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terça-feira, 10 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9726: O Cancioneiro de Gandembel (5): Do Hino de Ganbembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte V) (Idálio Reis)












Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (8 de abril de 1968 a 28 de janeiro de 1969) > Aspetos da construção e defesa (destaque para o morteiro 81 e o obus 10.5)  do aquartelamento, que será abandonado e destruído em 28 de janeiro de 1969, por ordem do Com-Chefe, gen António Spínola. Fotos do arquivo de Idálio Reis, editadas por L.G.

Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


  
1. Continuação da publicação de "Os Gandembéis", poema  de autoria coletiva (mas com forte contributo do poeta João Barge, 1944-2010), escrito em 1969, que retrata a epopeia da CCAÇ 2317 em Gandembel e Ponte Balana (*), recolhido e reproduzido pelo nosso  camarada e amigo Idálio Reis, engenheiro agrónomo reformado, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317, no seu livro A CCAÇ 2317 na guerra da Guiné: Balana / Ponte Balana, edição de autor, 2012 (il, 250 pp.).

O lançamento deste livro, que é uma peça fundamental para a historiografia da guerra colonial na Guiné, seraá feito no Palace Hotel, no próximo dia 21, no âmbito do VII Encontro Nacional da Tabanca Grande.  




Os Gandembéis

Canto II

I
Em Gandembel, tanta tormenta e tanto dano,
Tantas as vezes a morte apercebida;
No arame farpado, tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida;
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida?
Que não se arme e se indigne o céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno.
II
Dali para Changue-Iaia se parte (#)
Onde as tropas estavam temerosas
Para que à gente mande que se aparte
Da mata inimiga e terras suspeitosas
Porque mui pouco vale esforço e arte
Contra infernais vontades enganosas;
Porque na estrada rebentam fornilhos
E há mais noivas por casar e mães sem filhos.
III
Agora nestas partes se nomeia
Simões furriel, o africano Fome,
Coelho transmissões, que se arreia
Das vitórias da Pátria sem nome.
Aqui, enquanto as minas não refreia
O soldado Pacheco fica informe.
Um braço do forte Quicão aparece
E o coração de todos, pela dor, escurece.
IV
Assim, nesta incógnita espessura
Para sempre deixámos os companheiros
Que, em tal caminho e em tanta desventura
Sempre connosco foram aventureiros.
Quão fácil é ao corpo a sepultura!
Quaisquer negras terras, quaisquer outeiros
Estranhos, assim mesmo como aos nossos,
Receberão de todo o Ilustre os ossos.
V
Mas o magriço, que já então lhe convinha
Tornar a Bissau, acostumado,
Que tempo concertado e ventos tinha,
Para ir buscar o descanso desejado.
Recebendo o piloto que lhe vinha
Foi dele alegremente agasalhado;
Rapidamente no helicóptero entrou
E, sadicamente, c´o a mão ligada acenou.
VI
Jorge de Moura, o forte Capitão
Que a tamanhas empresas se oferece,
De soberbo e altivo coração,
A quem a Cunha sempre favorece,
Para aqui se deter não vê razão,
Que sequiosa a terra lhe parece
Por diante passar determinava
E assim lhe sucedeu como cuidava.
VII
Tamanho o ódio foi e a má vontade,
Que ao soldado súbito tomou,
Sabendo ser sequaces da Verdade
Que o Filho de David nos ensinou.
Pois o Maia, com gana e virilidade (##)
Da companhia as rédeas tomou.
E foi assim, à base de mérito e favores
Que este se encheu de louvores.
VIII
Corrupto já e danado o mantimento
Danoso e mau ao fraco corpo humano;
E, além disso, nenhum contentamento,
Que sequer da esperança fosse engano.
Cremos nós, se este nosso ajuntamento
De soldados não fora lusitano,
Que durara ele tanto obediente?
Porventura, o que será desta gente?
IX
Imagine-se agora quão cuidados,
Andaríamos todos, quão perdidos,
De fomes, de tormentas quebrantados.
Por climas e por terras não sabidos!
E do esperar comprido tão cansados
Quanto a desesperar já compelidos,
Por céus não naturais, de qualidade
Inimiga da nossa Humanidade.
X
Enquanto os deuses do QG famoso
Onde o governo está da humana gente,
Se ajuntam em jantar lauto e guloso
Formando um concílio indiferente;
Bebendo vinho fino e espumoso
Vão para a piscina conjuntamente
Convocados da parte do Melhor
Onde domina o Chefe do Estado Maior.
XI
E enquanto isto se passa na formosa
Ilha do Bissau omnipotente,
Defendia a terra a gente belicosa
Lá da banda do Guilege muito quente,
Entre a fronteira da Guiné e a famosa
Base de Salancaur, o sol ardente
Queimava então os homens, que Tifeu
C´o temor grande em heróis converteu.
XII
E o velho careca, de aspecto venerando,
Chefe da Secretaria, cheia de gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes o lápis, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que em nós em volta ouvimos claramente,
C´um saber só de guerras feito,
Tais palavras tirou do esperto peito:
XIII
Ó gloria de mandar, ó vã cobiça,
Desta vaidade, a quem chamamos fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C´uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades nos soldados experimentas!
XIV
A que novos desastres determinas
De levar esta Companhia e esta gente?
Que perigos, que mortes lhes destinas,
Debaixo de algum louvor proeminente?
Que promessas de paz e de minas
Levantadas, que lhe farás tão facilmente?
Que vida lhes prometerás? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?
XV
Deixas criar às portas o inimigo,
Por ires buscar outro de tão longe,
Por quem se despovoe o quartel amigo,
Se enfraqueça e se vá deitando ao longe!
Buscas o incerto e incógnito perigo
Por que a fama te exalte e te lisonge,
Chamando-te senhor inteiro
De Gandembel, do Balana e do Carreiro.
XVI
E tu, Comandante, de grande fortaleza,
Da determinação que tens tomada
Não olhes por detrás, pois é fraqueza
Desistir-se da cousa começada.
E mais, pois excedes em ligeireza
Ao vento leve e à bala bem mandada,
Não esqueças de defender o quartel
                                             A que nós outros chamamos Gandembel.


