará, local onde era suposto o IN ter instalado a sua base de lançamento dos mísseis, saindo por esta para o exterior.
A segunda companhia dirigiu-se à porta de acesso à pista junto ao abrigo 5, sentido Sinchã Jidé, local onde era suposto o IN ter instalado o seu poderio dos mosteiros 120mm, saindo para o exterior.
A terceira companhia ficou instalada junto ao abrigo de transmissões, de reserva, aproveitando a sombra de uma velha e grande laranjeira, cujo fruto não se podia comer, por ser muito amargo.

Volvidas que foram cerca de duas horas após a saída das duas companhias para o exterior de Canquelifá, 15h00, foi ouvido o rebentar de um tiroteio de armas ligeiras, à mistura com algumas morteiradas. Naquele preciso momento encontrava-me a circular sentado na caixa de um unimog, tendo por companhia o enfermeiro Paiva, de quem eu tinha recebido um convite, apenas com a intenção de curtir, tal como era usual dizer-se. A finalidade era ir a uma tabanca, para o lado do abrigo 2, buscar uma “bajudinha” que se encontrava com o paludismo para ser tratada na Enfermaria.
A nossa primeira reação foi a de sempre, saltar da viatura e procurar alguma proteção debaixo da mesma, durante o desencadear do tiroteio, estimado em cerca de 10 a 15 minutos.
A evacuação da “bajudinha” já não foi concretizada, logo retrocedemos no itinerário para o denominado centro do aquartelamento.
Nesta fase ainda se ouviam alguns tiros esporádicos.

Dirigi-me ao abrigo de transmissões no qual se encontrava entre outros o então Major Raul Folques, procurando junto do militar responsável pelas transmissões no terreno, inteirar-se efetivamente do que se estava a passar.
A primeira ordem que este Homem de Guerra transmitiu, honra lhe seja feita pelo trabalho coordenado, foi a saída imediata da companhia que se encontrava de reserva junto ao posto de rádio, pela porta de armas de acesso à pista sentido Sinchã Jidé.

À medida que o tempo passava, eram recebidas informações via rádio do resultado obtido pelas duas fações, que indicavam um número indeterminado de baixas ao IN, bem assim como material capturado.

Às 17h10, de uma tarde marcante, fazendo paralelo com as fiadas do arame farpado que dividiam o aquartelamento da vegetação, lado Mata Sagrada, começou-se a avistar a chegada de uma das companhias, trazendo consigo aquilo a que se poderia chamar troféus de guerra, exatamente 22 corpos transportados em cima de macas improvisadas de ramos de árvores.
O estado dos seus corpos era sobretudo confrangedor e arrepiante, membros dependurados, cabeças dilaceradas, uns quantos ainda com parte do uniforme, outros completamente nus.

Chegados às imediações, a população saiu pela porta de armas ao encontro dos militares, pontapeando os corpos. Esta talvez fosse a única forma de vingança pelas mortes causadas aos seus entes queridos, em ataques anteriores.

Quando já dentro do aquartelamento, foi dada ordem para que todos os corpos fossem encaminhados para a Mesquita de Canquelifá, local de culto no qual os homens grandes praticavam as suas orações, virados para Meca.
Para efetuar a segurança durante a noite, foi escalado um pelotão da nossa companhia.

Às 17h30, quando tudo estava aparentemente calmo, eis que surge novo ataque de curta duração com misseis, procurando assim destruir o pouco que ainda restava, como retaliação pelas suas baixas há duas ou três horas.

Às 18h00, e a pedido do então Alferes Henriques, foram reunidos uns quantos militares, de caráter voluntário, para fazer segurança a 3 viaturas (2 Unimogs e 1 Berliet) na ida ao local do confronto para recuperação do material capturado. Eu também fiz parte deste grupo de voluntários, à semelhança do nosso presado cantineiro José Esteves, a residir para os lados de Vila Real, que para os amigos reservava sempre no canto mais à direita da arca frigorífica, aquela “bazuca” fresquinha.

Ordem de partida foi dada. - Saída pela porta de armas lado pista de aterragem dos meios aéreos, abrigo 5.

Após progressão na ordem de 1,5 km foi desencadeado novo tiroteio. Toda a coluna parou para se poder proteger, de realçar o facto de já nos encontrarmos perto do local onde se tinha dado o conflito. Sem sabermos o que de facto estava a acontecer, procurei estabelecer contacto com o posto de rádio de Canquelifá, o que só foi possível volvido algum tempo, o suficiente para o alferes Henriques se zangar, e num gesto brusco, me retirar o auscultador da mão, aludindo que eu ainda não sabia trabalhar com o rádio, o bem conhecido Racal.
Estas situações são as chamadas incongruências de uma guerra.

A informação que proveio de Canquelifá, e recebida por este superior, foi exatamente, que o IN voltou ao local na tentativa de recuperar os mortos, que como atrás referi eram 22 corpos.
Na posse destes elementos, e tendo em consideração que as armas se tinham calado, fomos progredindo mais uns metros com toda a serenidade, pois estava na nossa frente posicionada uma companhia formada por elementos cuja maioria era africana, fazendo proteção ao material capturado, embora a informação da nossa aproximação já tivesse fluido antecipadamente.

Foi um tanto quanto arriscada esta operação de encontro, frente a frente de uma força com a outra, tendo culminado com total êxito, pois o local era de vegetação densa.
Feita a inversão das viaturas, procedeu-se ao carregamento do material capturado, constando de cerca de 360 granadas de morteiro 120mm, 2 morteiros do mesmo calibre completos, montados sobre rodas e outros tantos incompletos, 1 prato, mais 1 tripé.
Tratou-se na realidade de uma operação de muito risco para todos quantos voluntariamente acederam ao pedido do então saudoso Alferes Henriques.

A chegada a Canquelifá já foi tardia, por volta das 23h00, todo o regresso foi feito na escuridão da densa vegetação, apenas a viatura mais da frente acendia esporadicamente os seus mínimos, de salientar o facto de um dos veículos, creio que um Unimog, ter furado um pneu, também não me recordo se à ida, ou no regresso, é facto, assim circulou até à chegada a Canquelifá. Foi uma autêntica odisseia, sem paralelo.

Não posso deixar de realçar uma situação ocorrida já dentro de Canquelifá tendo por protagonistas a minha pessoa, o então carismático Furriel Mecânico Pais e um militar africano da companhia de Comandos.
Tendo este em seu poder uma pequena arma, que mais se assemelhava à nossa pistola Walter, que procurava vendê-la, alegando tê-la capturado horas antes, na operação, a um elemento feminino do PAIGC, que procurava atingi-lo, protegida por uma árvore, tendo este com a sua perspicácia evitado tal, apontando-lhe a sua G3 e dando-lhe ordem para baixar a arma.