__________________

Notas de L.G.:


(#) Referência ao trágico dia 4 de agosto em que a CCAÇ 2317 perde, em combate, 4 dos seus elementos, na sequência de uma coluna logística, proveniente de Aldeia Formos, perto da ponte sobre o Rio Changue Iaia. Foram eles o Fur Mil At Inf  Abel  Gomes Simões (natural de Montemor-o-Novo), o Sold At Inf António Pereira Moreira  e  o Sold At Inf Eduardo Costa Pacheco,  ambos de Paços de Ferreira, e ainda o Sol Trms Inf Manuel Roxo Coelho, natural de Castelo Branco. Morreu ainda um soldado do Pel Caç Nat. Há ainda dois feridos graves, que serão evacuados para Lisboa.

(##) Alf Mil At Inf Mário Moreira Maia, o segundo comandante da companhia.






Guiné > Região de Tombali > Carta de Guileje (1956) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Changue Iaia e de Gandembel, ma estrada Aldeia Formosa - Gandembel- Guileje - Gadamael - Cacine.

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domingo, 8 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9714: Memória dos lugares (179): Eu e o João Barge na Ponte Balana, em dezembro de 1968 (Hugo Guerra)


Guiné > Região de Tombali > Ponte Balana > Dezembro de 1968 > Da esquerda para a direita, os Alf Mil Hugo Guerra e João Barge (1945-2010), com os respetivos "lavadeiros"...

Foto: © Hugo Guerra(2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

1. Mensagem de Hugo Guerra (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60, Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70, hoje Cor DFA reformado),  com data de 4 do  corrente:

Caro Luís:

Só há dias fiquei a saber que existia um Cancioneiro de Gandembel e que um dos seus autores seria o João Barge, grande companheiro de abrigo em Ponte Balana onde ambos nos encontrávamos com os respectivos
Pel Caç Nat no final de 1968 e até à retirada, para outros ares menos poluídos.

Eu fiquei na Chamarra e ele acompanhou a CCAÇ  2317 e,  como não o voltei a ver antes de 2000, e na altura não falamos disso, continuei na ignorância.

Na foto que junto, estamos os dois na Ponte Balana com "as nossas lavadeiras", dois rapazes que já acompanhavam o meu Pelotão quando eu aportei a Gandembel.

Tinham algumas missões espinhosas, nomeadamente a de tentar manter com algum ar os colchões de borracha onde tentávamos dormir,tarefa inglória porque os buracos de estilhaços eram muito mais do que os poucos remendos que conseguíamos sacar aos amigos da ferrugem.

Levavam cerca de meia hora a assoprar para que os "alferos" tivessem cinco minutos de consolo...
O resto das noites eram passadas com os ossos em cima dos cunhetes de munições.

Um abraço do
Hugo Guerra
__________________


quinta-feira, 5 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9704: O Cancioneiro de Gandembel (4): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte IV) (Idálio Reis)












Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2317 (1968/69) >  O "suplício de Sísifo": os homens-toupeira construindo (e defendendo) a sua "casa" no "corredor da morte", em tempo recorde...


Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Continuação do texto da autoria de Idálio Reis (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835 (Gandembel e Ponte Balana, Nova Lamego, 1968/69) [ aqui com o João Barge, um dos autores de "Os Gandembéis", em Monte Real, 2010]:




Os Gandembéis: O Nosso Cancioneiro, as nossas músicas, os nossos poetas (Parte IV) (*) (**)



XII

Já o raio Apolíneo visitava
As terras de Gandembel acendido,
Quando o Moura c´os seus determinava
Que o quartel depressa fosse construído.
A gente na mata muito trabalhava
Como se fosse o engano já sabido;
Mas pôde suspeitar-se realmente
Que o turra nos detectou facilmente.


XIII
Quais para a cova as próvidas formigas,
Levando o peso grande acomodado
As forças exercitam, de inimigas
Ao inimigo turra assanhado;
Ali são seus trabalhos e fadigas,
Ali mostram vigor nunca esperado:
A tanto os soldados andam trabalhando
E c´o a arma amiga sempre vigiando.


XIV
Eis, um dia, no quartel o fogo se levanta
Com furiosa e dura artilharia:
O canhão pela mata o brado espanta
E o morteiro o ar retumba e assobia.
O coração das tropas se quebranta,
C’ o ataque grande o sangue lhes resfria.
Já foge o escondido, de medroso,
E morre o incauto aventuroso.


XV
Não se contenta a gente portuguesa
Mas, sentindo a vitória, destrói e mata;
O soldado, a peito descoberto e sem defesa,
Contra ataca, reage e desbarata.
Da ofensiva ao turra já lhe pesa
Que bem cuidou comprá-la mais barata
Destarte, enfim, o português castiga
A vil malícia, pérfida e inimiga.


XVI

Ao 15 de Julho somos chegados
Que há muito ali estávamos passando,
Por sítios nunca d’outrem penetrados
Prosperamente os ventos assoprando.
Nessa noite, estando mui cansados,
Nos postos os sentinelas vigiando,
Subitamente o turra aparece
E com canhões e morteiros os ares escurece.


XVII
Tão temeroso vinha e carregado,
Que pôs nos corações um grande medo;
Disparando onze canhões, de longo brado,
E tentando o assalto ao grã Rochedo;
Morre o Araújo, ó triste fado, (#)
Um valoroso a menos neste vil degredo!
Já blasfema da guerra, e maldizia,
O Velho inerte e a mãe que o filho cria.


XVIII
Uma reacção medonha s´alevanta
No rude soldado que trabalha,
Com grande tiroteio a turra gente espanta,
Como se visse em hórrido batalhão
Disparam armas e granada tanta,
Pois não têm nesta noite quem lhes valha,
Acolhendo-se à vala que conhecem,
Só as cabeças no cimo lhe aparecem.


XIX
Vem Setembro, e uma nova granada
Se nos mostra no ar, passa e assobia;
Vem outra e outra, ó cousa danada,
Que os céus quebranta e a terra fendia.
Com mágoas de raiva, a gente assustada
Sai dos abrigos e à vala se acolhia;
Estragos fez tão dignos de memória
Que não cabem em verso ou larga história.


XX
Qual míssil estrondoso se veria
No Vietnam, o espaço sulcando
E a morte espalhando na terra fria,
Assim o cento e vinte vai troando. (##)
E vós ó medalhados, triste ironia,
Não cuideis mentira o que estou falando.
Vejam agora os sábios da Escritura
Que segredos são estes da Natura!


XXI
Tão grande era de carga, que bem posso
Certificar-vos que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do Mundo:
Com estrondo enorme, horrendo e grosso,
Que mais parecia vir do outro mundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo
A mim e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo.


XXII
Oh! Caso grande estranho e não cuidado!
Oh! Milagre claríssimo e evidente!
Oh! Descoberto assalto e inopinado!
Oh! Pérfida, inimiga e falsa gente!
Quem poderá do mal aparelhado
Livrar-se sem perigo, sabiamente,
Se lá de Cima a guarda Soberana
Não acudir à fraca força humana?


XXIII
Ei-los subitamente se lançavam
Com as suas armas ligeiras que traziam;
Outros com torpedos arrebentavam
O arame farpado, e deitados se acolhiam;
Dum lado e doutro súbito saltavam
E na porta d´armas vozes se ouviam:
“Entra!! Entra!! Ó tropa vai embora!”
E cada um pensa chegada a sua hora.


XXIV
Sonoras vozes incitavam
Os ânimos belicosos ressonando
Dos turras os tiros que o ar coalhavam,
E os very-lights a mata iluminando.
As bombardas horríssonas bramavam,
Com as granadas de fumos a luz tomando;
Avolumam-se os brados acendidos
À mistura de sangue, dor e gemidos.


XXV
Trava-se a dura e incerta guerra:
De ambas as partes tudo se abala;
Uns leva a defesa da própria terra,
Outros a esperança de ganhá-la.
Logo o grande Lopes, em que se encerra
Todo o valor, primeiro se assinala:
À bazooka se arremete e a terra, enfim, semeia
De sangue dos que tanto a desejam, sendo alheia.


XXVI
Cabeças pelo campo vão saltando,
Braços, pernas, sem dono e sem sentido,
E de outros as entranhas palpitando,
Pálida a cor, o gesto amortecido.
Já perde o assalto o exército nefando,
Correm rios de sangue desparzido,
Com que também da mata a cor se perde
Tornada vermelha, de branca e verde.


XXVII
Destarte o turra, atónito e turvado,
Toma sem tento as armas mui depressa.
Já foge, e de desesperado
O sinal de retirada arremessa.
O obus não pára, mas o soldado
Da arma ligeira, o fogo cessa.
Com tanto esforço e arte e valentia
Assim luta o soldado desta Companhia.

(Continua)


____________


Notas de L.G.

(#) Alf Mil Inf José Araújo, comandante de um  Pel Caç Nat 69 acabado de chegar a Gandembel, morto no "medonho" ataque de 15 de julho de 1968. De seu nome completo, José Manuel (ou Juvenal ?) Ávila Figueiredo Araújo, nascido no Funchal e aqui sepulatdo (no cemitério de Angústias)

(##) Morteiro 120: terá sido usado pela primeira vez, em Gandembel, contra as NT.
___________



Notas do editor:

(*) Postes anteriores da série >

28 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9672: Cancioneiro de Gandembel (1): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte I) (Idálio Reis)

29 de março de 2012 >
Guiné 63/74 - P9676: O Cancioneiro de Gandembel (2): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte II) (Idálio Reis)

3 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9695: O Cancioneiro de Gandembel (3): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte III) (Idálio Reis)

(**) Fonte: REIS, Idálio - A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné: Gandembel / Ponte Balana. Ed. de autor, [Cantanhede], 2012, pp. 204 e ss. [Livro a lançar no dia 21 de Abril de 2012, em Monte Real, no nosso VII Encontro Nacional; um exemplar será oferecido pelo autor aos camaradas inscritos].

terça-feira, 3 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9695: O Cancioneiro de Gandembel (2): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte III) (Idálio Reis)



Guiné > Região de Tombali > Março de 1968 > CCAÇ 2317 (1968/69) > Após o Treino Operacional na região do Oio (Olossato e Mansabá), a Companhia segue rumo ao Sul da Província. Poucos dias em Guileje, para então nos coagirem a ir para as cercanias do "corredor da morte", a fim de se construir de raiz, um posto militar fixo, em Gandembel e Ponte Balana A primeira etapa foi por via fluvial e até Cacine, a bordo de uma LDG, aonde aportam a 19 de março de 1968.





Guiné > Região de Tombali >
Guileje > CCAÇ 2317 (1968/69) > Março de 1968 > Durante a permanência em Guileje, foi-se recolhendo algum material para a construção de Gandembel/Ponte Balana. É o caso do aproveitamento de palmeiras, de cujos espiques se extraíam os cibes Na foto, um aspecto do abate das palmeiras.





Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2317 (1968/69) > Março de 1968 > Na fase de carregamento dos cibes.


Fotos (e legendas): © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos Direitos reservados.


1. Continuação do texto da autoria de Idálio Reis (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835 (Gandembel e Ponte Balana, Nova Lamego, 1968/69):


Os Gandembéis: O Nosso Cancioneiro, as nossas músicas, os nossos poetas (Parte III) (*) (**)


(...) Já se torna bastante diferente, a narrativa seguinte, que os autores apelidaram de “Os Gandembéis”. É escrita em circunstâncias inteiramente distintas das do Hino, onde o último local de permanência, em Nova Lamego, ofertava um clima de paz, de sossego e tranquilidade.



A sua leitura, feita nos dias de hoje, parece trazer uma inefável doçura, dada a exemplar ilustração da história da nossa Companhia.