Posteriormente tentou dialogar com ela em várias línguas, sem entendimento possível, tendo finalizado o seu diálogo apontando com a mão esquerda para o seu peito onde sustentava o seu crachá, dizendo-lhe:
- “Comando Africano não perdoa” - e utilizando a sua arma G3, fez uma rajada em cruz no peito da mulher, caindo esta junto à árvore.
O corpo dela foi resgatado pelo PAIGC durante o segundo confronto com a companhia dos comandos.
Relativamente à pistola, o negócio estava terminado, cujo valor para mim era de 100 pesos, tendo o Furriel Pais, valorizado para o dobro, não tenho a certeza da concretização da compra por este.

Dando continuidade ao episódio dos 22 corpos que se encontravam a repousar na grande Mesquita de Canquelifá, começaria por realçar o pedido de 2 voluntários pelo Capitão Cristo, cerca das 8h00 já do dia 22 março 1974, com a pretensão de retirarem os corpos para o exterior da mesma, onde previamente tinham sido colocados uma quantidade necessária de bidões vazios,vasilhame chegado, uns com vinho da Manutenção Militar, outros de combustível para a Mecânica, a fim de os corpos serem sentados no chão, encostados aos aludidos bidões. De seguida, procederam à lavagem dos seus rostos ensanguentados, recorrendo para o efeito de uma lata com água e uma vassourita de piaçaba.

A dupla de voluntários então surgida era composta pelos:
- O nosso Oliveira, mais conhecido pelo “Mata vacas”, pois tratava-se na realidade de um homem de coragem, se bem me recordo retalhava uma vaca, depois de morta, na sua totalidade em cerca de 20 minutos, trabalho que sempre realizou em prol da alimentação da Companhia, em toda a sua comissão, por ser esta a sua profissão na vida à paisana. 
- O 2.º voluntário, com alguma margem de incerteza, creio ter sido o carismático “Azambuja”, nome próprio, José Cruz, Cozinheiro oficial da CCAÇ 3545, mas que não exerceu.

Realizada operação definida pelo comandante Cristo, cerca das 9h00 chegaram, 1 helitransporte escoltado por 1 helicanhão, para garantir a segurança da sua aterragem. Na placa da pista a segurança era assegurada por um pelotão, como acontecia em situações semelhantes.
Apeados os ocupantes de várias patentes, pertencentes ao Comando Territorial da Guiné, dirigiram-se ao centro, no qual se encontravam os corpos, sendo a primeira missão fotografar individualmente os mesmos por um fotocine vindo de Bissau para o efeito.
De seguida foram transportados num unimog, também individualmente, sendo-lhes colocado junto ao corpo uma garrafa vazia de cerveja, que continha um ou mais documentos escritos no preciso momento, de conteúdo confidencial.

Reunidos os respetivos requisitos, seguiram destino pista da aviação, onde foram enterrados nos próprios buracos dos foguetões por estes lançados sobre Canquelifá nos dias últimos, não tendo atingido o objetivo por eles planeado.
De realçar o facto de ter sido escalado um pelotão naquele dia e no seguinte, para carga e transporte de terras em unimog para serem tapados os buracos, entenda-se sepultura dos corpos.
Assim ficou encerrado mais um capítulo de uma guerra subversiva, que muitas lágrimas provocaram aos intervenientes de ambas as partes.


Outro epilogo não menos importante na nossa passagem por terras do além, foi o dia 29 de agosto de 1973

Primeiro contacto com o IN na Bolanha de Macaco-Cão cerca das 16h00, emboscada perpetrada às nossas tropas com graves consequências, pois saldou-se por 2 mortos, o Gomes e o Nunes, e vários feridos, alguns com gravidade.

Encontrava-me de serviço no posto de rádio quando se fez ouvir o disparar de armas automáticas à mistura com morteiradas e RPG, (RPG2 era utilizada pelo IN, sendo que a RPG7 era pela nossa tropa), emboscada a cerca de 3 km de distância de Canquelifá.
Logo chegou o pedido via rádio, da evacuação dos mesmos, não me recordo quem era o operador, duvidas quanto ao Matos ou Coelho.
Escrita a mensagem pelo então Cripto Jacinto Teixeira, a mesma por mim foi difundida ao CAOP 2, Nova Lamego e Bissau.
A confirmar a veracidade do exposto, mantenho em meu poder o original da mensagem do pedido da evacuação, que exibo.

Original pedido meios aéreos para transporte de feridos

A referida emboscada ficou marcada por uma série de acontecimentos entre eles destaco!..

- Aquando da chegada dos hélis ao local, em número de 3, foi constatado viajarem militares cujo destino era a passagem para Bissau, e desta à metrópole a fim de passarem férias, dificultando deste modo a total evacuação dos feridos.

- O Capitão Cristo, que também vazia parte daquela operação, ao aperceber-se de tal, logo ordenou o desembarque dos referidos militares, dando-lhes como justificação não ser aquele momento e meio de transporte para fazerem turismo.

A talho de foice, como é usual dizer-se, no passado dia 4 junho 2016, no decorrer do Almoço Convívio em Amarante, foram estes momentos lembrados, mais uma vez, pelo Veterano José Carvalheira, a residir ali para os lados Barcelos, que fez parte deste lote de feridos. Segundo ele, com todo o seu bom humor de pessoa simples, não deixa de sublinhar o facto de naquele dia lhe ter saído o totoloto duas vezes.
No primeiro sorteio tocou-lhe uma boa meia dúzia de estilhaços na zona lombar, mas apesar de tudo está vivo sem sequelas.
No segundo sorteio, que foi em função do primeiro, o prémio está sendo dividido ao longo da sua vida, atribuído pelo Estado Português, e que muito jeitinho lhe faz no final de cada mês!..
E exclama o Veterano ironizando:
- Caríssimos Veteranos, todos quantos fizeram parte da CCAÇ 3545, o relato que aqui deixo gravado não se trata de uma ficção! Fazer um relato de guerra não é tarefa fácil mesmo tendo passado pelos acontecimentos.

Creiam, estas são memórias que se encontravam alojadas no meu subconsciente e que foram trazidas para o computador com algumas lágrimas à mistura, mesmo considerando o facto de poder dizer bem alto “correu bem, cheguei vivo”. Mas, mesmo assim, não se pode esquecer nunca, aqueles que tombaram a meu lado e por isso temos orgulho em todos que combateram na terra, no ar ou no mar!

Aproveitando a circunstância, quero aqui deixar a todas as Famílias a eterna saudade.

Ao lerem todos estes escritos que antecedem, vão com certeza recordar aqueles momentos que muito particularmente marcaram para sempre as nossas vidas, e bem assim as das nossas famílias.
Todo este “Arauto da Verdade” foi escrito há vários anos, todos os acontecimentos transcritos são de uma percentagem de erro muito reduzida, considero eu. Relativamente aos seus meandros relatados, no tocante às datas dos acontecimentos aceito alguma eventual discrepância. 

Por outro lado, também quero dedicar este capítulo que não deixou de ser menos histórico, à minha família, especialmente aos meus filhos, Rui e Vera, hoje pessoas adultas, com a sua formação académica nas áreas de engenharia mecânica e ciências farmacêuticas, respetivamente, para que se possam orgulhar de o seu pai ter cumprido um dever de cidadania, mesmo sendo este de causas desconhecidas.
O caminho é feito caminhando, como o nosso povo costuma dizer! Era tempo de iniciar outro capítulo de vida que também não se apresentava fácil.
O construir de uma família, a subsistência dela, tudo eram interrogações que se colocavam e que apenas tinha uma só saída, escolher e seguir uma carreira profissional.

Para concluir, gostaria de registar que durante a vida devemos aproveitar todos os momentos para dizer àqueles que amamos, o quanto são importantes. Amanhã pode ser tarde para dizermos que amamos e precisamos!
Às leis do divino chefe, se efetivamente ele existe, o meu obrigado, e um bem-haja por não me ter abandonado nos momentos difíceis.

Como todos bem sabem, haveria a mencionar muitos outros momentos não menos difíceis, muito gostaria que outro camarada pertencente à CCAÇ3545 lhe desse continuidade, se o caso o merecer.

Para dar por terminado estes meus simples capítulos, só pretendia abrir aqui um outro, na tentativa de encontrar dois bons amigos de então:
- Luís Henriques, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, mais conhecido por "Alcanena” e Manuel Claro, ex-Atirador, dos quais junto foto na bolanha.


Os não menos amigos:

- Alcino Teixeira, o nosso destacado cozinheiro
- Arnaldo Pinho, o responsável pela padaria, onde se assavam os cabritinhos.
- Teles Dias, o braço direito da messe dos oficias, creio ser de Ponte de Sor.
- Carlos Sarmento, e o Teixeira, dupla de Operadores Criptos da Companhia.
E bem assim tantos outros que não recordo nomes, mas gostaria de os encontrar.
Ergam o dedo, e digam que estão vivos, vamos a um almoço?

Se por ventura alguém tiver dificuldade em se deslocar, relativamente a transporte, não há inconveniente ser eu a fazê-lo, de qualquer parte do país. .

Para contacto, o meu correio eletrónico é jspeixotolord@hotmail.com

UM BEM-HAJA A TODOS

************

2. Comentário do editor

Caro amigo e camarada Peixoto, estás apresentado, e de que maneira. Entraste com o pé direito, com este texto de memórias. Esperamos por mais.

Como este poste já vai longo, termino por aqui com um abraço em nome da tertúlia e dos editores.

A o teu dispor fica o teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

[1] - Vd. poste de 23 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16127: (De)Caras (40): A Canquelifá da CCAÇ 3545 (1972-1974) e os acontecimentos de janeiro de 1974: a morte do "ranger" fur mil op esp Luís Filipe Pinto Soares (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)

Último poste da série de 22 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16514: Tabanca Grande (496): José Luís da Silva Gonçalves, ex-Soldado Radiotelegrafista da 2.ª CCAV/BCAV 8320/73 (Olossato, 1974), 729.º Grã-Tabanqueiro

sábado, 16 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16309: Controvérsias (131): Blindados do PAIGC ? Quem os viu de ver e não de ouvir ?... (António Martins de Matos, ex-tenente pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje ten gen pilav ref)

1. Mensagem de António Martins de Matos  [ex-tenente pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje ten gen pilav ref; membro da nossa Tabanca Grande]

Data: 10 de julho de 2016 às 16:03
Assunto: Blindados

Caro amigo:

Vi ontem no canal Memória da RTP a repetição de um episódio do Joaquim Furtado, onde refere a cerimónia da "Independência da Guiné", ocorrida na área libertada do Boé (dizem eles), no Boé da vizinha Guiné-Conacri (digo eu).

Nesse filme aparecem 2 viaturas de transporte de pessoal acompanhando o desfile das forças em parada.

Farto das conversas sobre Migs, (que sim, que não, que talvez…) e porque penso que, até agora, nunca se falou sobre a estória dos blindados PAIGC, talvez seja a altura de abordar o assunto.

Para inicio do tema, já sabemos que "alguém" lhes deu o diesel e um outro "alguém" lhes forneceu os mapas, (tudo pessoal amigo), aqui deixo o repto.

Blindados PAIGC:

Desde quando? Que tipo? Armados? Só para transporte de pessoal?

Empregues onde?

Quem os viu em operações? VIU DE VER e não de ouvir, que ruídos na noite... propagam-se facilmente (moro a 6 quilómetros do aeroporto de Lisboa e, de noite, oiço o C-130 da FAP a pôr em marcha)

Abraços
AMM


2. Comentário do editor:

António, obrigado pela tua sugestão. Boa sugestão de verão, em que é preciso continuar a alimentar o blogue, apesar da modorra e preguicite aguda que nos dá nesta estação do ano...

Na realidade, pouco se tem escrito, aqui,  sobre as tais viaturas blindadas do PAIGC.  Há uma ou outra referência.  Tudo indica que o PAIGC já as tivesse, no final da guerra, estacionadas do outro lado da fronteira (na Guiné-Conacri)... Teria uma ou a outra à experiência, e para "tuga ver" ou "sueco ver".... O problema devia ser a falta de unhas para as conduzir e manobrar... Terão sido usadas (mal) contra Copá (em 7/1/1974) e em Bedanda (em 31/3/1974).n Em Copá custou a vida aio comandante das forças atacantes, Mamadu Cassambá.

O alf mil António Graça de Abreu e o asp mil Miguel 
Champalimaud,  do CAOP1,  em janeiro de 1974, 
no aeroporto de Cufar.  Foto de A, Graça de Abreu (2012)
Uma dessas referências, às famosas viaturas blindadas do PAIGC,  é do nosso amigo e camarada (e grã-tabanqueiro de longa data) António Graça de Abreu, ex-al mil,  CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74).

Ele estava perto, em Cufar, quando Bedanda foi atacada, em 31 de março de 1974,  com morteiros 120 mm, foguetões 122 mm, RPG2 e RPG7, armas automáticas e outras armas pesadas em duas viaturas blindadas do tipo autometralhadora:


(...) Cufar, 3 de Abril de 1974

A guerra está feia. Bedanda embrulhou durante todo o dia, um ataque tremendo, doze horas consecutivas de fogo. A festa só acabou à noite com uma espécie de cerco à povoação levado a cabo pelos homens do PAIGC.

Em Cufar, tão próximo, além de distinguirmos nitidamente as rajadas de metralhadora de mistura com os rebentamentos dos RPG, foguetões e canhão, à noite viam-se as balas tracejantes e as explosões no ar.