Trata-se de um texto, composto e adaptado por ‘2 humildes anónimos’ [, um deles o saudoso João Barge (1944-2010), foto à esquerda, no nosso V Encontro Nacional, em 2010, uns meses antes de morrer],  que procurou fundamentalmente narrar a acção (épica), que um punhado de homens que então compuseram a CCAÇ 2317, tiveram que passar em terras da Guiné, mas onde prevalece pelas razões invocadas nestas memórias, os sítios contíguos ao rio Balana.








OS GANDEMBÉIS > Canto I


I
As armas e os barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por sítios nunca dantes penetrados
Passaram ainda além do Rio Balana,
E em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
Entre gente remota edificaram
Novo Reino que depois abandonaram;


II
E também as memórias gloriosas
Daqueles heróis que foram dilatando
A Fé, o Império e as terras viciosas
Do Olossato e Mansabá andaram conquistando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando;
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar engenho e arte.


III
Cessem do Corvacho e do Azeredo
As conquistas grandes que fizeram;
Cale-se do Hipólito e do Loredo (#)
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto os que não tiveram medo
A quem Nino e Cabral obedeceram.
Cesse tudo o que a antiga musa canta
Que a dois três dezassete mais alto s’ alevanta.


IV
Por estes vos darei um Maia fero,
Que fez ao Moura e ao Calças tal serviço.
Um Nunes e um Dom Veiga (##), que de Homero
A Cítara para eles só cobiço;
Pois pelos Dois pares dar-vos quero
Os de Gandembel e o seu Magriço;
Dou-vos também o ilustre Goulart,
Que para si em Minas não tem par.


V
E, enquanto eu estes canto, e a vós não posso,
Bigodes Reis, que não me atrevo a tanto, (###)
Tomai as rédeas vós, do Grupo vosso:
Dareis matéria a nunca ouvido canto.
Começai a sentir o peso grosso
(Que pela Guiné toda faça espanto)
De RDMs e recusas singulares
De Gandembel as terras e do Carreiro os ares.(####) 


VI
E, o que a tudo, enfim, me obriga
É não poder mentir no que disser,
Porque de feitos tais, por mais que diga,
Mais me há-de ficar ainda por dizer.
Mas, porque nisto a ordem leva e siga,
Segundo o que desejais de saber,
Primeiro tratarei da larga terra
Depois direi da sanguinosa guerra.


VII
Partiu-se de manhã, c’o a Companhia,(#####)
De Guileje o Moura despedido,
Com enganosa e grande cortesia,
Com gesto ledo a todos e fingido.
Cortam as viaturas a longa via
Das bandas do Carreiro, no sentido
De ir construir um quartel
Na inóspita e deshabitada Gandembel.


VIII
Já na estrada os homens caminhavam,
O intenso capim apartando;
Os ventos brandamente respiravam,
Nas viaturas as minas rebentando;
Da negra missão os soldados se mostravam
Decididos; e os aviões vão apoiando
A coluna com muita acrobacia
Porque no mais não passa de «fantasia.


IX
As roquetadas vêm do turra e juntamente
As granadas mortíferas e tão danosas;
Porém a reacção não consente
Que dêem fogo às hostes temerosas;
Porque o generoso ânimo e valente,
Entre gentes tão poucas e medrosas,
Não mostra quanto pode, e com razão:
Que é fraqueza entre ovelhas ser leão.


X
Da bolanha escondida, o grão rebanho,
Que pela mata foi aparecido,
Olhando o ajuntamento lusitano
Ao soldado foi molesto e aborrecido;
No pensamento cuida um falso engano,
Com que seja de todo destruído.
E, enquanto isto no espírito projectava,
Já com morteiros e canhões atacava.


XI
E uma noite se passou nesta rota
Com estranha emoção e não cuidada
Por acharem da terra tão remota
Nova de tanto tempo desejada.
Qualquer então consigo cuida e nota
No inimigo e na maneira desusada,
E como os que na errada missão creram
Tanto por toda a Guiné se estenderam.

(Continua)

Notas de L.G.:

(#) Cap Eurico Corvalho, comandante da CART 1613 (Guileje, 1967/68), falecido a 22/12/2011.  Cap Carlos Azeredo, cmdt da CCAV 1616(BCAV 1879, que esteve no Olossato. Quanto ao Hipólito e ao Loredo, pede-se ao idálio Reis para identificar estes dois comandantes de companhia que, presume-se, andaram pela região do Oio, e devem ter pertencido ao BCAV 1879, 1966/68 (que, além da CCAV 1616, tinha ainda a CCAV 1615 e a CCAV 1617).