Uma novidade, os guerrilheiros utilizaram viaturas blindadas na flagelação a Bedanda. Existe uma estrada que vem da Guiné-Conacry, passa junto a Guileje – abandonada pela tropa portuguesa, – entra pela região do Cantanhez e termina em Bedanda. O IN está a utilizar esse percurso para deslocar camiões carregados com todo o tipo de armamento, em seguida é só despejar sobre os aquartelamentos portugueses mais expostos e fáceis de alcançar, como Chugué, Caboxanque, Cobumba, Bedanda, Cadique e Jemberém.

Bedanda é uma povoação grande, a maior do sul da Guiné depois de Catió. Terá uns cinco mil habitantes e ontem já se falava em abandonar o aquartelamento. A população africana saiu da vila, ficando por próximo.

Bedanda levou com mais de sessenta foguetões e centenas e centenas de granadas de RPG, morteiro e canhão sem recuo. Foi medonho, há muita coisa destruída, mas tiveram sorte, contam-se apenas dois feridos, um furriel e um negro que levou um tiro nas costas. A tropa passou mais de doze horas metida nas valas.

Espera-se novo ataque a Bedanda. As NT já foram remuniciadas e há promessa de se enviarem mais militares para defender a terra. Os guerrilheiros também devem ter ido descansar e reabastecer-se.

Todas estas flagelações, apesar de serem destinadas aos vizinhos do lado, deixam marcas em todos nós. São horas, dias, meses a ouvir continuamente o atroar dos canhões da guerra. Eu ando um bocado desconexo, excitado, “apanhado”. Quase não tenho dormido, são as sensações finais, o cansaço, o desamor à mistura com o alvoroço do regresso a casa. (...)

Fonte: António Graça de Abreu, Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007,  p.  220. (**) [Imagem da capa do livro, à direita]


Há um comentário ao Poste P9375 (*) do nosso leitor António Rodrigues (, de Vila Real, e que se apresenta como alferes mil, colocado em Bedanda naquela altura, e a quem convidadamos para "dar a cara" e um dia destes se sentar aqui connosco, à sombra do poilão da Tabanca Grande):

Caros camaradas: Estava colocado em Bedanda aquando do ataque com viaturas blindadas, onde era alferes miliciano. As viaturas com que fomos atacados eram as BTR 152 (soviéticas), equipadas com metralhadoras. A sua quase entrada no perímetro deveu-se ao facto de elas terem atacado a partir da zona onde se situavam as tabancas da população civil e isso impedir que quer as "bazookas" quer os canhões sem recuo [tenham ripostado]. Abraços, António Rodrigues.


Outro António Rodrigues, mas, esse, nosso grã-tabanqueiro, registado, e um dos bravos de Copá, ex-sold cond auto da 1ª CCAV / BCAV 8323 ( Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 1973/74), autor da notável série "Memórias de Copá" (de que se publicaram pelo menos 6 postes), escreveu aqui o seguinte (**)

(...) Ora nós em Copá, no dia 7 para 8 de Janeiro de 74, enfrentámos o assalto do PAIGC ao nosso aquartelamento, precisamente com dois blindados, um dos quais chegou a entrar dentro do aquartelamento e nós na altura, só com 27 homens (bazucas uma) e muita sorte, lá os conseguimos repelir.

(...) Soube recentemente, através de uma pessoa que se deslocou à Guiné e a Copá e falou com os guerrilheiros da altura, que lhe disseram que, durante os combates na noite de 7 para 8 de Janeiro de 74, com carros de combate do PAIGC, lhes matamos o comandante que os comandava nessa noite. E a minha conclusão é que esta foi mais uma razão para eles retirarem ao fim de 01,10 horas e assim termos escapado a uma quase eminente captura. (...) .


Ramón Pérez Cabrera, em "La historia cubana en África: 1963-1991: pilares del socialismo en Cuba" (edição de 2005), tem um capítulo sobre a guerra na Guiné (pp. 135-184) e a participação  dos "internacionalistas" cubanos.

A Op Abel Djassi [, nome de guerra de Amílcar Cabral], na sua 2ª fase (época seca de 1973/74) é descrita com detalhe: o início da operação começa justamente a 3/1/1974, com  a ofensiva contra Copá, por intermédio de forças de infantaria e artilharia, "apoiadas por quatro blindados (...) BTR".

O comandante das FARP era Mamadu Cassamba que, "tripulando um dos BTR, penetrou temerariamente na instalação militar"... Teve o azar do seu BTR  acionar uma mina A/C que lhe causou a morte instantânea. As forças do PAIGC conseguiram resgatar o veículo e, dentro dele, o cadáver do seu comandante.

Uma das raras fotos de viaturas blindadas, alegadamente ao
ao serviço do PAIGC no final da guerra. Foto (pormenor) do
Arquivo Mário Pino de Andrade / Casa Comum /
Fundação Mário «Soares. Clicar aqui para ver o original.
  

Face a esta grande contrariedade, o comandante da Frente Leste, Paulo Correia, mandou suspender os assaltos com a infantaria, continuando com as flagelações da artilharia, durante todo o mês de janeiro, até que as NT, como é sabido, abandonam Copá em 12/13 de fevereiro  de 1974, por ordem do Com-Chefe.

Nesta 2ª fase da Op Djassi (a primeira tem a ver como os três G - Guidaje, Guileje e Gadamael, maio / junho de 1973, ainda no tempo do Spínola), Ramon Pérez Cabrera diz que participaram "14 internacionalistas cubanos", um dos quais, um jovem oficial que tinha partido de Cuba por via aérea em 13/12/1973, e que vai  encontrar a morte nas imediações de Copá (ou de Canquelifá ?),  às 8 da manhã do dia 8 (ou 7 ?) de janeiro de 1974, surpreendido por tropas portuguesas.

O seu corpo terá do  "levado para Buruntuma", mutilado e exumado, diz Ramón Pérez Cabrera.   [Tratar-se-ia, quanto a nós,  da mesma emboscada em que terá sido apanhado vivo, o caboverdiano Jaime Mota, 1940-1974, alegadamente executado depois. Ramón Maestre Infante terá sido o último dos 9 internacionalistas cubanos a morrer na "guerra de liberación" da Guiné-Bissau. Enfim, mais um caso para alimentar a nossa série Controvérsias (***)], e o nosso Jorge Araújo vai, por certo, querer explorar, ele que agora tem em mãos o "dossiê médicos cubanos"..


Excerto de: Ramón Pérez Caberra - "La historia cubana en África: 1963-1991: pilares del socialismo en Cuba" (edição de 2005), p. 1979 [Com a devida vénia...Sublinhados nossos]  [Extensas partes do livro podem ser consultadas, em modo de pré-visualização, no portal da Kilibro]
______________

Notas do editor:

(*) 20 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9375: Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (5): ): "Uma novidade, os guerrilheiros utilizaram viaturas blindadas na flagelação a Bedanda [, em 31 de março de 1974]"...

(**) 23 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 – P7320: Controvérsias (111): Copá: Quero aqui repor a verdade dos factos! (António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 8323)

Vd. também postes de:

4 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15327: Louvores e condecorações (10): Os bravos Copá, da 1ª C/BCAV 8323/73, que resistiram durante mais de um mês ao cerco do PAIGC

7 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14128: Memórias de Copá (3): Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)

(...) 7 de janeiro de 1974: o dia mais infernal por que já passei

(...) Novo ataque às 23h50 junto ao arame farpado, com apoio de viatura blindadas e artilharia... Mas Copá resistiu!

E as viaturas encaminhavam-se a toda a força na direcção de Copá e cerca das 23 horas e 50 minutos tudo parou e o ruído deixou de se ouvir, (a falta de iluminação facilitou-lhes as manobras e a instalação à vontade de todo o seu dispositivo) e ficamos na expectativa à espera de mais um momento terrível daquela noite e o meu pressentimento veio a concretizar-se, era exactamente meia noite e dez minutos quando se ouviu o já típico rebentamento que dava início aos ataques do inimigo.
Aí teve início mais uma hora e cinco minutos horrorosos, infernais e terríveis de enfrentar, aí o inimigo estava 10 metros à nossa frente e trazia uma táctica que estava muito bem montada, tinha junto ao arame farpado 3 secções, separadas alguns metros, o que lhe permitiu fazer fogo de armas ligeiras ininterruptamente durante 1 hora e 5 minutos, porque o fazia por secções e quando uma estivesse sem munições a outra estava já preparada para disparar e assim sucessivamente, mas para além destas secções de homens armados de metralhadoras tinham um auto-blindado (tipo ZIG Russo) junto a uma das secções a apoiá-la com os disparos do seu canhão e na retaguarda destas secções tinham toda a artilharia com que nos tinham atacado durante a tarde, esta encontrava-se a cerca de 1 Km também apoiada por outro auto-blindado do mesmo tipo. (...)

(***) Último poste da série > 8 de março de  2016 > Guiné 63/74 - P15832: Controvérsias (130): O "nosso Cabo Miliciano", que em 1965 ganhava 90 escudos de pré (34,24 euros, hoje), fazendo o serviço de sargento... (Mário Gaspar)

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14194: Casos: a verdade sobre... (7): O tema da Guerra da Guiné a imputar-nos a execução de detidos, de prisioneiros e da mutilação dos cadáveres voltou à Tabanca Grande (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 23 de Janeiro de 2015:

Prezado amigo e camarada Carlos Vinhal.

A atitude do jornalista escritor José Vicente Lopes de eleger o blogue como fonte, viva, para a reconstrução da história da Guerra da Guiné é sábia da parte dele e gratificante para nós. Essa guerra onde empenhamos a juventude, a saúde e avida é um romance real e nós os seus actores.

Copiei o estilo dos camaradas António Rosinha e C. Martins para o texto anexo e dá-lhe o destino que entenderes.

Com um abraço e expectativa das notícias prometidas...

Manuel Luís Lomba


“Uma Guerra Desnecessária”… 

O tema da Guerra da Guiné a imputar-nos a execução de detidos, de prisioneiros e da mutilação dos cadáveres voltou ao convívio da Tabanca Grande, neste mês de Janeiro, efeméride do início da sua guerra “militar”, com o ataque a Tite, em 23/01/63), da derrota, morte e eventual profanação do cadáver do comandante paigcista Jaime Mota(1), em 7/01/74, na mesma altura em que, ali ao lado, o pelotão dos 29 valentes derrotava o cerco e assalto combinados de infantaria, artilharia e blindados do IN a Copá, narrado pelo camarada António Rodrigues(2).

Exército Português há só um, o fundado por D. Afonso Henriques e mais nenhum!

Em 1128, o rei fundador, ao comando da sua primeira batalha, derrotou o IN galego Fernão Peres de Trava, não o matou, não o maltratou e concedeu-lhe o dom da sua pessoa para o escoltar até à sua mãe, não como prisioneiro, não obstante vitorioso, mas como um homem e companheiro afectivo dela.
Num teatro de guerra, D. Afonso Henriques elevou ao auge o seu respeito pela dignidade humana do combatente.

As guerras são loucura humana, injustas, desnecessárias, exceptuando as de legítima defesa.

Quando o nosso compatriota Amílcar Cabral detonou a Guerra na Guiné, éramos país com mais de 8 séculos de história civilizacional e pluricontinental há 5 séculos. A nossa Constituição, essa lei fundamental, imperava em toda a dimensão da portugalidade e reconhecida por todas as instâncias internacionais.

“Vestiram-nos a camisola” (a farda) e expedidos para a Guiné, fazer uma guerra para acabar com aquela guerra…

Jamais o Povo da Guiné-Bissau beneficiará de cooperação tão extensa e profunda como a que lhe prodigalizou o Exército Português, ao custo de sangue, suor e lágrimas, como contrapartida…

Amílcar Cabral trocou a ética e tradições do Exército Português, que terá servido até à patente de alferes miliciano, pela doutrina e métodos de guerrilha de Mao Tsé Tung, líder da China, onde se tirocinou, em 1960, com passaporte de cidadão português…

Correspondemos sempre por cima aos martírios que nos eram impostos no teatro de operações, cedo nos apercebemos que Amílcar Cabral sabia muito melhor o que fazia do que nós que aquela guerra da Guiné não acabaria no binómio derrota-vitória: só teria fim por desistência, por falta de comparência…
Como assim, se Portugal era país, tinha exército e o PAIGC era exército e não era país? Paradoxalmente, de derrota em derrota, o PAIGC levou os portugueses a desistir primeiro… E não lhe entregaram um país em Bissau; foram desfazer-se dele, em Argel…

Por esse formato de independência, pouco mais sobrou para o Povo da Guiné-Bissau que o PAIGC de Conakry, Moscovo e Havana e o seu exército… A história vem tratando a Guerra da Guiné como “Uma Guerra Desnecessária” – citando Churchil…

No tocante aos aludidos crimes de guerra, a criminalidade é imanente à condição humana (está bem dito, Luís Graça?). Pela multiplicidade da gente que a informa, a sociedade castrense não será excepção à regra. Há muitas provas da coragem de muitos em não pactuar com ela, pelo silêncio, sabendo de antemão que passariam a ser pisados.

Trazemos à colação o testemunho e autocrítica do coronel Vasco Lourenço, o principal motor do MFA, vertidos no seu livro Do Interior da Revolução (Âncora Editora, 2009), pags. 38 e 39.