(##)  Cap Inf Jorge Barroso de Moura, cmdt da CCAÇ 2313 (hoje general reformado); Alf Mil At Inf Mário Moreira Maia; Fur Mil At Viriato Martins Veiga; Sold apont metralhadora Jerónimo Botelheiro Nunes (a confirmar), cujo municiador morreu a 28/3/1968, nas imediações de Guileje

(###) Alf Mil At Inf Idálio Rodrigues F. Reis (hoje, eng agron ref, membro da nossa Tabanca Grande, residente  em Cantanhede); Fur Mil At Inf Mário Manuel Goulart.

(####) Carreiro= Corredor de Guileje, corredor da morte...

(#####) Depois de passar, na IAO,  por Mansabá e Olossato (de 15/2 a 15/3/1968), a CCAÇ 2313 seguiu de LDG para Cacine, e esteve em Guileje por pouco tempo (aí fazendo colunas logísticas para Gadamael e cortando cibes). A 8 de Abril de 1968 foi destacada para Gandembel, com a missão de construir um aquartelamento de raíz. Mas a 28 de março, tem os seus dois primeiros mortos, o Domingos Costa (Olival/vIla Nova de Gaia) e Manuel Meireles Ferreira (Pópulo / Alijó). A 8 de abril participa na Op Bola de Fogo...


___________


Notas do editor:


(*) Últinmo poste da série > 29 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9676: O Cancioneiro de Gandembel (2): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte II) (Idálio Reis)


(**) Fonte: REIS, Idálio - A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné: Gandembel / Ponte Balana. Ed. de autor, [Cantanhede], 2012, pp. 201-204. [Livro a lançar no dia 21 de Abril de 2012, em Monte Real, no nosso VII Encontro Nacional; um exemplar será oferecido pelo autor aos camaradas inscritos].

quarta-feira, 28 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9672: Cancioneiro de Gandembel (1): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte I) (Idálio Reis)


Monte Real, Palace Hotel, 26 de Junho de 2010 > V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > O saudoso João Barge (1944-2010), ao meio, com o Idálio Reis (à direita, segurando uma cópia das letras do Cancioneiro de Gandembel) e o camarada Eduardo Moutinho dos Santos, ex-capitão miliciano (que comandou a CCaç 2381 "Os Maiorais", 1968/70),  hoje advogado e presidente da Mesa da Assembleia Geral da ONG Tabanca Pequena (Matosinhos).

O João, já o conhecia, superficialmente, de um dos primeiros convívios da Tabanca do Centro. Natural de Aveiro, foi +professor no Instituto Politécnico de Leiria. Agora, o que não imaginava é que ele era também um dos homens-toupeira de Gandembel e um dos famosos letristas do Cancioneiro de Gandembel. Daí ele aparecer ao lado do Idálio Reis que, de resto, me ficou de mandar uma cópia das letras do Cancioneiro (que não se resume ao hino)... Infelizmente, uns meses depois  a morte  roubou-nos o João Barge. 

  

Foto: © Luís Graça (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Nos dia 9 e 10 do corrente, troquei com o Idálio Reis (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835 (Gandembel e Ponte Balana,  Nova Lamego, 1968/69)
  a seguinte correspondência:

1.1. Idálio: (...) Diz-me se posso publicar,  no todo ou em parte, no nosso blogue, os Gandembéis!... Aliás, gostava que fosses tu a apresentar: (i) o hino de Gandembel; e (ii) Os Gandembéis (incluindo a introdução sobre o vosso quotidiano em Gandembel)...


Ainda não tinha visto nada parecido, uma magnífica paródia dos Lusíadas!... (Bem, o nosso poeta Manuel Maia, o bardo do Cantanhez, fê-lo em relação à história de Portugal, mas é produção recente)...

Arte, mestria, drama, tragédia, epopeia, humor de caserna!... Uma obra-prima que mete o Cancioneiro do Niassa a um canto (sem desprimor para os anónimos autores, dos 3 ramos das forças armadas, da base de Metangula, que escreveram as letras das cerca de 4 dezenas de canções que integram o cancioneiro moçambicano).

Isto foi escrito em 1969, ainda no calor da batalha, seguramente não muito longe de Gandembel... Ainda cheira a pólvora, ainda sabe a sangue, suor e lágrimas:

(...) "Em Gandembel, tanta tormenta e tanto dano,
Tantas as vezes a morte apercebida,
No arame farpado, tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida;
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida ?
Que não se arme e se indigne o céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno. (...)


Isto só pode ter sido escrito por gente com talento (literário), cultura, sensibilidade e... muitos dias de sofrimento e de insónias!!!