Era comandante da subunidade de Cuntima, mandou prender dois régulos, conotados com o IN, entendeu despachar o mais notório para a sede do batalhão, para ser interrogado por especialista, com as mãos algemadas atrás das costas. Só que aquele detido era príncipe da sua etnia e reagirá, não à detenção, mas ao que considerou grave afronta à sua condição, com uma greve de fome, até à morte. O general Spínola levantou-lhe um auto de averiguações e só não o terá punido porque o seu comandante do batalhão reclamou junto do Comandante-chefe a responsabilidade da ocorrência; mas não deixou de ser transferido de Cuntima para Nema…

É este o meu (nosso) Exército e D. Afonso Henriques o seu patrono…

O exército do PAIGC foi o primeiro a atormentar a vida dos guineenses, começando por destruir a sua economia, os seus equipamentos sociais, a matá-los e a estropiá-los.

O Exército Português bombardeava e assaltava as suas bases, na floresta; o exército do PAIGC flagelava as vilas e tabancas densamente povoadas, que aboletavam guarnições militares (chegou a dirigir 300 por mês). As baixas dos relatórios registam as vítimas do costume: velhos, mulheres, crianças e incapazes…

Em 1962, o exército do PAIGC começou a atormentar e a matar guineenses em Catió, Susana, Varela, S. Domingos - e nunca mais parou…

A malta grisalha que foi envolvida nessa guerra, vai-se reunindo a curtir a nostalgia do tempo que não volta, sem patriotismo africano saudosista. Haja libertação e libertadores, mas mitologias à parte.

Amílcar Cabral foi o instituidor da pena de morte na Guiné, há 100 anos abolida por Portugal, aplicando-a a delitos comuns e a delitos políticos, no I Congresso de Cassacá, em Fevereiro de 1964, e ordenou execuções imediatas. Quando em 1 de Junho de 1970 foi a Roma receber as bênçãos de S. S. o Papa Paulo VI, poucos dias antes havia ordenado fuzilamentos em Quitafine, pelo delito de oposição política, entre os quais o de Abdulai Seck, chefe da segurança do partido, em Ziguinchor.

Todos os homens são iguais e guerra é guerra – parafraseando o ex-sapador Braima Cassamá.

Um abraço para o Luís Graça, os editores, camaradas intervenientes, extensivo ao José Vicente Lopes(3).

Descansa em paz, comandante Jaime Mota.

Manuel Luís Lomba
____________

Notas do editor

(1) Vd. postes de:

15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14150: Casos: a verdade sobre... (1) Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 (Virgínio Briote / Amadu Djaló / José Vicente Lopes)

15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14151: Casos: a verdade sobre... (2): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte II (Virgínio Briote / Rachid Bari, ex-sold trms, CCAÇ 21, Bambadinca, 1973/74, natural do Quebo e residente em Portugal)

17 de janeiro de  2015 > Guiné 63/74 - P14156: Casos: a verdade sobre... (3): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte III (Luís Graça / José Vicente Lopes / José Manuel Matos Dinis)
e
18 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14160: Casos: a verdade sobre... (4): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte IV: "Guerra é guerra, meu irmão", dizia-me em 2008 o antigo guerrilheiro Braima Cassamá que reencontrei em Guileje (José Teixeira)

(2) Vd. poste de 7 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14128: Efemérides (181): Copá – Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)

(3) Vd. postes de:

3 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10221: Notas de leitura (387): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (1) (Mário Beja Santos)

6 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10230: Notas de leitura (388): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (2) (Mário Beja Santos)
e
10 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10247: Notas de leitura (390): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 de Janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14193: Casos: a verdade sobre... (6): Tratamento de prisioneiros do PAIGC (ex-fur mil armas pesadas inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70)

domingo, 18 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14160: Casos: a verdade sobre... (4): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte IV: "Guerra é guerra, meu irmão", dizia-me em 2008 o antigo guerrilheiro Braima Cassamá que reencontrei em Guileje (José Teixeira)

1. Mensagem do José Teixeira , com data de 16 do corrente

[José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatáe Empada, 1968/70, Foto á esquerda, no Quebo, em 1968]

Luís:

Não posso meter a foice em seara alheia (*), porque em 1974 estava na minha terra, apenas preocupado em não regressar à guerra por repescagem, pois cá pelo Porto já corria esse boato, devido á falta de "carne para canhão".

Passado que foi todo este tempo, penso que a verdade dos factos já não se pode aclarar devidamente. Branquear ou escurecer este acontecimento conforme a origem da informação é um exercício difícil de realizar, dado que a matriz patriótica funciona quer queiramos quer não.

Uma coisa é eu contar um acontecimento de forma natural, vivido por mim, sem pressões de espécie alguma, outra é, contar o acontecimento "pressionado" pelo tempo e por uma informação vinda de outra fonte, neste caso totalmente oposta. Por muito que queira, me parece que a isenção é muito difícil.

A minha forma de estar na vida face a acontecimentos que vivi e relatei em devido tempo, obriga-me a pôr reservas quanto ao que diz o Amâncio Lopes ,com o apoio de um piloto Português de quem se afirma que assistiu (?) ao possível violento assassinato, bem como às afirmações do Rachid Bari, com quem devo ter cruzado em Quebo nos anos 68/69.

Na realidade, que eu saiba no fim da guerra, o PAIGC poucos ou nenhuns prisioneiros guineeses entregou a Portugal e muitos fez, com toda a certeza. Por outro lado, também sabemos das histórias do "corta de orelha". Fama de que o falecido Aliu Sada Candé, com todo o respeito e admiração que tenho por ele e pela sua família, onde me orgulho de ter grandes amigos como exemplo a sua filha Cadi Guerra (minha sobrinha por opção pessoal) e seu primo Sulimane Baldé – Régulo de Contabane, não se livra.

O Aliu Candé era de fato um guerrilheiro ao serviço de Portugal e quando ele ia com o seu grupo de milícia á nossa frente, ou nas laterais da picada, podíamos ir descansados que o inimigo fugia a sete pés. Ele arrancava de peito aberto para o inimigo e dizia-se, à data em Quebo,  que trazia as orelhas dos inimigos mortos em combate, mas nunca ouvi falar de bárbaros assassinatos como relatado. Por isso era temido e por isso foi condenado em tribunal popular juntamente com o seu primo Braima Baldé à morte por fuzilamento, no pós-guerra em Bambadinca.

Outras "histórias" há, de prisioneiros lançados ao mar/rio ou assassinados a frio com a justificação de que se fossem entregues à Pide, "cantavam" e as consequências caiam em cima de nós.

Verdades/mentiras que só o tempo as fará escurecer e não nos compete a nós julgar, mas também não devemos tentar branquear, por muito que nos custe.

Como dizia o meu "ermon de sangre" Braima Cassamá que conheci em 2008 em Guiledge, o tal que colocou em Agosto de 1968 o campo de 80 minas em Txangue Laia a caminho de Gandembel e originou sete mortos às nossas tropas e se cruzou algumas vezes comigo na frente de combate, sem sabermos – Guerra é guerra, discurpa!

Tenho a certeza que o seu coração, nesse momento sangrava, e o meu também, mas fizemos a paz connosco mesmo e a guerra morreu ali.

José Teixeir, Empada, 1969
Guerra é Guerra

Guerra é guerra, meu "ermon",
Quando passa não deixa saudades.
Mas, muitas amizades, neste mundo perdido
Os antigos inimigos se procuram,
Para saldar as contas com um abraço sentido.

Braima Cassamá, antigo guerrilheiro do PAIGC, meu inimigo.
Reencontrado em 2008, em Guiledge.

Armas caladas,
Em mãos armadas,
Cantam horrores,
Silenciam com a morte,
Quem por má sorte
Lhe sofre as dores.

Sangue e pranto, 
Em jorro constante,
Num jardim sem flores,
E na última despedida,
Clamam pela vida,
Que queriam viver.
E pelos seus amores,
A sua razão de ser.

A esperança, essa, resiste,
Num corpo ainda quente,
Até aos últimos estertores.
…E perdeu-se uma vida.

A seu lado, a vida,
De armas na mão,
Não acredita
No sangue que correu.
Chora uma lágrima sentida,
E avança,
Destemida,
Vingando o que morreu.

E verte a raiva que lhe vai no sangue
Para dentro da palavra
Que transpira asperamente.
Põe no dedo do gatilho
E com que raiva o lavra,
O destino de quem matou.
Inutilmente.

Até que a guerra tem o seu fim,
Enfim.
Inimigos de ontem,
Hoje se perguntam num abraço de paz,
Eternamente selado:
– Que fiz eu?
E tu, meu irmão,
O que te aconteceu?

E chora a alegria,
Caldeada com lágrimas de dor,
Não pelo que sofreram,
Já tudo passou,
Sem desejos de vindicta,
Mas pelos amigos que se perderam
Na guerra maldita
Que alguém sem rosto
Nos criou.

José Teixeira

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Noat do editor:

sábado, 17 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14156: Casos: a verdade sobre... (3): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte III (Luís Graça / José Vicente Lopes / José Manuel Matos Dinis)


Guiné > Mapa da província > 1961 > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Copa e canquelifá junto à fronteira com o Senefgal e a Guiné-Conacri.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Mensagem do nosso editor LG, enviado ao José Vicente Lopes, em 15 de janeiro de 2015  13:22 (*)

Caro amigo José Vicente:

Aqui tem uma versão, em primeira mão dos acontecimentos. O José, no seu artigo, parece sugerir que a execução sumária do Jaime Mota tenha sido obra do Marcelino da Mata e do seu grupo [, que esteve ne zona de Copá em março de 1974, e não em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá]...

Tudo aponta para que o Jaime Mota tenha sido abatido pela  CCAÇ 21, unidade regular do exército colonial, constituída apenas por graduados, especialistas e praças do recrutamento local. Não confundir com o batalhão de comandos africanos. A CCAÇ 21 era uma unidade de intervenção, ao serviço do Comando Operacional da Zona Leste. A CCAÇ 21 estava sediada em Bambadinca.

Nesta ação (Minotauro) estão envolvidos dois grupos de combate, comandados por antigos oficiais comandos graduados, fulas, os alferes Aliu Candé e Braima Baldé, que serão torturados e executados pelo PAIGC em 1975, tal como o comandante da companhia, o tenente graduado Abdulai Jamanca, e um antigo soldado da minha CCAÇ 12, o Abibo Jau. Entre outros...

Eu tenho um especial afeto por Cabo Verde (onde o meu pai foi expedicionário, em 1941/43, Mindelo, São Vicente,  e onde tenho bons amigos). Tenho também um grande carinho pela Guiné e as suas gentes. O meu/nosso blogue "faz pontes" há mais de 10 anos...

Um abraço. Luis Graça


Guiné > Zona leste > Bajocunda > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 > Foto 6 - O Furriel Ventura em ambulância capturada ao PAIGC" [, entre Copá e a fronteira, em Março de 1974, pelo Grupo do Marcelino da Mata e o Astérix, nome de guerra do Cap Pára-quedista do BCP 12, António Ramos, já falecido]


Guiné > Zona leste > Bajocunda > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 > Foto 4 > Viatura [, Berliet,] minada na emboscada de 7 de Janeiro de 1974.


Fotos do álbum dfe Amílcar Ventura, ex-Fur Mil Mec Auto, 1ª CCAV / BCAV 8323 (Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74), natural de (e residente em) Silves.

Fotos (e legendas): © Amilcar Ventura (2009). Todos os direitos reservados [Edição: L.G.]


2. Resposta do  jornalista e escritor José Vicente Lopes:

Data: 15 de janeiro de 2015 às 19:40

Assunto: Canquelifá 74

Meu caro Luis Graça:

Uma vez mais agradeço a ajuda para o esclarecimento deste caso - a morte de Jaime Mota e dos outros dois combatentes do PAIGC, um cubano e outro guineense. Tudo parece apontar que a operação Minotauro é realmente o mesmo episódio por mim reportado no meu artigo de "A Nação", reaproveitado pela Fundação Amilcar Cabral. 

A história chegou ao meu conhecimento através de várias fontes do PAIGC; como jornalista, na altura, procurei outras possiveis fontes, neste caso portuguesas,para um equilíbrio dos argumentos de um e doutro lado. Cheguei a recorrer ao vosso blogue e outros meios, o que levou a aproveitar alguns relatos que pareceram estar relacionados com esta história há muito perdida nas brumas da memória - daí a menção a Marcelino da Mata que nessa altura, pelo que me pude dar conta, actuava também na região de Canquelifá. 

Um dos meus informantes, o comandante cabo-verdiano Joaquim Pedro Silva (Baró), que também actuou na Guiné, sendo um dos primeiros responsáveis do PAIGC a chegar a Bissau em 1974, juntamente com Julião Lopes, relatou-me que ouviu pela primeira vez do "martírio" de Jaime Mota através de um oficial militar português já em Bissau que terá assistido ao triste episódio. 

Uma outra fonte, também antigo guerrilheiro cabo-verdiano do PAIGC, António Leite, o tal que se refere à "forquilha", diz que ouviu isso de populares quando ele e outros mais guerrilheiros se abeiraram do povoado e tomaram conhecimento ao que se tinha passado com os três combatentes mortos. 

Amâncio Lopes, que escapou com vida da emboscada, e que comandava o tal grupo de 7 homens, também fala na tortura de Jaime Mota e entende, inclusive, que o comandante desse quartel é o responsável por essa suposta tortura, um "crime de guerra",  a ser isso verdade. 

Todos os meus informantes estão convencidos que essa foi uma operação de "comandos africanos", quando, pelo que deduzo do material que me enviaram, ter se tratado e uma CCaç com soldados guineenses [, a CCaç 21]. Aliás, como a vossa própria fonte refere, no passado, terá havido a prática de seviciar prisioneiros. Eu, como calcula, tenho de lidar com o que diz os dois lados. 