Quem são os seus autores ? Tu falas em "2 humildes anónimos"... Isto é claramente "made in Guinea", embora pós-Gandembel, quando vocês foram para o leste, para o Gabu, segundo percebi... Foram escritos em Nova Lamego, é isso, na "ressaca" de Gadembel ?!...Tinhas uma cópia em papel ? Foi reconstituído mais tarde ? De memória, seria impossível... Tens seguramente uma cópia...Nunca me tinhas falado dos "Gandembéis"...

Estou em pulgas para começar a publicar isso, numa nova série, com o teu nome associado... De alguma maneira, estamos ali todos naqueles cantos e naquelas oitavas decassílabas (são cerca de 65 estrofes, divididas por 4 cantos!)... Diz-me qualquer coisa... 


Como sabes, o blogue deu a conhecer ao mundo "o suplício de Sísifo" de Gandembel, há uns anos atrás, na série Fotobiografia da CCAÇ 2317 (*)...Mas hoje temos muito mais audiência: em média, 4 mil visitas por dia (...)

1.2. Respostade Idálio Reis, com data de 10 do corrente:


Meu caro Luís: Em primeiro, aflorarei alguns aspectos quanto à divulgação do livro. Como te referi, atendendo a que o meu primeiro convívio de ex-camaradas da tropa é o de Monte Real, é meu desejo que o início da sua partilha tenha efectivamente aí lugar.

É para a tertúlia da Tabanca Grande, um dia de festa-convívio, e surge a ocasião mais que propícia para se concretizar esta intenção. E terá um digno cicerone, que é o J. Mexia Alves.

Também, como facilmente reconheces, já houve alguns pedidos para o seu envio, e a resposta foi sempre a mesma: (i) se lá estiveres, tudo bem; (ii) acaso não puderes estar presente, pede a um companheiro mais afim para to levar.

Abri, se a palavra for recta, com todo o carinho, duas excepções: há dias, apareceu-me o Paulo Santiago em minha casa, veio propositadamente de Aguada - não é longe da minha aldeia - com quem partilhei um exemplar, com um outro como portador para o seu conterrâneo Victor Tavares. O Torcato Mendonça, para ficar mais sossegado, enviei-lhe a cópia final das provas, em formato pdf.


E sobre isto, julgo que terias o mesmo procedimento, ou haverá algum equívoco da minha parte?

Quanto ao capítulo Os Gandembéis, imodéstia à parte, ficou bem, até porque junta alguma gente da Companhia. Já há muito tempo, o Blogue divulga o Hino. Desde o meu António Almeida, de alguns baladeiros, até aos Furkuntunda, foi uma dádiva muito especial.

Quanto aos Gandembéis, obviamente que sabia da sua existência, mas só consegui obter uma cópia, já em período posterior aos meus apontamentos no Blogue. Como referes, é uma obra-prima. Está lá a história da Companhia, inclusive a do Bigode Reis, que pela Guiné toda faça espanto, de RDMs e recusas singulares, de Gandembel as terras e do Carreiro os ares. E há um fundo de verdade, nestas palavras.

É uma obra que o apaziguador tempo de Nova Lamego proporcionou.  Os seus autores, são anónimos e humildes. De todo o modo, faço-te a revelação: um deles, foi o malogrado e inesquecível João Barge, um filólogo de escol, e que decerto seria a única pessoa capaz de emprestar tanta arte e sensibilidade à sua pena.

Ainda que tivesse surgido em Gandembel, nos finais de outubro/princípios de novembro [de 1968], e num período em que se vivia já numa situação de mais alívio, teve a ajuda de um dos pioneiros da Companhia, um ex-furriel que ao tempo já era professor primário.

Luís, quanto à sua antecipada divulgação, fica ao teu critério. O capítulo tem um texto meu, e o resto já sabes. Para o efeito, faço anexar esse capítulo.


Por fim, uma mensagem. Gostava muito, que o livro fosse inserto da forma que já te enunciei. Ao Blogue, pertence-lhe uma grande quota-parte do seu aparecimento.

Um caloroso abraço do Idálio Rreis.


Guiné > Zona leste >  Nova Lamego (?) > CCAÇ 2317 (1968/69)  > Depois do abandono de Gandembel / Ponte Balana, em 28 de janeiro de 1969, por ordem do Com-Chefe, a companhia  é colocada no leste, no Gabu... 372 ataques e flagelações em menos de 9 meses (abr 68/ jan 69) é capaz de ser um recorde digno do Guiness... Foto nº 223, do álbum de Idálio Reis.



Guiné > Região de Tombali > Gandembel / Balana >CCAÇ 2317 (1968/69) > O Alf Mil Reis, junto à ponte sobre o Rio Balana, Balanazinha, construída em 1946. Foto do álbum de Idálio Reis.