Note-se que esta foi a primeira vez que alguém em Cabo Verde, neste caso o autor destas linhas, procurou indagar das condições de morte de Jaime Mota, cuja existência tomei conhecimento de forma incidental. 

Tudo mais que que você e os seus companheiros tiverem e quiserem compartilhar comigo,  estarei ao vosso inteiro dispor. 

Subscrevo-me com um forte abraço, desejando a todos um bom ano. 

JVL


PS - Volto a perguntar-lhe onde poderei obter o tal livro [, do Amadu Bailo Jaló] a que se refere num dos emails. E, já agora também, se pode dizer-me onde poderei encontrar material sobre os cabo-verdianos na guerra da Guiné, não importa se do lado do PAIGC ou de Portugal. Como já deve ter dado conta não tenho uma visão unilateral ou maniqueista da história. Pela minha idade escapei da guerra colonial, sou dos primeiros "historiadores" a procurar dar uma visão aberta acerca da história contemporânea de Cabo Verde e de outras antigas colónias. Um exemplo disso foi o meu livro sobre o Tarrafal, "Tarrafal-Chão Bom, Memórias e verdades", que deixou muita gente indisposta, mas isso não é problema meu, foram os dados a que tive acesso.




Cabo Verde >  Ilha de Santiago >  Cidade da Praia > Quartel Jaime Mota > 2012 > Imagem do domínio público, cortesia da Wikimedia Commons.


3. Segundo mail do nosso editor LG, com data do mesmo dia:


Obrigado, amigo, acho que nos move a ambos a vontade de esclarecer a verdade, sem preconceitos, sem ideias feitas, sem ressentimentos... Ambos temos formação científica, você em história, eu em sociologia e em saúde pública... Para além do mais, temos profissões (você jornalista e eu investigador social e professor) com exigências éticas e deontológicas acrescidas... Claro que você não fez a guerra colonial, e ainda bem...

De qualquer modo, pessoas como nós, temos a obrigação de ajudar a geração que fez a guerra, de um lado e do outro, a fazer as contas com o passado e a transmitir às gerações seguintes uma visão positiva da nossa história partilhada... Como eu costumo dizer em relação aos meus camaradas que integram esta "tabanca grande", virtual, cabemos aqui todos com tudo o que nos une e até com aquilo que nos separa. E nem todos são ex-militares...

Há mais de 10 anos que, neste blogue, procuro põr os antigos combatentes , a juntar as "pontas", a salvaguardar e partilhar as suas memórias, a fazer pontes entre os dois lados...Estive em 2008, no Simpósio Internacional de Guileje, a convite do meu saudoso amigo Pepito, mas foi pena que nessa altura, os antigos combatentes do PAIGC, oriundos de Cabo Verde, não tivessem podido viajar até Bissau por razões alegadamente de segurança: Nino ainda estava no poder...

Obrigado pelos seus esclarecimentos que, não havendo objeção da sua partem, irei partilhar com os leitores do nosso blogue. Oxalá apareçam outras versões de quem presenciou os acontecimentos em questão, e que estava em Canquelifá por esses dias de janeiro de 1974, nomeadmente antigos militares, guineenses, da CCAÇ 21, e antigos militares, metropolitanos da CCAÇ 3545, comandada pelo capitão de infantaria miliciano Fernando Peixinho de Cristo. Seria importante igualmente identificar e localizar o oficial médico (, possivelmente alferes miliciano) que terá vindo de Nova Lamego para reconhecer os cadáveres dos dois guerrilheiros mortos, que não eram guineenses (um dos quais seria o Jaime Mota).

Boa saúde, bom trabalho. Luís Graça

PS - Quanto ao livro que me pede, não sei se está esgotado, mas vou empenhar-me em arranjar um exemplar. Até à data é o único escrito (com a ajuda do meu camarada e amigo Virgínio Briote) por um antigo comando africano, do batalhão de comandos africanos (a que o Marcelino da Mata não pertencia!). O Amadu Bailo Jalô, fula, infelizmente bastante doente, é um muçulmano com elevados valores morais e uma conduta que me parece exemplar do ponto de vista militar e humano. Andou na guerra desde 1962 até 1974... Temos, no nosso blogue.  o descritor Amadu Djaló com quase 50 referências.

Sobre combatentes caboverdianos... Temos bastantes referências a Cabo Verde... E eu gostaria de ter ainda mais... Ocorre-me, desde já dois ou três nomes: Barbosa Henriques, António Medina, Manuel Amante da Rosa (, que pertenceram ao exército português).

O Barbosa Henriques foi ofiicial do exército português e instrutor da 1ª companhia de comandos. Conheci-o pessoalmente, em Fá Mandinga e em Bambadinca. Acho que era da Brava, tenho que confirmar...

O António Medina vive hoje nos EUA, e fez a guerra, em 1963/65... É de Santo Antão.  Esteve no BNU de Bissau até 1974 e é primo do Agnelo Medina Dantas Pereira, que foi comandante do PAIGC... Encontraram-se em Bissau, após o 25 de abril... Uma história bonita, veja aqui.

 Tenho também aqui um bom amigo e camarada, que é hoje o vosso embaixador em Itália, o Manuel Amante da Rosa.

... E há muitas mais referências a Cabo Verde (mais de 170)...Incluindo fotos do meu pai, Luís Henriques (1920-2012), expedicionário no Mindelo (em 1941/43)... E, mais recentemente, do meu fiho que foi lá tocar no Festivel Sete Sois Sete Luas... (João Graça, da banda Melech Mechaya) (...).

 4. Mail do José Manuel Matos Dinis, com data também de 15 do corrente:

Viva,  Luis!

Obrigado pela tua vontade de me manteres a par deste caso. Recordo agora, que há poucos dias o Blogue publicou um episódio ocorrido em Copá, acho que em data coincidente, mais dia, menos dia. Nós sabemos que o Marcelino chegou lá imediatamente a seguir, ou iria na coluna de reabastecimento que caíu na emboscada. Sabemos, ainda, que logo a seguir foi abatido um avião em Copá, e Marcelino foi buscar uma ambulância IN algures na fronteira. 

Não sei quanto tempo decorreu entre essas datas. A distância entre Copá e Canquelifá é de cerca de 12 km, e, que havendo informações sobre um ataque a Canquelifá, não seria dificil proceder a um patrulhamento, com uma ou mais unidades em coordenação. Assim, se o Virginio comparecer na próximo encontro da Magnífica Tabanca da Linha, no dia 22, pode ser que perante uma abordagem, o Marcelino possa confirmar, se esteve ou não envolvido nesse caso e, em caso afirmativo, possa produzir um esclarecimento. Também o Francisco Palma, parece-me, terá pertencido a essa Companhia, mas podia já ter sido evacuado. Vou indagá-lo.