Foto: © Idálio Reis  (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


2. OS Gandembéis: O Nosso Cancioneiro, as nossas músicas, os nossos poetas (Parte I)

por Idálio Reis (*)

Na fria e imensa crueldade dos sofridos tempos de vivência em Gandembel, não seria possível resistir, por inteiro, se um forte espírito de solidariedade e de companheirismo não se irmanassem numa incontida e estóica perseverança. Teria de haver, alicerçada na junção indefectível daqueles homens, tantas e tantas vezes assolados pela perfídia do inimigo, ocasiões a surgirem, para podermos desfrutar de bons momentos de lazer, já que tão essenciais elas se revelavam no alívio de almas angustiosas e inquietantes, que aquele malévolo poiso, acintosa e despudoradamente,  desencadeava.

Se, de todo, jamais poderíamos ficar indemnes a essas incontáveis vicissitudes resultantes das diversas contingências de uma guerra que não dava tréguas, forçosamente teríamos que arranjar formas capciosas de as enfrentar, a fim de serenar os nossos abalados espíritos. A confraternização entre todos, era a mola crucial para o esconjuro, e muito certamente a forma mais enternecedora para superar os fantasmas, que assolavam pungentemente os nossos lídimos sentimentos de aversão e revolta.

No geral, já com a Companhia instalada nas suas casernas-abrigo, e quando as tarefas não se tornavam impeditivas, as tardes propiciavam à junção de grupos mais afins, para reinventarem entretenimentos, e deixar passar o tempo insinuantemente, e que representavam autênticos momentos de um indelével prazer, à mercê da espontaneidade e da imaginação que cada um de nós fazia surtir, para vir a ser a preferida de momento.

Para além de incluir o arranjo de certos artefactos de carácter colectivo, tendentes ao conforto, como os casos de pequenas cabanas muito simples, onde coubessem uma mesa e bancos, de chuveiros em que a água emanasse em maior débito, ou até de zonas da lavagem de roupa ou das marmitas/latas do rancho, havia lugar às brincadeiras de puro divertimento e encanto, que a meninice retivera, mas com um único senão, que era a zona de recreio ser limitativa, imposta por razões de segurança pessoal. É que mesmo durante a claridade do dia, não se inibia a que houvesse olhos e ouvidos permanentemente atentos à emergência de putativos perigos advindos do exterior ao arame farpado.

Mas, se uns tinham mais apetência pelos jogos ao ar livre, outros preferiam os passatempos de caserna, onde preponderava a arte da prestidigitação dos baralhos de cartas, em que o jogo da sueca detinha uma larga primazia. Formaram-se parelhas de grande valia, particularmente difíceis de derrotar nalguns campeonatos que se realizavam a troco de umas cervejas frescas, que era a bebida de maior requinte, que de quando em vez até surgia em Gandembel.


Havia uns quantos, mais propensos a outros tipos de iniciativas, de índole branda e afectiva, que através de um singelo aerograma, buscavam corresponder-se com uma madrinha de guerra de encantamento e sedução, e que em determinadas circunstâncias, muitas vezes se vieram a tornar elementos fundamentais na estabilidade de temperamentos emotivos.

Havia também os mais artífices, que em geral, transformavam produtos utilizados da guerra, em pequenos e preciosos artigos de paz, que se guardavam como adereços de primazia, e ainda hoje perduram como gratificante recordação da comissão.

Mas, os de carácter mais expansivo, talvez os que melhor sabiam contrapor a tolerância às hostilidades, de forma a quietarem as suas incomodidades, entretinham-se no cantarolar ou assobiar as músicas das canções em voga, aprendidas nos bailaricos de há poucos meses atrás.

No trauteio dessas canções, havia uma colectânea vasta para fazer surgir o despique, como forma de reconhecer os mais exímios no ajuste ressonador dessas melopeias.

E daí, surgiu espontaneamente uma ocasião única, singular, um momento particularmente grato, de alguém ter concebido com imaginação e engenho, o hino de Gandembel. Após algumas sessões de requintada afinação, não duraria muito tempo para que não fosse amplamente aceite por toda a Companhia. 


(Continua)
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Notas do editor:

(*) Vd.  postes da série:

16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá

9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo´

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel

2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras

9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel

23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço

21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28

8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968

19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques

18 de Setembro de 2007>Guiné 63/74 - P2117: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (10): O terror das colunas no corredor da morte (Gandembel, Guileje)

10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)

(**) Fonte:  REIS, Idálio - A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné: Gandembel / Ponte Balana. Ed. de autor, [Cantanhede], 2012, pp. 197-198.